Alma Despida
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Alma Despida - Cláudia Ferreira
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Agradecimentos
Obrigada a cada alma que até mim chegou com sua dor e seu riso sem economizar palavra e qualquer sentimento; obrigada a todos que entregaram a mim suas histórias, como Luciene Balbino, Andréia Desiró, Kelly Zucateli, que me ajudaram a concatenar as ideias e os ideais; por derradeiro, meu agradecimento ao Dr. Eduardo Cesar de Oliveira Fernandes, meu mestre.
Obrigada Caio e Clara de Ferreira de Castro, meus filhos, pela paciência e compreensão, por serem seres tão singelos e companheiros; pelos extensos momentos que estive envolvida com textos e guardei a maternidade na caixinha; por todos os momentos que deles exigi uma caneta e um papel, na insana vontade de aproveitar o momento de inspiração que me capturava cada dia mais.
Despir-se
Ao estampar no papel a alma que grita aqui dentro, coloco um tanto de minha vida e meus sentimentos pra aliviar o peso da bagagem, a escuridão do fosso, a quentura do sol, a decoração das flores em pleno outono, como se a primavera fosse previsível.
Nesta obra, falo da minha vida e da sua, caro leitor. Tudo sem ao menos parar em seus olhos e identificar o rubor de sua retina; sem ao menos participar de sua dor ou ouvir sua voz rouca do outro lado da linha. Não participei, ao vivo, de sua vida, mas estou ali atrás da cortina participando de cada momento seu. Estou presente e fotografo pra lhe mostrar como está indo bem.
Falo das nossas questões mais doídas, aquelas menos suportáveis. Há dores que a gente acostuma com elas, tornando-se parte vital de nossos dias. Talvez, uma vaidade aguçada, trancada aqui a sete chaves, aflora num momento de rejeição que não é rejeição; numa situação de abandono que não é abandono e sim, um simples parênteses. Descrevo aqui nossas fantasias e a ardência de nossa pele que, ao toque, se mostra aceita e viva sem pestanejar. Sem assombrar o desejo incesto que nas entrelinhas faz morada.
Não posso lhe dizer que faço poesia, poemas ou qualquer outro gênero literário. Falo de nós num mesclar de poesia, filosofia, fotografia, pornografia, ritmia. Descrevo situações minhas e suas. Tão corriqueiras e tão triviais quanto a separação, o divórcio, a conclusão, o reinício. Mas que quando estão em atividade, vem de forma devastadora romper com sentidos tão esquecidos encalacrados nos recônditos de nossa alma. Rochas descobertas agora, aos quarenta, cinquenta anos.
E, quando são descobertas, necessitam ser retiradas, exterminadas, liquidadas. Daí a cirurgia. Esse processo não é fácil, ao contrário disso, mesmo quando descobrimos que precisamos nos livrar daquele peso, daquelas bordas pontiagudas, sofremos porque nos apegamos ao que faz parte de nós. São partes integrantes do nosso ser.
Essa cirurgia demanda de muitas etapas e nos caem muitas lágrimas. É um processo que terá o tempo que dermos a ele. Mas depois da restauração, logo no seu início, o sorriso começa a dar força à continuidade do tratamento e a cada dia a evolução é melhor e mais rápida. Parece que toda força daquela rocha localizada, é expandida! Explode e alimenta as células, nossos órgãos vitais.
Renasce ali um novo ser! Cheio de vida.
Falo de senhoras que a vida inteira entregaram suas vidas aos maridos e filhos e que, aos setenta anos, se separaram; falo de pessoas com setenta anos, mas que têm a vivacidade e animação de vinte, e vice-versa; de outras que não tiveram a oportunidade ou a coragem de decidir seu caminho e depois tentaram retomá-
-lo com louvor. Falo das coisas que nos acontecem, do amor, da família, amigos, e dos nossos momentos. E de tudo um pouco, conferindo sempre aos nossos momentos a luz que aparece na fresta da janela e que, de repente, toma conta do quarto inteiro.
Por isso, exponho tudo na primeira pessoa. Assumo a cena e sentimentos. Falo de todos como se fosse eu aquela mãe sofrida, cujo amor insano tomou conta e de tão irracional a deixou sem chão.
Observo o quarto ao lado e através dele crio um roteiro. Este livro serve de manual pra nossos momentos mais esplêndidos, seja no riso ou no choro, estaremos sempre a postos pra viver um grande e inusitado amor! Estamos aqui pra isso.
Vem viajar comigo e daqui extrair o que a vida nos dá.
Revelando as sombras das palavras
A poesia
O poeta inventa paixões e as dores por elas trazidas.
Da dor vem uma poesia, um drama, uma música sertaneja...
E todo o mundo curte aquele sofrimento infinito...
Se joga no copo de uísque e finge ser Maysa...
De Maysa eu só quero os olhos e o delineador.
Visita
Nessa noite alguém de alma,
Corpo e ritmo veio me visitar.
Foi trazido pela ventania fria
Uma magia de dá gosto
Vestida de rosa com o corpo solto e sedento
Morangos maduros ao tempo, eu esperei.
Eu no relento e você dentro de mim
Seu corpo nas minhas mãos.
Nessa noite, tempestades fortes o trouxeram a mim
E de mim, partiu, horas depois
E solenemente se foi!
Lembranças
Ela é tão bonita quanto sua dona
Tem jeito de menina
Se veste de lilás como bailarina
Nas pontas dos pés delira!
Ela é tão bonita!
Quanto ao seu dono
Seu santo protetor
É pequena e espera o cobertor
É suave e espera as mãos dele
Leves, intensas
Que vira às avessas
Como um olhar que passeia discreto,
Vai e volta de um canto pro meio
Circula, incendeia, gira
Como líquido inflamável
Jogado no corpo inteiro.
Ele é tão bonito!
Como seu dono é lindo!
E eu busco seu rosto na foto
No porta-retratos em branco e preto.
Don Juan
Ele tinha 41 anos e hoje bem mais que isso
Mas sua longevidade é aparente
Aparentemente farta e sua! Só sua
E antes disso (quem sabe), um antigo homem!
Um novo nome, sobrenome!
Um rosto de implícito mistério
Mulheres, suas mulheres e todas elas!
A história é a mesma e só uma
O que muda é a personagem
A dois, a três, a quatro feito procissão
Segue o trecho caminhando...
Em segundos, outra mulher se ajeitando
Todas se ajudando...
São gueixas de cabelos presos, batons fortes, brilhos e flores
Madonas, Monalisas
Marias, Sofias, cinta-liga!
Perfume e um cheiro só seu
Seu toque cerra os olhos
É só sedução, desejo, paixão, desassossego
Um homem e tudo isso
Uma taça solitária no fundo
Que queria champagne pra banhar o mundo
E aqui fico em ar fecundo
Esperando o dia nascer
Me aguarde. Vou voltar.
Meus passos
O mundo me abre mil portas, mas
Por apenas uma quero passar.
Me coloca um vasto mundo de oportunidades
Mas é pelo caminho mais simples e belo
Que quero trilhar... o mais difícil e complicado talvez
Seja esse...
Será esse o motivo do meu sentir atônito? Será?
Seleciona, amedronta, traz e volta
Uma anedota
Me chama e me mostra
Sinaliza novos horizontes
Mas somente de um lado quero enxergar
Esse amor grita alto demais
Sufoca minhas tardes
Me faz suspirar minhas noites
E cintila meus olhos de sombra verde
Me faz outra menina de uma forma diferente
Aí eu respiro fundo com ar de inocente
A tranquilidade toma conta de mim
É você... só você me faz bem assim.
Minha alma
Eu não sou esse corpo que você olha
Ataca e quer brincar
Esse corpo tem vida, além dos seus olhos
Não venha querer me espreitar
Esse corpo gerou sementes em caule suspenso
Delírios da sua alma sem apreço
Compaixão diria ou pura hipocrisia
Esse espírito vencedor
Não se esbarrou em você e nem conhece sua dor
Ela é tragada pelo gole amargo de rum
Em você ilusões
Seu esconderijo noturno
Revelações
E não obstante, o susto
Há o gosto nobre do recomeço
E a eterna vontade de vencer.
A constante tarefa do viver!
Cheiro de pera (Leninha)
Naquele tempo, assim rezava o evangelho: seja feliz, sorria, grite!
Eu subia em árvores
Fazia da Jurupis um parque e sonhava em ser professora
Naquele tempo, Ibirapuera não era shopping,
Rouxinol era apenas pássaro e cantava alto perto da minha casa
Eu corria e tentava pegar a ave!
Ela sumia rapidamente... assim eu queria ser também
Um pássaro livre
Ou guardado dentro do meu quarto
Ia ser o meu melhor amigo
Naquele tempo, havia magia e Nhambiquaras era coisa de índio
Música, batuque, fogueira,
Lua, rio, fumaça, estrela!
Naquele tempo, eu pulava e corria de vestido florido
Eu tinha medo da mulher do saco
Mas gostava de olhar pra cara do macaco
Sem pestanejar, eu o via meio acabrunhado
Depois de muito cansaço
De muito pular e adorar o Santo
Eu me acomodava no colo de minha mãe
Sentia o cheiro de pera das suas mãos e adormecia...
Rio Jequitinhonha
Meu corpo é abrigo
Alimento
Meu peito pulsa em calafrio aqui dentro
Meus olhos nem ousam a lacrimejar
São tristes e isso é o bastante
Brilham como duas estrelas
Decorando meu rosto bonito.
Sou uma mulher que vive em silêncio sua dor
Feito o sofrimento estampado na face sofrida da lavadeira
Às margens do Jequitinhonha,
Onde a erosão encolheu o rio
A água que era verde, ficou marrom
E perdeu seu trilho
E hoje segue sem rumo
Na condução dos garimpeiros
As mãos mudando o destino
Da natureza indefesa
São Senhores de Engenho
Coronéis do Sertão que de arma em punho
Atiram na natureza
E atingem o próprio filho, neto e descendentes
Essa é a voz da ignorância
Que pela força se mantém
Que chega aos nossos ouvidos