Desenvolvimento econômico no brasil: desafios e perspectivas
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Desenvolvimento econômico no brasil - Anita Kon
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
APRESENTAÇÃO
O Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC/SP comemorou 21 anos de trabalhos. Para registrar os resultados dessas atividades contínuas, seus componentes decidiram organizar uma publicação que englobasse os resultados de suas pesquisas mais recentes.
A situação crítica da economia brasileira na atualidade tem exigido debates constantes pela equipe do EITT sobre causas das dificuldades pelas quais passa o país e o empenho em tentar equacionar ideias que contribuam para apoiar a recuperação do caminho ao desenvolvimento, que se encontra bloqueado nessa conjuntura. A reflexão sobre os impactos da nova dinâmica na economia do país se tornou mais complexa, na medida em que, ao lado das mudanças estruturais necessárias para a busca da competitividade, as empresas tiveram a necessidade de conviver com os contundentes desequilíbrios macroeconômicos e com as políticas públicas restritivas que priorizaram a estabilização e mais recentemente com a incerteza e a queda da produção e do emprego.
Nesse sentido, a equipe decidiu focar suas pesquisas no tema do desenvolvimento econômico do país, como base para elaboração da publicação, a partir de sua linha de pesquisa específica, que engloba a Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia, e que inclui ainda duas áreas que se integram fortemente às demais: Economia da Sustentabilidade e Economia dos Serviços.
Na composição dos artigos participaram professores e mestrandos atuantes na PUC/SP, bem como pesquisadores de outras instituições, com formação completa de mestrado e doutorado no Programa de Economia Política da PUC/SP, que não interromperam sua participação no Grupo EITT, e foram convidados para apresentar o resultado de estudos recentes e inéditos, que contribuíram de forma relevante com subsídios às discussões sobre a questão relevante da continuidade do desenvolvimento econômico.
Esta publicação é o resultado dos debates estimulantes e reveladores das reuniões do EITT, compreendendo as análises teóricas ou empíricas desses participantes do grupo, que incorporam as ideias discutidas em seus Ciclos de Debates anuais, organizados diante de uma filosofia de intercâmbio com outras instituições de ensino e pesquisa.
Esta coletânea de artigos está estruturada de acordo com a natureza teórica ou empírica da análise e da abrangência da abordagem representada, seja por enfoques globais macroeconômicos, setoriais ou microeconômicos. Os integrantes do EITT desejam mostrar seu reconhecimento a pessoas e instituições que colaboraram para a continuidade de suas atividades e, em particular à PUC/SP, que possibilitou esta obra por meio do apoio financeiro.
Anita Kon
(Organizadora)
PREFÁCIO
Depois de um período de expansão da renda e diminuição da desigualdade na primeira década deste século, fortemente influenciada pelo desempenho da economia mundial e da elevação dos preços das commodities, nos vemos novamente diante da recessão e seus reflexos. Assim, a retomada do desenvolvimento se apresenta como um grande desafio para a sociedade brasileira.
A expansão da renda média dos brasileiros – genericamente definida pelo PIB, per capita – é um dos indicadores relevantes para a medição da qualidade de vida. Há, no entanto, um outro desafio crucial, no nosso caso, que é a diminuição da desigualdade e melhora da distribuição de renda. Como pré-requisito, portanto, a questão é garantir o crescimento do PIB per capita real, o que somente ocorre na medida em que o crescimento da economia seja maior que o crescimento populacional. Esse indicador, que cresceu 2,8% ao ano, na média de 2003 a 2010, caiu para 1,2% a.a., no período 2011-2014, deverá retroceder em 2015 e 2016, considerando-se os impactos da recessão que vivenciamos e as projeções de desempenho do crescimento populacional.
Mantendo um crescendo médio de 2,8% a.a., como de 2003 a 2010, o PIB per capita brasileiro dobra a cada 26 anos, o que nos aproximaria dos níveis atuais de países mais desenvolvidos. Do contrário, crescendo apenas 1,2% a.a., como de 2011 a 2014, dobrá-lo demandaria 59 anos. A situação conjuntural é, ainda, mais grave, com a queda no PIB per capita.
O desempenho 2003-2010, somente, foi possível mediante condições internacionais extremamente favoráveis, como o crescimento chinês próximo de 10% ao ano, o que proporcionou que os preços das commodities quase dobrassem no período. Isso garantiu renda ao Brasil favorecendo o crescimento do PIB, da renda e do emprego. Porém, o quadro internacional atual é desfavorável, e o cenário doméstico contempla os impactos negativos da operação Lava-Jato
, as políticas monetária e fiscal restritivas, causando a deterioração nas expectativas dos agentes econômicos, além dos efeitos da crise política.
Além disso, vários dos instrumentos que foram utilizados para incentivar o mercado doméstico, sobretudo, após a eclosão da crise de 2008, encontram-se esgotados ou limitados (expansão dos gastos públicos, financiamento via bancos públicos, crédito ao consumidor etc.). A oportunidade de expansão, portanto, se dará via maiores investimentos em infraestrutura, fator sabidamente possuidor de enorme demanda reprimida, além de crescimento das exportações, em especial aquelas de maior valor agregado. A retomada da expansão do mercado doméstico requer uma outra estrutura de oferta de crédito, por exemplo, com taxas de juros mais favoráveis, o que ainda está longe de ocorrer.
Ademais, deve-se considerar que o Brasil, hoje, tem um crescimento populacional médio de 0,8% a.a., bem abaixo dos 3% da década de 1960/1970. Ou seja, a taxa de crescimento populacional vem apresentando e deverá continuar registrando uma tendência de queda. Logo, em tese, o crescimento do PIB necessário é menor para elevar o per capita. Destarte, sob outro ponto de vista, no futuro próximo, o crescimento populacional deverá ter um menor impacto potencial no crescimento do mercado, portanto do nível de atividades.
Ou seja, será preciso crescer e produzir mais, sem o acréscimo da população, portanto, com maior produtividade
.
Ressalte-se que, como já apontado, o indicador do PIB per capita é uma medida limitada e não adequada para medir o grau de concentração e de desigualdade de renda da população. Como é uma média, resultado da relação entre o PIB e a população, o PIB per capita pode crescer mesmo com uma maior concentração de renda e, assim, elevar o grau de desigualdade. Portanto, não basta apenas elevar o PIB per capita em termos reais. É preciso atrelar esse aumento a avanços sociais, como, por exemplo, uma melhora da distribuição de renda e a uma queda dos níveis de pobreza.
Daí a importância de um Projeto Nacional de Desenvolvimento que contemple políticas de Estado. A estrutura da economia brasileira não pode abrir mão da reindustrialização como fator de desenvolvimento. Não se trata de incentivá-la em detrimento dos demais macrossetores, o complexo agromineral e os serviços, mas de intensificar a integração entre os três, aproveitando e agregando sinergias.
Como fator de estímulo e experiência vale lembrar que historicamente os grandes saltos na nossa economia ocorreram como respostas às crises. Na década de 1930 foi que demos o início à industrialização, dada a debacle do café. Na década de 1980 o desafio foi responder à elevação dos preços do petróleo e dos juros no mercado internacional; nos anos 1990, à abertura comercial e financeira em tempos de globalização, necessidade de modernizar o Estado, e à estabilização dos preços.
Experiência não nos falta. O problema é que quando aprendemos as respostas, mudam as questões e estamos diante de novos desafios, complexos, mas não insolúveis. Se não há alternativas indolores e fáceis, por outro lado, não há porque ficar refém de paradigmas que já se mostraram insuficientes para fazer frente ao novo. Precisamos ter coragem e determinação para mudar convicções, mesmo que isso desagrade ao senso comum.
Antonio Corrêa de Lacerda
Professor-doutor e coordenador do Programa
de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC/SP.
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: VELHA CEPAL, NOVA CEPAL E O NOVO DESENVOLVIMENTISMO
Paulo C. Neves Sanna Robilloti
Cristina Helena Pinto de Mello
Claudia Helena Cavalieri
1.1 Introdução
1.2 A Velha Cepal
1.3 A nova Cepal no contexto do neoliberalismo
1.4 O Novo desenvolvimentismo
1.5 Síntese Teórica: Cepal – Nova Cepal – Novo Desenvolvimentismo
1.6 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 2
UMA AGENDA PARA A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E ECONÔMICA NO BRASIL
Anita Kon e Elizabeth Borelli
2.1 Introdução
2.2 A evolução dos conceitos: Crescimento, Desenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável
2.3 A institucionalização do apoio ao Desenvolvimento Sustentável
2.4 A Institucionalização do Desenvolvimento Sustentável no Brasil
2.5 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 3
O PAPEL DA INDÚSTRIA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: A RETOMADA DO DEBATE
João Batista Pamplona e João Fenerich
3.1 Introdução
3.2 Reflexões sobre a relação indústria e desenvolvimento
3.3 O desenvolvimento brasileiro e a indústria nos anos 2000
3.4 Conclusão
Referências
CAPÍTULO 4
OS SERVIÇOS NA INDUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Anita Kon
4.1 Introdução
4.2 As Abordagens Teóricas Tradicionais
4.3 A contribuição dos serviços nas teorias do pós-industrialismo
4.4 Atividades terciárias: induzidas ou indutoras do desenvolvimento econômico?
4.5 Desenvolvimento econômico, capital social e atividades de serviços
4.7 O papel dos serviços no processo de desenvolvimento regional
4.7 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 5
A CAPACIDADE INSTITUCIONAL E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Cristiane Mancini
5.1 Introdução
5.2 Aspectos teóricos da economia institucional
5.3 Economia Institucional, Organizações e os Indivíduos: a Teoria da Escolha Pública
5.4 O arcabouço institucional para o desenvolvimento do país: implicações em casos selecionados
5.5 Conclusões
Referências
CAPÍTULO 6
OS ENTRAVES AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO GERADO PELO REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
André Luis Campedelli
6.1 Introdução
6.2 Análise histórica do regime de metas de inflação no Brasil
6.3 Os efeitos do regime de metas de inflação no investimento, emprego e crescimento econômico
6.4 O Fator Cambial no regime de metas de inflação.
6.5 Conclusão
Referências
CAPÍTULO 7
DINÂMICA E EVOLUÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: A INCLUSÃO SOCIAL PELO TRABALHO
Tiago Trindade Carvalho
7.1 Introdução
7.2 Origens históricas da economia solidária
7.3 O surgimento e a evolução da economia solidária no Brasil
7.4 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 8
SUSTENTABILIDADE E INOVAÇÃO: ASPECTOS ECONÔMICOS DE INFORMAÇÃO E CONTROLE PARA O DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL
Valério Vitor Bonelli e Antonio Roles Jr.
8.1 Introdução
8.2 Aspectos conceituais
8.3 Contabilidade baseada em atividades
8.4 Tendências para as empresas serem responsáveis
8.5 Avaliação dos custos da qualidade ambiental
8.6 Estudo de caso no Brasil
8.7 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 9
OS DETERMINANTES DO BAIXO CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO NO GOVERNO DILMA (2011/2014)
Lincoln Lima
9.1 Introdução
9.2 Arcabouço teórico: macroeconomia estruturalista do desenvolvimento e o novo desenvolvimentismo
9.3 Crescimento econômico no período pré-Dilma (2003/2010)
9.4 Esgotamento do modelo de crescimento (2011/2014)
9.5 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 10
ESTRUTURA PRODUTIVA, MERCADO DE TRABALHO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA PRIMEIRA DÉCADA DE 2000
Vladimir S. Camillo
10.1 Introdução
10.2 Estrutura produtiva: análise setorial, crescimento econômico e rotatividade
10.3 Mercado de trabalho brasileiro: indicadores selecionados
10.4 Modelo econométrico exploratório de análise fatorial
10.5 Considerações finais
Referências
CAPÍTULO 11
A INDÚSTRIA NO CONTEXTO NACIONAL: UMA DISCUSSÃO ATUAL PARA A ECONOMIA BRASILEIRA
Elizabeth Borelli e Rafael Donisete Bombonati
11.1 Introdução
11.2 Um breve retrospecto sobre a indústria nacional
11.3 A indústria no cenário atual
11.4 Algumas evidências quantitativas
11.5 Considerações finais
Referências
AUTORES
INTRODUÇÃO
O cenário de crise mundial, parcialmente responsável pela redução das exportações brasileiras, conjugado aos reflexos da manutenção da política de juros altos e ao insucesso da política de ênfase ao consumo como indutor do investimento, compõe o pano de fundo da atual crise econômica brasileira, no ano de 2015.
No contexto da economia brasileira em setembro de 2015, as previsões de crescimento da economia brasileira, até o final do ano, indicaram queda anual superior a 3,5% do PIB, aceleração da inflação para acima de 10% – a maior desde 2003 – e os indicadores sobre a produção industrial mostraram decréscimo de 5,4% em 12 meses, com o pior resultado em 6 anos e perspectivas de continuidade da estagnação no ano. A taxa de desocupação, calculada pelas PNADS do IBGE, passou de 6,2%, em dezembro de 2014, para 8,9%, no 3.º trimestre de 2015. No 2.º trimestre do ano, a Agropecuária cresceu 1,8%, como resultado do boom das commodities, porém a Indústria e os Serviços tiveram decréscimos respectivamente de -5,2% e -1,4%.
O rebaixamento pela agência de classificação de risco Standard & Poors da classificação do Brasil para grau de investimento, já era esperado pelo mercado brasileiro, diante da situação econômica do país, com a maior recessão em 25 anos. Com o rebaixamento do grau BBB para BBB– o país ainda não perdera a condição de país seguro para investir, que recomenda o país como destino de aplicações; no entanto, as repercussões negativas na economia se fazem sentir. Posteriormente, o rebaixamento do grau de investimento pela Fitch levou o país à condição de perda do grau de investimento, ou seja, da condição de perda de confiança como investimento não especulativo da parte de investidores externos.
As consequências do rebaixamento irão se refletir no aumento do custo do financiamento interno e externo, tanto para capital de giro quanto para investimentos, que sofrerão cortes pelo governo e pelo setor privado. Paralelamente, espera-se diminuição superior do consumo privado e da produção econômica, com consequente aumento de dispensas de trabalhadores e diminuição de salários.
Diante da delicada situação pela qual passa a economia brasileira, a preocupação sobre as formas de retomada do crescimento econômico e da reindustrialização do país suscitam discussões generalizadas. Este livro visa apresentar um panorama teórico e empírico de questões selecionadas, como mais relevantes no contexto dos debates atuais sobre as premissas para o desenvolvimento econômico brasileiro, nas áreas Economia Industrial, Economia de Serviços, Economia do Trabalho e Economia da Sustentabilidade, como subsídios para a elaboração de uma agenda para as prioridades das políticas públicas como condição para a retomada do desenvolvimento econômico.
Os debates levam a um consenso, que retomada do crescimento não se dará apenas com o ajuste fiscal – embora prioritário e urgente, ao lado de outras medidas macroeconômicas – mas sim por meio de medidas para mudanças estruturais consideráveis na operacionalização das principais instituições públicas e nas políticas públicas microeconômicas específicas. O planejamento articulado da política macroeconômica com outros níveis de ação não pode ser postergado, uma vez que essa integração pressupõe o timing e a prontidão para sua implementação no momento oportuno, o que requer, desde já, a preparação das ações previstas. Assim, a reorientação que se impõe na retomada da atividade econômica brasileira consiste, particularmente, em integrar e articular claramente as políticas públicas em nível macro, meso (setorial e regional) e microeconômicas. Uma política de desenvolvimento efetiva não se limita a medidas pontuais em curto prazo destinadas a controlar focos de instabilidade macroeconômica, mas inclui ainda a observação do sistema econômico global, ou seja, das inter-relações e impactos entre esses vários níveis de ação, ao mesmo tempo em que implica em articular as metas e objetivos de curto, médio e longo prazo.
As causas da perda de competitividade industrial têm como base o custo Brasil
, relacionado aos custos externos às empresas que são mais altos que os existentes nos países concorrentes, tornando-as não competitivas. Para isso contribuíram – além das mencionadas políticas macroeconômicas fiscais, cambial e monetária, que resultaram em crescentes déficits governamentais, câmbio excessivamente valorizado e juros elevados – a arrecadação regida pela política tributária em que vigora o elevado número de categorias de tributos, sem falar em taxas e outras contribuições compulsórias, que acaba por tornar ineficiente, desigual e mais oneroso o processo de arrecadação e distribuição do ônus na economia.
Por outro lado, também compõem o custo Brasil as condições estruturais inadequadas da infraestrutura logística brasileira, que resultaram em altos custos de produção somados aos do capital financiado, que desestimularam os investimentos privados, repercutindo na queda da produtividade e da competitividade do setor industrial. Uma política setorial não pode deixar de enfocar a interligação e integração internacional das atividades, cuja consecução requer também a atenção prioritária para medidas de sustentabilidade ambiental e social – como a promoção de energias alternativas e uso racional dos recursos naturais –, condições já rotineiras para a competitividade nos países mais avançados e também exigidas para a consecução de financiamentos por instituições internacionais de apoio.
Na atualidade, a economia nacional e internacional se desenvolvem por meio dessas cadeias e de arranjos produtivos globais e, dessa forma, a retomada do crescimento produtivo brasileiro apenas tem probabilidades de acontecer com a integração do país nesses sistemas, paralelamente ao abandono do atual isolamento e fechamento do país às inter-relações com parceiros internacionais mais diversos. Assim, a retomada do crescimento sustentável no país, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e ambiental, que esta publicação também traz ao debate, não se fará sentir na atualidade sem a compreensão de que as políticas não podem ser apenas pontuais e visando resolver dificuldades momentâneas em setores selecionados, mas sim possibilitar que as cadeias de valor se integrem internacionalmente.
A elevação da produtividade e da capacidade de competir com o produto estrangeiro requer a definição de condições para busca de inovações pelas empresas privadas brasileiras, que reduzam a dependência tecnológica e a vulnerabilidade externa, diminuindo o coeficiente de importações de tecnologia. Essas inovações devem se adaptar às condições nacionais de produção com vistas à integração nas cadeias produtivas mundiais e a outros centros de comércio internacional. Paralelamente ao incentivo do avanço das inovações tecnológicas em capital físico, esse propósito está ainda diretamente relacionado ao entendimento do papel, nesse processo, das inovações nos setores de atividades intangíveis específicas de serviços, que constituem insumos requeridos para a produção e distribuição do produto das empresas, destinados à modernização que gera competitividade.
Ainda, do ponto de vista microeconômico, os elevados custos do trabalho e a dificuldade de adequação da mão de obra a requisitos de modernização tecnológica também tiveram peso considerável para a falta de capacidade de concorrência, no comércio internacional, contribuindo para a elevação do custo Brasil. O baixo nível médio de qualificação da força de trabalho brasileira é um obstáculo para a produtividade e competitividade internacional. As medidas e formação, qualificação e requalificação da mão de obra, embora muito discutidas, têm sido insuficientes para a diminuição deste desequilíbrio.
Por sua vez, as características específicas do mercado de trabalho brasileiro – discutidas nesta obra –, ainda, não são devidamente levadas em conta no contexto das políticas públicas. O grau de informalidade dentro e fora das empresas formais é considerável e crescente, o que mascara a real amplitude das taxas de desemprego do país e da ocupação em trabalhos exercidos em situações precárias, de subemprego ou de instabilidade de remunerações e proteção.
A consecução da implantação das medidas macro, meso e microeconômicas integradas passam, adicionalmente, por outros mecanismos básicos de apoio, que estabeleçam condições de segurança de sua efetivação e a diminuição dos custos sistêmicos. Em primeiro lugar, a reformatação e criação de novos direcionamentos da regulação das ações operacionais das medidas, juntamente com a manutenção da continuidade e estabilidade desse marco regulatório, frequentemente sujeito a constantes reformulações no país. De modo concomitante, a criação de mecanismos de controle e cobrança contínuos dessa operacionalização, que imponham o cumprimento das medidas no tempo estipulado e com os resultados previstos. Finalmente, o estabelecimento de mecanismos jurídicos apropriados para apoiar o cumprimento desses dois requisitos anteriores.
Em suma, as medidas macro, meso e microeconômicas se reforçam mutuamente, no âmbito da economia, que funciona como um sistema complexo e, nesse contexto, a retomada do desenvolvimento só tem condições de se efetivar e permanecer, por meio da articulação dessas políticas públicas. É necessário salientar-se, ainda, que a obtenção dos recursos financeiros que permitam a efetivação das medidas depende grandemente da criação de confiabilidade na efetivação e controle das políticas públicas, que estimule a retomada de investimentos produtivos tanto financiados pelo capital privado nacional, quanto vindos do exterior.
O primeiro passo para a implantação de uma agenda de retomada do crescimento pelo governo seria conseguir a efetivação do consenso político para realizar o ajuste fiscal necessário que elimine o déficit fiscal, e permita a retomada de um superávit primário maior para o pagamento gradativo da dívida pública, que tende a aumentar. Porém, a retomada da atividade econômica e da reindustrialização requerem medidas adicionais a médio e longo prazo, tais como: a revisão das políticas de meta fiscal e do papel da capacidade institucional do país – aqui discutidas –, bem como da política de diminuição da taxa de juros oficial; manutenção do câmbio em níveis que permitam a competitividade nacional no comércio exterior e melhor integração da produção brasileira na cadeia internacional de valor; reforma tributária extensa para a diminuição do número de impostos que oneram a arrecadação; programas de investimentos em logística, para melhora do aparelhamento de portos, aeroportos, estradas, transportes.
Finalmente, seria amplamente desejável a retomada de programas de concessão e parcerias público-privadas na área de infraestrutura tradicional, compreendendo transporte, telecomunicações e energia, e em infraestrutura de serviços públicos, como: habitação, saúde e saneamento, que contam com significativa demanda reprimida e poderiam constituir o passo inicial para o processo de crescimento, condicionados a financiamentos canalizados para o desenvolvimento industrial, como parte de um processo de planejamento estratégico da economia.
Como ensinava Schumpeter, as velhas estruturas econômicas, políticas e institucionais do país, que não mais são adequadas às atuais condições do país e do mundo devem sofrer um processo de destruição criativa
, destruindo as anteriores bases e incessantemente criando novos sistemas adequados ao momento.
Anita Kon e Elizabeth Borelli
(Organizadoras)
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: VELHA CEPAL, NOVA CEPAL E O NOVO DESENVOLVIMENTISMO
Paulo C. Neves Sanna Robilloti
Cristina Helena Pinto de Mello
Claudia Helena Cavalieri
1.1 Introdução
Este texto se propõe a revisar, discutir e explicitar as diferenças conceituais entre o desenvolvimentismo resultante das interpretações estruturalistas da Cepal em dois momentos históricos distintos e o novo desenvolvimentismo.
Os estudos sobre as questões envolvidas no debate do subdesenvolvimento e desenvolvimento da região latino-americana e do papel dos processos de integração regional para superar essa contradição, que se desenvolveram a partir da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), abriram várias linhas de discussão teórica e metodológica para o entendimento dessas realidades, sobretudo, nas ciências econômicas e políticas, na sociologia e filosofia. É sobre a abordagem econômica que tratamos nesta obra. As discussões sobre a agenda desenvolvimentista se consolidaram ao longo dos anos a partir das contribuições de autores que se debruçaram sobre este tema, quer buscando uma interpretação e uma construção teórica como também buscando uma agenda de políticas capazes de superar o subdesenvolvimento.
Sob a liderança intelectual de Raúl Prebisch, os autores ligados a Cepal¹ (dentre eles, o brasileiro Celso Furtado e os chilenos Aníbal Pinto, Fernand Fajnzylber²) foram capazes de articular uma abordagem original³ sobre as economias latino-americanas, que constituiu uma teoria do subdesenvolvimento periférico que teve significativo impacto sobre as ideias e as políticas econômicas na América Latina. De maneira geral, a partir de uma teorização própria, à qual se aglutinou de forma consistente um bom número de inovações conceituais, os cepalinos
pregavam uma mensagem central: a necessidade de realizar políticas de industrialização como mecanismo de superação do subdesenvolvimento e da pobreza
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 25). A industrialização é central para o desenvolvimento econômico na abordagem da Cepal, e sua importância será discutida nos tópicos seguintes.
Inicialmente as interpretações referiam-se à necessidade de industrialização. Na segunda fase, décadas de 1960 e 1970, a percepção dos efeitos indesejados da industrialização, ensejou uma revisão teórica com análises críticas sobre os rumos do processo iniciado. A interpretação desses fenômenos teve importância crucial na construção das teses cepalinas acerca da inflação e da heterogeneidade estrutural (GUILLÉN, 2007). A inflação, a crise de balanço de pagamentos, o baixo crescimento econômico, o desemprego e ineficiências do Estado fortaleceram as interpretações liberais.
Com a emergência do neoliberalismo, o debate acerca do desenvolvimento econômico foi reposicionado⁴ nos diagnósticos da Cepal. O status de ideologia mundialmente dominante conferido ao neoliberalismo se manifestou no pensamento crítico latino-americano por meio de uma reformulação dos ensinamentos estruturalistas defendidos pela Cepal em fases anteriores. É esse o contexto em que emerge a nova interpretação Cepalina, que se revela bastante convergente a teses liberais. Entretanto, o alinhamento entre a agenda neoliberal e a nova Cepal não resultou em crescimento ou desenvolvimento econômico.
O Novo Desenvolvimentismo resgata muitas interpretações da antiga Cepal, mas modifica sua agenda de política econômica, em especial com relação ao papel da taxa de câmbio. É estruturalista no sentido de entender que o desenvolvimento está associado a mudanças estruturais. Resgata a importância do Estado e das políticas públicas para enfrentar restrições externas e neutralizar a doença holandesa. A tese central refere-se à existência de múltiplos equilíbrios para a taxa de câmbio.
Pretende-se, neste livro, recuperar e contrastar as principais mudanças do pensamento desenvolvimentista da Cepal com o Novo Desenvolvimentismo acerca do das estratégias e agendas para o crescimento e desenvolvimento latino-americano.
1.2 A Velha Cepal
1.2.1 As contribuições de raul prebisch
A concepção centro-periferia
Raul Prebisch talvez tenha sido o economista latino-americano mais importante de todos os tempos. Inegavelmente, suas teses constituem um marco analítico em torno do qual se originou a tradição estruturalista, que viria ser composta por outros intelectuais importantes, como Celso Furtado, Anibal Pinto e Maria da Conceição Tavares.
Neste item, procuraremos reconstituir suas teses, que dão o tom do pensamento da Cepal nos anos 1950 e 1960, começando pela concepção centro-periferia, passando pelos entraves ao desenvolvimento periférico devido às tendências adversas dos termos de troca e do desenvolvimento capitalista no centro. Ao final, faremos algumas considerações do autor aos limites dessa industrialização, tendo em vista as articulações entre acumulação de capital, progresso técnico e distribuição de renda – que, de certa forma, explicita muitos pontos apenas trabalhados implicitamente nos escritos iniciais.
O ponto de partida da análise de Raul Prebisch é a constatação de que o desenvolvimento econômico abrangeu apenas uma proporção reduzida da população mundial, constatação esta que permitiu ao autor desmentir os benefícios universais de um sistema marcado por uma divisão internacional do trabalho, quando, na verdade, essa forma de desenvolvimento
(segundo as vantagens comparativas de produção de cada país) fora perversa para não poucas áreas que compõem o sistema econômico, a chamada periferia
, da qual faz parte a América Latina⁵.
Esse enfoque considera que o desenvolvimento do sistema capitalista tendeu a formar dois polos simultaneamente: um centro e uma periferia, que se distinguem por sua estrutura produtiva (nos centros esta é marcada por uma produtividade média muito maior, porque o progresso técnico tem se disseminado
mais uniformemente entre os setores) e pelo papel que assumem na divisão internacional do trabalho.
Dentro dessa periferia, o progresso técnico só se dá em setores exíguos de sua imensa população, pois, em geral, penetra unicamente onde se faz necessário para produzir alimentos e matérias-primas a custo baixo, com destino aos grandes centros industrializados. (CEPAL, 1951, p. 1)
Durante o período em que vigorou a clássica divisão internacional do trabalho (isto é, enquanto a pauta produtiva da periferia se manteve altamente especializada em produtos primários), o padrão de crescimento das economias periféricas fora exclusivamente determinado pelo setor exportador. Como o comércio exterior não garantiu nem crescimento nem desenvolvimento econômico na periferia, os mecanismos atuantes no mercado internacional se revelaram, em sua visão, perversos para a mesma. Esse cenário começa a se alterar lentamente após a crise de 1929, quando a periferia iniciou espontaneamente seu processo de industrialização, por meio da qual ela conseguiu garantir seu crescimento e desenvolvimento à revelia do comércio exterior.
Os trabalhos de Raul Prebisch se inserem nesta problemática: a de analisar o conturbado período de transição que se observava na periférica em direção à transformação de suas estruturas econômicas, antes voltadas para fora e agora