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Perspectivas Asiáticas
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E-book454 páginas5 horas

Perspectivas Asiáticas

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Sobre este e-book

O comércio crescente, os laços comerciais e políticos entre América Latina e China, especialmente a incorporação do Brasil nos BRICS, inauguraram o surgimento de novas estruturas institucionais, políticas e comerciais, que dão à região condições para buscar vincular o seu desenvolvimento econômico ao cada vez maior peso econômico do gigante asiático. Embora esses desenvolvimentos tenham sido muito positivos, eles foram substancialmente complicados pelo impacto negativo da crise econômica mundial desde 2008 e pela ofensiva da política neoliberal liderada pelos Estados Unidos, que já saiu vitorioso com a vitória de Macri na Argentina, no processo de impeachment contra Dilma Rousseff e nas graves dificuldades econômicas enfrentadas pelo governo bolivariano de Nicolás Maduro na Venezuela, apenas para mencionar os mais importantes. (FRANCISCO DOMINGUEZ/Middlesex University)

A analogia que me vem à mente para discutir a relação entre a desigualdade e o poder econômico é a lei da gravitação. A desigualdade é visível, mesmo estatisticamente mensurável em muitos casos, mas o poder econômico que a impulsiona é invisível e não mensurável. Como a força da gravidade, o poder é o princípio organizador da desigualdade, seja de renda, riqueza, sexo, raça, religião ou região. Seus efeitos são vistos de forma generalizada em todas as esferas, mas as formas em que o poder econômico torna estas variáveis econômicas visíveis permanecem invisivelmente obscuras. Ele desafia a análise empírica direta, e tem que ser analisado através de seus efeitos. (AMIT BHADURI/Jawaharlal Nehru University)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2016
ISBN9788561012755
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    Perspectivas Asiáticas - Marcos Costa Lima

    Introdução: A ascensão da Ásia

    O século XXI é herdeiro de processos fundamentais que ocorreram no século XX, e aqui me arrisco a indicar dois desses processos fortemente revolucionários que não podem estar fora de qualquer avaliação da economia política internacional desde o pós-Segunda Guerra Mundial: em primeiro lugar, as transformações técnico-produtivas que se aceleraram a partir do advento da computrônica e, em segundo lugar, a vertiginosa a ascensão da China no final da década de 1970.

    Mas, mais do que isto, há uma modificação geopolítica de deslocamento do poder tradicional, situado no entorno do Atlântico para o continente asiático, processo desencadeado pelo Japão a partir de 1955 até a década de 1970, quando este país apresentou taxas de crescimento do PNB de 10,5% na década de 1950 e 1960 e 7,6% em 1970.

    Para este processo, foi definitiva a intervenção estatal e a criação de um ministério específico, o MITI (Ministry of International Trade and Industry), que não apenas recuperou a economia do Japão, mas introduziu uma política de racionalização industrial que coordenou esforços de cooperação formalizados entre o governo japonês e o setor privado. O MITI também impulsionou a política industrial, e a desvinculação da importação de tecnologia, da importação de outros bens. As leis sobre o capital estrangeiro do MITI concederam poder ao ministério para negociar preço, condições e acordos para importação de tecnologia. Este elemento de domínio tecnológico permitiu ao Japão promover as indústrias que considerava promissoras. O baixo custo da tecnologia importada permitiu um rápido crescimento industrial. Em 1951 o MITI fundou o Banco do Desenvolvimento do Japão, que também forneceu ao setor privado capital de baixo custo em longo prazo.¹

    O Japão emergiu como o dragão econômico da Ásia Oriental. Os japoneses atingiram um alto padrão de vida, e o país ainda permanece como um motor industrial e financeiro para o Pacific Rim, mas agora à sombra da China. Os tigres como Singapura, Hong Kong, Taiwan e Coreia do Sul também experimentaram um forte crescimento econômico e são fortes concorrentes na economia global. Este chamado milagre japonês repercutiu nos países do Leste Asiático, através das cadeias industriais que se autoalimentavam na região para oferecer produtos manufaturados de alto valor tecnológico.

    Na esteira de Johnson, a economista do desenvolvimento do MIT, Alice Amsden, escreve um livro que também fez carreira: Asia’s next Giant: South Korea and late Industrialization.²

    Para Amsden, na Coreia do Sul, o governo fez a maior parte das decisões de investimento, aquelas essenciais. As empresas envolvidas operavam com um extraordinário grau de controle do mercado, protegidos da concorrência externa. A economista reforça também a ideia central segundo a qual tanto o Japão quanto Taiwan e Coreia do Sul se industrializaram rapidamente, pelos investimentos realizados na educação, criando uma força de trabalho bem-educada, tanto aquela de colarinho branco quanto azul. Um processo de aprendizagem associado a uma busca de superar o atraso tecnológico intenso, ao mesmo tempo em que o Estado impunha padrões estritos de desempenho nas indústrias fomentadas³.

    Os estudiosos da Ásia, após a rápida industrialização destes late commers, passam inclusive a discutir se fazia sentido falar de um padrão asiático de crescimento, sintetizado em estado indutor, superação do atraso tecnológico, educação e export drive.

    Mas essa experiência exitosa na Ásia também teve seus momentos de fracasso, quando da crise da moeda e financeira de 1997, gerando muitas dúvidas tanto no seio dos decisores políticos quanto da sociedade científica. Para Zhang Xiaoming (2006), as razões do insucesso são discutidas até hoje e representaram uma oportunidade para reduzir a corrida para o desenvolvimento e refletir coletivamente sobre o caminho de desenvolvimento que os países da Ásia deveriam seguir. Não obstante os períodos de dificuldades, Coutinho (1999, p. 375) chama a atenção para a rápida saída da crise pela Coreia do Sul, em que pese a violência da crise cambial. O PIB do país, que crescera em média 6,8% ao ano entre 1992 e 1997, teve uma queda vertiginosa em 1998 (- 5,5% e em 1999 já se projetava uma recuperação).

    A ascensão chinesa foi tida, em certo tempo, como uma força desagregadora para o crescimento econômico da região, que perdera muito de seu dinamismo após 1997. Para acalmar os ânimos do ASEAN, a China teve a corajosa atitude de estabelecer um Acordo de Livre Comércio com o bloco, que operaria no sentido de ampliar o comércio e os investimentos em benefício do conjunto. Assinado em 2002, o acordo desde então exerceu uma grande pressão sobre o Japão e a República da Coreia, que tiveram de seguir o exemplo através da intensificação de seu comércio com o Asean, baixo o guarda-chuva intitulado Asean+ 3 (Asean mais China, Japão e Coreia do Sul). Com a China como um crecente poder regional econômico e político, sua iniciativa com o ASEAN acabou por produzir um novo momento na direção da chamada Nova Era da Integração Econômica na Ásia do Leste (WANG, 2005).

    Como nos diz Gilpin (2004), de 1980 até 1997, quando da crise que irrompeu na Malásia, a região da Ásia do Pacífico – um conjunto de países representado pelo Japão e Coreia do Sul, a Indonésia, a Tailândia, Singapura e a China – foi a região que mais cresceu na economia mundial.

    A ascensão da China, nesse contexto, se refere primeiramente ao rápido e sustentado crescimento de sua economia desde o final dos anos 1970, quando a reforma e a abertura foram adotadas por Deng Xiaoping. Em segundo lugar, pela entrada do país, em 2001, na Organização Mundial de Comércio, após a duração mais longa de readmissão ao sistema de comércio multilateral na história do GATT/OMC.

    Hoje, buscar, pela via de um intenso pragmatismo, equilibrar os avanços dos tigres econômicos e do Japão é um desafio constante para a China, que centraliza e dá o ritmo da economia regional. Estes países, que em grande medida foram antigos inimigos na Segunda Guerra Mundial, são agora parceiros comerciais (a exemplo da China, do Japão e da Coreia) – embora as diferenças culturais e políticas entre eles permaneçam.

    Segundo Farooki e Kaplinsky (2012), a China passou a ser o maior exportador mundial e o segundo maior importador, ficando atrás apenas dos EUA. A China passa a ter uma presença internacional cada vez mais ampliada através dos investimentos diretos externos, sobretudo em petróleo e mineração. Mas, essa força que transformou a China em um gigante no comércio internacional e na fábrica do mundo esteve e está ligada endogenamente a uma política urbana de grande intensidade. O caso chinês de urbanização apresenta uma intensa atividade do Estado, com amplo planejamento do desenvolvimento, onde as cidades são um elemento central para um crescimento econômico multidimensional, em que se articulam campo e cidade e um processo migratório na direção da cidade, que torna imprescendível os investimentos em infraestrutura de estradas, ferrovias e mobilidade urbana, associados a um intenso processo de construção de moradias, escolas, universidades, hospitais, parques e centros comerciais. O modelo chinês parece adotar a máxima de Glaeser (2011), segundo a qual a densidade urbana fornece o caminho mais claro da pobreza à prosperidade, como a maior cidade das invenções, porque articula reduzir os custos através de economias de especialização e escala, proporcionando maior rapidez na disseminação de conhecimento e informação (COSTA LIMA et al, 2014).

    Neste sentido é que a China veio a se tornar o principal produtor mundial de automóveis e veículos, que sustentam a imensa demanda das grandes cidades (FARROKI, KAPLINSKY, 2012).

    Barry Buzan escreveu em 2010 um instigante e denso artigo sobre as possibilidades e os desafios que a China tem de manter sua ascensão pacificamente. O autor, diferentemente de Meashheimer⁵ e Fred Halliday⁶, entende que o projeto é factível, contudo, que será muito mais difícil do que tem sido nas útlimas três décadas. A China terá que pensar fortemente sobre ela mesmo, sobre suas questões internas e sobre a sociedade internacional na qual é hoje um dos maiores players. Estes processos, em meio a uma crise ainda sem descortino, criará fortes tensões – por exemplo, com os Estados Unidos da América e com o Japão, sem que possa repetir a sua experiência de sucesso desde 1978. O país está melhor posicionado que a maioria das grandes potências para se sair bem e não poderá manter uma distância confortável dos problemas hoje enfrentados pelo Ocidente. Querendo ou não, a China será demandada para uma ação internacional capaz de estar à altura de suas atuais condições de uma grande potência. Neste sentido, a dimensão da paz e a afirmação categórica desta premissa⁷ podem representar um valor inestimável de superação da crise capitalista (BUZAN, 2010, p. 34)

    O livro que ora temos a satisfação de introduzir estabelece uma ampla reflexão sobre a região asiática, enfrentando as questões que foram aqui introduzidas e está estruturado em 13 capítulos/contribuições que o tornaram possível.

    Os temas e os autores convidados apresentam diversas abordagens que vão desde 1) uma discussão fundamental sobre desigualdade e poder econômico apresentada por Amit Bhaduri, que representa a sua reflexão quando do recebimento do Prêmio Vassily Leontief, este ano; 2) uma análise do professor Henrique Altemani sobre a Parceria Transpacífico, aprofundando a questão da não inclusão da China entre os 12 países-membros, além de enfatizar a maior assertividade dos Estado Unidos da América ao instrumentalizar a TPP como um elemento da estratégia de retorno e maior presença na Ásia e as reações chinesas; 3) o terceiro capítulo, de Javier Vadell et al, avalia a evolução do modelo de desenvolvimento sui generis da China, além do significado da sua relação com outros países em desenvolvimento na periferia do Sul Global; 4) o professor John Ross nos brinda com um estudo sobre o significado do desenvolvimento econômico chinês para a América Latina; 5) o quinto capítulo, do professor Francisco Dominguez, que se situa no mesmo campo das relações China-América Latina, busca examinar o imenso potencial que pode representar para a região o aprofundamento de suas relações com a China; 6) o sexto capítulo, do professor Alexandre César Leite e Lohana Ramos, tem por objetivos mapear os investimentos chineses na América Latina e identificar os setores prioritários, na tentativa de avaliar se estes constituem um padrão e melhor compreender a ação chinesa na definição dos seus investimentos na região; 7) Adriana Abdenur estuda as questões de infraestruturas portuárias, que são imprescindíveis para o comércio mundial, articulando as deficiências existentes na América latina no setor e os investimentos chineses que vêm aportando capital neste campo específico; 8) Renan Holanda nos introduz ao pensamento chinês no campo das Relações Internacionais e a um de seus renomados especialistas, Yan Xuetong, que defende a necessidade de se reformar o atual aparato teórico utilizado nos estudos sobre a China e a atuação internacional do país; 9) o professor Liu Guoping e Yun Hou nos introduzem no processo chinês de urbanização e seus problemas, defendendo a necessidade de políticas capazes de direcionar o País para a proteção ambiental, qualidade urbana e aprimorar a integração regional interna; 10) o professor Mick Dunford et al nos informam que, desde a reforma econômica, as cidades chinesas experimentam uma descentralização das indústrias de manufaturas e o crescimento dos serviços e dos distritos de indústria criativa nas antigas áreas industriais. Estudam o Distrito de Arte 798 em Beijing, as políticas de cultura e as iniciativas para transformar Beijing numa metrópole global; 11) o artigo de Alexandre Pereira aborda uma questão que vem ganhando proeminência na geopolítica de segurança mundial, a saber, as controvérsias em torno do Mar da China Meridional. As disputas atuais tiveram seu momento de partida em 2009, quando o Vietnã e a Malásia submeteram à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), nos termos do artigo 76.8 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), propostas de plataformas continentais estendidas além das 200 milhas marítimas; 12) a professora Alicia Giron, da Unam, no México, estuda os Investidores Institucionais, as Instituições Microfinanceiras e os objetivos do desenvolvimento sustentável. O trabalho tem como foco refletir sobre as taxas de juros dos microcréditos nos países da APEC e sua relação com os fluxos de capital dos investidores institucionais. Conclui pela necessidade de regulação financeira profunda por parte dos bancos centrais dos países que constituem a APEC. Finalmente, 13) o estudo, de Marcos Costa Lima e Joyce Helena Ferreira, que analisa o Banco dos BRICS e se interroga sobre se este banco é uma via alternativa às instituições de Bretton Woods. Em sua primeira parte, o texto reflete sobre o golpe de Estado em andamento no Brasil e avalia as repercussões sobre os BRICS, para em seguida fazer uma reflexão sobre o processo de acumulação de capital no contexto da financeirização, que tem interferido duramente na economia global e a relaciona com a necessidade dos cinco países buscarem uma alternativa capaz de enfrentar a hegemonia bancária do G7, e apresenta, ainda, as primeiras decisões de projetos tomadas pelo Banco.

    Concluindo, é importante dizer que o Centro Internacional Celso Furtado, nos seus 10 anos de existência, tem dado uma atenção especial ao processo asiático através da realização de seminários e publicações, convidando cientistas sociais da região para atualizar, com os sócios do Centro, as transformações ali havidas e prospectar possibilidades de novas pessquisas. A este livro, o primeiro inteiramente dedicado às Perspectivas Asiáticas, também somou esforços o Instituto de Estudos da Ásia, criado em 2015 pela Universidade Federal de Pernambuco, que tem mantido contato com professores chineses e indianos e pesquisadores no Brasil e México, que vêm aprofundando seus conhecimentos não apenas sobre a Ásia, mas sobre o Brasil e a Ásia, os BRICS e a China na América Latina.

    Boa leitura.

    Marcos Costa Lima

    Referências

    BIJIAN, Zheng. China’s ‘peaceful rise’ to Great-Power Status. Foreign Affairs, v.84, n.5, p. 18-24, 2005.

    BUZAN, Barry. China in international Society. Is ‘peaceful rise’ possible?. The Chinese Journal of International Politics, v.3, p. 5-36, 2010.

    COSTA LIMA, Marcos; SILVA, Joyce Helena F.; ALVES, João Ricardo C. S. Territory, development and the economy of large Cities: perspectives of Brazil and China. Trabalho apresentado no Fórum Beijing, Peking University, 2014.

    COUTINHO, Luciano. Coreia do Sul e Brasil: paralelos, sucessos e desastres. In: FIORI, José Luís (Org.). Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 357-378.

    FAROOKI, Masuma; KAPLINSKY, Raphael. The impacto f China Global Commodity Prices. New York: Routledge, 2012.

    FIORI, José Luís (Org.). Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 357-378

    GILPIN, Robert. O regionalismo asiático. In: O desafio do Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Record Editora, 2004, p. 353-388.

    GLAESER, Edward. The Triumph of the City. London: Penguin Books, 2011.

    HALLIDAY, Fred. Revolution and World Politics: the rise and fall of the sixth great power. Basingstoke: Macmillan, 1999, p. 2.

    JOHNSON, Chalmers. MITI and the Japanese miracle, 1925­1975. Califórnia, EUA: Stanford University Press, 1982.

    MEARSHHEIMER, John. Why China’s rise will not be peacefull. National Interest, 2014. Disponível em: http://nationalinterest.org/commentary/can-china-rise-peacefully-10204. Acesso em: 08 de fevereiro de 2016.

    QIN, Yaqing. Chinese Culture and its implications for Foreign Policy making. Chinese Institute of International Studies, 2012. Disponível em: http://www.ciis.org.cn/english/2011-11/18/content_4634967.htm. Acesso em: 01 de julho de 2016

    WONG, John. China’s economic rise- implications for east-asian growth and integration. Bulletim of Asia-Pacific Perspectives, p. 31-44, 2005.

    XIAO, Ren. Toward Chinese school of International relations?. In: GUNGWU, Wang and YONGNIAN, Zheng (Eds.). China and the New International order. London: Routledge, 2009, p. 294-309.

    XIAOMING, Zhang. The rise of China and Community Building in East Asia. Asian Perspective, v.30, nº 3, p. 129-148, 2006.

    XUETONG, Yan. The Rise of China and its power status. Chinese Journal of International Politics, v. 1, p. 5-33, 2005.

    YUE, Jianjong. Peaceful Rise of China: Myth or reality?. International Politics, v.45, n. 4, p.439-56, 2008.

    Entre a desigualdade e o poder econômico

    Amit Bhaduri

    Analogias podem gerar confusão, mas às vezes também são esclarecedoras, trazendo uma nova perspectiva para um problema complexo. Para a relação entre desigualdade e poder econômico, tenho em mente a analogia da lei da gravidade. A desigualdade é visível e pode, inclusive, ser medida estatisticamente em muitos casos, mas o poder econômico que a gera é invisível e não pode ser medido. Assim como a força da gravidade, o poder é o princípio organizador da desigualdade, seja de renda, riqueza, gênero, raça ou regional. Seus efeitos podem ser amplamente notados em todas as esferas, mas as formas pelas quais o poder econômico influencia as variáveis econômicas visíveis permanecem invisivelmente obscuras. Isso desafia a análise empírica direta e deve ser analisado por meio de seus efeitos.

    Assim como a atração gravitacional, o exercício do poder também depende da existência de mais de um corpo, ou seja, de mais de um elemento. Em praticamente todas as situações, o poder se expressa em diferentes formas de dominação de um elemento por outro: o dominador e o dominado, o mestre e o escravo, o rei e seus súditos, o colono e o colonizado, o patrão e o empregado; relações de conflito e colaboração baseadas na dependência mútua e no antagonismo. As formas mudam, o conteúdo permanece mais ou menos o mesmo. Em muitos casos, conforme a abrangência da dominação aumenta, sua forma se torna menos clara. Quando forças coloniais dominam um país, elas quase que invariavelmente possuem colaboradores no país e pode haver benefícios não pretendidos. Os britânicos criaram uma classe média na Índia que colaborou amplamente com os poderes dominantes, e, além disso, abriu caminho para o conhecimento moderno ao mesmo tempo em que suprimia o conhecimento tradicional. Essa concepção de conflito e cooperação inerente ao capitalismo foi inspirada no modelo predador-presa de tigres (ou capitalistas) que se alimentam de, por exemplo, coelhos (ou mão de obra assalariada) [aplicação de Goodwin da equação de Lotka-Volterra, em 1967. Contaram-me que ele tomou conhecimento do modelo através do biólogo Haldane, quando este visitava o Indian Statistical Institute, em Kolkata]. Haveria um crescimento desenfreado de coelhos caso os tigres não os comessem, mas, caso comessem demais, haveria oferta insuficiente de coelhos, o que ameaçaria a existência dos tigres. Há uma dependência mútua, mas seria um erro sugerir que os coelhos – e não os tigres – são o poder dominante. De acordo com uma enorme quantidade de livros didáticos, sobretudo nos Estados Unidos, os capitalistas podem contratar mão de obra, e a mão de obra pode contratar os capitalistas em um mercado de capitais perfeito, esquecendo que a dependência mútua não impede que haja uma relação de poder. Assim como em uma reação química complexa, temos que isolar a relação de dominância. E o princípio geral é questionar, em diferentes estruturas organizacionais, qual das duas partes – a presa ou o predador – sobreviveria sem a outra. O poder econômico está inserido na estrutura institucional e na ideologia que o legitimam. Isso ficará mais claro ao longo desta apresentação.

    Por tratar de interações entre pelo menos duas pessoas, o tema não pode ser satisfatoriamente abordado por meio do conceito do individualismo metodológico. E, uma vez que a questão da dominância não pode ser resolvida, ela é convertida na questão da diferença de gostos e preferências do indivíduo naquele contexto (à la Gary Becker com o argumento racial). Mais uma vez, assemelha-se ao tema da dependência mútua. Caso eu tenha uma preferência especial por não ter vizinhos que não sejam brancos, os vizinhos que não são brancos podem ficar à vontade para preferirem não ter brancos como vizinhos. Como iremos argumentar, há um grupo cujo conjunto de preferências define o que é ou não permitido em uma sociedade. Isso determina a relação de dominação e é o ponto crucial das relações de poder.

    De acordo com a corrente dominante da teoria econômica, as interações entre indivíduos racionais isolados estabelecem-se apenas através dos preços e quantidades no mercado. Eles buscam a otimização, motivados por seus interesses pessoais. Um verdadeiro discípulo de Adam Smith permitiria que a sociedade tivesse alguma influência por meio de diversas normas sociais e sentimentos morais tais como confiança, obediência a leis, mecanismos de execução contratual, etc., assegurando a viabilidade do mercado enquanto instituição. Entretanto, com ou sem tais normas sociais no mercado idealizado da teoria econômica, os indivíduos permanecem sem poder, exceto por meio de seu poder de compra derivado de transações com dotações iniciais. A desigualdade distributiva entra pela porta dos fundos das dotações representando a riqueza, mas a função da moeda como reserva de valor é esvaziada, uma vez que se presume que a incerteza seja banida. Sem moeda, apenas os preços relativos são relevantes. Eles costumam ter a qualidade de impactar o quanto é comprado e vendido no mercado por meio da troca, mas possuem a estranha qualidade de serem parâmetros definidos para todos os indivíduos, independentemente de serem afetados positiva ou negativamente por tal sistema de preço. Aqueles que definem as regras do jogo, organizando o mercado e definindo os preços, permanecem invisíveis, assim como a força da gravidade. Portanto, assim como o Deus de Voltaire, deve-se inventar um leiloeiro para cumprir a função de definir os preços de equilíbrio. Tal Deus inventado impede ainda que as pessoas pratiquem preços incompatíveis com o equilíbrio. Essa é a narrativa do leiloeiro todo-poderoso e de participantes passivos e impotentes no mercado.

    A questão de como os preços são definidos permanece não esclarecida, como uma lacuna na teoria. E precisa ser assim, devido à tentativa de esquivar-se do tema do poder. Reconhecê-lo significa reconhecer o touro descontrolado dentro da loja de porcelana fina das teorias cuidadosamente trabalhadas. Para aqueles educados nessa tradição intelectual, isso definiu uma pauta de pesquisa ligeiramente dissidente voltada para a análise das falhas de mercado, dos erros na determinação de preços. A concepção mais tradicional era a de que haveria diversos tipos de mercados imperfeitos, desde monopólios até interações estratégicas derivadas da competição entre poucos rivais, e atritos como custos de transação e os custos de menu oriundos da alteração frequente de preços. A teoria dos jogos é melhor aplicada quando esses poucos concorrentes criam estratégias ou negociam uns com os outros, mas com estratégias e opções predeterminadas.

    O conhecimento atual sobre falhas de mercado passou a focar na informação como variável estratégica, nos casos em que um participante acessa (ou pode produzir) mais informações (verdadeiras ou não) do que outros, e assim desfruta do poder de definir preços. Os fundamentalistas de mercado consideram essa premissa abominável, uma vez que, para eles, os preços são informações públicas disponíveis para todos em um mercado. O mercado processa todas as informações da forma mais eficiente possível e as disponibiliza como preços correntes de mercado para todos os participantes, de forma justa e equânime. Nenhum participante individual poderia tirar proveito delas. Sendo igualmente informado, um preço para a mesma mercadoria deveria impedir a ocorrência de arbitragem, informações privilegiadas, inside trading, etc.

    Entretanto, o debate entre fundamentalistas de mercado e aqueles que aceitam a possibilidade de falhas de mercado decorrentes de múltiplas caracterizações de informações imperfeitas (por exemplo, risco moral, informações assimétricas, etc.) lida estrategicamente com a questão do poder econômico, mas não a enfrenta de fato. Para entender isso, trataremos do problema de forma mais direta. Vamos supor que o indivíduo X queira adotar a linha de ação 1 em vez da 2. Entretanto, o indivíduo Y tem o poder de forçá-lo a adotar a linha de ação 2. A questão de como o poder é exercido costuma ser explicada pela análise de como Y consegue fazer isso. Se desconsiderarmos o caso óbvio do uso da força militar bruta e direta como ameaça a X, não por ser menos importante (ela é sim muito importante nas relações internacionais), mas por não haver muito o que se discutir sobre isso, podemos então tratar de casos mais sutis nos quais o poder é derivado da informação. Y pode dissuadir X das seguintes formas: (a) revelando mais informações para X do que este tinha sobre as consequências negativas da escolha da sua linha de ação preferida (assim como um médico que explica ao paciente as consequências prováveis do hábito de fumar, ou um cientista explica a um político o perigo de uma guerra nuclear); (b) fazendo o mesmo, mas deliberadamente transmitindo informações erradas e dissuadindo-o de escolher sua linha de ação preferida (o que é especialmente importante em nossa era midiática, com comerciais e notícias patrocinadas, sem falar dos produtos financeiros esotéricos). Ambos relacionam-se com o aspecto da informação. Consideremos, porém, um terceiro caso que é muito mais relevante para a compreensão do papel do poder na economia e na sociedade. Seria o caso de (c) impedir que X siga a sua linha de ação preferida. A forma como isso é feita é a essência do problema mais abrangente da caracterização do poder. No nível abstrato sobre o qual estamos discutindo, as instituições são dispositivos sociais estabelecidos não apenas para rotinizar ações, mas também para reduzir as opções ou os recursos estratégicos de alguns, ao passo que os aumenta para outros. Acima de tudo, a análise do poder econômico é a análise das instituições e das ideologias que as promovem.

    O caso mais óbvio é quando o poder estatal decide o que é legal ou ilegal por meio da combinação entre instituição e ideologia. Instituições impostas pelo Estado sem consentimento da população possuem fundamentação frágil e precisam ser legitimadas por uma ideologia. E isso é ainda mais forte e duradouro quando a pessoa cuja opção está sendo cerceada consente por nem mesmo saber estar sendo regida por aquela ideologia. Por exemplo, Adam Smith propôs a ideologia para justificar o mercado como uma instituição que coordenava de forma mais eficiente as decisões dos indivíduos em uma sociedade com uma divisão do trabalho técnico e social elaborada. Ele criou uma ideologia para a existência do mercado enquanto instituição. Para Marx, a mesma instituição do mercado tinha o papel de liberar trabalhadores assalariados da escravidão ou da servidão exclusivamente para compeli-los a uma situação que criaria excedentes para geração de lucro. Essa era também uma ideologia relativa ao mercado. A tragédia é quando se reconhece uma delas como uma ideologia, mas não se é capaz de ver a outra sob o mesmo prisma. Há risco de dogmatismo em presumir que a mesma ideologia legitima, em todas as circunstancias e do mesmo modo, o cerceamento institucional das opções. A análise do poder econômico precisa ser mais variada e complexa. A economia, assim como qualquer outra ciência social, não é tão privilegiada a ponto de reduzir todas as relações de poder a uma só causa. Marx provavelmente foi o que chegou mais perto de fazê-lo, ao identificar a propriedade dos meios de produção como instituição, e a propriedade privada como a ideologia que a sustenta. Juntas, elas definem as relações de poder. Entretanto, isso precisa ser adaptado a cada situação concreta, e eu gostaria de tentar ilustrá-lo com dois exemplos, um relativo ao capitalismo desenvolvido (EUA) e outro em desenvolvimento (Índia).

    A liberalização dos mercados de capitais a partir do meio de década de 1970 concedeu aos operadores privados, em detrimento do Estado, um poder sem precedentes de comercializar um volume cada vez maior de câmbio. Esse foi o início do crescimento fenomenal do setor financeiro e, na década de 1990, um de seus mais importantes segmentos escapou, de certo modo, ao controle do banco central. Suas operações de compra e venda não eram suficientemente supervisionadas ou tampouco garantidas pelo banco central. O sistema bancário paralelo, também chamado de bancos-sombra, são hoje mais relevantes quantitativamente do que o sistema bancário tradicional. A ideologia dominante deixou de ser a regulação, e a autorregulação passou a predominar em todo o sistema financeiro, sobretudo em seu sistema bancário paralelo. Bancos-sombra eram a instituição, e a autorregulação era a ideologia. Eles sustentavam-se um ao outro com a criação de diversas dívidas chamadas de securities (ou seja, valores imobiliários), vendidas como produtos financeiros; e também com a garantia mútua e recíproca de esquemas de seguro semelhantes aos de seguros privados. Quando esse esquema entrou em colapso, grandes atores (em grande parte, bancos de investimento) foram resgatados com injeção de recursos públicos pelo governo, sem este ao menos nacionalizar ou mesmo aumentar significativamente sua participação na tomada de decisões. A ideologia da autorregulação praticamente livre de controle externo permanece quase que inalterada até o momento. Muitas das instituições financeiras estão inundadas com liquidez injetada nas operações de resgate, mas sem muitas linhas de empréstimos para investimento produtivo em um cenário de depressão econômica. Um caminho fácil para elas é a criação de valores imobiliários esotéricos, com promessa de altos rendimentos e riscos que encontram um mercado entre os excepcionalmente ricos. A riqueza destes cresce em parte graças a isso, independentemente da situação de depressão econômica na economia real, aumentando ainda mais a desigualdade econômica. Fico abismado com esse exemplo, porque a mais inclusiva das instituições políticas – a democracia majoritária – demonstrou que a lógica política de um adulto, um voto e a lógica do mercado de um dólar, um voto não podem ser reconciliadas enquanto o poder econômico estiver cada vez mais concentrado em instituições financeiras regidas pela ideologia da autorregulação. Na verdade, isso aparece quase como um ponto crítico na trajetória da evolução democrática, como liberdade de mercado, aumentando a liberdade das corporações financeiras ricas. Uma minoria insignificante de indivíduos ricos domina a enorme maioria em uma democracia majoritária.

    Entretanto, meu interesse de pesquisa de longa data não são os equívocos das altas finanças por meio do seu crescente poder nos países desenvolvidos, e sim em países em desenvolvimento, tal como a Índia. O motivo pelo qual, apesar da assombrosa pobreza da maioria, a ideologia do desenvolvimento econômico tem sido considerada praticamente igual ao crescimento econômico promovido pelas empresas. Alguns poucos economistas estão envergonhados com isso, e querem que o crescimento seja moderado por medidas de bem-estar social promovidas pelo Estado; outros são mais pragmáticos e defendem o incentivo ao crescimento sem restrições, que poderá transbordar para os pobres em algum momento. Tanto os radicais quanto os moderados evitam lidar com a verdadeira questão. Um crescimento maior gerado por empresas significa maiores incentivos para investimento das empresas, o que é conhecido como um ambiente de investimentos mais favorável. Além dos recorrentes incentivos fiscais e concessões dados aos negócios (estimados como perda de receita, são da mesma ordem que todos os subsídios concedidos anualmente para a maioria pobre na Índia), o governo tentou

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