Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular
Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular
Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular
E-book349 páginas5 horas

Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

S. F. Lacroix interessou-se cedo pelos estudos matemáticos e filosóficos. A primeira parte de sua produção teve caráter mais notadamente didático: foi chef de bureau da Comissão de Instrução Pública e escreveu uma série de obras que iam da aritmética básica ao cálculo diferencial e integral. Tal fase termina com o lançamento, em 1805, destes Ensaios sobre o ensino em geral e o da Matemática em particular, coletânea de textos metapedagógicos voltados a professores e estudiosos da Ciência e da Educação em geral.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jun. de 2016
ISBN9788568334980
Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular

Relacionado a Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular

Ebooks relacionados

Ciências Sociais para você

Visualizar mais

Avaliações de Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular - S. F. Lacroix

    [5]

    Sumário

    Nota dos revisores [7]

    ENSAIOS SOBRE O ENSINO EM GERAL E O DE MATEMÁTICA EM PARTICULAR [11]

    Sumário da edição original [13]

    Objetivo da obra [17]

    Introdução – Da cultura da Matemática durante o século XVIII e da sua influência sobre o desenvolvimento do espírito humano nesse período [19]

    Primeira parte – Do ensino, em geral, durante o século XVIII [45]

    Segunda parte – Do ensino da Matemática [143]

    I. Sobre a maneira de ensinar Matemática e de avaliar, nos exames, o conhecimento dos alunos [145]

    II. Do método em Matemática [171]

    III. Análise do Curso Elementar de Matemática Pura oferecido pela Escola Central das Quatro Nações [191]

    Adendo à nota da página 80 Sobre o estabelecimento da moral [275]

    Adendo à nota da página 186 Sobre a Filosofia [281]

    Lacroix, sua obra e a instrução pública na França revolucionária [291]

    Referências bibliográficas [327]

    [7]

    Nota dos revisores

    O processo do qual resultou o lançamento desta edição do Essais sur l’enseignement en général, et sur celui des Mathématiques en particulier em língua portuguesa iniciou-se a partir de uma intenção de pesquisa cujo tema central era a aplicação da hermenêutica de profundidade, atribuída a John Thompson, a uma das obras do Acervo de Livros Antigos do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática (GHOEM). Rapidamente, a opção pelo material a ser analisado segundo os pressupostos de Thompson recaiu sobre o livro de Lacroix, dada a importância desse autor no cenário da produção de manuais escolares para o ensino de Matemática e a inexistência de estudos prévios sobre o Essais... Entendíamos, já em princípio, ser esse livro uma chave importante para a interpretação não só da obra desse escritor francês, mas de uma série de outras obras e, de modo mais geral, para a compreensão da cultura e da matemática escolar francesas, uma das principais matrizes da cul­tura e matemática escolares no Brasil.

    Um esboço primário de tradução – a que chamamos notas de trabalho – foi realizado para guiar os estudos iniciais [8] sobre a obra,¹ ao mesmo tempo em que, de forma paralela, uma tradução completa e especializada – a que agora divulgamos – era elaborada por Karina Rodrigues, do Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de São José do Rio Preto. Terminada a tradução, foi feita a revisão do texto por Antonio Vicente Marafioti Garnica, da UNESP, e Maria Laura Magalhães Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), responsáveis também pela inclusão de notas complementares e pelo Posfácio.

    Com a intenção de ampliar o público leitor, situá-lo do ponto de vista cronológico e historiográfico e tornar mais autossuficiente este volume, minimizando a necessidade de buscas pontuais em referências complementares, os revisores optaram por incluir no texto notas de revisão, em sua maior parte compostas por breves indicações biográficas, mas também relacionadas a episódios talvez mais obscuros a um leitor não especializado, pouco familiarizado com a História da Educação, da Matemática e da Educação Matemática. A seleção dos casos aos quais seriam incluídas notas pautou-se por um critério flexível, relacionado a impressões dos revisores quanto [9] ao público-alvo do presente texto. A necessidade de diferenciar essas notas de revisão das notas do autor implicou a decisão de indicar com asteriscos as notas originais de Lacroix e, com algarismos, as dos revisores.

    Para os nomes próprios foi mantida a grafia utilizada por Lacroix e para os títulos de obras optou-se por manter no original apenas os daquelas para as quais não foi detectada nenhuma tradução em língua portuguesa. As datas das edições dessas obras, entretanto, são as das consultadas pelo autor, que se julgou sensato preservar como uma possível referência cronológica na eventual necessidade de cotejamentos e análises historiográficas futuras. Quanto à nomenclatura institucional, houve uma variação que deve ser creditada em grande parte ao gosto dos revisores, que optaram por manter em francês alguns termos e expressões que julgaram consagrados pela tradição – como é o caso de École Polytechnique – e insistir no uso de uma ou outra palavra, julgando com isso preservar formas vigentes à época – como o que ocorre, por exemplo, na mobilização reiterada e até exaustiva da expressão instrução pública. Como parâmetro geral, porém, a tradutora e os revisores pretenderam manter a composição o mais próximo possível da arquitetura textual imposta pelo autor.

    Para a tradução, foi feito um cotejamento entre as quatro edições existentes, três delas – de 1805, 1816 e 1828 – disponíveis eletronicamente, e a quarta, de 1838, existente no Acervo de Livros Antigos do GHOEM, de onde provêm também as demais obras do mesmo autor utilizadas tanto para a elaboração do Posfácio quanto para consultas gerais durante o processo de tradução e revisão. Uma análise detalhada dessas quatro edições, entretanto, mostrará que são poucas e bastante [10] pontuais as alterações textuais, sendo a maior parte delas relativa à inclusão de notas de rodapé e de pequenos parágrafos explicativos no corpo da obra, todos de autoria de Lacroix.

    Por fim, deve-se salientar que os revisores, na intenção de abrir possibilidades de leitura ao Essais sur l’enseignement en général, et sur celui des Mathématiques en particulier, evitaram elaborar, no Posfácio, uma hermenêutica do texto. Julgou-se mais adequado apresentar ao leitor algumas notas biográficas e bibliográficas do autor, explorando a produção de sua obra voltada à Matemática escolar e algumas características dos séculos XVIII e XIX – dentre elas, particularmente, aspectos da reforma da instrução na França do período revolucionário. Desse modo, o Posfácio, além de explorar o entorno em que o livro de Lacroix foi elaborado e inicialmente circulou, serve também para ampliar algumas das notas de revisão.


    1 Essa primeira tradução informal, realizada por Déa Nunes Fernandes, Luciana Zanardi e Mirian Maria Andrade, serviu para esboçarmos uma configuração prévia das estratégias teórico-metodológicas que a posterior análise da obra – cuja base foi a tradução definitiva – demandaria. De 2008 a 2012, Mirian Maria Andrade, sob a orientação de Antonio Vicente Marafioti Garnica, desenvolveu seu doutoramento, junto ao Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro, tendo como tema uma hermenêutica de profundidade do Essais... de Lacroix.

    [11] Ensaios sobre o ensino em geral e o de Matemática em particular

    [14] Sumário da edição original

    Objetivo

    INTRODUÇÃO

    Da cultura da Matemática durante o século XVIII e da sua influên­cia sobre o desenvolvimento do espírito humano nesse período

    PRIMEIRA PARTE

    Do ensino em geral durante o século XVIII

    História abreviada do ensino

    Estabelecimento das escolas centrais

    Análise do conteúdo dos cursos oferecidos nessas escolas

    Cursos propostos para incorporação ao ensino nas escolas centrais

    Da forma do ensino nas escolas centrais

    Das causas que se opuseram ao sucesso das escolas centrais e dos resultados que essas escolas alcançaram

    Das escolas especiais e dos incentivos oferecidos aos alunos

    [14] Programas dos cursos das universidades alemãs de Iena e de Göttingen

    Programa proposto para um curso de Bibliografia

    Plano do anuário de um departamento

    SEGUNDA PARTE

    Do ensino da Matemática

    I – Sobre a maneira de ensinar Matemática e de avaliar, nas provas, o conhecimento dos alunos

    Considerações gerais sobre o curso de Matemática e sobre o estudo dessa ciência

    Dos exames e dos inconvenientes de sua forma atual

    Forma que conviria dar aos exames

    II – Do método em Matemática

    Características da análise e da síntese

    Notas sobre o parágrafo precedente

    Distinção com relação aos signos

    III – Análise do Curso Elementar de Matemática Pura da Escola Central das Quatro Nações

    Da Aritmética

    Obstáculos ao estabelecimento do novo sistema métrico

    Elementos de Álgebra

    Elementos de Geometria

    Complemento dos elementos de Geometria, contendo a solução dos problemas concernentes à intersecção dos planos e das superfícies curvas

    Reflexões sobre o ensino elementar do Desenho

    Tratado elementar de Trigonometria Retilínea e Esférica e de aplicação da Álgebra à Geometria

    [15] Objetivo do Tratado elementar de Cálculo Diferencial e de Cálculo Integral

    Do Complemento dos elementos de Álgebra

    Adendo à nota da página 80 – Sobre o estabelecimento da moral

    Adendo à nota da página 186 – Sobre a Filosofia

    [17] Objetivo da obra

    No momento em que a instrução pública acaba de receber uma nova organização,*¹ na qual uma certa ordem das coisas, obstruída por entraves de toda espécie, foi extinta e não pôde ser julgada à luz da razão, nem avaliada por uma experiência suficientemente continuada e livre de todas as circunstâncias alheias à natureza das instituições e que, enfim, desde seu nascimento até sua destruição, foi criticada por todos e por razões opostas, parece-me oportuno fixar, ao menos para a história, o verdadeiro caráter dessas instituições, para descobrir se elas, já que foram criadas após a tormenta revolucionária, foram apenas o resultado do exagero que causou tanto mal ou se, provocadas pelo progresso das Luzes e de acordo com a opinião dos maiores homens do último século, foram propícias para a aceleração do desenvolvimento do espírito humano; e, finalmente, para apresentar um resumo dos efeitos que elas produziram na restauração dos estudos e das observações às quais deram origem nos diversos métodos de ensino.

    [18] Nessa discussão, encontraremos, talvez, princípios gerais que independem de qualquer opinião particular ou circunstância política e que são o ponto de equilíbrio das oscilações às quais a espécie humana parece condenada há muito tempo. Tais são os motivos que me fizeram realizar esta obra: colocarei aqui os resultados de uma longa experiência de ensino, adquirida em escolas muito diferentes, por métodos muito variados e sob a influência de regimes administrativos opostos.

    Em 1794, ano III, chamado a cooperar com o restabelecimento da instrução pública, pude ver de perto as dificuldades que tínhamos pela frente, refletir longamente sobre as medidas propostas ou que eram necessárias para consolidar o novo sistema de ensino, e também conhecer as causas que impediram o sucesso dessas medidas ou que se opuseram à sua aplicação. Enfim, independente de todos os grupos e colocado em circunstâncias que me permitiram ser apenas um observador na crise violenta que vivenciamos, não tenho nada a esconder, nada que me comprometa e que possa me impedir de dizer toda a verdade ou, ao menos, o que eu entendo ser ela.


    *¹ A primeira edição desta obra foi publicada no ano XIV (1805).

    [19] Introdução

    Da cultura da Matemática durante o século XVIII e da sua influência sobre o desenvolvimento do espírito humano nesse período

    Em cada época da história das ciências vemos aquelas que conseguem mais rapidamente atingir um grande brilho, atrair todos os olhares, de alguma forma tornar-se moda e dar ao período ao qual pertencem um impulso e um caráter que influenciam bem ou mal o progresso das Luzes, conforme os objetos aos quais se ligou o espírito: objetos reais ou apenas ilusões.

    A filosofia escolástica, engendrada em um século semibárbaro, por homens ignorantes e supersticiosos que levavam à cultura das letras o mau gosto que podemos perceber nos monumentos que nos deixaram, retardou por muito tempo a influência positiva que o estudo dos poetas, historiadores e filósofos da Antiguidade deveria exercer sobre a razão.

    Demolida pela filosofia cartesiana, que se apoiava mais na razão, falava uma linguagem mais inteligível e mais precisa e era contemporânea das descobertas mais importantes na Matemática e na Física, a filosofia escolástica deixou, enfim, um campo livre para o exercício da razão e os passos desta foram marcados pela perfeição da linguagem, que só se depura quando o discernimento norteia a escolha e a ligação das palavras, e [20] que se enriquece apenas com ideias novas sugeridas pela observação atenta da natureza moral e física: mas ainda era apenas a aurora de um novo tempo, quando as descobertas matemáticas de Newton, de Leibniz e de sua escola prepararam uma geração destinada a aperfeiçoar o que esses grandes homens haviam começado e a restabelecer a razão em seus direitos, depois de tanto tempo sufocada sob o peso dos preconceitos.

    A homenagem que faço aqui à Matemática, atribuindo-lhe, em grande parte, a honra de ter dirigido o desenvolvimento do espírito humano durante o século XVIII, não é um desses exageros provocados frequentemente pelo interesse que nos liga ao objeto do qual mais nos ocupamos. Todos os homens que não dedicaram toda sua existência a ordenar as palavras, a sustentar com lugares-comuns, cem vezes repetidos, a pior das causas quando ela é aquela de seus interesses e preconceitos, mas que procuraram aperfeiçoar sua inteligência tanto quanto enriquecer suas mentes, terão certamente observado o quanto o espírito humano teve que se engrandecer quando, ajudado por novos cálculos e pela fecunda e admirável lei da gravitação, conquistou o céu, penetrando em sua imensidão, para aí traçar a rota dos corpos cujo brilho o tornou mais belo.

    Essas descobertas sublimes, tema mais imponente sobre o qual o gênio do homem teria fundado sua dignidade, fica­ram inicialmente concentradas no lugar em que haviam nascido, tanto que os seguidores de Descartes determinaram sua propagação revelando-as com entusiasmo. Os homens não sabem, ainda que isso não seja totalmente verdadeiro, renunciar às ideias que lhes foram embutidas desde a idade da qual partem suas lembranças. Em uma nação inteira, com um número muito raro de exceções, é apenas a juventude que abraça e faz prevalecer [21] uma opinião ou propaga fatos novos. E, assim, foi preciso todo o cuidado – que aqueles que fazem das ciências sua primeira arma têm ao se inscrever na carreira – para introduzir na França a filosofia de Newton, rechaçada pelas velhas universidades quase como havia acontecido com a de Descartes.

    A filosofia de Newton era, na verdade, sustentada por um auxiliar poderoso, o cálculo, cujos resultados não só estavam de acordo com a observação, como a antecipavam nas circunstâncias delicadas que ela ainda não havia sido capaz de desenvolver. Não era mais, como para os turbilhões da matéria sutil, uma explicação vaga da maneira pela qual os fenômenos podiam se produzir: sua quantidade, tanto quanto suas formas, eram suscetíveis de uma determinação precisa; mas essa teoria, tal como seu inventor a havia apresentado, estava ao alcance de poucos, mesmo dentre os que portavam o título de geômetras.¹

    Cedendo ao costume estabelecido, o de conceber como dignas de ver a luz do dia apenas as proposições demonstradas à maneira antiga, Newton, mais para embelezar sua obra do que para esconder o caminho que havia seguido, suprimiu o método do qual havia se servido nas suas pesquisas, e a turba de cientistas, incapaz de reatar o fio que se havia rompido, gritava que a atração ressuscitava as causas ocultas, banidas com razão da filosofia por Descartes. Não havíamos ainda chegado a reconhecer que, em qualquer ciência, é absolutamente necessário partir de fatos bem observados, em seguida combiná-los, seja [22] para descobrir o que eles têm em comum ou a maneira pela qual eles se engendram respectivamente, seja para mostrar o que deve resultar de sua sucessão, e ter a sabedoria de não pronunciar nada sobre a natureza de suas causas. Recolher fatos, deles deduzir resultados, aplicá-los às circunstâncias em que devem se reproduzir: eis o caminho que nossa razão deve seguir para chegar à verdade, pois é assim que a natureza a desenvolve na nossa primeira infância.

    Se fosse preciso elucidar o imortal livro de Newton Princí­pios matemáticos da Filosofia Natural, seria também necessário aperfei­çoar seus detalhes e abordar questões que o ilustre au­tor nos per­mitiu apenas entrever. Tendo a escola de Descartes e a de Leibniz colocado em todo o seu trabalho a superioridade da análise algébrica sobre a análise e a síntese geométricas, conhecidas e cultivadas exclusivamente pelos antigos, era conveniente aplicá-las aos problemas de Mecânica transcendente, aos quais Newton havia reduzido a determinação das circunstâncias do movimento dos corpos celestes, e que ele havia resolvido apenas no caso mais simples e ainda de forma geral, pois era preciso primeiro ampliar os recursos do cálculo.

    O acaso, que muito raramente reúne em uma mesma época talentos do mesmo gênero, fez nascer, para acelerar o triunfo dos novos métodos, homens que colocaram estes rapidamente em condições de responder ao que a Astronomia Física exigia. Clairaut, D’Alembert e Euler, lançando-se ao mesmo tempo na carreira, deixaram para trás os rivais que haviam tentado acompanhá-los. Lagrange, Laplace e Legendre, que foram seus discípulos ou que os sucederam imediatamente, levaram os monumentos em honra da ciência construídos por seus mestres ao mais alto grau de perfeição.

    [23] Aqui não é o lugar de discorrer sobre os meios utilizados para encontrar o caminho que eles percorreram com um sucesso tão brilhante, ou de falar sobre trabalhos que foram como o prelúdio de suas ilustres descobertas, nem sobre os achados felizes que tiveram no curso de suas pesquisas; esses detalhes pertencem à história completa da Matemática durante o século XVIII. Tenho, nesta obra, somente a intenção de lembrar as causas e as circunstâncias que levaram essas ciências a atingir o grau de notoriedade que alcançaram em nossos dias.

    Verdades extraordinárias, mas ocultas em meio a cálcu­los e fórmulas bem superiores aos conhecimentos elementa­res di­fundidos na instrução pública e somente confirmadas pelos trabalhos que alguns astrônomos executavam no silêncio de seus observatórios, não teriam sido suficientes para atrair todos os olhares na direção dos novos progressos da Análise se os homens que a cultivavam não tivessem firmado relações com um de seus gênios mais surpreendentes por sua habilidade e fecundidade, os quais a natureza parece ter formado para garantir a passagem, até os espíritos mais simples, de tudo o que se faz de belo, tudo o que se concebe de grande e útil por um pequeno grupo, isolado no santuário das ciências. Repletas de formas técnicas, as primeiras obras de Análise e de Mecânica transcendentes teriam ficado muito tempo esquecidas nas mãos de um número muito pequeno de leitores se Voltaire não tivesse se empenhado em incrementar, com os mais importantes resultados dessas ciências, as produções tão variadas quanto agradáveis que ele disseminava, em profusão, todo ano.

    Ninguém poderia negar que sua obra Elementos da filosofia de Newton, ainda que imperfeita no que tange ao aspecto científico, [24] ou que sua Carta a Mme Duchâtelet,² na qual o sistema do mundo é descrito em versos comparáveis aos mais belos fragmentos de Lucrécio,³ e que uma profusão de traços semeados na maior parte de suas poesias tenham popularizado tanto os frutos das vigílias dos geômetras quanto as sábias operações executadas nas viagens empreendidas no intuito de verificar a figura que, pela sua teoria, Newton havia atribuído à Terra. Mas, se as ciências matemáticas resistiram muito a Voltaire, é possível dizer que ele tirou, para sua glória, grande proveito do conhecimento que tinha das riquezas que essas ciências conquistaram diante de seus olhos e das relações que manteve com os mais famosos geômetras.

    Que mente judiciosa ousaria assegurar, por exemplo, que foi em função da educação recebida no Colégio dos Jesuí­tas que Voltaire alcançou êxitos tão numerosos quanto varia­dos, obtidos merecidamente durante sua longa carreira? Deixo aos literatos a discussão a respeito da posição que ele deve ocupar entre os homens que se fizeram ilustres pelo encanto dos versos e que seguiram as trilhas dos antigos com relativo sucesso, mas ninguém poderá contestar que o caráter distintivo de Voltaire, capaz de aglutinar um grande número de leitores e marcar sua obra para a posteridade, é a surpreendente variedade que soube colocar em sua obra e a facilidade com a qual soube utilizar todos os tons para seduzir e instruir. Foi das frias lições [25] de seus antigos professores, das pretensiosas declamações que faziam, da turba confusa de poetas latinos modernos incapazes de produzir um único bom verso francês que ele tirou os meios para manter essa variedade encantadora? Não. Foi da multiplicidade de conhecimentos que havia conquistado por si mesmo em infinitas leituras. Por ter muito observado, muito pensado e muito aprendido, ele tornou-se o escritor de seu século que relemos mais e com mais proveito. Seria preciso, sem dúvida, sua extraordinária capacidade intelectual para empregar todos os dados acumulados, assim como a abelha precisa de seus órgãos para preparar o sumo que tira das flores, mas a educação antiga estava tão longe de fornecer esses dados como um deserto árido de prover uma abundante coleta de mel.

    Impressionados com a atenção que o público passava a dar a assuntos dos quais não se ocupava antes que uma pena elegante lhes tivesse emprestado certo charme, os cientistas perceberam que o cultivo da arte da escrita e que a extensão das suas ideias para além do gênero ao qual se haviam consagrado poderiam levá-los à glória; perceberam também que conhecimentos acessórios poderiam elevar o objeto principal de seus estudos e, distraindo-os de suas meditações abstratas, iniciá-los em assuntos que interessavam mais à sociedade, da qual estavam, até o momento, muito isolados.

    Dois geômetras, Maupertuis⁴ e D’Alembert, foram os primeiros em seu século a dar o exemplo da cultura das letras e [26] da Filosofia Moral aliada à cultura das ciências exatas; mas um deles, levado por uma imaginação muito ardente e um amor-próprio extremamente sensível, abandonou a Geometria para dedicar-se a uma Metafísica no mínimo ousada e a contendas que lhe envenenaram os dias, enquanto o outro, tendo conservado em sua escrita a moderação que mostrou constantemente em sua conduta, tornou-se um dos mais ardentes promotores da nova, da verdadeira Filosofia, sem renunciar às profundas pesquisas que o fizeram desfrutar por tanto tempo da paz, esse bem que só é encontrado na esquiva dos olhares dos homens, que se perde quando se sobe em seu conceito e, sobretudo, quando se ataca com sucesso seus preconceitos.

    Se críticos tão injustos quanto amargos, distantes de todos os conhecimentos positivos, ligados apenas a opiniões fúteis, às quais davam supremacia sobre a verdade, negaram todo mérito às produções literárias de D’Alembert, o tempo se encarregou de dar-lhes novamente o lugar que elas deveriam ocupar. O Discurso preliminar da Enciclopédia foi visto pelos homens imparciais, assim que publicado, como um modelo do estilo que convém aos temas mais sérios da Filosofia e das ciências dos fatos: reconheceram-se nessa obra, como também em vários trechos das Mélanges de Littérature, traços da exatidão de espírito, aperfeiçoada pelo estudo das ciências exatas e abrilhantada pela cultura das letras, pelo gosto das belas-artes.

    O hábito de raciocinar sobre assuntos cuja maior parte dos termos, rigorosamente definidos, não tem sinônimos, e cujas proposições são circunscritas em limites precisos demais para permitir comparações que, embora relativamente, facilitem sua compreensão, exagerando ou atenuando relações que se quer ressaltar, esse hábito parece conduzir a uma maneira de [27] escrever privada do número e desprovida de imagens que dão movimento e vida ao estilo. Porém, a imaginação, que não pode ser negada àqueles que fazem grandes descobertas em qualquer que seja o gênero, apenas quando submetida a detalhes rígidos, reencontra sua vivacidade assim que lhe são apresentados assuntos pertinentes.

    Aliás, aquilo que o estilo didático perde em graça, ganha em precisão. Com atenção, conseguem-se evitar repetições muito frequentes, ocorrência de sons estranhos que ofendem o ouvido, enquanto o encontro da palavra justa e a evidência da relação entre ideias que se ligam imediatamente por meio dos aspectos mais análogos espalham uma luz que agrada às inteligências sólidas. Se é com um estilo elevado que se deve falar aos homens, já que eles são movidos apenas por suas próprias paixões, é com esse estilo exato que devemos apresentar os objetos submetidos à meditação solitária, como o meio mais conveniente para disseminar o ensino na organização atual das sociedades. Oferecendo um modelo aplicável – desde que se conheça a língua em que foram escritos e o assunto do qual tratavam –, textos semelhantes aos publicados por D’Alembert sobre os assuntos literários e filosóficos tornaram imperdoável o autor que negligenciasse, em obra de qualquer natureza, a pureza da elocução e a ordem das ideias. Esse modelo serviu ainda mais ao progresso da razão, emprestando às verdades criticadas por todo tipo de preconceito em voga, o apoio do renome que D’Alembert conquistou por suas grandes descobertas na Matemática, mas, embora possamos chegar, por meio desse método, a objetos bem definidos com esforço da razão, falhamos quando esses objetos apresentam muitas faces, ou são suscetíveis a muitas modificações acidentais difíceis de [28] prever e de enumerar. Não é sem fundamento, pois, a confiança que as pessoas depositam no homem que primeiramente se distinguiu por profundas meditações necessárias às árduas pesquisas da Geometria e do Cálculo.

    Foi principalmente sobre essa confiança que Diderot apoiou o sucesso da Enciclopédia, na qual, por meio de uma multiplicidade inevitável de artigos insignificantes, ele esperava fazer algumas indicações úteis ao progresso da razão, que seriam facilmente captadas pelos espíritos preparados para percebê-las e que escapariam aos olhos da estupidez. Sua esperança não se tornou realidade: a estupidez tem, para a defesa de seu império, os olhos muito mais aguçados do que se imagina, e soube prever o golpe que a Filosofia lhe preparava. A perseguição contra os philosophes, que receberam o nome de enciclopedistas, começou desde então e provou do sucesso quando encontrou um nome para designar suas vítimas. No entanto, se por um lado os corajosos homens que defendiam a causa da razão tinham que sofrer os ataques de seus inimigos, por outro, essas contendas, excitando tanto a curiosidade dos indiferentes como a indignação dos propagadores da Filosofia, contribuíram para divulgar as verdades que se desejava rejeitar. O primeiro passo foi dado: todos os ramos do sistema de nossos conhecimentos foram aperfeiçoados e enriquecidos.

    A Metafísica, tornada acessível, pela obra de Locke, aos espíritos justos que apreciam apenas os conhecimentos sólidos, apoiados em fatos certos e tratados por uma dedução rigorosa, foi cultivada, nesse sentido, por Condillac. Ele também se ocupou muito da Metafísica da Matemática e deve, talvez, a suas meditações sobre esse assunto a lucidez de seus princípios sobre a origem do nosso conhecimento e sobre o método [29] apropriado para realizar descobertas e as divulgar. Os próprios geômetras já haviam sentido a necessidade de iluminar melhor a entrada do enorme edifício que acabavam de construir. No início do século XVIII, o Cálculo

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1