Buscando a morte encontrei a vida
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Buscando a morte encontrei a vida - Ricardo Oscar
autor.
CAPÍTULO 1
Em 9 de maio de 1981 a noite iniciava como de costume, mas com algumas nuanças diferentes que, até então, sempre passaram despercebidas para mim. A Lua tão cheia e majestosa reinava rodeada de estrelas que jamais vi brilharem daquela forma, o vento fresco cortava meu rosto de uma maneira nunca sentida antes. Era meu aniversário de 42 anos e, infelizmente, não havia nada para comemorar. Envolto em angústia, lágrimas, desespero e todo tipo de má sorte possível, a única certeza que eu tinha era que, ali, eu morri.
Sempre ouvi dizer que, na hora da morte, um filme passa pela mente, os pecados
são revelados e você é julgado. Eu nunca acreditei nisso, mas imaginava que alguma coisa aconteceria na hora de morrer; só não imaginava que seria tão confuso.
Apesar de estar determinado e decidido a tirar a minha vida, não foi isso que aconteceu, por motivos que eu não podia explicar. Eu simplesmente não sabia se havia sido assassinado, se tinha me suicidado ou, então, se tinha sido vítima de um acidente, uma mera fatalidade.
Com uma garrafa de uísque em uma das mãos e, na outra, a foto do meu filho, um menino de apenas oito anos com toda uma vida pela frente e que fora tirado de mim brutalmente, dias após seu oitavo aniversário, nada mais valia a pena. A única maneira de amenizar a dor da ausência dele foi me entregar à bebida, minha única aliada, e, no auge da loucura proporcionada pela alta concentração de álcool, no ponto mais alto daquela ponte, pude, então, ter paz. No momento em que olhei para baixo tentando experimentar a altura, eu estava decidido, nada mais me faria desistir. Sem covardia, aquele era meu momento e, no exato instante do salto fatal, tudo cessou, as vozes se calaram, os gritos silenciaram, e foi como se, naquela fração de segundo, o mundo estivesse em câmera lenta. Tudo, absolutamente tudo, estava em paz, e foi quando eu pude ouvir uma voz clara, doce e muito firme me dizendo: Wagner Sander, não faça isso e saia da beirada imediatamente
. Ao olhar para trás, eu não pude vê-lo, mas sim sentir quando sua mão me puxou pelo colarinho. Fui puxado com tanta força que tropecei e caí, apoiado com um joelho no chão, praticamente no meio da estrada. Então, toda aquela paz se transformou em um verdadeiro martírio, a começar pelo som da freada brusca do veículo que vinha em minha direção; depois, o enorme estrondo do carro se chocando contra meu corpo e me fazendo voar metros à frente.
Rapidamente, uma multidão de pessoas, vindas não se sabe de onde, apareceu e se reuniu a uns vinte metros de onde eu estava. Achei aquilo um completo absurdo; afinal, eu estava aqui, não ali. As estranhezas não pararam por aí: durante alguns poucos segundos, eu me mantive imóvel, imaginando quão grave seria minha situação; em seguida, com a cabeça rodando, tentei me acalmar e, desse momento em diante, pude perceber que eu não estava me sentindo alcoolizado, também não estava sentindo dor e, o pior, eu não estava sentindo absolutamente nada. Tentei sentir as mãos, depois os braços, em seguida foi a vez das pernas, mas nada doía. Incrível! Só poderia ter sido um milagre. Comecei a gritar, implorando por socorro, mas ninguém me ouvia. Eu era capaz de ver algumas pessoas passando ao meu lado em direção ao aglomerado da multidão, mas todas me ignoravam. Então, completamente indignado, levantei e comecei a pedir ajuda às pessoas ali presentes, mas ninguém me ouvia. Decidi caminhar em direção a elas; afinal, aquilo não podia estar acontecendo. E foi aí que tudo piorou, com a cena bizarra e inimaginável que presenciei: eu estava me vendo ali, estava jogado no chão com meu corpo totalmente quebrado. Parecia que o veículo havia batido diretamente no lado esquerdo do meu rosto. Não dava para ver direito, pois estava coberto de sangue. O motorista havia fugido do local e as pessoas ao redor estavam desesperadas em busca de socorro. Eu também me desesperei! Como aquilo era possível? Só poderia ser um sonho ou um delírio. Enquanto eu caminhava de um lado para outro tentando achar uma resposta razoável para tudo aquilo, minha cabeça tentava processar desesperadamente os fatos. Eu podia ouvir as pessoas chocadas com o acidente, eu as chamava, tentava tocar nelas e não conseguia; estava completamente desesperado.
Exatamente nesse momento, ouvi me chamarem novamente, mas, dessa vez, a voz era diferente, tinha um tom macabro de prazer e satisfação. Então, pude perceber algumas sombras vindo em minha direção bem lentamente e, ao se aproximarem, elas tomaram formas humanas, de modo que puderam ficar em pé e caminhar. Pude ouvir perfeitamente uma delas dizendo:
– Ora, ora, quanto tempo! Espero essa ocasião há décadas. Dessa vez você não escapará de nós, a justiça será feita! Hoje você vem conosco.
Oh, meu Deus! Foi o que me veio à cabeça instintivamente. Ao mesmo tempo em que caminhava para trás, não conseguia pensar em mais nada, tamanha era minha sensação de pânico, mas percebi que as sombras negras pararam e esboçaram uma modesta reação de surpresa. Quando olhei para trás, vi outra pessoa que, diferente das sombras, apareceu com uma roupa branca. Parecia que uma luz emanava por detrás dele. Ele não me disse nada, apenas estendeu a mão, e eu não tive a menor dúvida: imediatamente, fui em sua direção. Quando minha mão estava prestes a encostar na dele, pude ouvir o som estrondoso e agonizante das sirenes da ambulância se aproximando e confesso que tive alguns instantes de consolo ao vê-la chegar.
Com a chegada da ambulância após longos minutos, os paramédicos agiram com certa rapidez, além de muita perícia. Começaram a manejar e imobilizar meu corpo, e em poucos segundos eu, ou melhor, o meu corpo, já estava na maca, com vários enfermeiros ao redor, sendo conduzido para o interior da ambulância. Sem saber exatamente o que fazer, tratei de me acompanhar
e entrei na ambulância também. Dei uma olhada ao redor e não vi mais as sombras, nem aquele homem que havia me estendido a mão. Eu não podia negar que, nesse momento, senti um grande alívio.
A caminho do hospital, os enfermeiros foram mexendo em outros equipamentos. Ouvi claramente um deles comentando:
– Ih, esse já era…
Outro enfermeiro o repreendeu, exigindo que tivesse um pouco mais de respeito. A essa altura, eu já não sabia no que pensar.
Ao chegar ao hospital, foi aquela correria de praxe. Rapidamente me levaram para a sala de cirurgia, e eu não conseguia saber o que eles tentariam consertar
naquele corpo. A única coisa que eu sabia era que não ia deixá-lo, ou me deixar, sozinho naquele momento.
Aos poucos, comecei a me sentir leve, muito leve, e, sem perceber, comecei a flutuar, como se estivesse em uma piscina, meio sem direção, até que, indo e vindo, consegui me estabilizar no centro da sala cirúrgica. Eu estava vendo a cena de cima, pude perceber a preocupação dos médicos e ouvi perfeitamente quando um deles disse:
– Rápido com isso ou vamos perdê-lo!
Enquanto os enfermeiros iam aplicando injeções com os medicamentos junto ao soro, eu ia me sentindo cada vez mais leve. Conforme os procedimentos seguiam, eu me sentia cada vez mais vivo e vívido, meus sentidos estavam aguçadíssimos, minha capacidade de raciocínio parecia ampliada em pelo menos cem vezes. Eu era capaz até mesmo de ajudar os médicos a exercer a função, tamanha era minha capacidade de entender o que eles faziam. Era incrível, não havia outra palavra para descrever o que estava sentindo naquele momento, eu simplesmente me sentia livre.
Instintivamente, me prostrei ao lado daquele que parecia ser o cirurgião-chefe, que estava de frente para meu corpo, e tentei intuí-lo com os meus mais novos conhecimentos. Foi então que comecei a ver vários pontos luminosos, como pontos brancos de luz que lentamente se abriam e, em seguida, desapareciam, mas em uma quantidade e velocidade muito grande, a ponto de eu chegar a esfregar os olhos com as mãos. No meio desse frenesi de pontos luminosos, apareceram três deles com uma intensidade diferente, vindos de direções opostas e, ao chegar perto do leito, a luz começou a ampliar lentamente e a se diluir no ambiente, revelando outras três pessoas, também paramentadas como médicos, mas com uma aparência translúcida. Eles olharam diretamente nos meus olhos e, com um gesto de mão, um deles fez com que eu entendesse perfeitamente que era para que me afastasse. Sem o menor questionamento, lhe obedeci e observei a ação daqueles novos doutores na sala da CTI, mas, para minha surpresa, eles nada fizeram, apenas pararam ao redor da mesa de cirurgia por detrás dos médicos e ergueram as mãos a meia altura, mantendo os olhos fechados e a cabeça erguida, como se estivessem fazendo uma oração. Mantinham a expressão muito concentrada e, em poucos segundos, pude perceber que raios de luz saíam das mãos deles como lanternas e iluminavam todos os profissionais envolvidos naquele salvamento. Após alguns minutos, tudo parecia estar sob controle, os médicos trabalharam por mais algum tempo e aquele som de bipe que monitorava os batimentos cardíacos finalmente se estabilizou em um ritmo lento, mas constante, dando a óbvia sensação de que eles tinham conseguido me salvar. Foi então que um zumbido lancinante começou a ecoar em meus ouvidos, minha cabeça começou a rodar, eu estava sentindo meus membros formigarem, meus braços começaram a ficar mais pesados, minhas pernas começaram a tremer e uma tontura inexplicável tomou conta de mim. Foi nesse momento que comecei a sentir uma força me puxando como se fosse a correnteza de um rio muito forte e, de repente, me vi como se estivesse