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Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo
Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo
Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo
E-book474 páginas6 horas

Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo

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Sobre este e-book

Os partidos políticos brasileiros estão divorciados da sociedade civil? Essa é a pergunta que o livro Partidos, classes e sociedade civil no Brasil contemporâneo busca responder. Afinal de contas, falar mal dos partidos políticos tornou-se um verdadeiro esporte nacional. Seja nas rádios ou nas bancas de jornais, seja nos bares ou nos encontros familiares, seja nas escolas ou nas fábricas, a crítica aos partidos sempre está presente quando o assunto é política. E não sem que haja alguma razão para tanto...
Com base em uma rigorosa pesquisa sobre a inserção dos partidos brasileiros em organizações da sociedade civil como igrejas, centrais sindicais, sindicatos patronais, clubes esportivos, escolas de samba, entidades estudantis e representações campesinas, entre outras, o livro desmente a opinião presente no senso comum e nos meios de comunicação de que os partidos estariam afastados da sociedade. Com uma linguagem clara e didática, o autor faz com que termos complexos da Ciência Política e da Sociologia Política tornem-se acessíveis ao grande público.
Como o leitor perceberá, os partidos estão presentes, sim – de modos distintos, é claro –, no cotidiano da sociedade civil brasileira. E essa ancoragem social constitui elemento fundamental – ainda que não seja somente ela – para a sobrevivência do sistema partidário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de ago. de 2021
ISBN9786525009568
Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo

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    Partidos, Classes e Sociedade Civil no Brasil Contemporâneo - Theófilo Rodrigues.

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Manu

    Mas quem é o partido?

    Ele fica sentado em uma casa com telefones?

    Seus pensamentos são secretos, suas decisões

    desconhecidas?

    Quem é ele?

    Nós somos ele.

    Você, eu, vocês – nós todos.

    (Bertolt Brecht)

    PREFÁCIO

    Parafraseando Rousseau – que já havia nos dito que Maquiavel não pretendia dar lições a um príncipe, mas ao fingir fazê-las tinha o intuito de dá-las ao povo – ao nos dizer que vai falar de partidos, Theófilo Rodrigues faz um instigante apanhado do tecido social politicamente organizado no Brasil. Não, o leitor não foi enganado. Nosso autor, tomando emprestadas as expressões de Celso Lafer – ao analisar a obra de Hanna Arendt – utiliza uma perspectiva "ex part populis" e não "ex part pincipis" para analisar os partidos políticos no Brasil. Ele observa os partidos sob o ângulo da sociedade civil e não o das instituições políticas tradicionais. É como se o autor escolhesse olhar para o seu objeto de baixo para cima e não de cima para baixo, usando uma alegoria algo imprecisa, mas bastante vulgarizada. Essa é, possivelmente, a maior contribuição deste trabalho, que ganha, assim, contornos de originalidade.

    A literatura especializada em partidos políticos é vasta e longeva. Desde os clássicos até os contemporâneos – passando por alguns autores consagrados como Robert Michels, Maurice Duverger, Giovanni Sartori e mais recentemente Panebianco – esse campo de estudos está assentado em três grandes chaves: a) partidos políticos e sistemas eleitorais; b) comportamento partidário e representação política parlamentar; c) organização partidária, processo decisório e morfologia dos partidos políticos. Todas perspectivas voltadas para a vida institucional e representativa dos partidos políticos. Há uma forte tradição brasileira de estudos partidários que antecede e perpassa a virada analítica e metodológica perpetrada por Figueiredo e Limongi, no final da década de noventa do século passado. Essa tradição tem dado muitos frutos e grandes contribuições para desvelar esse objeto dentro das chaves mencionadas.

    Em outra direção, a perspectiva da Sociologia Política é o que anima este livro e a forma de acessar essa perspectiva o seu diferencial. O ponto central do argumento desenvolvido é o de que a Sociologia Política também tem muito a contribuir com os estudos sobre os partidos a partir de investigações sobre as relações entre os partidos e as organizações da sociedade civil, como se pode constatar na primeira parte da obra. Sustenta-se o ponto de que os partidos estão presentes no cotidiano da sociedade civil brasileira, ainda de que de modos distintos de acordo com a classificação cuidadosamente organizada pelo autor. Essa ancoragem social constituiria elemento fundamental para a sobrevivência do sistema partidário.

    Além da contribuição acadêmica para o campo da Sociologia Política dos partidos no Brasil, tal como já havia feito Ingrid Sarti em Da outra Margem do Rio, os partidos políticos em Busca da Utopia (2006), quatro contribuições ao debate público devem ser destacadas. A primeira é o enfrentamento do tema da importância e valorização dos partidos políticos em um contexto em que se tornou lugar comum falar mal dos partidos: tidos como economicamente disfuncionais, socialmente desenraizados e politicamente perniciosos à democracia. Nas páginas que seguem, os partidos encontram centralidade na vida democrática. A segunda contribuição se assenta na atenção que este livro dedica ao esforço de estabelecer claras diferenças entre os partidos, no que diz respeito ao seu enraizamento social. Importante elucidação em um debate público marcado pela condenação indiscriminada dos partidos, tratados pejorativamente como todos iguais. Uma terceira contribuição diz respeito ao debate em torno da alegada crise da representação. Já se argumentou que viveríamos menos uma crise da representação do que uma transformação das formas representativas e suas instituições em um processo de pluralização da representação que deslocaria a centralidade dos partidos que agora convivem e de certo modo concorreriam com formas cada vez mais variadas de vocalização de interesses sociais em uma cada vez mais complexa sociedade civil. O livro chama a nossa atenção para as interações e sinergias ativas e positivas entre essa pluralização e os partidos políticos. A quarta contribuição se volta para a avaliação positiva do enraizamento social dos partidos políticos nas organizações e movimentos da sociedade civil. Na contramão do enquadramento que denuncia indiscriminadamente o chamado aparelhamento partidário do mundo social organizado, este livro valoriza a interação positiva entre partidos, organizações e movimentos sociais que se beneficiariam mutuamente dessa tessitura, constituindo um dos pilares de uma vida democrática pujante.

    Por fim, cabe ainda dizer que Theófilo Rodrigues, neste livro, apresenta-se como um pesquisador ao mesmo tempo atento aos movimentos do mundo ao seu redor, arguto quanto aos detalhes dos dados de pesquisa e perspicaz em relação ao debate no qual está inserido. Alia esses talentos com sua paixão política – no sentido das afecções da alma, no dizer de Gérard Lebrun – por intermédio da qual é compelido a se posicionar diante das alternativas. Trata-se de um exemplo da sinergia positiva de duas vocações: ciência e política. Se isso já se mostrava claro na primeira parte do livro, na segunda parte, a dos estudos miscelâneos, torna-se ainda mais evidente. Essa composição é todo o tempo acompanhada por várias referências marxistas, marca indelével do autor. Como já se disse, no entanto, o marxismo é uma filosofia profana e, como tal, deve ser encarada aos moldes dos hereges, sem respeitar dogmas ou verdades imutáveis. Tarefa que nosso autor realiza com finura e dignidade.

    Paulo M. d’Avila Filho

    Professor do Departamento de Ciência Política da UERJ

    25 de março de 2021

    LISTA DE SIGLAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 21

    PARTIDOS POLÍTICOS IMPORTAM? 22

    CIÊNCIA POLÍTICA OU SOCIOLOGIA POLÍTICA? 26

    OS PARTIDOS NA SOCIEDADE CIVIL 29

    MÉTODOS DE EXPOSIÇÃO E DE INVESTIGAÇÃO 32

    PARTE I: DA SOCIOLOGIA DOS PARTIDOS

    1: A GÊNESE PARTIDÁRIA NO BRASIL 39

    2: PARTIDOS E CENTRAIS SINDICAIS 49

    2.1 CENTRAIS SINDICAIS DE PARTIDARISMO ORGÂNICO 54

    2.2 CENTRAIS SINDICAIS DE PARTIDARISMO INORGÂNICO 59

    3: PARTIDOS E SINDICATOS PATRONAIS 63

    3.1 A BURGUESIA INDUSTRIAL E SEUS PARTIDOS 64

    3.2 A BURGUESIA COMERCIAL E SEUS PARTIDOS 68

    3.3 A BURGUESIA AGRÁRIA E SEUS PARTIDOS 70

    3.4 A BURGUESIA FINANCEIRA E SEUS PARTIDOS 72

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 74

    4: PARTIDOS E O MOVIMENTO CAMPESINO 77

    5: PARTIDOS E O MOVIMENTO ESTUDANTIL 85

    6: PARTIDOS E MOVIMENTOS DE GÊNERO, RAÇA

    E SEXUALIDADE 95

    7: PARTIDOS, CLUBES DESPORTIVOS E ESCOLAS DE SAMBA 101

    7.1 PARTIDOS E CLUBES DESPORTIVOS 102

    7.2 PARTIDOS E ESCOLAS DE SAMBA 107

    8: PARTIDOS E ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS 113

    8.1 BREVE HISTÓRIA DA RELAÇÃO ENTRE RELIGIÕES E PARTIDOS 114

    8.2 RELIGIÃO E ORGANIZAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL PÓS-1985 119

    8.3 RELIGIÃO E ORGANIZAÇÕES SUPRAPARTIDÁRIAS NO BRASIL 125

    9: PARTIDOS E O MOMENTO DISRUPTIVO NO BRASIL 129

    9.1 ESTADO E SOCIEDADE NOS GOVERNOS LULA E DILMA 130

    9.2 DO MOMENTO DISRUPTIVO DE 2013 AO GOLPE PARLAMENTAR

    DE 2016 139

    9.3 DO GOLPE PARLAMENTAR DE 2016 À ELEIÇÃO DE BOLSONARO

    EM 2018 153

    10: PARTIDOS E MOVIMENTOS POLÍTICOS DE DIREITA 159

    11: PARTIDOS E FRENTES SOCIAIS DE ESQUERDA 171

    11.1 FRENTE POVO SEM MEDO E FRENTE BRASIL POPULAR 175

    12: AS RELAÇÕES ENTRE CLASSES SOCIAIS E PARTIDOS NA

    TEORIA POLÍTICA 181

    13: OS PARTIDOS ESTÃO PRESENTES NA SOCIEDADE

    CIVIL BRASILEIRA? 189

    PARTE II: ESTUDOS MISCELÂNEOS

    14: ESTUDOS DE CASO SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA 195

    14.1 ESTUDOS SOBRE OS PARTIDOS DA REPÚBLICA DE 46 197

    14.2 ESTUDOS SOBRE OS PARTIDOS DA DITADURA 205

    14.3 ESTUDOS SOBRE OS PARTIDOS DA NOVA REPÚBLICA 207

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 212

    15: NOTAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO PARTIDÁRIA DAS COMUNISTAS NO BRASIL 213

    15.1 A GÊNESE MASCULINA DO PARTIDO COMUNISTA DO

    BRASIL (1922-1945) 215

    15.2 AS COMUNISTAS NA REPÚBLICA DE 46 (1946-1964) 220

    15.3 AS COMUNISTAS NA DITADURA MILITAR (1964-1979) 224

    15.4 AS COMUNISTAS NA NOVA REPÚBLICA (1985-2018) 226

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 234

    16: REALINHAMENTOS PARTIDÁRIOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (1982-2018) 237

    16.1 O CHAGUISMO COMO MARCA DE ORIGEM 238

    16.2 O CONTRAPONTO BRIZOLISTA (1982-1994) 240

    16.3 O BRIZOLISMO EM CRISE (1994-2002) 244

    16.4 A HEGEMONIA PEEMEDEBISTA (2002-2016) 248

    16.5 A CRISE DO PMDB E O AVANÇO EVANGÉLICO (2016-2018) 252

    CONSIDERAÇÕES FINAIS: A HIPÓTESE DO NOVO

    REALINHAMENTO PARTIDÁRIO 255

    17: DILEMAS DECISÓRIOS NO PARLAMENTO BRASILEIRO (2015-2017): UMA ABORDAGEM DA SOCIOLOGIA DA ÉTICA 259

    17.1 DIFERENTES ABORDAGENS DA SOCIOLOGIA DA ÉTICA 260

    17.2 A ELEIÇÃO DE EDUARDO CUNHA PARA A PRESIDÊNCIA

    DA CÂMARA 264

    17.3 A CASSAÇÃO DE EDUARDO CUNHA NO CONSELHO DE ÉTICA 267

    17.4 A PRIMEIRA ELEIÇÃO DE RODRIGO MAIA PARA A PRESIDÊNCIA

    DA CÂMARA 269

    17.5 A SEGUNDA ELEIÇÃO DE RODRIGO MAIA PARA A PRESIDÊNCIA

    DA CÂMARA 271

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 273

    REFERÊNCIAS 275

    ÍNDICE REMISSIVO 303

    INTRODUÇÃO

    E assim como na vida privada se diferencia o que um homem

    pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz, nas lutas

    históricas deve-se distinguir mais ainda as frases e as fantasias

    dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais,

    o conceito que fazem de si do que são na realidade

    (Karl Marx)¹.

    Falar mal dos partidos políticos tornou-se um verdadeiro esporte nacional. Seja nas rádios ou nas bancas de jornais, seja nos bares ou nos encontros familiares, seja nas escolas ou nas fábricas, a crítica aos partidos sempre está presente quando o assunto é política. E não sem que haja alguma razão para tanto...

    À ciência política brasileira coube a tarefa de desmistificar muitas das narrativas construídas e reproduzidas pelo senso comum e pelos veículos de comunicação sobre as fragilidades dos partidos. A partir de estudos institucionalistas, a ciência política obteve sucesso em demonstrar como os partidos são organizações extremamente fortes e coerentes em seu principal lócus de atuação: o Congresso Nacional². Contudo, bastaria apenas uma observação por cima, a partir das instituições da sociedade política, para sugerirmos que os partidos são organizações fortes e relevantes? Nossa hipótese afirma que não. Nossa hipótese é a de que a sociologia política também tem muito a contribuir com os estudos sobre os partidos a partir de investigações sobre as relações criadas entre eles e as organizações da sociedade civil. Ou seja, se a ciência política buscou investigar os partidos a partir de cima, caberia à sociologia política fazer a observação a partir de baixo. Argumento ao longo deste livro, portanto, que os partidos estão presentes, sim – de modos distintos, é claro – no cotidiano da sociedade civil brasileira. E que essa ancoragem social constitui elemento fundamental – ainda que não seja somente ela – para a sobrevivência do sistema partidário.

    PARTIDOS POLÍTICOS IMPORTAM?

    Em que pese a séria falta de credibilidade por que passam os partidos, o fato é que, até hoje, a história não nos consentiu conhecer sociedades de sufrágio universal com participação ampla, competição aberta e pluralidade política sem que houvesse tais instituições³. Enquanto a inovação institucional – obra do gênio imaginário de certos engenheiros sociais – não nos apresentar novos procedimentos que não sejam retrocessos, teremos que continuar lidando com os partidos. Para o bem ou para o mal, nada indica que as organizações partidárias deixarão de existir no curto ou mesmo no médio prazo. Haja vista, portanto, a impossibilidade momentânea de vivermos sem eles, devemos passar a conhecê-los melhor, até mesmo para criticá-los ou mesmo superá-los.

    Inicialmente poderíamos dizer que são dois os principais motivos pelos quais são necessários os partidos políticos. Em primeiro lugar, por uma questão de escala. Há de se imaginar que em uma pequena comunidade, formada por poucos cidadãos, cada um deles poderia vir a ser representante de si próprio em assembleias periódicas com a participação de todos, o que talvez eliminasse a necessidade dos partidos. Penso aqui numa idealização da ágora grega, por exemplo. No entanto, o assembleísmo ateniense seria impossível em uma sociedade moderna mais complexa com milhares de cidadãos. O segundo problema está na própria estrutura da moderna sociedade capitalista. Ao contrário da imagem projetada por Karl Marx e Friedrich Engels do cidadão político pleno que adviria da sociedade sem classes, no mundo contemporâneo tal cidadão ainda não existe e, por isso, – dentre muitos outros motivos – entrega parte de suas decisões aos partidos. Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente afirmou Rousseau em seu Contrato Social, ao apresentar alguns dos obstáculos da verdadeira democracia. Mas o próprio Rousseau, de maneira realista – ou, para alguns, pessimista –, jogou um balde de água fria naqueles que defendiam a democracia direta, sem representantes, quando acrescentou cinicamente que governo tão perfeito não convém aos homens⁴.

    As duas justificativas da necessidade da democracia representativa explicitadas anteriormente estão mais diretamente relacionadas ao âmbito da política. Todavia, o desenvolvimento da sociedade moderna capitalista traz consigo uma outra questão mais vinculada ao âmbito da economia política, qual seja, a acumulação do capital. Em última instância, poderíamos afirmar que os partidos são os principais instrumentos das classes sociais na disputa pela regulação do processo de acumulação feita pelo Estado. Dito de outra forma, os partidos políticos são os responsáveis por realizar o cálculo do dissenso nas sociedades capitalistas⁵.

    Há ainda uma outra razão. Na teoria política, os chamados minimalistas, mais precisamente Joseph Schumpeter, Anthony Downs, Robert Dahl e Adam Przeworski, buscaram identificar critérios mínimos para que determinadas formações sociais e históricas pudessem ser consideradas democráticas. Schumpeter argumenta que a democracia deve ser compreendida tão somente como um método procedimental, ou seja, apenas pela possibilidade de a população, por meio do voto, eleger ou desfazer governos. Interpretação compartilhada por Downs, para quem o objetivo central de eleições numa democracia é selecionar um governo⁶. Já Dahl avança ao mencionar a importância da liberdade de expressão, do amplo direito ao voto e de aberta competição política. Especialista em transições democráticas, um autor da dimensão de Przeworski define a democracia como um arranjo político no qual as pessoas escolhem governos por meio de eleições e têm uma razoável possibilidade de remover governos de que não gostem⁷. Nessa linhagem em que democracia é sinônimo de eleição, os partidos políticos detêm um certo oligopólio da representação política.

    Todavia, se são necessários, por que tanto descrédito? Muitas foram as respostas dadas nos últimos anos pela literatura especializada, assim como as soluções. Bernard Manin, nome eminente na teoria política quando o assunto é representação, traz uma interessante explicação. Segundo Manin, estamos vivendo desde o fim do século XX uma transição, uma metamorfose do governo representativo em que a democracia de partidos dá lugar a uma democracia de público. O autor observa que os desenvolvimentos das novas tecnologias de comunicação afetam as relações de representação. Como os candidatos se comunicam diretamente com os eleitores por meio dos canais de comunicação, a antiga mediação feita pelas redes partidárias é dispensada. Assim, a conclusão de Manin é a de que cada vez mais os eleitores tendem a votar em uma pessoa, e não em um partido⁸.

    Uma outra resposta foi dada pelos teóricos da teoria participativa. Para essa escola do pensamento democrático, a interpretação de que a democracia seja um sinônimo de eleição é um mito. Carole Pateman, por exemplo, sustentava, na década de 1970, que em um governo democrático, a participação política deve estar presente em toda a estrutura da sociedade⁹. Essa participação política enriqueceria, portanto, a própria representação. A partir da década de 1980 as críticas à representação no âmbito da teoria política migraram das teorias participativas para as teorias deliberativas. Jurgen Habermas foi, provavelmente, o autor que melhor desenvolveu esse tema da deliberação na esfera pública. Uma boa decisão política não pressupõe apenas a participação de agentes que passaram pela via eleitoral, mas também a existência de todo um espaço de discussão racional de atores da sociedade civil e que permita uma formação democrática de opinião¹⁰. Grosso modo, essas teorias participativas e deliberativas estimularam diversas pesquisas sobre inovações democráticas, como o orçamento participativo, os conselhos gestores de políticas públicas, as ouvidorias públicas ou as conferências de políticas públicas.¹¹ Wanderley Guilherme dos Santos parece seguir por essa pista ao indicar que a solução para a crise da representação política passaria pelo alargamento do sistema democrático. A crise de participação só poderá ser resolvida se aceitarmos a obsolescência dos sistemas partidários enquanto oligopólios da oferta de participação, diz Wanderley. E segue: Em outras palavras, o remédio para os problemas da representação é alargar o escopo das formas legítimas de participação.¹²

    Para uma outra parcela da literatura, será um tipo distinto de representação, a representação funcional, que insurgirá do vácuo causado pelo enfraquecimento dos partidos. De acordo com Luiz Werneck Vianna, o descrédito da representação política resultante da hegemonia neoliberal trará consigo a emergência da representação funcional¹³. Os estudos de Werneck Vianna indicam o Ministério Público como um dos protagonistas desse novo cenário de representação funcional¹⁴. Aliás, aí esteve a Operação Lava Jato, estimulada pelo Ministério Público Federal, ganhando prêmios de organizações da sociedade civil e com seus procuradores alçados ao patamar de heróis nacionais¹⁵. Verdadeiros tenentes de toga, na certeira metáfora de Werneck Vianna¹⁶. Mas essa exaltação esconde um perigo democrático, à medida que, diferentemente dos partidos políticos, esses novos heróis nacionais não passaram pelo teste do sufrágio.

    Se a ascensão da representação funcional pós-Constituição de 1988, de um lado, e de elementos participativos e deliberativos – como o orçamento participativo, os conselhos e as conferências de políticas públicas –, de outro, abriram novas possibilidades para toda uma agenda de pesquisa na ciência social brasileira, não há de se supor que investigações sobre a representação política e seus principais agentes, os partidos políticos, devam ser deixados de lado. Mesmo Paul Hirst, um dos mais importantes críticos dos limites da democracia representativa, deixa clara a necessidade da existência dos partidos. Em suas palavras, [...] seria absurdo imaginar que podemos abandonar o mecanismo de democracia representativa, ou abolir por completo a instituição do governo por partidos¹⁷. Ao contrário, como apontam Santos e Pogrebinschi, o surgimento dessas inovações democráticas deve ser encarado como forma de fortalecimento da representação política, e não como um sinal de enfraquecimento das suas instituições¹⁸. Em síntese, mais do que uma crise da representação política, o que assistimos é ao aggiornamento das instituições democráticas.

    CIÊNCIA POLÍTICA OU SOCIOLOGIA POLÍTICA?

    Se ciência política significa ciência do Estado e Estado é todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados, é evidente que todas as questões essenciais da sociologia não passam de questões da ciência política (Antonio Gramsci)¹⁹.

    Na ciência política brasileira majoritária constituiu-se uma certa aptidão pelos estudos institucionalistas como forma de especialização disciplinar. Desde as famosas críticas ao suposto subdesenvolvimento do sistema partidário brasileiro efetuadas por Bolivar Lamounier e Rachel Meneguello ou por brasilianistas como Barry Ames, Scott Mainwaring e David Samuels, tornou-se frequente em nossa ciência política a realização de pesquisas e estudos que comprovassem os equívocos daqueles autores²⁰ ²¹.

    Assim, dados e mais dados demonstrando a eficiência do sistema partidário brasileiro por meio das altas taxas de fidelidade das bancadas nas votações do Congresso Nacional passaram a ser utilizados em defesa da vitalidade de nossos partidos. O mais importante e pioneiro deles foi, sem dúvida, o trabalho de Fernando Limongi e Argelina Figueiredo. Ao analisar as

    votações na Câmara dos Deputados no período entre 1989 e 1994, os autores observaram que a fragilidade dos partidos não se manifesta onde mais se esperava que ela viesse a se expressar: no plenário da Câmara dos Deputados, onde os deputados exercem seu direito individual de voto ²². Limongi e Figueiredo sustentam que os partidos políticos na Câmara não são peças de ficção, pois os parlamentares tendem a votar conforme as orientações de seus líderes partidários.

    Mas será que essa variável institucional é a única capaz de mensurar a força de um sistema partidário e de seus partidos políticos em uma determinada sociedade? Nossa hipótese é a de que a resposta para tal pergunta deva ser negativa. Se os partidos políticos ainda são, de fato, relevantes para a realidade concreta, como argumento nessas breves páginas, então conhecê-los melhor torna-se cada vez mais imprescindível.

    Os partidos políticos podem ser fortes na arena legislativa, como bem demonstra a literatura especializada. Mas será que também são fortes na sociedade civil? Seja no senso comum, seja na literatura, críticas sobre um suposto distanciamento entre partidos e organizações da sociedade são recorrentes. A hipótese deste livro é a de que, ao contrário do que dizem os críticos dos partidos, eles estão presentes na vida cotidiana da sociedade civil, ou seja, nas associações, nos sindicatos, nas entidades de classe e nos movimentos sociais.

    Os partidos políticos não devem ser vistos apenas como foco de interesse da ciência política. Ao contrário do que poderia supor certo senso comum, a vida orgânica e ativa dos partidos não está presente apenas em determinada parte do mundo da superestrutura, se quisermos utilizar aqui a metáfora espacial do edifício de Marx, tão bem descrita por Louis Althusser²³. Divisões como Estado x sociedade, superestrutura x estrutura, sociedade política x sociedade civil, público x privado podem fazer crer que os partidos dizem respeito apenas a uma dessas dimensões supostamente dicotômicas, ou, em outras palavras, à parte mais alta do edifício. Ledo engano. Os partidos políticos são instituições que estão presentes em todo o corpo social, passando transversalmente por toda a sociedade. São aparelhos privados de hegemonia – se preferirmos utilizar aqui a expressão gramsciana – ou aparelhos ideológicos de Estado – se seguirmos com Althusser. Por isso, o conceito de Estado ampliado do filósofo italiano Antônio Gramsci nos seja útil para compreender o espaço de atuação dos partidos políticos.

    Essa linha de raciocínio difere daquela apresentada pelo pensamento liberal. Conforme nos indica Werneck Vianna, "o pensamento liberal as entende [as relações entre sociedade civil e sociedade política] em função da articulação resultante do sistema representativo – o Estado é o locus ocupado pelos delegados eleitos pela sociedade civil. E, prossegue o autor, fora do momento político em que se realiza essa mediação, a sociedade civil se resume em ser o reino da necessidade, onde o indivíduo possessivo – e, apolítico – se move em busca da satisfação dos seus apetites"²⁴.

    Nossa visão não é essa do pensamento liberal. Sociedade política e sociedade civil não podem ser vistas de maneira segregada, pois fazem parte de uma totalidade que Gramsci entende como um Estado ampliado.²⁵ Nesse registro, uma sociedade complexa como a nossa possui em sua superestrutura duas dimensões: a sociedade política e a sociedade civil. À sociedade política cabe a coerção por meio daquilo que entendemos lato senso como Estado com suas instituições jurídicas e militares. Sociedade civil é a responsável pelo consenso, pela hegemonia, pela dominação ideológica por meio de associações, sindicatos, igrejas, meios de comunicações e demais corpos mediadores. Nossa hipótese é a de que todo o Estado ampliado é espaço de atuação dos partidos políticos. Destarte, não cabe à ciência política apenas o estudo da sociedade política e à sociologia somente o estudo da sociedade civil. Em síntese: sociedade civil e sociedade política fazem parte de uma única esfera, o Estado ampliado, e por isso devem ser alvo dos estudos das duas ciências, política e social.

    Tal leitura acima proposta da ampliação da esfera de atuação dos partidos políticos retira da ciência política o seu monopólio investigativo, abrindo um amplo leque para todas as ciências sociais. Mas o movimento é duplo: se, por um lado, torna os partidos políticos objetos de estudo de todas ciências sociais; por outro, amplia a lente analítica da ciência política, obrigando-a a trazer variáveis sociais e históricas para sua investigação. De qualquer modo, seja por uma via, seja por outra, a conclusão é a mesma: a política não pode ser compreendida por si só, mas sim como parte de uma totalidade conformada por diversas outras dimensões, como a sociedade, a economia, a ideologia etc. Uma interpretação que nos parece ao menos em parte adequada sobre tal perspectiva é aquela apresentada pelo sociólogo e cientista político argentino Atilio Boron. Segundo Boron, é impossível teorizar sobre a política", como o fazem a ciência política e o saber

    convencional das ciências sociais, assumindo que aquela existe em uma espécie de limbo posto a salvo das prosaicas realidades da vida econômica"²⁶. Essa é a nossa perspectiva.

    OS PARTIDOS NA SOCIEDADE CIVIL

    Cada partido busca o monopólio da representação legítima de um setor da população. Dirão que os partidos exercem a função da mediação. A mediação entre que partes? A mediação entre a sociedade civil e a sociedade política. Mais precisamente, os partidos políticos mediam a vontade política de categorias ou de grupos sociais que se confrontam (Seiler)²⁷.

    Um partido é mais do que uma sede no segundo andar de um edifício. A periferia partidária é composta de pessoas e organizações da sociedade civil habitualmente vinculadas ao partido. A periferia partidária é importante para explicar fenômenos como a estabilidade relativa da votação recebida por um partido em determinada instituição, classe ou espaço. Ela inclui, por exemplo, formadores de opinião, como jornais, estações de rádio e de televisão, sindicatos, religiões organizadas ou setores delas (Gláucio Soares)²⁸.

    Os partidos políticos não são todos iguais. Parece uma obviedade dizer isso. Mas às vezes as obviedades precisam ser ditas. Os partidos são diferentes e essas diferenças podem ser encontradas em suas táticas e estratégias, em seus programas e resoluções, em suas formas de organização interna e em suas ações práticas do dia a dia. Mas, acima de tudo, os partidos são diferentes em suas composições sociais, no perfil daqueles que são recrutados para participar de suas fileiras e selecionados para disputar eleições ou simplesmente para serem indicados para cargos públicos. Esses nomes não caem do céu nos colos dos partidos políticos. Com efeito, são majoritariamente filtrados e disputados na complexa e imbrincada rede de organizações da sociedade civil.

    Diferentemente do que observou Marx em seu 18 Brumário, no século XX, a complexidade econômica, política e social derivada do capitalismo tornou cada vez mais cinza o que antes era simplesmente preto e branco.

    Na França de 1848, era fácil identificar que a Montanha era o partido pequeno burguês de caráter social-democrata ou que o Partido da Ordem reunia dois partidos menores: os grandes latifundiários em torno do partido legitimista e da aristocracia financeira; e os grandes industriais com o partido orleanista²⁹. Mas os tempos são outros. No capitalismo tardio, os partidos políticos não institucionalizaram um reflexo perfeito das contradições de uma sociedade de classes. Assim, devemos concordar com Umberto Cerroni quando afirma ser simplista considerar que os partidos políticos são a nomenclatura das classes sociais³⁰. Isso significa dizer que não há, nos dias de hoje, partidos determinados para cada classe ou fração de classe, não obstante possamos identificar interesses majoritários delas em partidos distintos. Ainda a esse respeito, vale a pena ler o que diz Przeworski em seu já clássico estudo sobre a socialdemocracia europeia: a estratégia de manter o partido puro em termos de classe [...] não poderia dar resultado porque [...] os operários jamais compuseram e jamais chegarão a compor a maioria do eleitorado nas sociedades em que vivem³¹. Para sobreviver na competição eleitoral de sufrágio universal, como nas sociedades do pós-Segunda Guerra Mundial, os partidos precisam buscar a maioria dos votos e não apenas aqueles das classes ou frações de classe que supostamente

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