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Peças regionalistas
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E-book391 páginas5 horas

Peças regionalistas

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Sobre este e-book

Este primeiro volume do Teatro de Luiz Marinho, organizado pelo professor e pesquisador Anco Márcio Tenório Vieira, reúne cinco das peças regionalistas mais conhecidas do dramaturgo: Um sábado em 30, A derradeira ceia, A afilhada de Nossa Senhora da Conceição, A incelença e A valsa do Diabo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de fev. de 2019
ISBN9788578587468
Peças regionalistas

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    Peças regionalistas - Luiz Marinho

    Copyright © 2019 Luiz Marinho

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Direitos reservados à

    Companhia Editora de Pernambuco – Cepe

    Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro

    CEP 50100-140 – Recife – PE

    Fone: 81 3183.2700

    M338t

    Marinho Filho, Luiz, 1926-2002

    Teatro completo : peças regionalistas / Luiz Marinho ; organização, introdução e notas: Anco Márcio Tenório Vieira. – Recife : Cepe, 2019. v. 1.

    1. Teatro brasileiro – Pernambuco.

    2. Teatro – Pernambuco. I. Vieira, Anco Márcio

    Tenório. II. Título.

    CDU 869.0(81)-2

    CDD B869.2

    PeR – BPE 19-29

    ISBN: 978-85-7858-746-8

    UMA NOTA E OS AGRADECIMENTOS

    A organização do Teatro de Luiz Marinho nasceu em 2004, ao tempo em que escrevia Luiz Marinho: o sábado que não entardece. Naquele momento da pesquisa e da confecção da sua pequena biografia intelectual, constatei que das 14 peças que escrevera, sete permaneciam inéditas em livro. As únicas versões existentes eram as que se encontravam depositadas no arquivo pessoal de Luiz Marinho. Impressas ou datilografadas, quase todas elas traziam a assinatura do autor e a data em que foram concluídas. Das sete que tinham sido publicadas em livros ou revistas, algumas já somavam quase cinco décadas que vieram a lume, e se tornaram raridades nos sebos; outras, apesar de somarem duas ou três edições, criavam dificuldades para os que desejavam encená-las: é que cada edição traz uma versão distinta da outra.

    Dar forma a uma edição do teatro completo de Luiz Marinho significava estabelecer, primeiramente, qual das versões de uma mesma peça devia participar das suas obras completas. Só com o estabelecimento dos textos podíamos dar ao leitor uma edição confiável da sua dramaturgia: livre das gralhas trazidas pelas edições anteriores (palavras grafadas erradamente, falas e parágrafos suprimidos). Na organização dos seus textos, o problema não residia nas obras inéditas que repousavam na gaveta do seu arquivo pessoal (bastava, no caso, digitalizá-las), mas nas peças publicadas nos últimos 50 anos. Se, das sete obras editadas, três só tiveram uma única edição – A afilhada de Nossa Senhora da Conceição, Corpo corpóreo e A estrada –, as quatro restantes conheceram duas ou três edições, sendo que cada uma delas, como dissemos, era distinta da outra. No caso de Um sábado em 30 e Viva o cordão encarnado, a escolha pela versão a ser publicada recaiu sobre a edição príncipe, já que todas as demais edições eram versões reduzidas, compactas, que traziam pouco mais de um terço ou um quarto da primeira edição. Situação distinta tínhamos com A derradeira ceia e A incelença. A cada edição publicada, Marinho realizou pequenas alterações tanto nos diálogos quanto nas cenas: acrescentando ou suprimindo passagens. Ou seja, a cada nova versão, Marinho corrigia a anterior. Optamos, assim, pela última versão dessas obras que, no caso, não recaiu sobre nenhuma das que foram publicadas em livro ou revista, mas nas versões que estavam guardadas na gaveta de Marinho, trazendo as suas derradeiras alterações. Foi feito o desejo do autor.

    Mas a escolha da versão que deveria constar das obras completas de Luiz Marinho não foi o único problema com que nos deparamos. Diante de 14 textos, alguns com centenas de páginas, surgiu uma pergunta: como digitalizar toda essa dramaturgia? Convidei alguns dos meus alunos do curso de Letras, da Universidade Federal de Pernambuco (hoje, ex-alunos) e amigos para se integrarem nesse projeto. Todos aceitaram o desafio. E assim começamos a primeira e a mais penosa das etapas quando da organização de uma obra: a sua digitalização. Dênis Andrade Ventura, Felipe Luiz Paschoal, Kleber de Oliveira Silva, Jéssica Cristina dos Santos Jardim, Pedro Reis e Tony Carlos Pradines Lins se empenharam tanto na digitalização quanto no estabelecimento dos textos. Sem eles, que dedicaram os seus preciosos tempos a esse projeto, creio que este trabalho não teria sido concluído. A todos, meus sinceros agradecimentos.

    Agradeço também aos amigos que, quando solicitados, não mediram esforços para contribuir com a realização deste Teatro de Luiz Marinho: Vavá Schön-Paulino, Márcio Carneiro, Roberto Lúcio, Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis, Beto Xavier e Leidson Ferraz.

    Porém, organizar este Teatro não teria sido possível se ele não tivesse encontrado a boa receptividade da família Falcão Marinho. Desde ٢٠٠٤, quando nos valemos dos arquivos de Luiz Marinho para confeccionar a sua citada biografia intelectual, que se manifesta um permanente interesse dos seus familiares em ver a sua dramaturgia circulando entre os seus apreciadores, particularmente as novas gerações. Diante de tanta generosidade, vão aqui os meus sinceros agradecimentos à dona Zailde Maria França Marinho Falcão (in memoriam); aos seus filhos Francisco França Marinho Falcão, Carolina França Marinho Falcão, Joaquim França Marinho Falcão e Catarina França Marinho Falcão; à sua sobrinha Carla Falcão Castelar, e também aos seus netos que manifestaram e manifestam carinho pela obra do seu avô: Ayama Dhyan e Henrique Falcão. E como esquecer Ricardo Nunes, um permanente entusiasta e admirador da obra de Luiz Marinho, seu sogro?

    Por fim, dois agradecimentos. Um, à professora doutora Sandra Amélia Luna Cirne de Azevedo, minha admirada Sandra Luna, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), figura exemplar de professora e intelectual, que, quando do meu convite para ser a minha tutora neste projeto, dentro da licença-capacitação que gozei no primeiro semestre de 2016, se prontificou de imediato e respondeu positivamente. Outro, a Tarcísio Pereira, presidente do Conselho Editorial da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), que quando tomou conhecimento deste projeto, aceitou de pronto publicar estas obras pela Cepe Editora. Ao nome de Tarcísio, junta-se o de Ricardo Leitão, presidente da Companhia Editora de Pernambuco, e dos demais membros do seu Conselho Editorial, que se empenharam para que este projeto pudesse se perfazer em livro. A todos, nossa eterna gratidão.

    INTRODUÇÃO

    A comédia Um sábado em 30 continua sendo a obra mais conhecida de Luiz Marinho Falcão Filho, que nasceu em Timbaúba, cidade da Mata Norte de Pernambuco, em 8 de maio de 1926, e faleceu no Recife, em 3 de fevereiro de 2002. Com direção de Valdemar de Oliveira e encenação de um dos mais tradicionais grupos dramáticos do País, o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), Um sábado em 30 estreou no palco do Teatro de Santa Isabel no dia 8 de julho de 1963 e ficou em cartaz até 14 de julho, voltando à cena em 6 de agosto, em curta temporada de seis dias.

    No mês seguinte, particularmente em 15 de setembro, outras duas peças de Marinho (ambas batizadas de Estórias do mato) abriram o 1° Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, no Teatro de Santa Isabel: A incelença e A afilhada de Nossa Senhora da Conceição. Com direção de Luiz Mendonça, os dramas foram encenados, em única apresentação, pelo Teatro de Cultura Popular, do Movimento de Cultura Popular (MCP). Na ocasião, também se lançou a revista Nordeste, que trazia no encarte A incelença (a primeira peça de Marinho a ser publicada) que estreara no ano anterior, em 29 de dezembro de 1962, no mesmo Teatro, com o mesmo grupo teatral e com a mesma direção de Luiz Mendonça. No dia 26 de setembro as Estórias do mato retornam ao Teatro de Santa Isabel e lá permanecem até 6 de outubro.

    Ainda em 28 de novembro daquele mesmo ano de 1963, a comédia Um sábado em 30 volta a ser encenada. A partir de então, ela será representada pelo TAP quase todos os anos, em pequenas ou longas temporadas, tanto no Recife quanto em outras cidades do Brasil, sempre com casa lotada. Esse fenômeno teatral levou a revista Veja a afirmar, com certo exagero, em matéria publicada em 4 de junho de 1986, que o sucesso de Um sábado em 30 (...) ameaça(va) criar no Brasil algo semelhante ao recorde mundial de A ratoeira, de Agatha Christie, que, estreada em 25 de novembro de 1952, fez no último sábado o seu espetáculo número 13.645, no St. Martin’s Theater, em Londres.

    Além do inconteste êxito de Um sábado em 30, o fato é que Luiz Marinho foi, dentre os dramaturgos brasileiros que surgiram por volta de 1960, um dos mais encenados e premiados da sua geração. Mas, afora o sucesso de crítica e de público das suas peças, um fato chama a atenção daqueles que se debruçam sobre a sua obra e, principalmente, sobre a sua trajetória como homem de teatro: é que apesar de quase toda a sua dramaturgia ter sido produzida em um tempo de tensões e acirramentos políticos e ideológicos, ela foi encenada tanto por grupos que comungavam uma visão política de esquerda quanto por sociedades teatrais que estavam à direita daquelas companhias dramáticas. Em algumas ocasiões, como vimos acima, as apresentações ocorreram quase que simultaneamente, com intervalos de poucos dias entre um espetáculo e outro; em outros momentos, como ocorreu em 1973, as montagens não só foram simultâneas, como se tratavam das mesmas peças: A incelença e A afilhada de Nossa Senhora da Conceição. Sendo, no caso, que a primeira encenação estreou no Recife, em 23 de agosto, e a segunda, cinco dias depois, no Rio de Janeiro, em 28 de agosto. A primeira, dramatizada no palco do Nosso Teatro, pelo TAP e dirigida por Valdemar de Oliveira; a segunda, no Teatro de Arena da Guanabara, no Largo da Carioca, pelo Grupo Chegança, sob direção de Luiz Mendonça, que batizou o seu espetáculo de As incelenças. Com essa versão carioca, Marinho e Mendonça receberam o prêmio de melhor autor e diretor, respectivamente, do Governo do Estado da Guanabara: Prêmio Estadual de Teatro.

    Duas leituras, duas concepções estéticas, dois grupos teatrais ideologicamente distintos, mas o mesmo interesse comum, o teatro de Luiz Marinho. Afinal, que milagre era esse que as suas peças suscitavam naquele Brasil dos anos 1960 e 1970 ao transigir entre esferas ideológicas tão distintas: seja em relação ao campo dramático, seja quanto ao público expectador e à crítica?

    Creio que se nos voltarmos para os dois diretores que mais encenaram Luiz Marinho – os pernambucanos Valdemar de Oliveira e Luiz Mendonça –, podemos encontrar parte dessa resposta. Exemplos das tensões políticas e estéticas do seu tempo, esses dois homens transigiam alguns dos mesmos princípios quando o assunto era teatro. E é por comungarem desses princípios comuns, que eles vão se voltar para a dramaturgia de Marinho e, não raras vezes, como vimos, até mesmo para as mesmas obras, e colocá-las no palco.

    1.

    O Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) nasceu por iniciativa de Valdemar de Oliveira como um desdobramento natural do Grupo Gente Nossa (GGN), que fora fundado em 1931 por Samuel Campelo e Elpídio Câmara. O Grupo Gente Nossa se extinguira em 1940, um ano depois que um dos seus criadores, Samuel Campelo, falecera; dissolveu-se de maneira silenciosa, e, segundo Valdemar de Oliveira, foi uma das poucas coisas que morreram não por minhas mãos, mas em minhas mãos.¹ Porém, até 1944, Valdemar de Oliveira ainda continuou creditando ao GGN a produção executiva do TAP, nada obstante a sua orientação ideológico-estética seguir um caminho completamente diverso da que fora perseguida pela companhia de Samuel Campelo e Elpídio Câmara: (1) a profissionalização dos atores e corpo técnico; (2) a encenação de dramaturgos brasileiros e pernambucanos; (3) e a representação do seu repertório tanto nos teatros tradicionais – o Santa Isabel e o Parque – quanto nos teatros da Região Metropolitana do Recife, do interior de Pernambuco e de algumas capitais do Nordeste, a exemplo de Natal, Fortaleza e Maceió.

    Trilhando um percurso oposto, o TAP nasce como um grupo filantrópico que busca dignificar a arte dramática através da maior austeridade na escolha do repertório, na montagem das peças, na vivência dos seus personagens.² Tomando Os Comediantes e o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), ambos do Rio de Janeiro, como nortes para constituir o seu repertório, o TAP se voltava para o grande teatropeças não comerciais, porém, de alto padrão literário ou artístico, dos maiores nomes da biblioteca teatral³ – em detrimento das comédias de boulevard. Sem almejar lucro, o TAP inscrevia em suas fileiras somente artistas amadores, constituídos por nomes da boa sociedade recifense: médicos, profissionais liberais e suas respectivas esposas. Como bem nota Antonio Edson Cadengue, apesar de estar empenhado na renovação do teatro brasileiro (seja na escolha do repertório, seja nas novas concepções de encenação), o objetivo do TAP diferia bastante daquele que fora perseguido pelo Grupo Gente Nossa, pois ainda que instigado (pelo maestro) Vicente Fittipaldi a montar espetáculos para o povo (como ele mesmo (o maestro) vinha fazendo à frente da Orquestra Sinfônica (do Recife), Valdemar de Oliveira tem a consciência clara que faz teatro para a elite (e, mesmo esta, precisa ‘educar-se’, pois suas preferências vão para as peças ligeiras e luxuosas), chegando mesmo a não colocar à venda a ‘torrinha’ – ou as ‘gerais’, – do Teatro de Santa Isabel, para evitar que lá se instalem pessoas ‘mal-educadas’ que, com certeza, acredita ele, não apreciam o cardápio do conjunto.⁴

    Mas o TAP não é uma experiência solitária dentro da cena teatral brasileira. Pelo contrário, ele nasce dentro de um momento histórico – a década de 1940 – que se firma como um verdadeiro divisor de água para o teatro brasileiro: seja no campo da dramaturgia, seja no da encenação e da interpretação dos atores. Até fins dos anos 1930 o teatro realizado no Brasil continuava ignorando quase que por completo as inovações formais que vinham ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos desde as primeiras décadas do século XX. Se os vários movimentos modernistas dos anos 1920 e 1930 (Pau-Brasil, Regionalismo, Antropofágico, Festa, Anta...). vinham renovando, a passos largos, a literatura, a música, a pintura, a escultura e a arquitetura, o teatro, por sua vez, estava sendo quase que solenemente ignorado por eles: tanto no campo da reflexão crítica sobre a linguagem dramática, que se reduzia a um quase deserto, quanto na produção de uma dramaturgia brasileira. Das raras peças escritas por essa geração, particularmente pela geração dos anos 1920, registre-se A ceia dos não convidados e O nortista, ambas de Antônio de Alcântara Machado (publicadas, respectivamente, em janeiro de 1927 no Jornal do Commercio, de São Paulo, e em 16 de maio de 1943, no suplemento literário do A Manhã, do Rio de Janeiro); O rei da vela (1933), O homem e o cavalo (1934) e A morta (1937), de Oswald de Andrade; e Bailado do Deus morto (1933), de Flávio de Carvalho. Com exceção dessa derradeira peça, todas as demais obras continuavam inéditas no palco. Seja porque não encontravam um encenador que pudesse viabilizá-las, seja porque nenhuma companhia de teatro queria investir o seu dinheiro em obras que, por serem de vanguarda, poderiam não garantir o mesmo retorno financeiro que os textos realistas, naturalistas, acadêmicos, mas também os boulevards e as chanchadas, vinham assegurando.

    Assim, ao longo dos anos 1940, vão surgir vários grupos dramáticos no Brasil, todos revelando um afã de acertar os ponteiros com as linguagens e as experimentações cênicas que se firmavam na Europa e nos Estados Unidos. É dentro desse espírito (ora perseguindo uma dramaturgia mais conservadora, ora um teatro mais de vanguarda) que nasce não só o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), mas também o Grupo de Teatro Experimental, em 1942; o Grupo Universitário de Teatro, em 1943; o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em 1948 (os três últimos em São Paulo), e Os Comediantes, no Rio de Janeiro, que apesar de ter sido criado em 1938, tem a sua atuação mais marcante nos anos 1940, sendo responsável por encenar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1943, a primeira obra verdadeiramente moderna do teatro brasileiro: Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. Com essa tragédia rodrigueana, a cena teatral brasileira entrou no século XX: seja pelo que havia de inovação no seu conteúdo e na sua forma de expressão, seja pelas novidades e soluções cênicas trazidas pelo polonês Zbigniew Marian Ziembinski em sua montagem e direção.

    Mas, apesar desses grupos teatrais terem sido responsáveis pela renovação da estética cênica do teatro brasileiro, eles pareciam pecar em um ponto: o repertório levado ao palco traduzia antes uma preocupação em acertar as horas com o que havia de novo e de moderno nas dramaturgias e nas encenações europeia e americana do que em promover novos autores brasileiros. Três exemplos: das 54 peças encenadas pelo TAP entre 1941 e 1960, apenas sete eram de escritores nacionais: Por causa de você, de Silvano Serra (1941), Canção da felicidade, de Oduvaldo Vianna (1942), A comédia do coração, de Paulo Gonçalves (1944), Sangue velho, de Aristóteles Soares (1952), Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues (1955), O casmurro, de Graça Melo (1957) e Onde canta o sabiá, de Gastão Tojeiro (1958). No caso do TBC, das 98 peças levadas à cena entre 1948 e 1960, apenas 24 eram de dramaturgos brasileiros. E das 17 obras encenadas pelo Os Comediantes na sua breve existência (1938-1947), apenas cinco eram nacionais. É verdade que parte desse desequilíbrio entre o número de peças brasileiras e estrangeiras encenadas nos palcos não pode ser explicado apenas pelo desejo dessas companhias ou grupos dramáticos (desejo tão brasileiro, diga-se de passagem) de estar a par das últimas modas intelectuais ou artísticas vigentes na Europa ou nos Estados Unidos, mas também pela escassa existência de escritores nacionais que se dedicassem exclusivamente ao teatro. O menospreçamento dos modernistas em relação ao teatro cobrava agora a sua fatura. Em geral, tínhamos poetas, contistas e romancistas que, volta e meia (não raro atendendo a convite de algum grupo de teatro), se voltavam para a confecção de uma peça. No entanto, ser um bom poeta, romancista ou contista não significava automaticamente dominar a carpintaria dramática. Muitas dessas peças, quando levadas ao palco, revelavam que foram escritas antes para serem lidas do que encenadas. Sem deixar de notar que muitos daqueles que se dedicavam a escrever para o teatro nem sempre produziam algo que atendesse ao espírito de modernidade e inovação que os grupos dramáticos perseguiam.

    Porém, uma proposta diversa das que eram resguardadas pelo TAP e as demais companhias que surgiram nos anos de 1940, é defendida por um contemporâneo de Valdemar de Oliveira: Hermilo Borba Filho. Em setembro de 1945, Hermilo, que atuara como ator em algumas encenações do TAP e traduzira para essa companhia Oriente e Ocidente, de Somerset Maughan, A evasão, de Eugène Brieux, e O leque de Lady Windermere, de Oscar Wilde, aceita o convite para dirigir o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Apesar de já ter cinco anos de existência (fora criado em 1940), o TEP até então tinha pouca ou quase nenhuma representatividade na cena teatral e cultural do Recife. Para integrar esse novo TEP, Hermilo convida o compositor Capiba, o artista plástico Lula Cardoso Ayres, o maestro Vicente Fittipaldi (o mesmo que vinha tentando popularizar a Orquestra Sinfônica do Recife), jovens estudantes de direito e de outros cursos, como Ariano Suassuna, Joel Pontes, José de Morais Pinho, Clênio Wanderley, Genivaldo Wanderley, José Laurênio de Melo, Ana Carmen, Milton Persivo Cunha, Sebastião Vasconcelos, Tereza Leal, Mickel Sava Nicoloff, Salustiano Gomes, Oscar Cunha, José Lins, Galba Pragana, Murilo Costa Rego, José Guimarães Sobrinho, Ivan Pedrosa, Gastão de Holanda e Aloisio Magalhães.

    Ainda em 28 de setembro de 1945, durante a II Semana de Cultura Nacional, Hermilo proferiu uma palestra intitulada Teatro, arte do povo. Foi lida no Gabinete Português de Leitura, no Recife. No ano seguinte, em 13 de abril, antes das encenações de O urso, de Anton Tchekhov, e O segredo, de Ramon J. Sendero, ambas em um palco improvisado na Faculdade de Direito do Recife, Hermilo lê novamente Teatro, arte do povo. O texto se torna, desde então, o manifesto do Teatro do Estudante de Pernambuco. Nesse manifesto lemos, em linhas gerais, a defesa de três pontos: (1) a criação de uma dramaturgia que se alimentasse de assuntos genuinamente brasileiros, isto é, de assuntos exclusivamente nacionais que, bem tratados, tornar-se-iam universais, explorando uma linha dramática que revelasse a potencialidade de histórias que povoam o imaginário popular, pois o teatro é uma arte essencialmente popular e como tal deve ser construído em termos de aceitação popular. Os seus temas devem ser tirados daquilo que o povo compreende e é capaz de discutir;⁵ (2) a defesa de que a arte dramática é arte e como tal deve criar os seus meios de expressão e não todas as vezes imitar ou reproduzir a vida, o que é uma caricatura. O espectador deve assistir a uma representação teatral crente de que está diante de uma manifestação artística e não como se fosse a continuação da vida, como queriam os teatrólogos e encenadores do teatro realista, naturalista e acadêmico; (3) por fim, a defesa de que no cenário

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