A Coroa e a Esfera: Cosmografia e Poder em Portugal do Século XVI
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Sobre este e-book
Entretanto poucos conhecem que essa história também foi escrita com instrumentos astronômicos empregados para captar informações sobre a posição dos corpos celestes. Poucos conhecem que as navegações, os descobrimentos e as colonizações levadas a cabo pelos portugueses contaram com o suporte de sofisticados cálculos matemáticos. Também poucos conhecem que a presença portuguesa nas orlas da África, da América e da Ásia teve como subsídio milenares estudos sobre o curso dos astros. A coroa e a esfera: cosmografia e poder em Portugal do século XVI nos desvela esse aspecto ainda pouco explorado do império marítimo dos portugueses. Sua leitura nos conduz por uma trama na qual D. João III – rei de Portugal no século XVI – e seu cosmógrafo Pedro Nunes protagonizaram uma poderosa aliança entre uma ciência substancialmente cultivada na época (a Cosmographia) e o centro de um poder imperial cujos tentáculos alcançavam os confins do mundo conhecido.
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A Coroa e a Esfera - Geraldo Barbosa Neto
autor
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
A ONIPOTÊNCIA DO OLHAR COSMOGRÁFICO
1.1 O globo terrestre como centro do olhar onipotente
1.2 A composição e a figura da universal machina do Mundo
: um legado greco-medieval
1.3 Olhar o globo terrestre a partir da universal machina do Mundo
2
COROGRAPHIA VERSUS COSMOGRAPHIA:
PODERES SOBRE AS PARTES E O TODO DO MUNDO
2.1 A vista apartada do mundo corográfico
2.2 Corographia e Cosmographia das terras do Brasil: o caso da expedição de Martim Afonso de Souza
2.3 Os santos rústicos
3
A COSMOGRAPHIA NONIANA E SEU PODER DE ABRANGER AS TERRAS, OS MARES E OS ASTROS
3.1 Pedro Nunes, a Cosmographia ptolomaica e a história dos descobrimentos portugueses
3.2 Os mareantes dos descobrimentos portugueses em Pedro Nunes
3.3 As ignorâncias sobre o mundo que os cosmógrafos ajudaram a tirar
3.4 A rainha Cosmographia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Fontes primárias
Fontes bibliográficas
Dissertações, teses e artigos
INTRODUÇÃO
Convido você a se deixar introduzir neste livro lançando seu olhar sobre uma curta citação haurida da obra Ropica Pnefma (1531), do famigerado cronista português João de Barros (1496-1570):
[...] com a grandeza dos mundos que os esclarecidos reys de Portugal descobriram, se agora cá viese Ptholomeu, Strabo, Pomponio, Plinio, ou Solino com suas tres folhas, a todos meteria em confusam e vergonha: mostrando-Ihe[s] que as partes do mundo que nam alcançaram, Sam mayores que as tres em que o elles dividiram.³
Ele escreveu sobre um mundo novo. Tomou da pena para ocupar-se de uma parte do mundo desvelada no abrir das velas dos portugueses. Uma vastidão ignorada pelos antigos, um mundo fisicamente apartado dos soberanos portugueses.
Ana Maria Sánchez Tarrío pôs em relevo essa distância física entre os soberanos portugueses e os mares, terras e costas meridionais sob seu senhorio:
Por muito que os humanistas insistissem na comparação prestigiante entre Alexandre Magno e César e os monarcas portugueses, os reis da Expansão Marítima não eram nem César nem Alexandre na medida em que eles jamais partiram para as novas terras descobertas e conquistadas. [...] eles nunca embarcaram em caravelas, não tinham conhecimento direto do Mundus Novus.⁴
Os soberanos portugueses não saíram do reino para se lançarem às terras do novo mundo. Não subiram a bordo das embarcações que rumaram para as terras sob seu senhorio. Não colocaram seus pés no solo do novo mundo, nem o olharam com seus próprios olhos. Essa circunstância incidiu em D. João III (1502-1557), rei de Portugal, no qual o império marítimo dos portugueses esteve centralizado entre 1521 e 1557. Esse monarca não teve nenhum contato pessoal e direto com as terras sob seu senhorio. Na conjuntura dessa distância física entre seu palácio lisboeta e o mundo sob seu senhorio, na condição desse desconhecimento sobre o novo mundo sem intermediários, que floresceu na corte de D. João III uma ciência cuja tarefa precípua foi a descrição e a construção da imagem do mundo terreno e celeste: a Cosmografia.
Proporei ao leitor exercitarmos um pouco de história do conceito de Cosmografia. A designação Cosmografia é composta das expressões Cosmo e graphia. A palavra Cosmo significa mundo (mundi⁵), de acordo com Pedro Apiano (1495-1551) e com Alonso de Santa Cruz (1505-1567), cosmógrafo-mor do rei da Espanha Felipe II (1527-1598): [...] cosmos [es lo mismo] que mundo [...]⁶
. O mundo é composto por quatro elementos: Terra, Água, Ar e Fogo ([...] quatuor Elementis: terra/ aqua/ aere et ignis
[...]), pelo Sol pela Lua e todas as estrelas ([...] Sole quoqum Luna et omnibus ftellis [...]
), e por tudo que está dentro do círculo do céu ([...]. et quidquid celi circumflexu tegitur.[...]
), segundo Pedro Apiano⁷. Trata-se do [...] mundo superior e inferior adornado del sol y la luna y estrellas y quatro elementos con sus posturas y formas tan variamente dispuestas
⁸, escreveu Alonso de Santa Cruz.
Uma das tradições intelectuais clássicas que integraram a produção cosmográfica durante o Renascimento foi a Filosofia Natural aristotélica. Aristóteles pensou o κόσμος (cosmos) como um mundo circular, finito, organicamente conciso, dividido em um mundo superior, perfeito e eterno (o mundo celeste), e em um mundo inferior, imperfeito e destrutível (o mundo terreno); um mundo esférico que se move por rotações regulares, ordenadas e harmônicas, composto por astros e por elementos; um mundo possível de ser descrito por figuras geométricas.⁹ A segunda tradição intelectual clássica que integrou a produção cosmográfica durante o Renascimento foi a Geometria euclidiana. Trata-se da Geometria referenciada no tratado Os Elementos, de Euclides, contemporâneo de Claudio Ptolomeu (século II d.C.). Outra tradição intelectual clássica que integrou a produção cosmográfica renascentista foi a Geografia ptolomaica. O Liuro da Geographia de Ptolomeu seria algo como uma introdução à Geografia. Seu autor foi Claudio Ptolomeu (século II d.C.). Escreveu María M. Portuondo que a filosofia natural aristotélica, a Geometria euclidiana e Geografia ptolomaica foram os fundamentos teóricos para a construção de uma representação do universo:
[...] cosmographical production during the Renaissance integrated three classical intellectual traditions: Aristotelian natural philosophy, which contributed the amework for the fundamental understanding of the natural world; Euclidean geometry and Ptolemaic geography, which provided the tools for mathematical representation of the universe [...].¹⁰
Agora nos ocupemos com a palavra graphia. A graphia é "descriptio", descrição, para Pedro Apiano¹¹. Para Alonso de Santa Cruz¹², ela aparece como coraphia
, algo como grafia em castelhano quinhentista, e significa descrição (discripcion
) e pintura. A Cosmografia, definida à luz de Pedro Apiano e Alonso de Santa Cruz, seria a descrição e a construção da imagem do mundo terreno e celeste.
O florescimento da Cosmografia na corte de D. João III pode ser interpretado como um esforço do rei para dominar intelectualmente os mares, terras e costas meridionais sob seu senhorio a partir dos subsídios da filosofia natural aristotélica, da Geografia ptolomaica e da Geometria euclidiana, os conhecimentos que compõem a Cosmografia. Pedro Nunes (1502-1578) aparecerá nesse quadro histórico.
D. João III nomeou Pedro Nunes como seu cosmógrafo em 1529:
Dom Joham e etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que eu tomo ora por meu cosmografo e bacharell Pedro Nunez e avemdo respeito aos serviços que delle ao diante espero receber no dito cargo perque o ora asy tomo e queremdo lhe fazer graça e mercê tenho por bem e me praz que de Janeiro que vem bxxx em diante em cada huũ anno aja de mantimento com o dito carguo vynte Mill rs.¹³
Ao escrever na carta de nomeação [...] avemdo respeito aos serviços que delle ao diante espero receber no dito cargo [...]
¹⁴, D. João III manifesta com suficiente clareza sua expectativa de que Pedro Nunes lhe preste serviços cosmográficos.
Em 1547, D. João III promoveu Pedro Nunes ao cargo de chefe dos cosmógrafos do reino:
Dom Johão etc. faço saber a quantos esta minha carta virem que avendo eu respeito aos serviços que me tem feitos e espero que ao diante me fara o doutro Pero Nunez, meu cosmógrafo, e polla boa enformação qie tenho de suas letras e suficiência, e por floguar de lhe fazer mercê, tenho por bem e me praz de o acreçentar a meu cosmografo moor [...] e asy que tenha e aja com elle de ordenado em cada um anno cinquoenta mil rs.