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O tempo do Poeira: História e memórias do jornal e do movimento estudantil da UEL nos anos 1970
O tempo do Poeira: História e memórias do jornal e do movimento estudantil da UEL nos anos 1970
O tempo do Poeira: História e memórias do jornal e do movimento estudantil da UEL nos anos 1970
E-book395 páginas4 horas

O tempo do Poeira: História e memórias do jornal e do movimento estudantil da UEL nos anos 1970

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Sobre este e-book

Fugindo às imposições do texto acadêmico, mas surgido de uma dissertação de mestrado, este livro conta, em linguagem coloquial, a história do Poeira, memorável jornal estudantil, e do movimento estudantil a ele associado, protagonistas, ambos, na Universidade Estadual de Londrina, de 1974 a 1978, do principal movimento social do Paraná na luta de resistência contra a ditadura militar no Brasil. Jornal Poeira, História e Memórias, a dissertação, é um registro das memórias dos fundadores do jornal. Um aviso: muitas das informações aqui presentes haverão de surpreender até mesmo aqueles que participaram ativamente do Tempo do Poeira.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento29 de nov. de 2018
ISBN9788572169844
O tempo do Poeira: História e memórias do jornal e do movimento estudantil da UEL nos anos 1970

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    O tempo do Poeira - Tadeu Felismino

    REFERÊNCIAS

    APRESENTAÇÃO

    Como quem conta um caso, Tadeu Felismino relata, neste livro, o que foi e o que representou O Tempo do Poeira na UEL; ele, mais a Marília, a Celinha, o Marcelo, o Nilson e o Roldão. E que caso bem contado e gostoso de ser lido! Mesmo tendo se originado de um trabalho acadêmico feito com todo rigor.

    O relato ultrapassa muito os limites do que, provavelmente, o leitor espera, mesmo aquele que viveu O Tempo do Poeira (1974-78) na UEL, mesmo aquele que participou do Poeira. Talvez ele se espante com a abrangência do conteúdo do livro. Ou com a constatação do significado que o Poeira teve.

    O que os testemunhos presentes nestas páginas nos trazem é uma visão de um modo de pensar e de fazer política estudantil nos anos de 1970, que foram únicos no Brasil naquele momento histórico. Não apenas isso: descrevem o Brasil coletivo e o Brasil da vida de cada um dos depoentes, desde muito antes do Tempo do Poeira.

    O livro ainda funciona como uma lente de grande capacidade, com a qual se dá um zoom na história – ou, ao menos, na história e nos créditos conquistados por uma certa esquerda naquele Brasil sombrio, que ia aos poucos e a duras penas ultrapassando os anos de chumbo. O zoom começa aberto, pela história da ditadura naqueles anos de 1970, recua aos marcantes acontecimentos do movimento estudantil nacional da década anterior, vai fechando sobre a história política do Paraná, passa os olhos pela pouco difundida história da esquerda popular em Londrina e região e termina mirando no Poeira, com uma nitidez e uma abrangência – tive de repetir essa palavra – de fazer cair o queixo.

    Tudo isso está em uma cena só. Neste livro, tudo se liga.

    Para quem viveu na UEL aquele Tempo do Poeira, esta leitura será especialmente prazerosa, porque a trajetória de vida narrada nos depoimentos constantes do livro deve ser bem semelhante à da grande maioria dos jovens que estudaram lá naquela época – entre eles, eu.

    Além disso, estão aqui fotos das capas e de muitas páginas internas do Poeira; está aqui a descrição, feita pelo Tadeu, de todas as edições do jornal, com os comentários dele e de seus companheiros, o que nos leva de volta ao clima e às tensões que vivíamos na Universidade naquele período.

    Sim, este livro poderá trazer nostalgia para alguns – uma saudade que se esgota em si mesma, de um tempo vivido com a energia que tínhamos... 40 ou 45 anos atrás! Mas ele serve, principalmente, como um documento histórico que, nessa condição, pode ajudar a inspirar o futuro de Londrina e do Paraná.

    Chico Amaro

    PRÓLOGO

    Coração de Estudante

    Ninguém nasce feito,

    é experimentando-nos no mundo

    que nós nos fazemos.

    Paulo Freire

    Voltei aos bancos da Universidade Estadual de Londrina em 2014, aos 59 anos de idade, como estudante do Mestrado em Comunicação Social, exatos 40 anos após ali ingressar – em 1974 – como estudante da graduação, na primeira turma do mesmo curso. Não esperava gostar tanto dessa experiência, que me proporcionou ótimas recompensas.

    A maior delas, obviamente, é esta: poder compartilhar, por meio deste livro, os resultados de dois anos de pesquisas sobre a experiência do jornal Levanta, Sacode a POEIRA e Dá a Volta por Cima e do movimento estudantil de Londrina nos anos 1970. Assunto que, apesar de sua importância histórica e política, e de ter marcado profundamente a minha vida e a de milhares jovens de minha geração, ainda carece de mais e melhores estudos e debates, principalmente de registros de memórias de seus participantes. Alegro-me que este trabalho possa contribuir para preencher essa lacuna.

    Houve muitas outras recompensas, sendo uma das melhores poder frequentar turmas de mestrado com colegas da idade dos meus filhos, oportunidade de respirar novos ares e de revisitar conceitos e valores. E que satisfação ser apenas estudante, assistir aulas, estudar temas e preparar trabalhos, atividades às quais pouco me dediquei na graduação, quando fui bem mais militante estudantil do que estudante!

    O mestrado foi também a oportunidade de mergulhar nesse mundo paralelo, quase de outra dimensão, chamado academia, e ali encontrar verdadeiros tesouros do conhecimento, geralmente ignorados e menosprezados pelo chamado mundo real.

    O primeiro desses achados foi o trabalho de doutorado do professor Ronaldo Baltar, do Departamento de Ciências Sociais da UEL, intitulado Ponto morto, que faz um estudo sobre a formação histórica do Brasil, comparando as concepções de quatro autores que são pilares da Sociologia brasileira: Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Caio Prado Junior e Celso Furtado (BALTAR, 2000).

    Entre inúmeras análises sobre os avanços e os recuos das elites e do Estado brasileiro, que colocam o país em permanente ponto morto, há a desconcertante constatação de que a promiscuidade entre essas elites e esse Estado, tão em evidência nessa época sombria de escândalos sem fim, está incrustada no DNA lusitano de nossa nação. Assim como os privilégios da elite do funcionalismo público, os donos do poder, sobre os quais fala Faoro (1987), que resistem intactos aos sacrifícios cobrados de toda a sociedade para salvar a previdência social brasileira da falência.

    Na busca por referenciais teóricos para minha pesquisa, houve outros encontros felizes. Como a Nova história, de Jacques Le Goff, ou história das representações, que me ajudou a compreender a experiência do Poeira como uma "história das concepções globais da sociedade ou história das ideologias; história das estruturas mentais comuns a uma categoria social, a uma sociedade, a uma época, ou história das mentalidades [...]" (LE GOFF, 2003, p. 11).

    Para quem se autoproclamava marxista na juventude, mas lia mais Lenin, Stalin e Mao Tsé-Tung do que Marx, foi um prazer desfrutar, 40 anos depois, da prosa vibrante e contemporânea do 18 Brumário de Luís Bonaparte e de outros textos do autor alemão que revolucionou a Sociologia Política. Mas, afinal, me identifiquei bem mais com a sociologia compreensiva de Max Weber, a qual identifica quatro tipos puros de ação social, numa escala que vai da mais pura racionalidade (como as ações econômicas e científicas) até a irracionalidade da ação afetiva (por afetos ou estados emocionais). Nessa escala, identifiquei a experiência do jornal Poeira como um caso de ação racional com relação a valores, a qual, no dizer de Weber, se distingue

    pela elaboração consciente dos alvos últimos da ação e pela orientação consequente e planejada [...] Age de maneira puramente racional referente a valores quem, sem considerar as consequências previsíveis, age a serviço de sua convicção sobre o que parecem ordenar-lhe o dever, a dignidade [...] ou a importância de uma ‘causa’ de qualquer natureza (WEBER, 2012, p. 15).

    Igualmente estimulante foi a oportunidade de estudar a teoria da ação social de Pierre Bourdieu, que recusa tanto as abordagens subjetivistas, que veem a ação social como resultado consciente e intencional da ação individual, como as objetivistas, que interpretam as ações individuais como resultado inflexível das condições externas da ordem social. Tendo sido um objetivista-materialista nos anos 1970, opositor das concepções subjetivistas-idealistas, vi-me seduzido pela abordagem praxiológica de Bourdieu, segundo a qual os fatores objetivos e subjetivos da ação social se influenciam e se constroem reciprocamente, num processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade (ORTIZ, 2003, p. 39-40).

    Outras descobertas interessantes dessa minha jornada de estudante, de grande ajuda para a contextualização histórica deste trabalho, foram as abordagens de Marcelo Ridenti (1993) sobre o movimento estudantil brasileiro pós-1964, as de Rodrigo Motta (2014) sobre a universidade brasileira durante o regime militar, e a história do próprio regime por Marcos Napolitano (2014), complementados pelo reestudo da história da imprensa alternativa brasileira por Bernardo Kucinski (1991). Especial satisfação proporcionou-me escrever o pequeno capítulo sobre a pouco conhecida história do Paraná, no qual sistematizei informações de diversas fontes e o qual muito contribui para a compreensão do tema deste livro.

    No campo da metodologia de pesquisa, encontrei em Meihy e Holanda (2007) o roteiro prático para a pesquisa com fontes orais, base de parte importante deste trabalho, cujo valor já é amplamente reconhecido pela História, pela Comunicação e demais ciências sociais e humanas para o registro da memória, da história e de tradições.

    Obviamente, não é o caso de reproduzir neste livro os registros teóricos, que ficam à disposição dos interessados na dissertação de mestrado intitulada Jornal Poeira, história e memórias (FELISMINO, 2016). Apenas nas conclusões deste livro permiti-me manter trechos substanciais do original, nos quais teoria e prática dialogam.

    Protagonismo

    A pesquisa que resultou na dissertação Jornal Poeira, História e Memórias, feita sob orientação do professor Dr Paulo César Boni e defendida em janeiro de 2016, base deste livro, priorizou o trabalho com fontes orais, tendo como objetivo uma avaliação das razões do sucesso daquela experiência, de seus pontos falhos e dos vínculos com partidos políticos que a influenciaram.

    Entre muitos caminhos possíveis, optei pelo registro de memórias de cinco pessoas que, a meu critério, podem ser caracterizadas como fundadoras do jornal Poeira. Nessa caracterização, considerei não apenas a participação na experiência em si, de 1974 a 1978, mas nas etapas anteriores e decisivas, especialmente no movimento estudantil de 1968. Assim, entre dezenas de pessoas com atuações significativas no Poeira, cheguei aos nomes de Célia Regina de Souza, Marcelo Eiji Oikawa, Marília Furtado de Andrade, Nilson Monteiro Menezes e Roldão de Oliveira Arruda, pessoas que iniciaram sua militância no movimento estudantil de Londrina da segunda metade dos anos 1960 e mantiveram forte protagonismo na consolidação da hegemonia do chamado Grupo Poeira na UEL.

    Embora meu nome também esteja fortemente associado ao Poeira, reservei-me outro papel nessa parte da pesquisa: fazer a descrição dos conteúdos de cada uma das 27 edições que o jornal teve, em uma narrativa contextualizada à qual adicionei fatos da minha própria memória e vivência.

    Não foram poucas as sugestões e mesmo cobranças para que me expusesse mais neste trabalho, em razão de minha participação naqueles anos – além de ter participado da fundação do jornal Poeira, em 1973, acompanhei toda a experiência até seu encerramento, em novembro de 1978, e exerci mandatos de presidente do Diretório Acadêmico Setorial do Centro de Comunicação e Artes (DASCCA – 1974/75), secretário do DCE (1975/76), de presidente do DCE e representante discente no Conselho de Administração e no Conselho Universitário (1976/77). Mas entendi que não preencho os critérios que eu próprio estabeleci para a pesquisa, com aval de meu orientador, especialmente pelo fato de não ter vivido a efervescência do movimento estudantil de 1968; meu ingresso na política estudantil aconteceu já na UEL, em uma inesquecível tarde de sábado do mês de abril de 1973.

    Em 1966, quando Marília Andrade relata seu primeiro contato com gás lacrimogênio, em um confronto com a polícia em manifestação de rua de estudantes secundaristas de Belo Horizonte, eu ingressava, aos 11 anos de idade, no Seminário dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, em São José dos Pinhais, no belíssimo campus que hoje é da PUC, na saída para Joinville. E ali permaneci os quatro anos do ginásio, longe do transe político que o país vivia no período, levado – juntamente com dois de meus irmãos – mais do que por uma vocação religiosa tão precoce, pelo desejo de meus pais de que tivéssemos uma boa escola.

    Saí do seminário em 1969, para cursar o colegial (atual ensino médio) no Colégio Estadual Vicente Rijo, de volta a Londrina. Ali, após um desastroso 1º Científico Matemático matutino em 1970, encontrei meu rumo na vida no Clássico noturno em 1971 e 1972, quando comecei a trabalhar, namorar e escrever contos e poesias.

    No primeiro semestre de 1973 eu era calouro de Direito na UEL (noturno), curso que escolhi por não existir ainda o de Comunicação, criado em julho de 1974. A irmã de minha namorada do Clássico, que já estudava na UEL, inscreveu alguns trabalhos meus em um concurso de contos e poesias do recém-criado Diretório Central dos Estudantes da Universidade.

    Gosto de lembrar daquela tarde de sábado que mudou minha vida, em abril de 1973, de como fui surpreendido ao chegar ao local da premiação, o auditório do Centro de Ciências Humanas da UEL, que então funcionava no Colégio Estadual Hugo Simas, com minha mochila de futebol nas costas, e perceber um clima um tanto agitado; mais alguns passos, vi que meus trabalhos eram a causa da agitação: um grupo considerável contestando o terceiro lugar para a minha poesia – Expediente. Ato contínuo, ali estava eu, aos 18 anos, calouro do curso de Direito, empregado no escritório local de uma empresa de café solúvel de Minas Gerais, na frente de um grupo de umas 40 pessoas, intimado por alguns a explicar a poesia sem pé nem cabeça; tranquilizei-me ao ver que alguns desconhecidos me defendiam (Roldão Arruda e Domingos Pellegrini, o Dinho), dizendo coisas como poesia não se explica, se sente etc.

    Não gosto tanto de lembrar do poema em si, um devaneio joyceano que cometi aos 18 anos, que ganhou o terceiro lugar naquele concurso. Ei-lo:

    EXPEDIENTE: Rompida a virgindade da avenida / atravessada por um homem! / Um grito de guerra / pela cristandade adentro! / O vento nas ventas / a bonança traz a brisa / dos dias de sol / Plaft! O som surdo de um baque / um corpo que tomba morto! / Aleluia, aleluia! / É gostoso gostar! / Filosofeiro meu / o que é, é, não é? / Não obstante, quisera mocotó / (arroz frio e da casa do cão) / Estar perto de tu / longe de mim ... daqui. / Uma lágrima / pela boca da matina afora / O vento e seu bobo sopro / apaixonante / Um grito de guerra nos confins do amor! / Um som surdo, um baque / Plaft! / Um corpo que tomba por engano / Amém! / Minha terra tinha palmeiras / sabe? / Entretanto, há entretantos! / O arroz frio acabou / Porra! E o amor que tu me destes era pouco / A primeira e única pessoa do singular / chorou seu bobo choro / Eu, né? / Cachaça se esvai do cálice! / O fim não é longe! / Hoje não posso / No centro do passeio público / Olha a pipoca! / Te osculo nas faces suadeiras / Filosofeiro teu! / O que não é, não é, né? / Vento que nas ventas venta / Meu grito de guerra / pela bonança à parte / Um apito / meu picote / Closed!! //.

    Afinal, eu mesmo me dispus a explicar o poema, lembro-me que ao dizer esta frase: é apenas a história de um jovem indo para o trabalho, a agitação subitamente arrefeceu, a discussão acabou e eu recebi meus prêmios feliz e contente. Antes de ir para meu futebol sagrado de todos os sábados, na Associação Atlética Banco do Brasil, conheci alguns daqueles que seriam meus grandes amigos nos anos seguintes: Marília Andrade, do grupo contrário ao meu poema, a sempre acolhedora Cleusa e meus defensores, Roldão e Dinho.

    Dali até o fim de 1973 minha vida mudou muito: a convite do Roldão, deixei meu emprego de auxiliar de escritório para encarar a primeira experiência como repórter de jornal, uma tentativa malsucedida de reeditar o Novo Jornal, que Célia Regina de Souza apelidou o retorno. Os poucos meses sem registro e com salário incerto, mas trabalhando sob orientação do Roldão, me permitiram evoluir rapidamente como jornalista e conseguir meu primeiro contrato na Folha de Londrina, outro episódio do qual gosto de recordar: em uma tarde, fui à redação da Folha apresentar-me a Walmor Macarini, que perguntou se eu sabia escrever e pediu para voltar no dia seguinte, com uma ou duas matérias.

    Saí de casa ansioso na tarde do dia seguinte e fui à sede da Receita Federal, então na rua Souza Naves, pedir ajuda a uma fonte que já havia entrevistado para o Novo Jornal. O então chefe da Receita, professor Omar Gabardo, ficou todo animado com a possibilidade de ajudar um jovem repórter, quase desconhecido dele, a conseguir um bom emprego, e me forneceu logo informações para duas notícias. Atravessei a rua e fui à imobiliária de um amigo de infância, que me emprestou máquina e papel. Deixei as duas matérias na mesa do Walmor e fui embora com o coração na boca. Na manhã seguinte, experimentei um daqueles raros e inesquecíveis dias de completo triunfo na vida, as duas notas publicadas no alto da pág. 3, sem alterações!

    Além do trabalho no jornal, 1973 foi meu ano de boemia, de ir para boteco toda noite, tomar cerveja, jogar pebolim, fumar Hollywood ou Galoise sem filtro, conversar até de madrugada sobre literatura, jornalismo e política com meus amigos inseparáveis, Roldão e Hilton Libos, e ainda escrever poesia antes de ir dormir. Também fiz parte do finzinho da geração mimeógrafo, com a edição de um caderno de poemas meus e a participação em outro, coletivo, ambos impressos artesanalmente e distribuídos de mão em mão.

    Fui, também, me aproximando cada vez mais do DCE, de sua turma e de seus grupos de Jornalismo e Literatura; participei da campanha da derrotada chapa Todomundo e do processo que resultou na criação do jornal Poeira, lançado em março de 1974. Nas primeiras edições, rodava a cidade com a Célia, vendendo anúncios para o jornal.

    Um ano depois daquela tarde de sábado, outro poema meu – Insônia – venceu o concurso de Poesia Londrina 40, comemorativo ao 40º aniversário da cidade.

    Para mostrar meus avanços de então, aí está:

    INSÔNIA: É madrugada aqui. / Tem gente acordada / pensando na vida / na morte / em deus e o diabo. / Tem gente pensando em dinheiro / no almoço / suposto, provável / acordados, insones... / Tem gente acordada / meu deus / e quanta! / com medo e inveja / dos galos que cantam.

    Prova de que aquele jovem coração de estudante estava pulsando forte, aprendendo muito e pronto para viver os anos vertiginosos que viriam pela frente, O Tempo do Poeira.

    Tadeu Felismino

    INTRODUÇÃO

    Poeira: Jornal, Política, Resistência

    O jornal Levanta, Sacode a POEIRA e dá a volta por cima – ou apenas Poeira – foi uma publicação feita por estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL) entre 1974 e 1978.

    Além de ter sido título do jornal, Poeira tornou-se símbolo e sinônimo do próprio movimento estudantil da UEL naquele período, como nome de chapas que venceram, por quatro anos seguidos e por larga maioria, as eleições ao Diretório Central dos Estudantes (DCE).

    Detalhe: toda a experiência transcorreu nos marcos da Reforma Universitária do regime militar, em entidades oficiais vinculadas à administração da Universidade.

    No Tempo do Poeira, o jornal e o movimento estudantil da UEL tiveram significativo protagonismo social e político, quando a ditadura civil-militar, instaurada no Brasil em 1964, iniciava um claudicante processo de distensão política. A influência do Poeira não se limitou aos acontecimentos registrados na própria Universidade, mas teve repercussões em Londrina e região, no estado do Paraná e mesmo no movimento estudantil nacional.

    Em diversas ocasiões, em uma época de censura à imprensa e de severas restrições às liberdades democráticas, o jornal representou uma rara opção de informação jornalística independente. No modo de fazer política no interior da Universidade, o grupo do Poeira, aberto, progressista, de esquerda e inclusivo, exercitou seus propósitos em sintonia com a vontade expressa da comunidade estudantil. Essa forma de representação dos estudantes explica as sucessivas reeleições do Poeira e as derrotas impingidas, nas urnas, a grupos conservadores que, com apoio velado (e às vezes flagrado) da direção da Universidade, tentaram desalojá-lo do DCE e de outros órgãos e cargos estudantis. Até que, sem outra opção, esse intento foi alcançado diretamente pela reitoria por meio de um ato de força – com a cassação de todos os mandatos e a suspensão definitiva de eleições para representantes estudantis em todos os níveis, no final de 1978.

    Nos cinco anos em que o Poeira esteve à frente do DCE e de vários diretórios setoriais da UEL, e elegeu os representantes estudantis em conselhos superiores (Conselho de Administração, Conselho Universitário e Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) e nos conselhos departamentais dos centros de estudos da Universidade, foi, em 27 edições, o principal instrumento de uma comunicação intensa com os estudantes, cuja participação era incentivada por meio de caixas de sugestões, murais, grupos de estudos, eventos, jornais setoriais e, principalmente, pesquisas anuais para aferir anseios, críticas e sugestões, sempre respondidas por 10% a 20% do total de estudantes (1.500 a 2.000 questionários respondidos).

    Naquele período, a UEL, Universidade muito jovem, ainda em implantação, teve um crescimento acelerado, com a criação de vários cursos, de tal forma que o número de alunos matriculados subiu de cerca de 4.800 no primeiro semestre de 1974 para mais de 7.000 no segundo semestre de 1978. Com base nesses dados, pode-se estimar que um número próximo a 15.000 profissionais diplomados pela UEL nos anos de 1970 conheceram, construíram e compartilharam o Tempo do Poeira, total ou parcialmente, em sua vida universitária, acrescentando aquela rica vivência, aquele modo peculiar de ver e pensar o mundo, à sua formação política, independentemente da opção ideológica de cada um. Professores e funcionários da Universidade também conheceram a força do Poeira, ou o modo como o Poeira, na sua condição de força política democrática, veio a causar notáveis embaraços ao regime que governava o país e que estava representado na condução da Universidade.

    O protagonismo sociopolítico do jornal Poeira e do movimento estudantil em que estava inserido, no cenário regional e estadual, foi acentuado pelo fato de Curitiba ter vivido um longo período de recesso político institucional, em virtude da supressão, de 1966 a 1982, das eleições diretas para governadores de estados e para prefeitos de capitais e cidades consideradas de segurança nacional, por meio do Ato Institucional nº 3, baixado pelo governo militar instalado em 1964.

    Com isso, Londrina – a maior cidade do estado a permanecer em atividade política normal nesse período, com eleições regulares para prefeito – tornou-se uma espécie de capital política do Paraná, com amplo domínio do único partido de oposição na época, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), forjando os líderes regionais que se tornariam os primeiros governadores eleitos do estado já no processo de redemocratização do país (José Richa, em 1982, e Álvaro Dias, em 1986).

    Nesse contexto, a relevância política da UEL e do seu movimento estudantil se intensificou, em virtude da estratégia adotada pelo grupo político dominante no Paraná, vinculado à ditadura militar e ao seu partido, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), capitaneado pelo ex-governador e então ministro da Educação, Ney Braga. Essa estratégia consistiu na tentativa de utilizar a UEL, principal instituição estadual do norte do Paraná, como uma cunha para contrapor o amplo domínio político exercido na cidade e região pelo MDB.

    Essa motivação ficou evidente no processo que resultou na designação do segundo reitor da UEL, justamente para o período 1974-78, o médico Oscar Alves, pessoa com fortes vínculos políticos (e familiares) com Ney Braga. O nome de Oscar Alves, fruto de uma imposição externa à instituição, representou uma ruptura política com o grupo que conduziu a implantação da Universidade, liderado pelo primeiro reitor, o médico Ascêncio Garcia Lopes, designado pelo ex-governador Paulo Pimentel, também da Arena, que fora aliado e viria a se tornar ferrenho adversário político de Ney Braga.

    Outro aspecto significativo do contexto político institucional daquele período é a nova configuração da Universidade brasileira, após a reforma universitária de 1968, baseada nos Acordos MEC-USAID, por meio da qual o governo militar buscava substituir o modelo de universidade pública do país, até então de inspiração europeia, pelo modelo norte-americano, que traria novidades como a organização de universidades públicas sob a forma de fundações, sua instalação em campi afastados dos centros urbanos, a adoção do regime de créditos, do ensino pago e da representação estudantil oficial, prevista na estrutura universitária, entre outras. As três primeiras universidades estaduais paranaenses, que foram criadas em 1970, já foram implantadas nesse novo modelo, nascendo como fundações (FUEL-Londrina, FUEM-Maringá, FUEPG-Ponta Grossa), com ensino pago, regime de créditos e estrutura oficial de representação estudantil. Nas faculdades estaduais isoladas de Londrina, que existiam antes da criação da então FUEL (a primeira, de Direito, é de 1958), o ensino era gratuito.

    Dessa forma, as entidades de representação estudantil na UEL nasceram simultaneamente à nova Universidade, como parte de sua estrutura institucional, e as primeiras eleições para o DCE, diretórios acadêmicos setoriais e de representação discente em departamentos, colegiados e conselhos departamentais e superiores, foram convocadas por resolução do Conselho de Administração para setembro de 1972.

    A primeira eleição estudantil colocou em confronto duas chapas, uma que reunia forças conservadoras ligadas ao regime militar e ao partido que lhe dava sustentação política, a Arena, e outra que reunia simpatizantes da oposição. No interior da frente oposicionista havia estudantes egressos do movimento estudantil secundarista do final dos anos 1960, alguns com vínculos com partidos políticos então proscritos no país, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido

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