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Imagens Veladas: Relações de Gênero, Imprensa e Visualidade no Rio de Janeiro dos Anos 1950
Imagens Veladas: Relações de Gênero, Imprensa e Visualidade no Rio de Janeiro dos Anos 1950
Imagens Veladas: Relações de Gênero, Imprensa e Visualidade no Rio de Janeiro dos Anos 1950
E-book449 páginas4 horas

Imagens Veladas: Relações de Gênero, Imprensa e Visualidade no Rio de Janeiro dos Anos 1950

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Sobre este e-book

A imagem dos anos 1950 como sendo os "anos dourados" tem até hoje um forte apelo emocional e é constantemente reproduzida na memória coletiva, por meio da televisão, do cinema e da imprensa nacional e internacional. Nos trabalhos acadêmicos e de divulgação histórica sobre essa época, é comum a presença dessa expressão como algo naturalizado, como se demarcasse um momento histórico já explicado.

Focalizando a imprensa diária e periódica mais inovadora dos anos 1950, representada pelo jornal Última Hora e pela revista O Cruzeiro, este livro desvela imagens do cotidiano carioca e de seus leitores que nem sequer foram alvo das ideologias do "nacional-desenvolvimentismo" e do "populismo". Qual o significado histórico para o que aquela sociedade considerava como "moderno"? Qual a relação entre este "ser moderno" com o nascimento de um tipo específico de cultura visual na cidade do Rio de Janeiro dos anos 1950? E qual teria sido o papel das camadas médias tanto nesse processo quanto na passagem de uma sociedade burguesa para uma sociedade de massas?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de jul. de 2020
ISBN9786555238372
Imagens Veladas: Relações de Gênero, Imprensa e Visualidade no Rio de Janeiro dos Anos 1950

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    Pré-visualização do livro

    Imagens Veladas - Alexandre Pianelli Godoy

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

    Aos meus queridos pais, Gilberto e Luzilda.

    AGRADECIMENTOS

    É difícil agradecer, sem ser injusto, a todas as pessoas que apoiaram e acreditaram em mim. Mas é fácil reconhecer com que ternura essas pessoas fazem parte da minha vida, da minha história.

    Dê, minha maninha, você mora no meu coração.

    Agradeço aos tios, às tias, aos primos e às primas, que fazem parte da minha numerosa família e que são representados aqui pelos meus avós paternos, Antônio e Aparecida Godoy, e pelos meus avós maternos, Hoélio e Almira Pianelli, que sempre serão expectativas promissoras do meu próprio futuro. Agradeço também à dona Carmem, minha avó adotiva.

    Quero agradecer à Prof. Dr. Marina Maluf, pela competência e seriedade profissional com que orientou este trabalho. Sou grato por você ser a minha referência intelectual e profissional.

    Agradeço também à companhia de Júlio Cesar Voltani. A palavra que nos uniu foi o aprendizado.

    Agradeço à amiga Simone Luci Pereira, pela trajetória muito conturbada, mas não menos produtiva, de nos reconhecermos por meio da década de 1950. E ainda por me fazer conhecer aquela que foi a musa da cadeira onde foi produzida esta pesquisa, minha cachorrinha Clio.

    Agradeço às amigas Sandra Regina Colucci e Ana Cláudia Rongo, por acreditarem em mim antes mesmo de saberem o que seria da minha vida profissional e pessoal.

    Agradeço à amiga Maria Izabel de Azevedo Marques Birolli, pela companhia nessa longa trajetória intelectual, desde os tempos da graduação, e pela leitura atenta que fez do meu trabalho.

    Gostaria de agradecer à Prof. Dr. Denise Bernuzzi de Sant’Anna por ter participado da banca do meu exame de qualificação. Sua contribuição para esta pesquisa foi imprescindível. Agradeço à Prof. Dr. Maria Odila Leite da Silva Dias, que também participou da banca do meu exame de qualificação e de defesa, e à Prof. Dr. Miriam Lifchitz Moreira Leite, por também ter feito parte dessa banca.

    Agradeço à Prof. Dr. Estefânia K. C. Fraga, pela leitura rigorosa do meu trabalho e à Prof. Dr. Heloisa de Faria Cruz, pelas observações e indicações valiosas sobre a imprensa diária e periódica. Agradeço ao Prof. Dr. Júlio Pimentel Pinto, pelos leitores, pelas leituras e por suas histórias.

    Agradeço, em nome da amiga Rosimeire dos Santos, a todos os funcionários da hemeroteca do Arquivo Público do Estado de São Paulo, que me permitiram digitalizar as imagens do jornal Última Hora.

    Agradeço igualmente aos funcionários da hemeroteca da Escola de Comunicação e Artes da USP, por me permitirem xerocopiar alguns exemplares da revista O Cruzeiro, o que facilitou bastante o meu trabalho.

    Por fim, agradeço ao CNPq, por ter financiado a pesquisa que originou este livro nos seus 24 meses de duração, sem o qual nada seria possível.

    APRESENTAÇÃO

    Este trabalho foi escrito entre 1998 e 2000, como uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

    Não fiz grandes alterações em seu conteúdo, para respeitar a própria historicidade da pesquisa e, portanto, os seus limites, mas procurei inserir alguns dados novos sempre que considerei pertinentes.

    Mantive a ortografia original das fontes de investigação dos anos 1950, pois se trata de preservar a própria sonoridade, os ritmos e os modos de escrever que a imprensa da época empregava para noticiar a vida de todo dia. Além disso, o tamanho das citações não foi alterado, porque ele também sinaliza que a imprensa, apesar de mais modernizada tecnicamente, se comparada com períodos anteriores, ainda experimentava a transição entre a verborragia das revistas e jornais ilustrados do início do século XX e a linguagem mais sucinta, ligeira e imagética que se verificou na imprensa visual de entretenimento do pós-Segunda Guerra Mundial no Brasil.

    As imagens utilizadas são parte fundamental para a compreensão do conteúdo da obra e não devem ser vistas como meras ilustrações. No entanto são exploradas de duas maneiras: para documentar os aspectos sociais prezados por aquela sociedade, sem me atentar para a sua análise interna, e para documentar os aspectos sociais e visuais, o que demandou uma interpretação mais pormenorizada de sua composição.

    Depois de alguns anos, considero esta pesquisa um ensaio sobre um período pouco estudado pela historiografia brasileira contemporânea (social e cultural) e sobre suas relações de gênero, da imprensa e seus padrões de escrita, visualidade e leitura e a história do cotidiano das camadas médias do Rio de Janeiro nos anos 1950. Não há neste trabalho uma ideia única a ser defendida, mas uma série de aspectos novos acerca desse período que procurei inventariar e que permaneciam completamente obscuros e insignificantes pelas abordagens historiográficas mais tradicionais. O principal deles é a passagem de uma sociedade burguesa para uma sociedade de massas e como as camadas médias tornaram-se os sujeitos históricos privilegiados nesse processo.

    Acredito que este livro poderá ser útil ao público para que se conheça um pouco mais sobre uma época tão próxima de nós, mas que revela grandes diferenças temporais com os dias de hoje. A televisão não fazia parte do cotidiano das pessoas. O consumismo não estava instaurado socialmente, e as famílias conviviam com inúmeros produtos, modos de fazer e pensar caseiros. O crediário para a compra de pequenos bens duráveis era uma grande novidade, o que indiciava um baixo poder de compra mesmo entre os setores médios da população. As noções de traquejo social e respeitabilidade moral eram muito fortes entre as camadas médias, o que exigia uma teatralidade dos gestos e do olhar retraduzida pela imprensa em ideais de elegância, beleza, juventude e distinção. O hábito de ler revistas e jornais começava a se disseminar de nova maneira naquele espaço de experiência, ensinando aos leitores mais a ver as imagens do que a interpretar os textos, o que era um horizonte de expectativa visual daquela sociedade que nas décadas subsequentes viveria os impactos da televisão, da cultura de consumo e da indústria cultural na consolidação de nossa subjetividade capitalista contemporânea.

    PREFÁCIO

    Surpreendente! Essa é a primeira expressão que nasceu da leitura que fiz do texto do jovem historiador Alexandre Pianelli Godoy, logo que tive o material em mãos. São surpreendentes as imagens que ele seleciona, as colunas e as seções da revista O Cruzeiro e do jornal Última Hora que põem a responder seu questionário de investigação, mas também é surpreendente o trato que o autor dá à historiografia, trabalhada como memória, que enquadrou os anos 1950 com os rótulos de anos dourados, nacional-desenvolvimentismo ou, ainda, populismo.

    Tomei conhecimento desse texto nos anos dez do século XXI, momento em que Alexandre e eu passamos a trabalhar juntos em várias frentes de construção dos novos cursos da Universidade Federal de São Paulo. Sujeito muito ativo e interessado pelas coisas do mundo, sempre se preocupou com o que estava ali, à nossa frente e, por vezes, oculto nas nossas relações e representações. Essa sensibilidade pelo cotidiano, por aquilo que está ali, mas muitas vezes não se vê porque travestido do banal, do ordinário na vida corrente, eis o objeto da análise do texto que agora sai editado em livro.

    A escolha de transformar o corrente em acontecimento faz parte da sensibilidade do gesto do historiador, e desse historiador, de separar objetos específicos, atribuindo legitimidade a documentos e fontes banais para compreender que o processo de transmutação do capitalismo em suas diferentes configurações está sempre implicado em discursos que se pretendem hegemônicos, nem sempre coerentes, que são produzidos com força de circulação e, por isso, lidos e apropriados pelos seus consumidores-leitores em situações historicamente reconstruíveis e analisáveis.

    A surpresa de quem lê o trabalho minucioso, agora em livro, é justamente a de acompanhar as operações criteriosas de separação das imagens, dos textos recortados e do ritmo do material impresso nos jornais da imprensa carioca dos anos 1950 oferecidos aos leitores da classe média. A surpresa é a de um trabalho que objetiva compreender um dos fenômenos que continuam a desafiar análises políticas e mesmo sociais da dinâmica dos processos históricos ocorridos nas últimas décadas do Brasil: o que é a classe média? Quais suas representações sociais do mundo em que vivem? Como lidam com os modelos que lhes são impostos?

    Nas palavras do autor: Mergulhar no cotidiano desses setores sociais, bem como historicizar o próprio material da pesquisa, foram as tarefas de interpretação crítica que este trabalho estabeleceu. Tal tarefa foi apoiada nas proposições teóricas de Maria Odila Leite da Silva Dias – outra surpresa da sensibilidade e do conhecimento teórico do autor –, que propõe o desafio de encontrar um caminho de interpretação que desvende um processo importante até ali invisível por força da tonalidade restrita das perguntas formuladas tendo em vista o estritamente normativo¹.

    Essa normatividade encontrada e descrita pela pesquisa minuciosa da forma como Alexandre foi capaz de decifrar representações contidas em palavras como glamour, beleza, juventude, vitalidade, sempre mediadas pela representação daquilo que o autor identificou e descreveu como uma moral média presente, permanentemente, no material investigado. Essa moral média, veiculada na imprensa carioca analisada, institui-se no próprio material visual editado, mas também é instituidora de um padrão médio – visual – dos comportamentos a serem assumidos pela classe média dos anos 1950. Para tanto, é central a análise material das imagens e dos ritmos de produção das alegorias mobilizadas na maquinaria da imprensa, empenhada na veiculação desses discursos.

    A análise problematiza questões que têm marcado profundamente a sociedade atual, como a mídia ou mesmo a questão de gênero, centrais na análise dessa investigação.

    Por fim, não posso deixar de notar que, para a minha geração, cujos pais vivenciaram a juventude nos ditos anos dourados, essas imagens selecionadas pelo gesto de historiador de Alexandre têm um tom pitoresco daquilo que nos anos 1970 se negou e que nos anos 1980 quase se esqueceu, mas que se manteve, travestindo o desenho pela fotografia e modernizando os conselhos morais por novas alegorias, as suas acepções.

    É com imensa satisfação que apresento esta obra aos leitores, esperando que possam compartilhar comigo as mesmas sensações e a nova compreensão de um período tão pouco estudado, mas tão estereotipado em suas imagens e memórias.

    Maria Rita de Almeida Toledo

    Prof. livre-docente do Departamento de História da Unifesp

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    Capítulo I

    Modernidade vital: esquizofrenia da verdade

    1.1 Numa sociedade muito elegante

    1.2 Com a praticidade juvenil 

    Capítulo II

    O leitor como telespectador 

    2.1 A Cruzada de O Cruzeiro

    2.2 Ver para crer: Na Última Hora

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    INTRODUÇÃO

    Os anos 1950 também ficaram conhecidos no Brasil como os anos dourados.² Na memória monumento sobre o período, o crescimento industrial teria sido o grande responsável pelo crescimento econômico do País e, consequentemente, pelo aumento do nível de vida da população, representado principalmente pelas camadas médias das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Adjetivos elogiosos para o período ainda hoje figuram nas imagens da televisão e reforçam a ideia de que naquele momento histórico experimentávamos uma modernidade acelerada: eram os românticos, glamorosos e incríveis anos 1950, anunciava a vinheta de mais uma telenovela global.

    No entanto, desde o final dos anos 1960 e durante os anos 1970, as ciências sociais já se debruçavam sobre a década de 1950 a fim de criticar essa imagem dourada que ofuscava a falência do projeto de desenvolvimento industrial do Brasil – que apenas privilegiava as camadas altas e médias da sociedade –, o fracasso da democracia política institucional que parecia despontar nos anos 1950 – com o advento do golpe militar de 1964 – e a crescente situação de dependência econômica do País face aos Estados Unidos, que continuavam a dominar a América Latina segundo a divisão bipolar do mundo, ainda em tempos de Guerra Fria. A proposta de um desenvolvimento acelerado do Estado por meio da industrialização nos anos 1950 ganhou uma nova roupagem para os cientistas sociais das décadas de 1960 e 1970, mais conhecida como ideologia do nacional-desenvolvimentismo, que acabara excluindo grande parte da população deste novo projeto de Nação.

    Os governos dos anos 1950 que pareciam apontar para uma abertura política, depois do longo período de ditadura Estadonovista, foram denominados de populistas devido à ampla popularidade que conquistaram entre as camadas médias e baixas da sociedade por meio de medidas que visavam propagar a ideologia nacional-desenvolvimentista. E as tentativas desses governos de fundar um capitalismo mais independente da economia norte-americana acarretaram para as décadas subsequentes o incremento da dependência econômica, por esta ter sido uma política fundada em princípios burgueses que inviabilizavam uma quebra eficaz com o capital estrangeiro.

    Se, de fato, a maioria da população foi excluída desse processo de modernização do País via industrialização, o que as camadas médias – normalmente estereotipadas como o símbolo desse novo estágio do capitalismo no Brasil – teriam a nos dizer sobre sua experiência de inclusão nessa modernidade acelerada? A historiografia tradicional estudou esses setores sociais, assim como o período, de uma perspectiva ideológica que não permitiu o aparecimento de sua especificidade social, ou melhor, de sua historicidade. A memória que se pretendeu documento acabou reforçando a memória monumento ³ por não desconstruir conceitos genéricos e abstratos como o de nacional-desenvolvimentismo, populismo e dependência econômica, tomados como pontos de partida e de chegada. Como num rito, tal memória reatualizou o mito do Estado Nacional como o sujeito da história do País.

    Todas essas questões apareceram no decorrer da pesquisa, entretanto, sem que se traduzissem nas motivações iniciais que me levaram a documentar o cotidiano das camadas médias da sociedade carioca dos anos 1950. As primeiras indagações partiram da literatura de ficção, mais especificamente dos contos-crônicas de A vida como ela é... de Nelson Rodrigues, escritos diariamente entre 1952 a 1962 para o jornal Última Hora do Rio de Janeiro. O que mais me chamava a atenção nesses textos era o estilo narrativo empregado pelo autor, que se apropriava das notícias ou dos crimes policiais e lhes dava um tratamento literário que os tornava ambíguos, múltiplos, sem a definição de uma moral certa ou errada, mas de morais possíveis. Tal estilo sempre produz uma surpresa ou um impacto no leitor, pois transforma o detalhe ou o imperceptível do cotidiano em algo de descomunal tamanho. É um estilo visual de escrita – alegórica – que faz dialogar uma moral genérica (prescrita) com morais de circunstâncias – que mudam de vetor conforme mudam as ações das personagens. Dessas alegorias morais surgiram várias questões para o encaminhamento da pesquisa: como esses textos foram recebidos (pelos leitores) no momento em que foram produzidos, ou seja, na sociedade carioca dos anos 1950? Será que essas morais alternativas apresentadas nos contos-crônicas eram as mesmas que aquela sociedade valorizava como dignas de uma visibilidade pública? E qual a relação entre esse estilo visual de escrita empregado nos contos-crônicas de A vida como ela é... e a sua publicação em um jornal do Rio de Janeiro dos anos 1950?

    Para tentar responder a essas questões, procurei documentar o período por meio das diversas linguagens que compunham a imprensa diária e periódica da década de 1950 na cidade do Rio de Janeiro, respectivamente, o jornal Última Hora e a revista O Cruzeiro. Da revista, trabalhei com as propagandas comerciais, os conselhos femininos, o colunismo social, as seções de humor visual e o fotojornalismo. Do jornal, trabalhei com as crônicas, as notas policiais, as propagandas comerciais, a coluna de reclamações do leitor, o colunismo social e a seção de conselhos femininos. Desse diálogo entre diferentes linguagens temas relevantes vieram à tona: o espaço e a importância que as camadas médias adquiriram nessas publicações, tendo em vista a construção de uma moral média sempre presente nas colunas de conselhos sentimentais, nas propagandas comerciais, nas dicas de beleza e nas colunas sociais; o nascimento de uma cultura visual naquela sociedade evidenciado por essa moral média calcada na valorização da aparência (imagem pública); e, por fim, o próprio caráter visual dessas publicações como veiculadoras e reprodutoras do padrão médio de comportamento.

    Porém tais temas necessitavam de um tratamento mais cuidadoso e aprofundado devido à falta de estudos mais consistentes sobre o período. A historiografia tradicional pouco contribuía para um eixo que se tornava central à pesquisa: a passagem de uma sociedade burguesa para uma sociedade de massas e o importante papel que as camadas médias tiverem nesse processo. Mergulhar no cotidiano desses setores sociais, bem como historicizar o próprio material de pesquisa, foram as tarefas de interpretação crítica que este trabalho estabeleceu como seu objetivo, pois

    documentar o atípico não quer dizer apontar o excepcional, no sentido episódico ou anedótico, mas justamente encontrar um caminho de interpretação que desvende um processo importante até ali invisível, por força da tonalidade restrita das perguntas formuladas tendo em vista o estritamente normativo.

    No primeiro capítulo – Modernidade vital: esquizofrenia da verdade –, procuro responder à seguinte questão: qual a especificidade histórica do que era considerado moderno na sociedade carioca dos anos 1950?

    No primeiro item – Numa sociedade muito elegante –, o objetivo é documentar o quanto ser moderno naquela sociedade era sinônimo de ser médio. Tento mostrar a construção desse comportamento ideal – que denominei de padrão médio – e suas fissuras, e como esse ideal se articula na busca de uma pretensa harmonia entre antigos costumes e novos hábitos urbanos daquela sociedade por meio da valorização da aparência, isto é, em como ver e ser visto socialmente. A elegância, o requinte e o glamour eram termos recorrentes que pareciam indicar que dos cinco sentidos do corpo o olhar/o ver era eleito como o principal meio de enunciação da realidade concreta. Entretanto, a praticidade e a economia também indicavam nesse comportamento uma tentativa de definir socialmente as camadas médias de maneira fixa ou identitária, o que apontava para a importância crescente que esses setores sociais estavam adquirindo nas sociedades urbano-industriais do pós-guerra, pois anunciavam o devir da consolidação de uma sociedade de consumo, da massificação da cultura (indústria cultural) e, principalmente, o poder que a imagem iria adquirir futuramente com a televisão a partir das décadas seguintes no Brasil.

    No segundo item – Com a praticidade juvenil –, mostrarei como a figura do jovem foi apropriada como símbolo deste padrão médio, ao mesmo tempo que este ícone se edificava em bases de extrema fragilidade. O ideal de corpo (a beleza), o ideal de gesto (agilidade, mobilidade e destreza acompanhada de discrição e leveza) e um ideal de tempo (eterno) confluem para um ideal de comportamento social médio pautado na aparência da durabilidade das formas. O que o jovem representava era o que deveria permanecer para sempre: a sua vitalidade. A negação da morte, do trágico, da feiura, enfim, da mudança. Aliás, é o que separa o estereótipo do jovem da década de 1950 para o da década de 1960. Aquele deveria representar o que permanece, este outro transformar a sociedade por meio da ação. O que importa salientar é o quanto o jovem ganhava uma visibilidade social, fato que apontava para o devir de uma cultura visual e iletrada que até hoje nos acompanha impiedosamente.

    No segundo capítulo – O leitor como telespectador –, trabalhei principalmente com o material pesquisado na revista O Cruzeiro e no jornal Última Hora para tentar rastrear a produção de uma leitura hegemônica que a imprensa diária e periódica impunha ao leitor, bem como suas fissuras. O esforço desse capítulo foi o de trabalhar com a relação entre conteúdo e forma do material de pesquisa. Os leitores destas publicações eram mais ensinados a ver imagens do que a interpretar textos. A palavra escrita sempre era tomada com frequência como ilustração das imagens. Mesmo quando não havia imagens, os textos apelavam para técnicas visuais de composição, o que impedia que leituras plurais de imagens e textos ganhassem visibilidade tanto nos jornais quanto nas revistas.

    No primeiro item – "A cruzada de O Cruzeiro" –, procuro ressaltar o pioneirismo dessa revista no trato diferenciado das imagens fotográficas que culminaram na década de 1950 com o fotojornalismo, um tipo de jornalismo que tinha a pretensão de narrar por meio das imagens fotográficas fatos inusitados ou curiosos da sociedade ou do mundo. A presença da publicidade, de ilustrações ou caricaturas indica como esta publicação, notadamente visual, atendia um público afoito por imagens, que fossem a tradução infalível da realidade. Imagens, evidentemente, do que era considerado moderno para aquela sociedade.

    No segundo item – "Ver para crer: Na Última Hora" –, trabalho com a importância do jornal na veiculação de textos com forte apelo visual. As colunas ou crônicas policiais e as de reclamações do jornal indicam a preocupação em mostrar para o leitor as imagens do que não era considerado moderno na década de 1950. No polo oposto ao da revista, o jornal atendia igualmente a um público interessado nas imagens, porém nas imagens das discrepâncias, do anormal, das diferenças transformadas em desigualdades. A convivência diária com imagens de impacto ou de conformidade social dessas publicações parecia preencher o espaço que a televisão ainda não conseguira ocupar naqueles tempos.

    Portanto, se as imagens que nos legaram dos anos 1950 apenas deram mais consistência à carapaça ideológica – dourada – que ainda reveste o período, só restou ao historiador trabalhar com suas imagens veladas, isto é, numa releitura crítica das imagens morais que se tornaram hegemônicas (públicas) e das imagens fotográficas e textuais que tinham a pretensão de mostrar a vida tal como ela era, para buscar processos singulares vividos pela sociedade carioca de onde as camadas médias aparecem não como o pano de fundo entre as elites e os pobres, mas como sujeitos históricos. Trazer para o nosso horizonte de compreensão as dúvidas, as angústias e as incertezas daqueles setores sociais diante do nascimento de uma cultura visual e das transformações que ameaçavam a ilusão de estabilidade de seu cotidiano talvez seja uma crítica mais mordaz ao nosso ato quase involuntário de ligar a televisão do que simplesmente ignorarmos que ela existe.

    Capítulo I

    Modernidade vital: esquizofrenia da verdade

    O teto da nossa ficção é

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