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Retratos do Conto: Uma Reflexão Crítica
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Retratos do Conto: Uma Reflexão Crítica
E-book286 páginas3 horas

Retratos do Conto: Uma Reflexão Crítica

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Sobre este e-book

Este livro é o resultado de um trabalho de investigação sobre o conto, gênero apreciado e praticado em diferentes literaturas do ocidente e do oriente. A Prof.ª Gilda Neves Bittencourt, responsável pela organização do livro, orientou seus estudos no sentido de focalizar três aspectos básicos para a análise de qualquer literatura: a história, a teoria e a crítica, estabelecendo parâmetros de compreensão de gênero que constituem referenciais para pesquisadores dentro e fora do país.
O livro está dividido em quatro partes, correspondendo aos diferentes vieses identificados pela investigadora ao longo de sua produção intelectual. No Brasil, a teoria do conto é bastante limitada, principalmente se considerarmos que o assunto conto não é somente de interesse da área de Letras, mas atinge outras áreas como Comunicação, Cinema, História, Psicanálise, entre outras.
A presença desta publicação, em especial pelo seu primeiro capítulo, representa uma renovação para os cursos de graduação e de pós-graduação ao propor novas perspectivas conceptuais à narrativa curta.
Em termos de História Literária, o destaque vai para o quarto capítulo, no qual a autora elabora um painel referente à produção de contos no Brasil, expondo características temáticas e formais, permitindo que seu leitor perceba que, na diversidade da literatura brasileira, na variação de seus modos de construção, existe uma riqueza que merece atenção cuidadosa.
A escolha do título do livro é também uma homenagem ao contista e escritor argentino Julio Cortázar, criador da analogia entre o conto e a fotografia justificando-a pela necessidade "que tanto o fotógrafo quanto o contista tem de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento" provocando intensidade e tensão que extrapolam o que está sendo mostrado na fotografia e no conto. Ao apresentar uma fundamentação teórica consistente, o livro é inovador em sua perspectiva de reflexão, em particular pela soma que empreende. Ao unir diversos ângulos de entendimento em um único livro, a professora Gilda ultrapassa os limites de cada análise de obra específica, propiciando que os questionamentos movimentem-se entre princípios gerais e casos particulares.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jun. de 2019
ISBN9788547331153
Retratos do Conto: Uma Reflexão Crítica

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    Pré-visualização do livro

    Retratos do Conto - Gilda Neves Bittencourt

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Aos meus netos:

    Miguel,

    Enzo e

    Marco.

    Com todo meu amor!

    Agradeço a Leandro Leiria de Moura da Silva, pela assessoria na informatização do texto e pelo apoio seguro na superação das dificuldades.

    PREFÁCIO

    Este livro de Gilda Neves da Silva Bittencourt representa uma contribuição muito importante para a área de Letras. Aqui estão integrados resultados de pesquisas sobre o conto, desenvolvidas pela autora durante sua trajetória acadêmica. Reconhecida por sua atuação na área de Literatura Comparada, à qual se dedicou continuamente, e querida por seus alunos universitários, a professora Gilda Bittencourt trabalhou, de maneira exemplar, em reflexões sobre história, teoria e crítica do conto, estabelecendo parâmetros de compreensão do gênero, que constituem referências para pesquisadores dentro e fora do Brasil. Antes dispersos, os estudos aqui integrados e revisados caracterizam-se por um perfil sistemático e rigoroso, conciliando clareza e densidade, em uma redação sempre fluente.

    O livro está dividido em quatro capítulos: Questões de teoria e de crítica sobre o conto; A busca da identidade; Visões do regionalismo e Panorama do conto brasileiro do final do século XX. Cada um deles está subdividido em partes, delimitadas em acordo com articulações entre os diversos momentos da trajetória da pesquisadora. No Brasil, a bibliografia em teoria do conto ainda é bastante limitada, e esse assunto é de interesse de estudantes de Letras, Comunicação, Cinema, História, Psicanálise, entre outras áreas. A presença desta publicação determina, em especial pelo seu primeiro capítulo, uma renovação para cursos de graduação e pós-graduação; a escrita fluente de Gilda Bittencourt é extremamente acessível e permite lidar com tópicos acadêmicos complexos de maneira serena e estável. Nos ensaios aparece a linguagem da professora que, em suas aulas na UFRGS, e em cursos e palestras em diversos espaços acadêmicos, sempre se notabilizou pela capacidade de expressão. É muito nítido que a autora pensa em seus interlocutores com respeito, e aponta caminhos para que, depois de ler este livro, tenham condições de continuar estudando por si mesmos.

    Em termos de história literária, o destaque cabe ao quarto capítulo, em que a autora elabora um painel referente à produção de contos no Brasil, expondo características temáticas e formais, e permitindo que seu leitor perceba que na diversidade da literatura brasileira, na variação dos modos de construção, existe uma riqueza que merece atenção cuidadosa. O estilo de escrita de Gilda Bittencourt mantém um equilíbrio delicado entre a perspectiva descritiva (para a qual são importantes o olhar preciso e a atenção metódica) e a consistência no uso de conceitos, sempre demonstrando lealdade e generosidade com as fontes consultadas. O movimento interdisciplinar é espontâneo, sempre a favor do respeito a especificidades do objeto de estudo. Tendo uma fundamentação teórica, o livro é inovador em suas perspectivas de reflexão, em particular pela soma que empreende. Ao unir diversos ângulos de entendimento em um único livro, a pesquisadora ultrapassa os limites de cada análise de obra específica, propiciando que os questionamentos se movimentem entre princípios gerais e casos particulares.

    Os leitores de publicações anteriores da professora, em especial do livro O conto sul-rio-grandense: tradição e modernidade, reencontram nesta nova obra a mesma força de contextualização, interpretação e abertura para reflexões originais. Salta aos olhos a vocação para os estudos comparatistas, em especial nos momentos em que Gilda Bittencourt envolve em sua abordagem a literatura hispano-americana. A seleção de contos a serem estudados representa um convite ao conhecimento do que há de fundamental e imprescindível no campo da produção contística. Considero particularmente notável a reflexão comparativa sobre textos de Ricardo Piglia, Carlos Martinez Moreno e João Gilberto Noll, aproximados em razão de suas rupturas com formas convencionais de construção de enredo, incluída no primeiro capítulo. A articulação entre teoria, análise específica e comparação é fina, precisa e exemplar. Reflexões como essa estimulam os interessados em literatura a fazerem movimentos semelhantes, encontrando afinidades entre diferentes escritores.

    Ao longo do livro, estão abordados temas variados, como: a linguagem do conto; a história desse gênero; as formas narrativas; a participação do leitor; os vieses da crítica; a configuração de antologias; as escritoras e sua produção contística; os limiares do conto; a fragmentação da forma; as dificuldades de definir o gênero na atualidade, entre outros. Ao lado desses temas fundamentais, encontramos no livro movimentos de atenção para a literatura do Rio Grande do Sul, em coerência com a trajetória da pesquisadora, e também uma ênfase importante na análise de contos da década de 1970, período em que o gênero foi amplamente difundido. Para dar conta desse universo, Gilda Bittencourt embasou suas reflexões em autores como Edgar Allan Poe, Julio Cortázar, Antonio Candido, Mikhail Bakhtin, Ricardo Piglia, incorporou a concepção de alegoria de Walter Benjamin, e revisou os momentos decisivos para o estabelecimento do conto no Brasil, incluindo com pertinência nomes como Temístocles Linhares e Herman Lima. O livro pode beneficiar pesquisadores interessados em contos de diversas concepções, incluindo aqueles que apreciam Simões Lopes Neto, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Sérgio Faraco. É com grande alegria que recebo o livro de Gilda Bittencourt, profissional querida por seus colegas e alunos, e um ser humano íntegro, que sempre ofereceu, com generosidade, o melhor de si para a universidade.

    6 de novembro de 2018

    Prof. Dr. Jaime Ginzburg

    Professor associado II da Universidade de São Paulo. Desenvolve um projeto de pesquisa sobre Literatura e cinema no Brasil contemporâneo, com bolsa de produtividade de pesquisa do CNPq. Possui graduação em Letras – Português, licenciatura, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988), mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1993) e doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997). Realizou Pós-doutorado em Estudos Literários na UFMG (2009-2010).

    Sumário

    Introdução

    A Ancestralidade do conto

    Capítulo 1

    Questões de teoria e de crítica sobre o conto

    1.1 O DISCURSO CRÍTICO SOBRE O CONTO NO BRASIL

    Temática

    A linguagem

    Sobre a estrutura e organização interna do conto

    A participação do leitor

    Fronteiras do conto

    Sugestão

    Vieses da crítica

    A explosão do conto nos anos 70

    Considerações finais

    1.2 A TEORIZAÇÃO DO CONTO NA AMÉRICA LATINA

    1.3 A dissolução do enredo no conto latino-americano contemporâneo

    1.4 A INTERMEDIAÇÃO ENTRE TEORIA E FICÇÃO

    1.5 OS CONTISTAS E A TEORIA DO CONTO

    Capítulo 2

    A busca da identidade

    2.1 Conto e Identidade Literária: um exemplo brasileiro

    2.2 Integração como meta das Literaturas Nacionais 

    2.3 ASPECTOS DA IDENTIDADE CULTURAL LATINO-AMERICANA: Conto e representação

    2.4 ABORDAGENS CRÍTICAS DO CONTO NA AMÉRICA LATINA: CONFRONTO DE IMAGINÁRIOS

    CAPÍTULO 3

    VISÕES DO REGIONALISMO

    3.1 O regional e o urbano no conto gaúcho

    3.2 O regionalismo sul-rio-grandense e rio-pratense

    3.2.1 O regionalismo sul-rio-grandense: das origens à maturidade

    3.2.2 Imaginários regionalistas em confronto

    Capítulo 4

    PANORAMA DO CONTO BRASILEIRO dO FINAL DO SÉCULO XX

    4.1 CONTISTAS BRASILEIROS DOS ANOS 1970 E A CONCEPÇÃO DE CONTO

    4.2 A ESCRITURA FEMININA NO CONTO SUL-RIO-GRANDENSE

    4.3 O conto brasileiro do final do século XX

    Referências

    Introdução

    A Ancestralidade do conto

    Este é um livro sobre contos, uma modalidade literária presente na literatura desde os tempos imemoriais, alimentando o imaginário de ouvintes e leitores, seja por meio do relato oral, ou por meio da escrita, contribuindo, assim, com a construção da memória coletiva dos povos e com a formação cultural das nações. Com isso, esses relatos anônimos desempenham papel importante na constituição da História por exaltarem feitos gloriosos dos antepassados em que se incluem as guerras de conquistas que, em muitos casos, foram responsáveis pela expansão dos territórios e pela criação de novos estados-nação. Assim sendo, os cantares dos primórdios da civilização sempre despertaram o interesse dos assistentes por proporcionar-lhes divertimento e encanto e por colaborarem para a sua identidade cultural. Por outro lado, ao cantarem as façanhas, as lutas de conquista, as grandes batalhas e os feitos heroicos, os relatos contribuíram para alimentar e manter viva a memória coletiva que atuaria como embrião do processo histórico. A sua universalidade, porém, sempre dificultou uma abordagem que veja o conto como manifestação unitária em que se reconheça um processo de evolução semelhante e que abarque a totalidade dos relatos. Pelo contrário, as narrativas curtas ganharam formas distintas e nomes diversos – contos de fadas, lendas, mitos, sagas, contos folclóricos, lais narrativos, baladas, e outros tantos, cada um com suas peculiaridades ontológicas e diversidades formais, fazendo com que, com o passar do tempo, transformassem-se de tal forma que o termo passou a ter uma pluralidade de significados. O conto objeto deste trabalho será aquele definido como uma das manifestações do modo narrativo, ao lado do romance e da novela, tendo sua individualidade e seu modo de ser específico que o distingue das demais formas literárias. O período histórico em que se situa a maior parte dos contos aqui analisados é o século XX, principalmente na sua segunda metade.

    A identidade desses relatos curtos se faz pelo predomínio de um conjunto de conceitos e princípios que compõem uma teoria do conto já solidificada, que o coloca no mesmo plano dos demais gêneros. A riqueza e a profundidade que foi adquirindo com o passar do tempo, aliadas à complexidade crescente de suas formas, fez do conto uma representação muito fiel da vida humana, com seus vícios e virtudes. Com isso, ele ganhou importância no seio das várias literaturas, tornando-se objeto de investigação rentável em termos de crítica literária, ao lado do romance e do drama, gêneros considerados nobres até então, sendo investigados pelos grandes nomes da crítica mundial.

    Foi este novo status do conto na modernidade que nos levou a escolhê-lo como objeto de estudos no curso de doutorado no qual defendemos a tese O conto sul-rio-grandense: tradição e modernidade..

    À medida que fomos nos familiarizando com a leitura de contos, selecionados como objeto de análise, reconhecemos neles matérias de investigação muito proveitosas em termos literários, por desvendarmos, nas suas páginas, aspectos da vida em todo o seu mistério e complexidade.

    Foi esse encantamento que nos levou a apreciar cada vez mais o gênero como objeto de estudo, corroborando o acerto da escolha.

    Os conteúdos apresentados neste livro resultam, portanto, de estudos que realizamos como docente universitária, durante os anos de atuação no curso de pós-graduação, após a conclusão do doutorado. O trabalho final que defendi e que depois fundamentou as investigações que fiz a partir de então abordou o conto rio-grandense dos anos 70 do século passado, período em que o gênero experimentou um incremento e uma divulgação sem precedentes na história literária do nosso país. A seguir, animada pela possibilidade de expandir essa área de conhecimento, montamos um projeto, ampliando o objeto de estudo, acrescentando o conto brasileiro da segunda metade do século XX em geral, para verificar qual a concepção de conto com que trabalhavam alguns dos contistas importantes da literatura brasileira da época. A seguir, para dar maior amplitude e consistência à pesquisa, acrescentamos contos latino-americanos (uruguaios argentinos, chilenos, bolivianos, venezuelanos e outros), considerando as afinidades existentes entre a produção de narrativas curtas desses países e a do Brasil. Tais confluências aparecem particularmente na intenção comum de fazer da literatura um dos discursos simbólicos mais eficientes e que melhor expressa a identidade, usando a prosa de ficção narrativa como sendo aquela em que as questões identitárias ressaltam com maior vigor e veracidade do que acontece num tratado de Sociologia, ou num compêndio de História. O desenvolvimento, que incluiu fundamentação teórica e leituras críticas de contistas brasileiros e latino-americanos de renome nacional e internacional, motivou a redação de ensaios e textos frutos das atividades de pesquisa com distintas finalidades: publicações para revistas, capítulos de livro, resenhas críticas, prefácios de livros, comunicações para congressos, simpósios, encontros de pesquisa, publicação em CD, bem como a redação de textos resultantes da atividade investigativa que não chegaram a ser publicados. Com o passar do tempo, nos demos conta de que o material que havíamos produzido continha informações importantes sobre o gênero conto, visto na sua especificidade teórica e nas suas realizações no contexto das literaturas do Brasil e de alguns países hispano-americanos. Havia, portanto, uma confluência temática, na qual o conto era visto sob distintos vieses, porém os textos se encontravam dispersos em diferentes mídias, impedindo uma visão de conjunto e um aproveitamento mais efetivo das informações contidas no material produzido. Decidimos então fazer uma seleção de textos, dividindo-os em grupos que tivessem afinidade e organizar um livro voltado à análise do conto como uma das manifestações do gênero narrativo que tem a sua própria identidade, autenticada por princípios e conceitos que corroboram e dão sustentação a existência de uma teoria do conto que, por sua vez reitera a sua condição de maturidade e lhe garante um papel de destaque no quadro geral dos sistemas literários. Completando essa visão teórica focalizamos a sua realização prática, já que o conto ocupa um lugar destacado nas manifestações do gênero narrativo, dentro do mercado editorial.

    Embora seja muito praticado e desfrute de uma posição relevante no conjunto das literaturas em geral, o conto ainda continua sendo objeto de ampla discussão e polêmica quando se trata de conceituá-lo a partir de princípios próprios, ou de fixar suas fronteiras quando se trata de estabelecer limites com os outros gêneros. Por constatar tal complexidade, pensamos que se fazia necessário esclarecer qual a verdadeira natureza do objeto com o qual estávamos lidando e qual a trajetória percorrida historicamente pelo conto como um gênero particularizado.

    Já de início, duas dificuldade se apresentam ao estudioso que se propõe a falar e refletir sobre este objeto: a palavra conto tanto pode se referir às histórias populares, folclóricas (em que se mesclam contos de fadas, populares, lendas e mitos) presentes nas culturas e no imaginário de todos os povos (letrados e iletrados), como aos chamados contos literários, frutos da criação individualizada de um autor e que alcançaram ao longo do tempo grande prestígio e importância na produção literária das diferentes nações, e cujos primórdios se encontram na remota Idade Média.

    O conto objeto do nosso estudo corresponde às manifestações de um período que compreende a segunda metade do século XX quando foram editados a maioria dos contos que compõem o corpus escolhido e foi elaborada a maioria dos estudos críticos consultados. No período referido, o conto era uma forma literária que, apesar de sua grande divulgação e êxito editorial, vivia um momento de crise que colocava em xeque os preceitos reconhecidos, até o início do século, como inerentes à concepção de narrativa curta, dificultando a sua definição e problematizando os seus limites, uma vez que passaram a ser cada vez mais frequentes as narrativas inseridas na categoria de conto, mas que se apresentavam como um tipo de discurso que não era somente o literário, impossibilitando o reconhecimento do modelo tradicional, em vigor até o início do século XX. Dentro do processo de ruptura que se instaurou na narrativa romanesca nas primeiras décadas do século passado, além da problematização da estrutura textual que subverteu as relações temporais e espaciais que sustentavam a verossimilhança interna, verificava-se, com frequência, a incorporação de discursos alheios se mesclando ao ficcional, como o jornalístico, o biográfico, o ensaístico, o historiográfico, o sociológico, o psicanalítico e outros, fazendo com que o conto passasse a se apresentar como uma forma híbrida e mesclada, na qual conviviam diferentes práticas discursivas, usando uma terminologia de Michel Foucault.¹

    Para Foucault, na formação de um discurso, há uma rede de significados ou de práticas discursivas, fazendo com que a fala tenha diversas interpretações.²

    Originalmente o conto situa-se entre o relato folclórico e o gênero épico, ou narrativo, em que se identifica um narrador que conta fatos que se sucedem numa ordem cronológica e causal, fruto de sua experiência ou de experiências alheias que escutou e repassou-as aos ouvintes/receptores.

    Esse tipo de narrador está presente nas manifestações mais remotas, de origem indefinida e anônima, e cujos exemplos primordiais encontram-se nas epopeias homéricas (Odisseia e Ilíada), no Asno de ouro, de Apuleio, na Bíblia Sagrada, nos Fabliaux medievais (tomando por referência somente a cultura ocidental), apresentando-se como um tipo de relato onde os fatos se sucedem numa sequência lógica de ações, cantados ou declamados por um aedo, rapsodo ou ’trovador", como eram designados os artistas da época, responsáveis pela divulgação dessas narrativas entre diferentes povos, promovendo, com isso, a ampliação do seu acervo cultural e perpetuando na memória das coletividades a lembrança de feitos heroicos.

    O traço que unifica as manifestações assim configuradas é o seu caráter coletivo e universal, pois são registradas em todas as civilizações (mais remotas, ou mais recentes, letradas ou não).

    Na passagem da oralidade à escrita, acontecem as adaptações e transformações que antecipam um modo individual de contar, que viria a identificar mais adiante os contos literários. Destacam-se, nesse sentido, como precursores dessa forma narrativa, os nomes de Giovanni Boccaccio, com o Decameron (1350), Geoffrei Chaucer, com os Contos da Cantuária (1386-1400), Charles Perrault, com Histórias de Mamãe Gansa (1697) e os Irmãos Grimm, com os Contos para crianças e para famílias (1812-1815), todos eles responsáveis pela reunião de histórias pertencentes às tradição populares presentes no inconsciente coletivo de povos primitivos e mais recentes. Por sua vez, tanto o Decameron, de Boccaccio, como os Contos da Cantuária, de Chaucer tiveram um papel relevante na história do gênero, colaborando para fixar um modelo de apresentação que perdurou ao longo dos séculos XIV, XV, XVI e XVII, espalhando-se por várias nações da Europa e também fora dela nos chamados relatos ou narrativas curtas.

    A motivação para a existência de narrativas com esse perfil está ligada à existência de um grupo de pessoas que se reúne para contar e ouvir histórias como forma de entretenimento, formando o que se convencionou chamar de narrativa de moldura.

    O conto como relato de acontecimentos de cunho realista, fantástico ou maravilhoso esteve presente nas histórias literárias de diferentes nações porém, com o passar do tempo, as narrativas de autor em que se percebe a presença de uma voz mais particularizada, devido à sua maior elaboração estética, ganha autonomia, sobretudo a partir do século XIX, não só pelo surgimento de nomes que elevaram o gênero a um grau importante de maturidade artística, mas também por acontecer nesse período o início de sua teorização, proposta por um contista norte-americano ilustre – Edgar Allan Poe – que estabeleceu os princípios norteadores do que ele considerava como o verdadeiro conto, identificados como: a pouca extensão (brevidade), o efeito impressivo sobre o leitor e o desfecho como meta buscada pelo contista desde a primeira frase do texto. Com isso o conto adquire autonomia e se converte num tipo de obra literária diferente das demais, passando a rivalizar com o romance como o gênero nobre da literatura, enriquecido por nomes consagrados que se dedicaram à narrativa curta como o próprio Poe, os

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