De Degrau em Degrau Vai se Abrindo a Travessia
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De Degrau em Degrau Vai se Abrindo a Travessia - Maria Simone Euclides
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
À tod@s os estudantes negros e não negros dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, espalhados pelo Brasil.
AGRADECIMENTOS
A escrita deste livro só pôde ser concretizada a partir de experiências que pude obter desde a minha graduação, quando participei da disciplina Educação e Gênero, na época – 2009 – ministrada pelas professoras Marisa Barletto, do Departamento de Educação, e Maria de Fátima Lopes, do Departamento de Economia Doméstica, ambas na Universidade Federal de Viçosa. Nessa disciplina fui apresentada
às discussões de gênero e tensionamentos raciais e desde então não consigo perceber o mundo sem demarcar o meu lugar de mulher negra oriunda da zona rural. A partir desse primeiro contato, a discussão e o clareamento continuaram mediante a entrada no mestrado, no qual sabiamente e sensivelmente a minha orientadora, Professora Ana Louise de Carvalho Fiuza, do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa - MG, instigou-me a discutir sobre trajetórias acadêmicas de estudantes negras. Mal sabia ela que as trajetórias ali investigadas culminaram em meu afloramento
e enraizamento
racial. Portanto agradecê-la em particular pela orientação e confiança é essencial nesse caminhar.
Não posso deixar de agradecer também ao Instituto Federal de Barbacena, pela abertura para realizar a pesquisa e pelo apoio recebido, pelos(as) técnicos e técnicas que ali trabalhavam (Vilma, Silvio, Claudilene, Leila, Luíz Carlos, Silvana, as estudantes que participaram desta pesquisa, bem como pela possibilidade de tocar em um assunto tão emblemático, necessário e justo.
Agradeço também ao curso de Licenciatura em Educação do Campo – Ciências Sociais e Humanas –, por oportunizar a publicização desta pesquisa.
Por fim, dedico este livro à minha família, meu berço eterno de encorajamento e fortalecimento.
APRESENTAÇÃO
O objetivo da pesquisa que originou este livro foi analisar as possibilidades de acesso e permanência de estudantes negras em uma instituição de perfil agrotécnica, especificamente no Instituto Federal Barbacena (MG). Analisei a realidade das estudantes que frequentaram, desde 2003, a Escola Agrotécnica de Barbacena (MG), atualmente IF – Sudeste Barbacena. Parti da hipótese de que a cor da pele e o gênero atuariam como limites tanto para o ingresso delas nas instituições agrotécnicas quanto para a entrada no mundo do trabalho, tendo em vista as facetas de racismo e sexismo que ainda imperam na sociedade brasileira.
A pesquisa foi realizada em duas etapas: levantamento dos dados relativos a todos(as) os(as) estudantes que ingressaram na instituição entre os anos de 2003 a 2011 junto à Secretaria Escolar da instituição; e realização de entrevistas com as estudantes negras identificadas durante a consulta das fichas de matrícula.
Na primeira etapa, trabalhei com o quesito atribuição racial, tomando como parâmetro de classificação os critérios utilizados pelo IBGE. Do total de informações de 3.989 estudantes, foi encontrado um número de 207 alunas negras; dentre elas, 64 concluíram o curso; 80 não concluíram e 63 estão em curso. Para a realização das entrevistas procurei atingir toda a população de estudantes negras identificada. Procurei estabelecer contato, inicialmente, por telefone, depois por carta endereçada à residência e e-mail. No total, foram realizadas 35 entrevistas com as estudantes ingressas; 29 com as estudantes egressas e entrevistas por telefone com as 60 estudantes que não concluíram os cursos técnicos.
As entrevistas possuíram um caráter dialógico, buscando estabelecer o contexto social, familiar e econômico nos quais as estudantes estão inseridas. Já com as estudantes que não concluíram o curso, o objetivo foi compreender o motivo da evasão. Dentre as entrevistas realizadas com as estudantes ingressas e egressas fica explícita a percepção de que o racismo e o sexismo existem, porém não são situações capazes de impedir que elas buscassem e conquistassem espaços quer seja na instituição, quer seja no mundo do trabalho.
PREFÁCIO
O livro ora apresentado – De degrau em degrau vai se abrindo a travessia: a educação como processo de autonomia e emancipação – de Maria Simone Euclides apresenta, por um lado, um retrato da força e da autoconfiança que a mulher negra tinha em si mesma, visto que o estudo de Simone dá vida à fala das entrevistadas, nas quais elas colocam em um plano menor os obstáculos externos à sua escolarização profissional, ainda que apenas 5% dos estudantes que ingressam no ensino agrotécnico fosse de jovens negras e entre elas, aproximadamente 30% não concluíram a formação iniciada. Assim, mesmo valorizando essa força das jovens negras em não se renderem à força de uma estrutura perversa, Simone Euclides engendra nos meandros da história da educação profissional no Brasil e nos provoca com indagações reflexivas relativas às possibilidades realmente abertas pela educação de oportunizar ascensão social para o negro no Brasil.
A autora nos provoca ao questionar se nessas primeiras décadas do século XXI as condições de profissionalização disponíveis para os negros seriam diferentes daquelas do Brasil analisado por Florestan Fernandes nos idos anos 1960, mesmo decorridos mais de uma década da política de cotas no Brasil. Simone Euclides nos provoca, assim, ao nos trazer o realismo da subcidadania e do habitus precário retratados por Jessé de Souza, quando posiciona os números referentes à escolarização profissional da jovem negra no quadro da ralé estrutural, no qual os negros sempre estiveram incluídos no Brasil. Em seu livro, a autora procura refletir sobre essas questões à luz de uma pesquisa que analisou a entrada das estudantes negras em uma instituição de ensino profissionalizante de perfil agrotécnico, descrevendo as suas possibilidades de permanência e conclusão da formação pretendida.
Assim, é dentro de um fino equilíbrio entre, de um lado, a descrição realista da crueza da subcidadania que se apresenta, sobretudo, a jovem negra no Brasil, e, por outro, a força e a determinação dessas jovens que acreditam em si, que o livro de Simone se apresenta. Os depoimentos dessas jovens mulheres colocam-se como um enfrentamento do sujeito à estrutura que o oprime, ao dizer a si próprio que é capaz de enfrentar as adversidades. Mas se ao sujeito, Simone Euclides oferece a voz, à estrutura ela cobra coerência em termos de uma política de cotas que contemple, também, as oportunidades para que milhares de jovens negros tenham a possibilidade de se candidatarem a uma vaga no ensino profissionalizante ou universitário. Convido, portanto, a todos a empreenderem, com a autora, esta travessia.
Ana Louise de Carvalho Fiúza
Professora associada do Departamento de Economia Rural- UFV
Sumário
INTRODUÇÃO
DA PROBLEMÁTICA SENTIDA À CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
1
A DISCUSSÃO SOBRE RAÇA
E COR DA PELE
1.1 NAS ENTRANHAS DE RAÇA E DO RACISMO: QUESTÕES DE LONGAS DATAS
1.1.1 Processos de identidade e identificação racial: aceitação e negação
2
ESCOLARIZAÇÃO E RACISMO: IMPASSES E POSSIBILIDADES
2.1 JOVENS NEGRAS NO INSTITUTO FEDERAL DE BARBACENA - MG: ARBITRARIEDADE ENTRE ENFRENTAMENTOS E RUPTURAS.
2.2 COMO GÊNERO E RAÇA CONFIGURAM-SE NO INSTITUTO?
2.3 Fatores que influenciam a saída dos estudantes
3
OS PROCESSOS SUBJETIVOS DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DAS