Michel Foucault e o Estruturalismo
De Pedro Ragusa
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Michel Foucault e o Estruturalismo - Pedro Ragusa
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Para Márcia, José e Helaine.
AGRADECIMENTOS
Rara é a oportunidade de agradecer publicamente àqueles que fazem parte de nossa trajetória, de nossa experiência e formação intelectual. Eu não poderia perder essa oportunidade, talvez única, de gravar o reconhecimento de certa dívida. Nessa trajetória algumas pessoas ocuparam lugar importante, motivo pelo qual quero registrar alguns nomes.
Ao professor Hélio Rebello Cardoso Junior, por sempre acreditar neste estudo, por orientar esta pesquisa de maneira paciente e generosa. Pela sensibilidade única de leitura, sempre atenta, rigorosa e provocadora. Pela capacidade de criar e mostrar caminhos, enfim, pelo amor à ciência.
Ao professor André Luiz Joanilho, com quem tudo começou. Agradeço pelas orientações e palavras generosas que sempre acompanharam nossa relação. Pelas aulas na graduação, pela orientação no mestrado e por ter me apresentado à leitura de Michel Foucault.
Também agradeço a todos os professores que participaram de minha formação em sala de aula, bancas de qualificação e conversas informais que sempre me motivaram a seguir nesse caminho. Nomeadamente foram fundamentais em minha formação: Alfredo dos Santos, Marco António Neves Soares, Paulo Alves (in memoriam), Sônia Adum (in memoriam), José Miguel Arias Neto, Lucia Helena Oliveira da Silva, Rogério Ivano, Igor Guedes Ramos, Josimar Paes de Almeida, Cristiano Biazzo Simon, Gabriel Giannttasio, Angelita Marques Visalli, Renata Cerqueira Barbosa e Milton Carlos Costa.
A todos os funcionários das bibliotecas consultadas na execução deste estudo, nomeadamente a biblioteca da Unesp/Assis e a biblioteca setorial de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Aos funcionários da secretária de pós-graduação, nomeadamente José Lino.
Aos amigos, que foram muitos durante essa trajetória e sempre me motivaram e me fizeram acreditar neste estudo. Destaco aqueles que puderam participar de maneira mais próxima: Bruno Nielsen Venâncio, Carlos Henrique Lopes Pimentel, Eduardo Leonel, Paulo Rosa, Jorge Rosa, Túlio Sanches, Thiago Correa Mattos, Ronie Péterson, Fernando Violin, Leandro Cesar Leocádio, Vinícius Montelima, Bruno Oliveira, Rodolfo Funfas e Thiago Gonzaga Forlevize.
À minha família. Minha mãe, Márcia, e a meu pai, José, que tanto admiro e que sempre me apoiaram e me possibilitaram trilhar esse caminho sem nunca deixar de serem pais e professores. À minha sogra, Olinda (in memoriam), que em muitas oportunidades me disse palavras de sabedoria e ternura. Todos vocês, mesmo distantes, nunca deixaram de estar presentes.
À Helaine, que tanto amo e admiro, o meu muito obrigado. Companheira com quem redescubro diariamente o gosto pela vida, pelo trabalho e pelos outros. Sem você, este trabalho não existiria.
O estruturalismo, ou pelo menos o que se reúne sob esse nome geral, é o esforço para estabelecer, entre elementos que podem ter sido dispersos através do tempo, um conjunto de relações que o faz aparecer como justapostos, opostos, comprometidos um com o outro, em suma, que os faz aparecer como uma espécie de configuração; na verdade, não se trata com isso de negar o tempo; é uma certa maneira de tratar o que se chama de tempo e o que se chama de história.
(Michel Foucault, 1967)
Prefácio
Pedro Ragusa investiga o pensamento de Foucault para tratar de uma questão que vem intrigando os comentadores há muito tempo: Foucault teria sido, no início de sua obra, e particularmente nos livros da fase conhecida como Arqueologia do Saber, um praticante do estruturalismo?
A resposta que o livro fornece é que Foucault adota procedimentos estruturalistas. Como detalha o autor, estes são tantos e tão variados que os combinando de forma inusitada Foucault obtém o seu momento estruturalista. Além disso, o próprio exercício foucaultiano do estruturalismo já contém uma refração desses procedimentos em direção a um ambiente não estruturalista. Quanto a esse aspecto é que o livro de Pedro Ragusa realiza seu movimento mais original, pois o trabalho historiográfico de Foucault, ao configurar a prática arqueológica, lança-se em uma direção que os princípios do estruturalismo não podem acompanhar.
A adesão de Foucault a esse movimento de ideias que impactou as Ciências Humanas seria compulsória, já que o estruturalismo teve apelo em grande parte do pensamento francês desde a década de 50 do século XX, chegando à culminância na década de 60 quando Foucault desenvolvia sua Arqueologia do Saber. Se o contexto fosse tão simples quanto admitir a predominância do estruturalismo e, portanto, a excepcionalidade de Foucault ao se dissociar dele, então o livro em apreço não seria tão instigante, nem a história das ideias que ele conta teria um sabor verídico. Pedro Ragusa detalha oportunamente que o Foucault arqueológico coloca-se na convergência de três interfaces teórico-filosóficas. Uma delas é o estruturalismo, sendo as demais a fenomenologia e a história das ciências.
Nessa tríade de interfaces há um relacionamento combinado. O estruturalismo permite a Foucault desvencilhar-se da filosofia do sujeito subjacente à fenomenologia e que marcou o próprio Foucault no período protoarqueológico. Quanto à história das ciências, a ideia de descontinuidade (Canguilhem) ao mesmo tempo em que esquiva Foucault de uma história dos saberes como descoberta contínua da verdade sobre o objeto, característica da epistemologia francesa, funciona como um contrapeso à visão estruturalista pouco afeita à história. Com isso, a invenção do pensamento arqueológico torna-se muito mais complexo e o sucesso de Foucault em produzir uma prática inovadora é digno de nota devido a sua amplitude.
A respeito da confluência das interfaces, Pedro Ragusa observa que Foucault logra criar um conceito – o a priori histórico – que é o grande dividendo filosófico da fase arqueológica. Além de se diferenciar da fenomenologia, do estruturalismo e da epistemologia francesa, esse conceito, em não menos arrojada manobra, ainda traz ao kantismo uma inusitada dimensão histórica que passa a organizar as condições de possibilidade do entendimento, desvinculando-as do sujeito transcendental. O resultado é que a pesquisa arqueológica converte-se em historiografia à medida que instrumentaliza o arqueólogo do saber para a crítica documental. O sujeito e o objeto dos saberes são determinados por condições históricas. No entanto não se trata mais de um método histórico tradicional, pois os próprios historiadores hesitam em reconhecer em Foucault um de seus pares.
O livro de Pedro Ragusa é um convite a seguir um caminho no qual o caminhante apaga seus passos, tornando irreconhecível o ponto de partida. Para Foucault, a filosofia é o deslocamento e a transformação das molduras de pensamento, a modificação dos valores estabelecidos e todo o trabalho que se faz para pensar diversamente, para fazer diversamente, para tornar-se diferente do que se é.
Hélio Rebello Cardoso Junior
Professor/pesquisador pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Assis)
Sumário
Introdução 15
Capítulo I
Estrutura e estruturalismo 33
1 Os estruturalismos, diferenças de um pensamento multilinear 33
1.1 Sobre o Problema Estrutural: Estruturalismo, Estrutura e Linguagem 34
2 O estruturalismo como pensamento sobre o Simbólico. A Estrutura Triádica 38
3 Do Sentido de Posição e suas Relações 46
4 As relações diferencias e a temporalidade da Estrutura 49
4.1 O Acontecimento Estrutural: Atualização e Singularidade 51
5 Conclusão: Estrutura e estruturalismo como Diferença 53
Capítulo II
A filosofia francesa na primeira metade do século XX 55
1 Entre a fenomenologia existencial e a Epistemologia conceitual 55
2 A fenomenologia e o cenário filosófico francês na primeira metade do século XX 57
2.1 A fenomenologia e a contribuição husserliana 58
2.2 A recepção da fenomenologia de Husserl na França 60
2.3 A fenomenologia Existencial Francesa: Jean-Paul Sartre e Maurice
Merleau-Ponty 62
2.3.1 Jean-Paul-Sartre e a fenomenologia Existencialista 63
2.3.2 A fenomenologia existencial de Merleau-Ponty 65
2.3.3 Michel Foucault e a fenomenologia: A Protoarqueologia 67
2.3.4 A Protoarqueologia: O Pensamento fenomenológico de Michel Foucault entre 1952-1957 68
3 A epistemologia francesa: A história das ciências de George Canguilhem 70
3.1 epistemologia francesa e a história das ciências: A Análise Histórica dos Regimes de Racionalidade a partir das práticas científicas 72
3.1.1 A Prática Científica 73
3.2 Epistemologia e Descontinuidade Histórica: Ruptura e Corte Epistemológico 74
3.2.1 O Corte Epistemológico 77
3.3 Da Epistemologia do Conceito de Canguilhem para a Arqueologia do saber de Michel Foucault 78
3.4 A Arqueologia do Saber: Um Híbrido Epistemológico-Estrutural 80
Conclusão 85
Capítulo III
O Híbrido Arqueológico: Entre o estruturalismo e a Epistemologia 87
1 A Arqueologia dos Saberes e estruturalismo: Tema, Método e Objeto 87
2 Michel Foucault entre o comentário e a prática do estruturalismo 90
3 Episteme: Uma Estrutura-Histórica para um estruturalismo sem Estruturas 95
3.1 Episteme: Estrutura histórica e descrição arqueológica. 96
3.2 Estruturalismo-Histórico: A episteme como A Priori Histórico-Epistemológico
102
4 O estruturalismo em As Palavras e as Coisas: O Tema da História Estrutural do Saber 104
4.1 O objeto estruturalismo
: Uma Arqueologia do aparecimento do estruturalismo 105
4.2 O estruturalismo como método Histórico-Epistemológico para uma Arqueologia dos Saberes 108
4.3 A Arqueologia dos Saberes como método histórico-estrutural: Mudança e Ruptura 111
5 Michel Foucault não foi Estruturalista, mas esteve no estruturalismo 114
Considerações finais 119
REFERÊNCIAS 127
índice remissivo 135
Introdução
Na prática do seu método arqueológico, Michel Foucault pôde estabelecer com o estruturalismo uma importante interface teórica para a realização de suas pesquisas entre os anos de 1961 e 1969. Esse será o tema que o leitor irá encontrar nas páginas que se seguem desse livro. Dessa maneira, o fio condutor dessa pesquisa será mostrar a participação de Michel Foucault no programa teórico-metodológico estruturalista a partir da composição estratégica por parte do filósofo de um método de pesquisa híbrido
, delimitado entre o estruturalismo e a epistemologia francesa.
O livro aborda inicialmente o estruturalismo por meio de uma perspectiva multilinear, definida pelo crítico de filosofia Gilles Deleuze, o qual reconheceu na prática da arqueologia dos saberes uma importante e complexa linha teórica
, dentre as diversas apropriações metodológicas realizadas no programa estruturalista. Posteriormente, o leitor irá conhecer o ambiente intelectual e epistemológico da primeira metade do século XX, no qual Michel Foucault recebeu sua formação universitária, e pôde se apropriar
do programa estruturalista para lhe conferir uma nova roupagem, uma nova problemática e uma nova perspectiva teórica ao introduzir análises e descrições estruturais no campo da história, convertendo-o ao método arqueológico, identificando
a primeira fase de sua obra.
Seguramente, um dos maiores desafios que os escritos arqueológicos oferecem tanto aos leitores como aos comentadores dos trabalhos de Michel Foucault, deve-se à dificuldade para a delimitação do universo teórico-metodológico em que esses escritos estiveram inseridos, pois o estruturalismo não foi a única referência teórico-metodológica presente durante os escritos arqueológicos de Michel Foucault. Tanto a fenomenologia, como a epistemologia também foram personagens teóricos importantes desse momento da produção acadêmica do filósofo.
Dessa maneira, para que possa ser compreendido os limites da pesquisa e do método arqueológico de Michel Foucault, torna-se necessário e urgente situar o estruturalismo como uma importante interface teórica em seus estudos sobre o homem, sobre os saberes e as instituições.¹
Contudo, a convivência dessas três interfaces teóricas do primeiro Foucault não foi homogênea do ponto de vista temporal. Dessa maneira, também será parte da temática exposta neste livro apresentar como o pensamento e os primeiros escritos de Michel Foucault estiveram situados num plano metodológico e conceitual posto pelas problemáticas e questões circunscritas tanto pela fenomenologia originária com Edmund Husserl, como também pela epistemologia francesa de George Canguilhem.
Cumpre assinalar que essas últimas, embora sejam temporalmente precedentes à influência do estruturalismo, estabeleceram com o método estrutural várias associações que viriam a abrir caminho para a arqueologia dos saberes, a qual Michel Foucault assina em nome próprio. No cômputo geral, a arqueologia foucaultiana faz uma combinação original entre balizadores teórico-metodológicos da epistemologia francesa e do estruturalismo, embora também não se identifique plenamente com eles, em detrimento da fenomenologia. Essa imbricação epistemológica anima o presente livro.
* * *
As décadas de 1950 e 1960 do século XX foram marcadas pelo desenvolvimento de um esforço de renovação teórico-metodológico no campo científico originário com os estudos linguísticos do leste europeu. Essa renovação epistemológica resultou na formação do paradigma filosófico e científico conhecido, principalmente nas disciplinas delimitadas