Da Trajetória Escolar ao Sucesso Profissional: Narrativas de Professoras e Professores Negros
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Da Trajetória Escolar ao Sucesso Profissional - Jorge Fernandes
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
AGRADECIMENTOS
Agradeço em especial à professora doutora Aline Andréia Nicolli, ao professor doutor Marcelo da Silva Murilo, e ao professor doutor Mark Clark Assen de Carvalho, pelo rito de iniciação à pesquisa ao qual fui submetido durante minha graduação no curso de Pedagogia e principalmente nas orientações direcionadas no curso de mestrado em Educação na Universidade Federal do Acre.
À minha companheira, Ângela Maria Bastos de Albuquerque, pelo apoio e incentivo no processo da pesquisa e escrita deste livro.
Às professoras e professores negros que abriram os baús de suas memórias para tornar possível a escrita deste livro por meio de suas relevantes narrativas.
Os antagonismos entre diferentes partes da sociedade certamente não assumem apenas a forma de um conflito consciente. Planos e metas conscientemente adotados são muito menos decisivos para produzir tensões do que a dinâmica anônima das configurações.
Norbert Elias
APRESENTAÇÃO
A escolha de um tema para uma pesquisa científica não é neutra. O pesquisador escolhe o tema, sendo também por ele escolhido. Essa atitude teórica e política fica evidenciada na obra Da trajetória escolar ao sucesso profissional: narrativas de professoras e professores negros, de autoria de Jorge Fernandes, destinado ao público em geral, porém com destaque para aqueles que são pretos, negros e pardos.
De que lugar social nos fala o autor desta relevante obra? Criança e adolescente negro da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, Jorge é parte integrante da narrativa construída. A organicidade de suas argumentações e as reflexões teóricas que norteiam cada capítulo do texto anteriormente referido nos remetem ao contexto social e econômico em que os negros foram inseridos pós-abolição – a exclusão, a invisibilidade e a marginalidade, com raríssimas exceções.
E a esse respeito deve-se considerar que o Estado brasileiro não se preocupou em estabelecer políticas de inserção do negro na sociedade de classe. Ao contrário, implementou uma política de imigração centrada em trazer para o Brasil o imigrante europeu, preferencialmente branco, cristão e ordeiro. Os de outras nacionalidades, especialmente orientais, eram vistos com suspeição.
Portanto, historicamente, os africanos e seus descendentes – negros e negras – foram excluídos da educação formal pública. Aliás, a escola pública surge no Brasil para atender aos filhos das elites nacionais e seus agregados políticos e sociais.
Diante dessa realidade, Jorge Fernandes, militante dos movimentos em prol da igualdade étnico-racial e intelectual comprometido com os estudos sobre a presença negra no Acre, inclusive produziu no ano de 2012 a obra Negros na Amazônia Acreana assume, para si a meritória tarefa de trazer para o cenário da história da educação acreana os protagonismos de negros e negras na educação básica.
Constrói seu objeto de investigação fazendo um excelente recorte do tema, no qual por meio da memória e da oralidade dos(as) professores(as) negros(as) entrevistados priorizou destacar quais desafios esses professores enfrentaram em suas trajetórias escolar e profissional e que fatores foram decisivos na conclusão da trajetória escolar e consequente inserção na profissão docente, bem como quais significados, com base em suas histórias de vida, esses docentes têm do que é ser professor.
Esta obra evidencia a mudança de condição das pessoas negras do papel de coadjuvantes para tornarem-se protagonistas de sua própria história. O primeiro capítulo traz algumas reflexões sobre o processo de inserção da população negra na sociedade de classes e a relação entre esse contexto e o direito à educação.
Jorge apresenta um enquadramento histórico brasileiro da temática, principalmente a partir do Brasil Império, no qual se torna evidente que, apesar das restrições vigentes quanto à entrada de negros e negras na escola, existiram vários casos, em diferentes províncias, depois estados, que demonstram a participação do negro no mundo escolar, ainda no período escravista, além de casos de africanos que chegaram ao Brasil sabendo ler e escrever. O fato é que por vias diversas – ensino dos padres, o ensinar a ler e escrever nos âmbitos dos quilombos, das ações das irmandades negras e de grupos sociais e políticos acolhedores de alunos(as) negros(as) e, também, de iniciativas do Estado – a invisibilidade do negro no espaço escolar foi sendo gradativamente superada, mormente após 1930, quando é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, porém em percentuais bastante inferiores aos dos brancos.
Convém também assinalar que o escravismo brasileiro foi um sistema historicamente novo, e que os tempos modernos foram inaugurados pela diáspora dos africanos no continente americano. E, mais ainda, que as bases ideológicas do colonialismo, o modelo de sociedade patriarcal, machista e racista e a economia de exportação de bens primários teve como fundamento o trabalho escravo e a coisificação do negro, e, como parte desta, foram produzidos estigmas, preconceitos e discriminações que foram disseminados por todo tecido social, embasando as representações dos negros e negras no imaginário social brasileiro.
Mulheres negras e homens negros na profissão docente é o tema que abre o segundo capítulo. Nessa seção o leitor encontrará um breve contexto da educação na região do antigo território amazônico acreano, e na sequência mostra como o número de professoras e professores negros na educação básica foi gradativamente ampliado no Brasil, na Região Norte e na Amazônia acreana.
A superioridade do número de escolas urbanas em relação às rurais e as peculiaridades do Acre em termos de isolamento geográfico e político social eram entraves à expansão do sistema escolar que adquire maior significação a partir da década de 1940, especialmente no Governo Guiomard Santos (1946-50), tendo em vista a criação do 1º Curso Normal Regional (1947), e posteriormente da Escola Normal Lourenço Filho e do Pré-Escolar Menino Jesus, todavia o número de alunos brancos era bem maior que os pretos e pardos.
Ante o exposto, observa-se que é na passagem da década de 1950 para 1960 que cresce substancialmente o número de docentes pardos e pretos, devido a um conjunto de fatores, com ênfase na criação da Universidade do Acre, em 1964, com o curso de Direito, porém mais tarde, com as licenciaturas curtas, que foram transformadas em plenas, no contexto da federalização da atual Ufac. E os cursos parcelados e o posterior projeto de interiorização da graduação, que culminou com a criação de bases da Ufac nos municípios interioranos, ampliaram consideravelmente a participação de pessoas oriundas dos segmentos populares ao ensino superior.
Inegavelmente, foram as políticas de Ações Afirmativas e os diferentes programas de acesso e permanência na educação superior, criados e implantados pelo Governo Federal, que os mais pobres, entre os quais os pretos e pardos são maioria, conseguiram chegar à universidade. Para que se tenha uma ideia, passamos de 692.511 negros e 1.132.794 não negros em 2002, para 1.111.622 negros; e 1.366.863 não negros, em 2013, perfazendo no espaço de 11 anos o quantitativo de 55,15% de negros e pardos.
A Lei 10.639 (09/01/2003) e a Lei 11.645 (10/03/2008) e os cursos que vêm sendo desenvolvidos nas universidades para qualificar, respectivamente, os professores quanto à história da África e da cultura afro-brasileira, e a história dos povos indígenas, têm contribuído para se discutir o racismo no Brasil e buscar alternativas de superação, tendo em vista que não se vence o racismo com leis, e sim com educação. Somos uma nação plural étnico e culturalmente temos que assumir esse patrimônio histórico.
O terceiro e último capítulo traz as narrativas de docentes negras e negros e considera variadas situações problemas inerentes aos desafios de ser aluna e aluno negro na educação básica, e os obstáculos dessa trajetória até a graduação na universidade. Aborda o papel exercido pela mulher negra analfabeta ou de baixa escolarização no percurso escolar de seus filhos e filhas. A obra finaliza abordando a polêmica questão das chamadas cotas raciais
nas universidades para alunas negras e alunos negros, e os condicionantes que envolvem o contexto dessa problemática.
O autor trabalhou na perspectiva de demonstrar o desafio vivido por várias alunas e alunos negros ao saírem do seringal e migrarem para as cidades acreanas, sobretudo a capital (Rio Branco), em busca de oportunidades para dar prosseguimento aos estudos, no entendimento de que sem concluir o ensino médio, ou, quem sabe, uma faculdade, suas possibilidades ficavam bastante limitadas quanto ao propósito de exercer o magistério.
Porém na cidade também existem obstáculos a serem enfrentados – a dura realidade de trabalhar e estudar, ou, algumas vezes, contar com o apoio familiar.
Em termos dos resultados, a pesquisa realizada abre um leque de alternativas para outros estudos envolvendo a mulher negra no ofício de alfabetizadora, num diálogo entre gênero, cor/raça no Brasil. Quanto às informações sobre o território do Acre, embora os dados sejam parciais, podem ser aprofundados em futuras pesquisas de menor amplitude. Por outro lado, percebe-se também que ainda há muita resistência dos professores, tanto nacionalmente quanto no Acre, em autodeclarar cor/raça. Todavia merece destaque o fato de que todos os entrevistados participantes da pesquisa que se autodeclaram de cor preta enfrentaram em suas trajetórias situações de racismo.
Outro aspecto que chama a atenção é que vários entrevistados ingressaram no magistério antes de concluir o ensino médio, enfrentando o fato de exercer uma profissão que, embora contribua, sobremaneira, para o desenvolvimento das potencialidades humanas, padece de vários males que precisam ser superados, entretanto tal ocorrência não arrefece a luta dos professores por uma educação pública, de qualidade e para TODOS, em especial para os mais pobres.
Por fim, ressaltamos o pioneirismo deste livro ao trazer para o epicentro do debate atual a questão cor/raça nos anos iniciais da educação básica, fase em que a incidência de preconceitos entre as crianças é maior que na adolescência.
E termino estas linhas saudando a autoria desta obra pela contribuição à historiografia acreana, no que se atém à escrita da educação, numa conjuntura em que várias conquistas dos trabalhadores estão ameaçadas de serem suprimidas.
Avante combatente, novas lutas o aguardam.
Rio Branco-AC, 20 de março de 2017.
Profª Drª Maria José Bezerra
PREFÁCIO
Receber o convite para prefaciar a obra Da trajetória escolar ao sucesso profissional: narrativas de professoras e professores negros, de autoria de Jorge Fernandes, é motivo de satisfação em circunstâncias que envolve uma profusão de sentimentos que mesclam questões da vida acadêmica, profissional e pessoal, cujas razões vou procurar descrevê-las muito brevemente. Acompanho a trajetória de Jorge há tempos e muito de perto. No período em que fui coordenador do curso de licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Acre/Ufac, ele era aluno da graduação tendo cursado comigo as disciplinas de Sociologia da Educação I e II respectivamente; na sequência, foi meu bolsista em um Projeto de Extensão Universitária que tinha como objetivo prestar assessoria pedagógica a 20 escolas da rede pública de ensino do município de Rio Branco; ao término de sua graduação e certamente motivado pelas questões que pudemos compartilhar nas idas e vindas às escolas e no trabalho com as equipes gestores desses estabelecimentos, fui seu orientador de TCC na graduação.
A partir dessas experiências e convivência posso dizer, com certo grau de certeza, que vi o agora professor Jorge dar os primeiros passos na direção da constituição de seu processo de desenvolvimento profissional. Assim, pude assistir ao nascimento e traçado de um professor sensível, honesto, competente, comprometido e engajado profissional e politicamente falando com causas dignas e nobres no campo da educação: primeiramente atuando na educação básica exatamente em uma daquelas que havia trabalhado comigo na extensão universitária e, depois, trilhando os caminhos da docência no ensino superior, fazendo concurso para trabalhar como professor em um Programa Especial de Formação de Professores realizado pela Ufac. Sem incorrer no risco da pretensiosidade, posso afirmar que não foi por acaso que nossos caminhos se cruzaram e continuam ainda a se cruzar na universidade e se deslindem para além desta ambiência.
Sobre Jorge Fernandes, como professor que tem toda sua trajetória de desenvolvimento profissional marcada pela inserção e atuação em cursos de formação de professores, posso ressaltar ainda que orgulha-me saber que, de alguma forma, contribui para opção que fez pela docência e assistir aos investimentos que tem realizado para se constituir professor
, aspectos que reforçam em minha compreensão de quão acertadas foram as suas escolhas pessoais e profissionais, e ele sabe exatamente ao que estou a me referir!
Nos muitos caminhos que o magistério nos leva nos reencontramos novamente: desta vez, Jorge