As Irmãs Rebeldes: Encontro com as Geometrias Não Euclidianas
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Sobre este e-book
Com este livro, Montoito apresenta a temática em uma linguagem literária, mostrando um entrelaçamento possível entre Matemática e Literatura; tal opção de escrita, não muito usual quando se apresentam resultados de pesquisas das ciências exatas, está a serviço de cativar o leitor comum, aguçar-lhe a curiosidade e convidá-lo a descobrir outros tipos de geometria. Nestas páginas, o leitor conhecerá aspectos históricos, epistemológicos e filosóficos do desvelar das Geometrias Não Euclidianas, uma contenda matemática que se arrastou por mais de 20 séculos, até que os matemáticos e filósofos do século XIX aceitassem outras geometrias diferentes daquela sistematizada por Euclides em seu livro Elementos.
A leitura desta obra é indicada não somente para os professores de Matemática e alunos de graduação desse mesmo curso, mas para todos que têm curiosidade sobre a História das Ciências.
"Acredito que este breve texto do professor Rafael Montoito deveria ser lido por todos os docentes de Matemática, não importando de qual nível escolar, como fonte de formação própria; e terminar entre as mãos dos estudantes mais curiosos e interessados em Matemática, os quais são raros, sim, mas não de todo ausentes nas aulas universitárias e escolares".
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As Irmãs Rebeldes - Rafael Montoito
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
À memória de Lewis Carroll, que, por caminhos tortuosos e nonsênsicos, levou-me à pesquisa deste tema, e cujas obras me inspiram pessoal e profissionalmente todos os dias.
O espaço é todo um único espaço, e o pensamento é todo um único pensamento, mas é a minha mente que divide os seus espaços e os seus pensamentos. Como um grande condomínio. Algumas vezes penso em um único Espaço e em um único Pensamento, mas normalmente, não. Comumente penso no meu condomínio.
(WARHOL apud BIANCHI, 1992, p. 5).
O homem olha o universo, mas o universo não lhe devolve o olhar.
(ROBBE-GRILLET apud PANERO, 2002, p. 31).
Uma geometria, meu caro Watson,
não tem necessidade de ser intuitiva,
basta ser consistente.
(COUTINHO, 2004, p. 29).
Queria explicar-te a lógica... esqueça!
Não é que não lembre a bendita:
Se eu tivesse mais tempo e tu mais cabeça...!
Muita coisa inda tem que ser dita.
(CARROLL, 1984, p. 65).
Sobre Curiosidade e Geometria(s): uma Apresentação
Quando, curiosa, Alice saiu correndo atrás do Coelho Branco e caiu em sua toca, não imaginava as estranhezas que viria a conhecer no País das Maravilhas. A conhecida passagem do livro de Lewis Carroll pode ser tomada como uma metáfora para a maioria das pesquisas acadêmicas e, inquestionavelmente, para aquela que tem como um dos seus resultados este livro.
Explico melhor: ao começar uma pesquisa, o pesquisador tem em mente uma série de procedimentos metodológicos para colher e examinar os dados, com vistas a responder sua questão principal e satisfazer os objetivos propostos. Contudo não são raras as vezes em que, tal como Alice, o pesquisador depara-se com situações inesperadas e se vê compelido a mudar de direção, a buscar novas formas de se aproximar, de conhecer e de entender seu objeto de estudo. O que apresento neste livro é resultado de uma pesquisa em que isso aconteceu: o tema pesquisado, a certa altura do meu doutorado, fez-me escolher outra direção que não era a que eu previamente havia traçado, contudo minha curiosidade já estava aguçada pelo assunto de que aqui trato.
O primeiro esboço deste livro remonta a 2010, ligado ao meu doutorado. Meu objeto de estudo compreendia a tradução (com inserção de comentários) e a análise do livro Euclid and His Mordern Rivals, de Lewis Carroll, publicado em 1879, o qual nunca tinha sido traduzido para a língua portuguesa. Os referenciais teóricos apoiavam-se, sobretudo, na Hermenêutica da Profundidade, de John B. Thompson, nos Paratextos Editoriais, de Gérard Genette, e na Análise Histórica dos Livros de Matemática, de Gert Schubring; outros acerca do que é a tradução, das inter-relações entre Literatura e Matemática, da vida e obras de Carroll, da história da Geometria grega e da educação inglesa na Época Vitoriana (por ser essa a época na qual Carroll viveu e publicou seu livro) complementavam meus estudos.
No entanto, tal qual Alice, no começo de tudo, entrei numa toca que não conhecia: considerando que o título do livro aludia aos inimigos de Euclides, e por saber de estudos prévios que Carroll era um euclidiano convicto, supus que o livro falaria das Geometrias Não Euclidianas, assunto sobre o qual, até aquele momento, eu quase nada sabia. Como a tradução do livro era um trabalho lento – tanto em seu fazer quanto na pesquisa para as notas adicionais –, resolvi, paralelo a isso, pesquisar sobre essas outras geometrias que não estudamos na escola.
Tempos depois, percebi que os inimigos a quem o título da obra carrolliana se referia eram outros autores de livros didáticos para o ensino da Geometria Euclidiana, cujas publicações Carroll contestava (leitores que tiverem curiosidade sobre esse assunto poderão ler a versão em português de Euclides e Seus Rivais Modernos, publicado pela Editora Livraria da Física em 2014).
Acontece que, nesse processo, minha curiosidade de pesquisador tinha me feito aprender algo que nem a escola e nem a graduação em Matemática me ensinara: os outros mundos
possíveis, descritos por outras geometrias. E, como alguns matemáticos disseram, cujas declarações podem ser conferidas pelos leitores nas páginas que se seguem, esses mundos são fascinantes e reais. Nenhuma das geometrias que será abordada nos próximos capítulos – a Hiperbólica, a Elíptica, a Projetiva, a Topologia, a Geometria do Táxi e a Fractal – é fruto apenas do pensamento humano; inegavelmente, elas partem do pensamento humano numa tentativa de sistematizar um conhecimento que, em diferentes casos, aparecem no nosso dia a dia.
Se, então, num primeiro momento, este livro poderia ser posto numa estante lado a lado com o de Carroll, num tipo de literatura complementar
(tomando aqui o conceito de complementar
da Teoria dos Conjuntos), declaro que os esforços que fiz para pesquisar o tema e para escrevê-lo na forma em que hoje se encontra vêm de um desejo de que ele seja compreendido por leitores outros que não