Para Além de uma Musicoterapeuta: Um Estudo de Psicologia Social sobre a Identidade e seus Reconhecimentos
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Para Além de uma Musicoterapeuta - Diego Azevedo Godoy
final
Apresentação
Escreveu Peter Sloterdjik que livros são cartas endereçadas a amigos, nem sempre próximos, e que não se antevê seus reais destinatários. Assim, todo escritor se lança à aventura de endereçar cartas a amigos não identificados. Em que pese essa imprevisibilidade, essas cartas têm o potencial de estreitar amizades de escritores e leitores anônimos, às vezes ainda nem nascidas, transformando o que está próximo no amor à vida desconhecida.
Como a vida, todo livro tem uma história. A deste livro resulta do intenso trabalho do autor em sua trajetória durante o mestrado. Entretanto, ela transcende ao tempo do mestrado e remete a toda sua história de vida, seus projetos pessoais, acadêmicos e profissionais, bem como a de Lorena – participante da pesquisa.
As muitas histórias que perpassam a constituição deste livro, neste sentido, remetem a diferentes singularidades que refletem o universal de um palco chamado vida.
O convite à empreitada desta apresentação, portanto, tem a ver com a nossa história e me é especial; história que se cruza já nos tempos de graduação em Psicologia na Unimep e reflete nossas inquietações com relação aos fenômenos sociais e as questões acerca da identidade.
Essas inquietações, por sua vez, levaram-nos à Psicologia Social e a seguir para a carreira acadêmica – mestrado, doutorado e docência –, em que ainda estivemos ligados por problemáticas que se assemelham, relacionadas às questões de identidade e reconhecimento –, bem como por grupos de pesquisas que trabalham em parceria e um orientador em comum, o Professor Antonio da Costa Ciampa (que orientou esta dissertação de mestrado que agora vem a público e atualmente orienta meu doutorado).
A par de Ciampa e a pesquisadores por ele orientados, tem se construído coletivamente o que entendemos como uma Teoria da Identidade, que visa compreender a intrínseca relação entre indivíduo e sociedade, e tem como principal marco inaugural seu trabalho de doutoramento, que culminou no livro A estória de Severino e a História de Severina.
Neste trabalho, Ciampa defende a tese de que identidade é metamorfose, o que implica compreender a metamorfose como condição ontológica que constitui o homem enquanto ser social, que se expressa empiricamente, em termos identitários, por meio de personagens.
A identidade tem sido ponto nodal da articulação de trabalhos que buscam entender a relação entre indivíduo e os contextos sociopolítico-cultural e econômicos, bem como se configura como questão central nas lutas por reconhecimento que conformam o problema principal da política de nosso tempo.
A luta por reconhecimento do musicoterapeuta, por sua vez, conforma uma dessas problemáticas. A preocupação do autor em compreender, a partir da narrativa de Lorena, a identidade e a luta por reconhecimento do musicoterapeuta mostra-se pertinente, na medida em que o reconhecimento, como escreve Todorov, é o oxigênio de nosso ser.
Assim, para dar conta de sua tarefa, Diego busca articular sua problemática a partir de autores alinhados à Psicologia Social Crítica, trazendo em sua tessitura teórico-empírica autores ligados ao interacionismo simbólico, como George H. Mead. Erving Goffman, Berger e Luckmann, A. C. Ciampa com sua discussão sobre identidade, e Axel Honneth, que versa sobre as questões do reconhecimento, dentre outros.
Acompanhando esses autores, o leitor percorrerá um trabalho que está dividido em três grandes momentos: uma construção primeiramente histórica acerca da formação, da profissão e da (não) regulamentação da musicoterapia no Brasil; o segundo grande momento trata da discussão teórica que subsidiou este livro; e, por fim, a última parte comporta a narrativa de Lorena, que compõe o material empírico do trabalho, bem como as análises e discussões produzidas a partir de sua história, em que se busca tecer os dois momentos anteriores com a narrativa, como os fios de um tecido que se entrelaçam entre a trama e o urdume.
Como destaca o autor, o reconhecimento do profissional em musicoterapia está para além da regulamentação da profissão, mas também em termos de sua identidade, que ocorre social e publicamente pelo valor positivo atribuído na relação com os pacientes e na atuação prática, e se constitui enquanto potência anamórfica frente ao não reconhecimento e formas de reconhecimento não convencionais, interpeladas pelo potencial emancipatório que elas conformam quando figuram novas formas de ser e estar no mundo.
A produção do trabalho de Diego está na sua qualidade e por ser dos poucos no Brasil que se debruçam à empreitada de compreender e lançar novas luzes acerca da identidade do musicoterapeuta, bem como sua luta por reconhecimento em termos identitários e profissionais.
A riqueza deste trabalho está ainda no fato de que o autor toma como objeto uma problemática que lhe atravessa pessoalmente: a sua própria identidade de musicoterapeuta. Neste sentido, a identidade do próprio autor faz parte do processo de reflexão no desenvolver da pesquisa, na medida em que, dentre os diferentes personagens que constituem a identidade de Diego, seu personagem musicoterapeuta também passa a ser objeto de elaboração e, inclusive, metamorfose.
O personagem musicoterapeuta, por conseguinte, coexiste juntamente com outros personagens, dos quais são principalmente o de psicólogo e de pesquisador mestrando. Podemos considerar, assim, que o resultado deste livro é a concretização das metamorfoses teórico-metodológicas e das articulações entre estes diferentes personagens.
Escrever a apresentação de um livro é sempre tarefa árdua e, ao mesmo tempo, honrosa, pois implica fazermos parte da produção de um autor que se projeta para o mundo público, e tem a intenção de contribuir com a humanidade em uma dimensão humano-genérica.
Tenho certeza que o trabalho que ora Diego traz a público irá contribuir para ampliar a construção coletiva desta Teoria da Identidade inaugurada por Ciampa, e possibilitará lançar novas luzes aos trabalhos das artes terapias, da Musicoterapia e à própria formação e reconhecimento da identidade e profissão dos musicoterapeutas.
Como dizia Rubem Alves, um texto bom é aquele que nos dá prazer. Ao lê-lo, eu me leio, melhor me entendo, vivo experiências que não vivi, me alegro, me angustio. É assim que me relaciono com esta obra, e acredito que será a experiência do leitor.
Damos, pois, as boas-vindas a esta carta de Diego com desejo que encontre muitos amigos não identificados com quem estabeleça uma prazerosa conversa que leve à produção do que está próximo no amor à vida desconhecida.
Vinicius Furlan¹
Inverno de 2017.
Nota
1. Professor universitário, doutorando em Psicologia Social pela PUC-SP, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará e graduado em Psicologia pela Universidade Metodista de Piracicaba.
Prólogo
Dentre os vários personagens importantes em minha história de vida, dois foram os que marcaram esta trajetória de forma influente e direta, o Musicista e o Psicólogo. Possibilitando posteriormente através de uma junção o início de um terceiro personagem que será comentado logo adiante.
A música sempre fez parte de minha vida, tanto aprendendo como ensinando, um de meus personagens tem na música a razão de sua vida. Acima de ser um simples musicista, a relação e o significado que a música possui em minha história vai além de um papel profissional e expande-se sobre as outras dimensões de minha vida desde pequeno. A conexão que a música apresenta com meu ser é, de certa forma, inexplicável.
A Psicologia torna-se parte integrante de minha identidade muito antes de prestar um vestibular e entrar na faculdade. Com uma biblioteca repleta de livros de Psicologia em minha casa, posso compreender a influência da profissão de minha mãe de forma indireta em minha vida desde meus interesses pelos livros, até em nossas conversas mediadas pelo saber psicológico.
O interesse em unir as duas áreas do conhecimento humano que são parte da minha própria identidade em uma pesquisa acadêmica começa a ocorrer de forma espontânea ao iniciar os estudos acadêmicos após a graduação.
A única coisa que sabia e desejava era estudar a identidade do ser humano através da Psicologia Social, porém ao iniciar os esboços do projeto não tinha ideia do que eu iria estudar em relação à interlocução das áreas da identidade e da música.
Percorrendo então o início do caminho acadêmico, durante o processo de preparação e elaboração do projeto de pesquisa do mestrado é que eu descubro um terceiro personagem da história até então inexistente, o musicoterapeuta. Ao entrar no curso de pós-graduação em Musicoterapia e começar os estudos na área, após eu me identificar com as disciplinas e me