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Em busca do rei
Em busca do rei
Em busca do rei
E-book269 páginas4 horas

Em busca do rei

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Sobre este e-book

A vida de Dora e de seu melhor amigo Estevão se transforma em uma grande aventura quando o pai da garota, o rei de Pragadasa, desaparece sem deixar nenhuma pista. Ao tentar desvendar esse mistério, os jovens encontram um reino de cabeça para baixo, imerso em uma crise política e refém de uma revolução eminente. Passam, ainda, por uma verdadeira odisseia, repleta de perigos, na floresta ameaçadora. Conhecem Iara, deusa das Águas, enfrentam os selvagens Pererês e o temível Honorato Boiuna, líder da tribos dos Antropófagos além de confrontar o horror que só a Cuca é capaz de provocar. "Em busca do rei" é um romance de ação que mistura elementos da cultura nacional com o mundo pop em uma quebra-cabeças montado de maneira que a última peça seja revelada somente no final. Descubra os mistérios de Pragadasa e se perca nessa trama de tirar o fôlego.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de out. de 2017
ISBN9788584880515
Em busca do rei

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    Em busca do rei - Thiago de Barros

    Thiago de Barros

    Em busca do Rei

    Copyright © 2017 by Thiago Barros

    Capa: Thiago Barros

    Revisão: Carolina Medeiros

    Produção de ebook: S2 Books

    DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

    B277t     Barros, Thiago, 1981 -.

                  Em busca do / Thiago Barros. –

                  Rio de Janeiro : Outras Letras, 2017.

                  196 p.

                  ISBN 978-85-8488-046-1

                  1. Literatura infanto-juvenil brasileira. 2. Ficção brasileira.

                  I. Título.

    CDD – B869.3

    2017

    Todos os direitos desta edição estão reservados à

    Outras Letras Editora Ltda.

    Rio de Janeiro | RJ

    Tel. 21 2267 6627

    contato@outrasletras.com.br

    www.outrasletras.com.br

    Para Dd.

    Sumário

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    Dedicatória

    Prólogo

    Recomendações do Rei

    A triste missão do embaixador Lafayette Hermeto Alegre

    O índio Tapuia e a viagem de volta para casa

    A Estrela Brilhante

    Surpresas em Pragadasa

    Os três regentes

    As histórias da Mãe d’Água

    Os Segredos da Floresta

    O Plano de Ação de Virgílio

    Arapuca

    Sobre o autor

    Prólogo

    Na pequena cidade de Coragem, litoral sudeste do Brasil, encontra-se um monumento dedicado aos Cinquenta Valentes. Uma estátua de bronze, em tamanho real, mostra Ciro Ventura, homem alto, forte, com traços indígenas, olhos fundos que fitam o horizonte, com as duas mãos firmes em um timão. Sua história está logo abaixo, em um pedestal de concreto, rodeado por camélias brancas. No pedestal, as fotos de seus quarenta e nove amigos.

    Diz a lenda que o jovem aventureiro, no final dos anos 1940, já cansado de tanta guerra e barbárie, resolveu viajar pelo mundo até encontrar um lugar onde as pessoas pudessem viver em paz. Planejou sua viagem, despediu-se de seus familiares e partiu. Dois anos depois retornou.

    Muitos da cidade não acreditaram quando ouviram Ciro relatar suas aventuras e descrever, com tanta riqueza, a terra abençoada que havia encontrado. Dizia que não podia dar as coordenadas para chegar ao local, que aquele pedaço de chão precisava manter-se escondido do resto do mundo. Poderia apenas levar, ele próprio, os amigos mais próximos. Apenas quarenta e nove amigos, corajosamente, se atreveram a embarcar naquela aventura.

    Um mês depois de seu retorno, Ciro Ventura e seus amigos partiram da cidade de Coragem e nunca mais foram vistos.

    Estevão gosta de se sentar em frente ao monumento e imaginar o que deveria ter acontecido com aquela turma. Alguns acreditam que todos morreram em um desastre ou que o mar os engoliu; os otimistas acham que Ciro Ventura está vivo e bem, desfrutando de uma vida de paz ao lado das pessoas que mais amou nessa vida. Estevão é otimista. Gosta de pensar na segunda opção.

    Recomendações do Rei

    Era domingo de Páscoa e, como nos anos anteriores, o jovem Estevão estava parado em frente à porta da casa de sua estimada amiga Dora, com as mãos voltadas para trás, segurando qualquer presente que não fosse ovo de chocolate, engordam, lembrou da moça resmungando sobre este e outros tipos de doce.

    — Depois, ela belisca os meus — falou para si mesmo, enquanto dava uma última olhada no presente escolhido: um vinil dos Mutantes cantando ao vivo em Londres. Cortesia de sua tia Pauline, de quem puxara o gosto por bons sanduíches e rock n` roll.

    Usava sua camiseta azul estampada com a língua dos Rolling Stones, surrada pelo tempo, calça jeans rasgada e justa, seus pés calçavam o inseparável par de All Star de cano longo e, em sua cabeça, os cabelos escuros compridos, cuidadosamente bagunçados.

    A porta se abriu e atrás dela surgiu a figura sonolenta de Dora. Era uma moça pequena e magra, o rosto delicado, pele alva, queixo pequeno, boca um pouco maior e um nariz mais largo do que ela gostaria, narinas pequenas que sempre davam problema. Estava ainda de calças de pijama, pantufas, camiseta cinza com a cara do Jim Morrison estampada, a franja ainda despenteada e os cabelos pretos muito lisos amarrados no topo da cabeça.

    — Sempre no horário. Entra. — resmungou ao amigo.

    Estevão mal deu seu primeiro passo e logo entregou a Dora seu presente.

    — Espero realmente que você goste mais disso que de chocolates.

    — Mutantes?! — exclamou Dora ao ver o disco, original e plastificado. — Você se deu ao trabalho de comprar? Onde encontrou?

    A surpresa foi respondida com um forte abraço e um sorriso de fora a fora no rosto da amiga.

    — Estava em uma das caixas da minha tia. Intacto! Foi o único disco deles que encontrei — respondeu, modesto, o garoto.

    — Seu presente está com minha mãe, na sala de TV. Vamos lá, disse Dora, já puxando Estevão pelos braços magros, e arrastando-o corredor adentro.

    Andar pela casa de Dora já não causava estranheza ao rapaz, mas era impossível não recordar a primeira vez que viu os quadros antigos que retratavam figuras estranhas, como diplomatas, monarcas e nobres de sabe-deus-onde, vestindo-se de forma elegante, com ousadia nas cores. Seus rostos sustentavam expressões risonhas, diferentes dos habituais quadros de realeza que estamos acostumados a ver. É de um artista maluco que minha mãe conhece, logo você se acostuma, disse Dora naquela época.

    Chegaram até a sala e encontraram sentados a mãe de Dora, que atendia pelo nome de Diadora, e seu tio Virgílio.

    Diadora era uma bela mulher, com ar sereno. Era morena como a filha, pouca coisa mais alta, e seus cabelos não eram lisos como os da jovem. Tinha um nariz mais fino e um pouco anguloso. Algo em sua aparência revelava uma origem judia. Usava um roupão azul marinho e chinelos de dedo. Estava sentada roendo as unhas, sem conseguir disfarçar certo desconforto ou até mesmo ansiedade.

    Tio Virgílio era outra figura a quem Estevão já estava acostumado. Era baixo e cabeçudo, com os olhos esbugalhados e uma eterna expressão de quem analisa cada movimento de qualquer visita. As roupas eram espalhafatosas, camisa social desabotoada, bermuda, meias e chinelo. Sempre rabugento, tratou de quebrar o gelo:

    — Já não era sem tempo, podemos acabar logo com isso?

    — Oi pra você também, Seu Virgílio — respondeu Estevão com o sorriso e simpatia de sempre.

    — É melhor sentar-se, querido — disse a mãe de Dora.

    — Uau, quanto mistério, gente! — disse Estevão, ao perceber que até sua amiga já guardava uma feição diferente no rosto, soava quase como preocupação. Estevão manteve o bom humor, já sabia que aquela família era meio da pá-virada.

    Dora foi até a estante e pegou uma caixa de papel craft com a tampa pintada de púrpura e uma fita marrom adornada com um selo: Chocolate Real.

    — Chega de fantasia — disse Dora em voz baixa.

    O presente foi recebido com um beijo no rosto e um forte abraço. Dora não conseguiu conter uma lágrima que escapou pelo rosto.

    — Abra logo e vamos todos para casa — disse o tio Virgílio.

    — Tá legal, Seu Virgílio — respondeu Estevão ao abrir a caixa e perceber que se tratava de trufas de chocolate. Por cima delas havia uma carta, escrita a mão, aparentemente com caneta-tinteiro, que dizia assim:

    Pragadasa, 17 março 2013

    Ilmo. Sr. Estevão,

    É com incomensurável honra que enviamos a Vossa Senhoria as melhores trufas de Pragadasa, produzidas na Formidável Fábrica Real de Chocolates, tão bem administrada pelo respeitável senhor Tibério Semprônio. Demais dos chocolates, remetemos a Vossa Senhoria uma de nossas nobres damas, cuja graça é princesa Dora, que o acompanhará, não só no lugar onde o senhor ora reside, mas também aqui em Pragadasa, quando Vossa Senhoria nos der o prazer de sua presença.

    Tome conta da senhorita — ela certamente possui pelo senhor grandiosa afeição —, que eu cuidarei do futuro de vocês dois em meu reino.

    Mande também minhas lembranças ao sapo Virgílio.

    Atenciosamente,

    O Rei.

    Assim que leu a carta, Estevão suspirou e não conteve o entusiasmo:

    — Dora, de todas as coisas malucas que você já escreveu, essa, sem dúvida, é a melhor. Você não para de me surpreender.

    — Ah, eu sabia! — rosnou bravo o tio Virgílio — Esse jovem não vai acreditar, Diadora.

    — Acalme-se Virgílio — respondeu a mãe de Dora, quase como quem diz para si mesma, já que devorara todas as unhas e agora pensava em puxar alguma cigarrilha.

    Estevão fez uma cara de quem não estava entendendo nada. Por que, afinal, estariam a mãe e o tio de Dora tão preocupados com o mundinho que só pertencia aos adolescentes, repleto de mensagens e poesias?

    — Já sei! — exclamou Estevão, sorrindo e piscando para a mãe de Dora — Vocês ajudaram a escrever essa carta — continuou animado, mas logo foi percebendo a expressão de desdenho de tio Virgílio e a estranheza de Diadora.

    — Desisto. Esse daí só vai acreditar vendo — resmungou tio Virgílio enquanto saía da sala.

    — Gente, deixem-me tentar — disse Dora que até o momento não tinha se manifestado.

    Abaixou rente à cadeira em que o amigo estava, pegou sua mão e disse:

    — Estevão, querido... essa carta não foi escrita por mim.

    O olhar sereno, sereno como jamais vira na amiga, fez Estevão prestar atenção e cair um pouco na realidade.

    — Quem escreveu, então? — perguntou o garoto já tomado pela bendita curiosidade.

    — Meu pai — respondeu Dora. —Estevão ficou muito surpreso ao ouvir aquilo. Em todo tempo de amizade, a amiga jamais falara mais do que cinco palavras sobre o pai. Estevão sabia apenas que era engenheiro e que vivia se mudando de cidade. Até simpatizava com a situação, já que seu próprio pai vivia da mesma forma, mas trabalhando com política. Sabia também que os dois só se viam nas férias escolares. Quando perguntava dos passeios, Estevão sempre recebia respostas frias sobre pontos turísticos das cidades que a amiga visitava. Estevão sempre achou estranho o comportamento de Dora nesse sentido, mas a entendia perfeitamente, já que ele não era dos melhores para falar de família.

    — Meu pai não é engenheiro, Estevão, ele é o Rei — continuou Dora a falar, o que fez Estevão despertar de seus pensamentos.

    — Sei... Acho que entendo. — tentou parecer familiarizado com toda aquela loucura, mas estava na cara do adolescente que aquilo tudo estava longe de ser compreendido.

    — Eu avisei que ele só ia acreditar vendo — a voz de tio Virgílio tomou conta da sala, mas Estevão não o encontrou quando o procurou com os olhos. Somente viu algo como uma pedra marrom próxima ao corredor escuro que levava aos quartos.

    Percebeu, então, que a pedra começara a se mover, parecia viva. Ao sair da penumbra, a pedra levantou a cabeça e abriu os olhos, os mesmo olhos esbugalhados do tio Virgílio, revelando o que parecia impossível. Estevão se assustou ao ver que se tratava de um enorme sapo-boi, marrom-escuro, inacreditavelmente trajando algo como uma jaqueta de militar azul-marinho com detalhes dourados, decorado com medalhas e uma ombreira redonda de aço no ombro esquerdo.

    O sapo continuou a encará-lo com o mesmo olhar de suspeitas.

    — E então, garoto? Não vai começar a gritar? Todo mundo grita quando me vê pela primeira vez — proferiu o sapo com uma voz que, de tão grave, parecia uma trovoada.

    Estevão não soltou um pio. Ficou apenas com os olhos arregalados, como quem quisesse desfrutar ao máximo daquela visão e fazer sua razão acreditar em tudo o que estava vendo.

    — A propósito — trovoou mais uma vez o sapo — Eu sou o sapo Virgílio, primeiro comandante da Guarda Real de Pragadasa e amigo próximo do Rei. Estive esse tempo todo disfarçado para cumprir uma missão secreta para a qual fui designado: preservar a segurança da princesa, longe dos domínios do reino.

    Estevão nem saberia por qual pergunta começar. Sapo usando farda é até aceitável, mas como poderia um sapo falar? Que história seria aquela de rei, reino e princesa? O que diabos era Pragadasa?

    O jovem fitava confuso sua até então amiga e agora total desconhecida princesa, sua mãe e seu tio sapo. Ao ver toda a confusão do rapaz e o atropelo das palavras ao tentarem sair de sua boca, Diadora tomou a palavra. Pediu à Dora que pegasse um álbum antigo de fotografia.

    A menina foi até um armário que parecia ter algumas centenas de anos e, de dentro de umas das portas, retirou uma grande caixa de veludo vermelho, com um emblema parecido com o da caixa de trufas. Da caixa, Dora retirou um álbum de fotografias à moda antiga, e levou até seu amigo.

    Vai ver que um sapo falante é fichinha perto de tudo isso aqui, sem ofensas, Virgílio.

    Já na primeira página, uma fotografia antiga, de borda serrilhada. A imagem em preto e branco mostrava um grupo de pessoas no alto de um aglomerado rochoso. Ao fundo, um conjunto de morros encobertos por vastas florestas, e o grande mar a se perder no horizonte. Aquela terra parecia absolutamente inexplorada, sem nenhum sinal de prédios nem construção. Todos estavam sorrindo e, bem ao centro, com os braços cruzados, usando uma camisa de mangas curtas, encontrava-se uma figura que Estevão conhecia bem. Era Ciro Ventura, o homem da estátua. Cabelo comprido, liso, sorriso largo no rosto de pouca barba. Estevão tirou a foto com cuidado e viu escrito no verso: Enfim, Pragadasa.

    — É quem eu estou pensando?

    — Ciro Ventura — respondeu Dora — Meu avô.

    — Ciro Ventura é seu avô?

    — É — sorriu a amiga — e você sempre esteve certo, meu amigo. Ele e os quarenta e nove amigos encontraram a terra que ele havia prometido. Chamaram-na de Pragadasa. Meu avô foi seu primeiro Rei. Depois que morreu, meu pai passou a reinar.

    Estevão continuou a olhar o álbum e se deparou com um cartão postal. A imagem de um grande palácio vermelho, com enormes vigas brancas, no melhor estilo colonial – pelo menos Estevão supunha ser desse período – envolto por um lindo jardim, do tipo que jamais vira na vida, com enormes palmeiras, arbustos muito bem aparados e um formoso lago no centro. Ao fundo, ainda, Estevão percebeu a presença de alguns morros de fazer inveja ao Pão de Açúcar e ao Corcovado do Rio de Janeiro. No canto inferior esquerdo, um pequeno texto informando apenas data e local: Pragadasa, setembro de 1999.

    — Bem, meu querido — falou, com voz calma e doce, a mãe de Dora — Como pode ver, os quarenta e nove amigos se multiplicaram. Logo, Pragadasa tornou-se uma cidade-estado, com suas leis e seu Rei e sua casa: o Palácio Real de Pragadasa. Aqui, Dora nasceu e foi criada até seus 12 anos.

    Na foto seguinte, uma surpresa. A mãe de Dora, um pouco mais nova, com um lindo penteado sutilmente decorado com uma tiara, um longo vestido rosa por baixo de um bolero com mangas até a altura do antebraço e ombreiras discretas. Ao seu lado, um homem muito elegante, com ar de deboche. Usava um bem talhado terno escuro e um colete. Com um lenço no lugar da gravata, um anel enorme no dedo médio e os cabelos compridos, repicados e grisalhos, o distinto senhor aparentava ter passado dos 40 havia algum tempo. Mantinha as pernas cruzadas e mostrava uma meia de cor laranja sob o sapato.

    Nos braços de Diadora estava um bebê, lindo e tranquilo, envolto em um cobertorzinho branco. Só podia ser Dora.

    — É isso mesmo que está pensando meu querido. — disse Diadora — Essa é a Dora nos primeiros dias de vida. Esse, ao meu lado, é o pai dela, o Rei. Foi o acontecimento do ano em Pragadasa, por onde você andava via as festas e compartilhava da alegria do povo. E ela era tão linda! Todo mundo queria tirar foto e ver a pequena Dora. Os paparazzi ficavam loucos tentando tirar fotos nossas em nossos aposentos.

    — Tá bom, mãe, já tá me deixando sem graça na frente do Estevão — Reclamou, cheia de razão, a menina.

    — Que loucura! Então, é verdade mesmo — falou embasbacado o menino Estevão — Você é filha do Rei de um lugar que ninguém sabe que existe? É neta de Ciro Ventura? Como ninguém aqui sabe disso?

    — Já estou vendo que o seu raciocínio está voltando ao normal — resmungou Virgílio no outro canto. Estava sentado em uma das pontas do sofá e não fez questão de esticar os olhos para compartilhar aquele momento com a família Real. Preferiu ficar de olho em uma mosca que passeava pela sala.

    — Com certeza você já ouviu falar de Pragadasa, mas não com esse nome. Vários poetas e escritores, amigos do Rei, escreveram sobre Pragadasa, e sempre a descreviam como um paraíso, um lugar digno de uma vida tranquila, aquilo que todos nós procuramos — disse Diadora, com toda elegância e simpatia, impondo um ar de respeito na sala. Estevão já começava a vê-la como uma rainha ou algo do tipo. — Mas a condição de se escrever ou falar sobre Pragadasa é só uma: jamais se deve usar o verdadeiro nome do Reino. Isso fez com que Pragadasa se tornasse um tipo de mito, uma lenda. Graças a isso, poucos são os aventureiros que tentam encontrá-la, disse Diadora. Graças a isso e àquela estátua. Ela foi construída para manter o mito e afastar aventureiros.

    Estevão ia folheando as páginas do álbum e acompanhando atentamente cada detalhe, pois aquele Reino e sua nobreza não pareciam nada com o que estava habituado. Era tudo muito colorido, as roupas, as decorações, até mesmo as cores dos campos, dos lagos e do céu pareciam mais vivas e transmitiam uma alegria exorbitante. Era comum ver os homens usando cor-de-rosa ou amarelo nas roupas. O próprio Rei usava uma camisa rosa com bolinhas brancas, uma calça verde e sapatos de couro de cobra enquanto segurava a jovem Dora nos braços. O mais intrigante disso tudo é que nem por um breve momento Estevão pensou que aquelas pessoas fossem bregas ou estranhas, pelo contrário, achou todos em Pragadasa muito elegantes, principalmente o Rei.

    Virgílio aparecia em uma foto ou outra, sempre ao lado de seu amigo. Em uma delas, ele aparece ao lado de Dora que já tinha seus quatro ou cinco anos.

    A menina, realmente, parecia uma princesa, andava sempre muito arrumada e, se alguém olhasse de relance ou sem muita atenção, podia pensar que fosse uma boneca.

    — Dora, você era a coisa mais linda e, pelo visto, é de criança que você tem esse hábito de cuidar detalhadamente do que vestir — disse Estevão a sua amiga.

    — Nossa! Fazia tempo que não via essa foto, ê! ê! Você nunca gostou de brincar comigo, Virgílio.

    — Isso porque, em suas brincadeiras, sempre sobrava para mim, princesa. Ora tendo que encher a piscina, ora tendo que pular o máximo que eu podia com você em minhas costas, me chamando de cavalinho... — sorriu o sapo, revelando um lado que até então Estevão desconhecia.

    — Pragadasa é linda mesmo, Estevão. Mas é capaz de deixar qualquer um louco — continuou Dora — Justamente pelo fato de crescer isolada do mundo, Pragadasa se tornou um lugar onde tudo pode acontecer, na maioria das vezes coisas incríveis. Mas um pouco de realidade sempre fez falta na minha vida.

    — E na minha vida também, Estevão — complementou Diadora. — Na verdade, não sou de Pragadasa, sou nascida e criada aqui em Coragem. Conheci o pai de Dora em uma de suas visitas surpresas. Apaixonamo-nos e ele me levou pra lá, para viver um verdadeiro conto de fadas.

    O povo me recebeu muito bem e eu me sentia muito benquista naquele Reino, mas as constantes viagens e maluquices do Rei foram transformando demais a nossa relação e eu comecei a me sentir sufocada. Chegamos a ponto de nos separar e, com o consentimento de todos, eu trouxe Dora comigo para criá-la como uma menina normal e conseguir separar bem as coisas reais das coisas que só vemos em Pragadasa.

    — Pensa o tamanho de minha tristeza ao tentar dialogar com um sapo assim que cheguei e perceber que os sapos daqui não falavam... — disse Dora.

    O menino Estevão deu uma risada gostosa ao comentário da amiga, tentou realmente imaginá-la perdida em um mundo real, e pensou que o mundo onde eles viviam também poderia deixar qualquer um louco, senão, não existiria tanta gente falando em se mudar ou ir embora para um lugar mais tranquilo.

    — E, desde então, você passa suas férias em Pragadasa,

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