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Para o chão da sala de aula
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Para o chão da sala de aula
E-book489 páginas5 horas

Para o chão da sala de aula

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Sobre este e-book

esta obra propõe que experimentações de formas cênicas contemporâneas em contextos educativos busquem manter vivas as forças dos saberes e das práticas imanentes às experiências da cultura popular – forças vitais que são costumeiramente alijadas dos ditos processos educativos, ao serem dizimadas pelos imperativos da construção de um sujeito do conhecimento obediente aos ditames da razão cartesiana, ou ainda, instrumental. Nesse sentido, os pesquisadores que aqui figuram entendem ser necessária a composição de uma ecologia dos saberes no intento de tornar inoperante o desejo de manutenção do epistemicídio que não tem cessado de vencer. No limite, a publicação anuncia a possibilidade da pesquisa científica ser entendida também como via para a criação artística – um exercício que tem sido empreendido por boa parte das pesquisas do grupo PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de set. de 2018
ISBN9788594850621
Para o chão da sala de aula

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    Pré-visualização do livro

    Para o chão da sala de aula - Carminda Mendes André

    Sumário

    Conselho Editorial

    Ficha Catalográfica

    Ficha Técnica

    APRESENTAÇÃO: PARA O CHÃO DA SALA DE AULA

    I. DO CHÃO DA ESCOLA

    TAPETE & ESSENCIALIDADES: UMA ESTÉTICA POSSÍVEL PARA SABOREAR O ENSINO DO TEATRO

    Marina Marcondes Machado

    POR UMA EDUCAÇÃO DOS ENCONTROS INSONDÁVEIS: DA LINGUAGEM TEATRAL, DA LINGUAGEM LITERÁRIA

    Ana Maria Haddad Baptista

    CARTOGRAFANDO AS PERFORMANCES DO PROFESSOR

    Denise Pereira Rachel

    AÇÃO RELACIONAL: A AÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DE INTERAÇÃO

    Maíra Leme

    O TEATRO COMO TÁTICA NA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR

    Renata Patrícia Silva

    INTERVINDO EM UMA ESCOLA. RESSIGNIFICAÇÕES, DESLOCAMENTOS E INSURGÊNCIAS

    Alan Livan Araujo

    CORPOS INCONFORMADOS: ARTE E EDUCAÇÃO NAS PRÁTICAS ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS

    Bárbara Kanashiro

    Diego Marques

    II. DIÁLOGOS COM A TRADIÇÃO

    QUANDO A RUA SERÁ DO FOLIÃO?

    Carminda Mendes André

    RITUALIDADES AFRO-MINEIRAS E A EPISTEMOLOGIA CONGADEIRA DE ANCESTRALIDADE AFRICANA

    Jeremias Brasileiro

    CORPO E ATRAVESSAMENTOS INTER/TRANSCULTURAIS: EXPERIÊNCIAS E(M) ENCRUZILHADAS POÉTICO-PEDAGÓGICAS

    Daniel Santos Costa

    Jarbas Siqueira Ramos

    III. TECENDO AÇÕES ARTÍSTICAS

    CARTOGRAFIA DE UM EDUCADOR/ARTISTA – DEAMBULAÇÕES EM TERRITÓRIOS URBANOS NO FAZER DE UMA PEDAGOGIA DAS ARTES DA CENA

    Élder Sereni Ildefonso

    O CONVITE, OS ENCONTROS, A JORNADA

    Carminda Mendes André

    Caio Franzolin

    CARTA COMO CORPO, ESCRITURA, POLÍTICA E AUTOPERFORMANCE

    Naira Ciotti

    Carminda Mendes André
    Ana Maria Haddad Baptista
    (organizadoras)

    PARA O CHÃO DA SALA DE AULA

    São Paulo | Brasil | Setembro 2018 – Ebook

    1ª Edição

    APOIO

    Big Time Editora Ltda.

    Rua Planta da Sorte, 68 – Itaquera

    São Paulo – SP – CEP 08235-010

    Fones: (11) 2286-0088 | (11) 2053-2578

    Email: editorial@bigtimeeditora.com.br

    Site: bigtimeeditora.com.br

    Blog: bigtimeeditora.blogspot.com

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    Conselho Editorial:

    Ana Maria Haddad Baptista (Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

    Catarina Justus Fischer (Doutora em História da Ciência/PUC-SP)

    Lucia Santaella (Doutora em Teoria Literária/PUC-SP)

    Marcela Millana (Doutora em Educação/Universidade de Roma III/Itália)

    Márcia Fusaro (Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

    Vanessa Beatriz Bortulucce (Doutora em História Social/UNICAMP)

    Ubiratan D’Ambrosio (Doutor em Matemática/USP)

    Ficha Catalográfica

    ANDRÉ, Carminda Mendes; BAPTISTA, Ana Maria Haddad (Orgs.). Para o chão da sala de aula – 280 pp. – São Paulo: BT Acadêmica, 2018.

    ISBN 978-85-9485-062-1

    1. Educação 2. Arte-Educação 3. Professor Performático 4. Teatro 5. Diversidade Social na Escola.

    I. Título

    Ficha Técnica

    Coordenação editorial: BT Acadêmica

    Diagramação: Marcello Mendonça Cavalheiro

    Capa: José Roberto Baptista

    Revisão: Rafael Ramos

    Nota:

    Dado o caráter interdisciplinar da coletânea, os textos publicados respeitam as normas e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor.

    Os autores são responsáveis integralmente pelos textos apresentados.

    APRESENTAÇÃO

    para o chão da sala de aula

    Esta publicação, em grande parte financiada pela CAPES e FAPESP, tem por objetivo compartilhar pesquisas realizadas por integrantes do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, coordenado por Carminda Mendes André e pesquisadores convidados. O livro se constrói a partir de módulos, indicando uma organização de possível estudo sobre pedagogia para as artes cênicas, cada qual abordando temáticas e problemáticas que se cruzam em vários pontos, mas que trazem suas especificidades.

    A publicação propõe que experimentações de formas cênicas contemporâneas em contextos educativos busquem manter vivas as forças dos saberes e das práticas imanentes às experiências da cultura popular – forças vitais que são costumeiramente alijadas dos ditos processos educativos, ao serem dizimadas pelos imperativos da construção de um sujeito do conhecimento obediente aos ditames da razão cartesiana, ou ainda, instrumental. Nesse sentido, os pesquisadores que aqui figuram entendem ser necessária a composição de uma ecologia dos saberes no intento de tornar inoperante o desejo de manutenção do epistemicídio que não tem cessado de vencer. No limite, a publicação anuncia a possibilidade da pesquisa científica ser entendida também como via para a criação artística – um exercício que tem sido empreendido por boa parte das pesquisas do grupo PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS.

    Este formato é desejo e convite para que o leitor utilize o livro como material pedagógico para suas aulas de artes, seja no ensino superior ou no ensino básico.

    NO PRIMEIRO módulo DO CHÃO DA ESCOLA nossa convidada Marina Marcondes abre a aula de número 1, TAPETES & ESSENCIALIDADES. UMA ESTÉTICA POSSÍVEL PARA SABOREAR O ENSINO DO TEATRO, focando em reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem. Sob o signo da sala vazia, a professora nos convida a bordar o tapete da experiência coletiva em sala de aula. Conceitua, sem nos dizer, que a aula de artes pode ser campo de potencialidades para o encontro. Nos convida a reescrever saberes, práticas e a própria concepção de programas de ensino. É desse modo que os caminhos para o aprendizado são abertos.

    Na aula de número 2, POR UMA EDUCAÇÃO DOS ENCONTROS INSONDÁVEIS: DA LINGUAGEM TEATRAL, DA LINGUAGEM LITERÁRIA, nossa convidada Ana Maria Haddad Baptista nos leva a refletir sobre os sentidos diferentes entre uma mesma palavra quando falada por um ator ou quando lida por um leitor solitário. Problematiza a ideia de transposição da arte da literatura para a arte do teatro, tão à moda na Escola, como se tal procedimento incentivasse a leitura entre os estudantes. A professora nos convida à leitura sem intermediários e, sem o dizer, também nos apresenta um modo de produção do conhecimento.

    Na aula de número 3, CARTOGRAFANDO AS PERFORMANCES DO PROFESSOR, a pesquisadora Denise Pereira Rachel, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, apresenta parte de sua pesquisa de mestrado em que cartografa algumas performances encontradas em sala de aula. Cada performance determina modos de pensar e agir tanto para professores como para alunos. Em sua aula, ela problematiza diferentes aspectos da práxis docente.

    Na aula de número 4, AÇÃO RELACIONAL: A AÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DE INTERAÇÃO, um intermezzo conceitual, a pesquisadora Maira Leme, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, aprofunda caminhos de seu doutorado, principalmente a ideia do aprender em compartilhamento, nos trazendo o conceito de ação relacional como procedimento e postura diante do desconhecido. Em sua pesquisa, destrincha as necessidades do pensar e do fazer arte educação com vistas à alteridade e sua implicação para o ato criativo.

    Na aula de número 5, O TEATRO COMO TÁTICA NA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR, a pesquisadora Renata Patricia Silva, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, retira de seu doutorado em curso a indagação sobre a potencialidade poética do lugar-Escola. Ao partir da percepção de que os projetos pedagógicos, em sua maioria, não fomentam a ação de praticar os espaços físicos da escola, propõe pesquisar experimentos cênicos, a que chama de táticas, para o acontecimento do teatro na escola.

    Na aula de número 6, INTERVINDO EM UMA ESCOLA. RESSIGNI-FICAÇÕES, DESLOCAMENTOS E INSURGÊNCIAS, o pesquisador Alan Livan Araújo, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, apresenta várias experiências relatadas em seu mestrado em que a aula transborda para fora da sala de aula produzindo saltos, retrocessos e transgressões no espaço escolar. O professor nos mostra a possibilidade de transformar o lugar da escola em campo de experimentação artística e ativista, se valendo dos procedimentos das artes de vanguarda da contemporaneidade.

    Na aula de número 7, CORPOS INCONFORMADOS: ARTE E EDUCAÇÃO NAS PRÁTICAS ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS, nossa convidada Bárbara Kanashiro junto com o pesquisador Diego Marques, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, a partir de uma breve introdução acerca do conluio arte e educação, buscam acompanhar as transformações que o entendimento de educação pela arte sofreu devido a ocorrência do que tem sido chamado de virada educativa na arte contemporânea desse começo de século XXI. Nessa perspectiva, a aula procura demonstrar de que forma a criação de modelos de educação, de escolas e de pedagogias passam a aparecer no horizonte das práticas artísticas contemporâneas. Para tanto, os propositores tentam compreender os motivos que levaram diversos professores, performers, críticos e curadores a apontar o artista alemão Joseph Beuys como o grande paradigma dessa virada educativa. Consequentemente, Bárbara e Diego tentam, sempre que possível, referenciar as contribuições de Joseph Beuys ao lado de iniciativas realizadas no contexto brasileiro. A aula busca mostrar a passagem da concepção da educação pela arte para a arte como educação.

    A ideia norteadora desse módulo é enfrentar a discussão sobre modos de propor processos de ensino-aprendizagem que alcancem a criação e a apreciação poética no chão da sala de aula.

    NO SEGUNDO módulo DIÁLOGOS COM A TRADIÇÃO encontram-se pesquisas que dialogam com tradições culturais brasileiras ressaltando possíveis aspectos arte educativos das práticas culturais aqui tratadas. Na aula de número 8, QUANDO A RUA É DO FOLIÃO, a professora e pesquisadora Carminda Mendes André apresenta as bases das Epistemologias do Sul, em que Boaventura de Sousa Santos sugere uma ferramenta de análise para estudos culturais – ou seja, um possível uso da metodologia da sociologia das ausências para analisar uma pesquisa realizada em três comunidades culturais de diferentes cidades brasileiras. Na aula número 9, RITUALIDADES AFRO-MINEIRAS E A EPISTEMOLOGIA CONGADEIRA DE ANCESTRALIDADE AFRICANA, ministrada por nosso convidado Jeremias Brasileiro, podemos observar sua perspectiva sobre o acontecimento do aprendizado dentro das Congadas mineiras, suas implicações religiosas, ético-raciais e seu modo congadeiro de transmissão dos conhecimentos. Um exemplo de epistemologia do sul. Na aula de número 10, CORPO E ATRAVESSAMETOS INTER\TRANSCULTURAIS: EXPERIENCIAS E(M)ENCRUZILHADAS POÉTICO-PEDAGÓGICAS, ministradas pela dupla convidada, Daniel Santos Costa e Jarbas Siqueira Ramos, nos deparamos com uma pesquisa que reescreve o treinamento corporal para o exercício das artes cênicas em que as danças de matrizes afro-brasileiras funcionam como produtoras de experiências corporais aproximando o treino físico ao processo criativo; eles mostram de que modo a pesquisa em comunidades da tradição da Folia de Reis e da Folia do Divino desabrocham em um espetáculo teatral.

    A ideia norteadora desse módulo é presenciar o encontro de epistemologias distintas e, portanto, de diferentes modos de uso da tradição para o aprendizado.

    NO TERCEIRO módulo, TECENDO AÇÕES ARTÍSTICAS trata de pesquisas acadêmicas que se transformaram em pesquisas artísticas. Na aula de número 11, CARTOGRAFIA DE UM EDUCAR\ARTISTA – DEAMBULAÇÕES ENTRE TERRITÓRIOS URBANOS NO FAZER DE UMA PEDAGOGIA DAS ARTES DA CENA, o pesquisador Élder Sereni Ildefonso, do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, investiga as reverberações do corpo quando em um espaço público determinado. Por meio de três programas performativos, em três localidades diferentes, como disparadores diferentes, o corpo do artista performa a localidade onde se encontra. Nesta aula, a sugestão que se faz é reperformar algum programa performativo exposto. Na aula de número 12, O CONVITE, OS ENCONTROS, A JORNADA, Caio Franzolin e Carminda Mendes André, pesquisadores do Grupo de Pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS, apresentam de que modo a pesquisa de campo se transforma em pesquisa artística. Nessa aula ficamos diante de um processo de construção de conhecimento teatral que alinhava memória coletiva e narrativas míticas. A sugestão é participar do espetáculo criado pelos autores. Na aula 13, CARTA COMO CORPO, ESCRITURA, POLÍTICA E AUTOPERFORMANCE, a convidada Naira Ciotti discute a transformação dos laços de afetos coletivos a partir dos apagamentos culturais suscitados pelas expulsões populacionais que acontecem em massa no mundo do neoliberalismo. Tais fenômenos problematizam a ideia do comum e as relações de afeto levando muitos artistas a experienciar um corpo político múltiplo. A própria autora nos apresenta performances suas e de outros como exercício para pensar esse corpo político.

    A ideia norteadora desse módulo é a experiência da arte.

    As organizadoras

    Carminda Mendes André

    Ana Maria Haddad Baptista

    I.

    DO CHÃO DA ESCOLA

    TAPETE & ESSENCIALIDADES: UMA ESTÉTICA POSSÍVEL PARA SABOREAR O ENSINO DO TEATRO[1]

    Marina Marcondes Machado

    [2]

    Tecer o tapete (um dispositivo performativo)

    Não sei se todos que escrevem recorrentemente sobre determinados assuntos sentem-se assim: por vezes estou intoxicada de mim – nos termos acadêmicos e nas possibilidades para contribuição em palestras, workshops, conferências e rodas de conversa. Neste ano de 2017, por exemplo, vou falar em dois eventos sobre o mesmo tema: arte e infância. Resisto muito e nego o rótulo de especialista; no entanto, a díade arte e infância resume bem dois ingredientes fundamentais do meu alimento... do que como, do que sirvo.

    Assim, quando recebi o convite de Carminda André para contribuir para uma coletânea de textos, pensei: preciso silenciar um pouco.

    Meditar para não me repetir.

    Entrar em uma sala vazia... mais uma vez.

    Reconhecer que o tédio, quando aparece, é como um sinal de alarme (BROOK, 2008, pg. 29).

    Assim, disse a mim mesma: retorne a alguma referência anterior, que seja das mais significativas.

    Decidi revisitar três pessoas importantes no meu caminho, seja no teatro, seja na educação: Peter Brook em seu livro A porta aberta; Jerzy Grotowski em seu artigo-manifesto Por um teatro pobre; e Paulo Freire em sua última publicação em vida, A pedagogia da autonomia (também, me parece, um escrito-manifesto). As leituras revelaram-se meios para pensar mais, e melhor, as rotas de um espaço vazio (BROOK) para proporcionar o teatro pobre (GROTOWSKI) em um contexto vivo e desafiador (FREIRE). Foi um modo interessante de espantar o tédio, bem como de não me ensimesmar – e, aqui-agora neste texto, modo de lembrar aos pesquisadores mais jovens, possíveis leitores, que nada se cria sem o conhecimento da tradição.

    Buscar a tradição do tipo de teatro que gosto, que pratiquei por anos com crianças, que quero ensinar na universidade, retomando os elementos de encenadores, artistas do fazer e do pensar, hoje famosos e consagrados, faz sentido na busca por como ensinar em sintonia com o que Freire nomeou por educador democrático-problematizador-desafiador – um bom começo. Comentarei os elementos colhidos nas obras que conversam comigo, e com minha trajetória nas artes, especialmente no ensino do teatro, e seus dizeres se tornarão meus cacos para fazer bricolagem (KINCHELOE, 2007). Por meio da noção freireana de educação, pela fiação com o pensamento de Brook e Grotowski, pretendo, ao final, tecer dizeres autorais sobre o ensino do teatro hoje.

    Buscarei o entretecimento de minha tradição própria como modus operandi no ato de ensinar teatro desde 1982 e o diálogo com a sala vazia, a prerrogativa da autonomia e de um teatro pobre: a essencialidade da coisa.

    Fazer surgir um pequeno tapete, tecido no tear emaranhado do pensamento.

    Revisitar lugares vazios

    De maneira nenhuma pode-se dizer que

    não haja nada em um palco vazio,

    num palco que se pise de improviso.

    Pelo contrário, existe ali

    um mundo transbordante de coisas.

    Ou melhor, é como se do nada

    surgisse uma infinidade de coisas

    e de acontecimentos,

    sem que se saiba como e quando.

    Kazuo Ohno

    Em diferentes momentos dos meus cursos na UFMG, onde trabalho desde junho de 2012, revisito a noção do brinquedo-sucata, sinônimo para o uso criativo de objetos cotidianos e objetos não-estruturados, algo diretamente ligado à minha prática na Escola Municipal de Iniciação Artística em São Paulo (EMIA-SP), na década de 1990. Fico feliz quando percebo um certo pioneirismo na escrita do livro O brinquedo-sucata e a criança (SP: Edições Loyola), publicado em 1994, que propunha ao leitor um trabalho com criação e uso de materiais hoje nomeados não estruturados (retalhos de pano e madeira, rolhas, botões, palha, conchas, tampinhas de garrafa, etc). O livro conversa, em termos teóricos, com as ideias do psicanalista D. W. Winnicott (1896-1971) sobre a gênese da criatividade humana: acontecimento em um lugar psíquico nomeado por ele espaço potencial. Vejo forte conexão entre este conceito que Winnicott desenhou, a partir de sua prática de atendimento de crianças e de psicanálise de adultos – noção de um espaço virtual, relacional – e tudo o que Brook nos conta em seu livro sobre o uso de um tapete... e também enxergo nexo e coesão com aquilo que Grotowski desconstrói em seu texto Para um teatro pobre. Vejamos:

    Praticamente renunciamos à cena. O que é verdadeiramente indispensável é a sala vazia onde, de espetáculo para espetáculo, podemos distribuir os lugares para os espectadores e para os atores. Estes podem movimentar-se nos diversos espaços criados entre os espectadores, como corifeus da comunidade teatral, corifeus que entram diretamente em contato com os espectadores; convertem-se nas suas próprias emanações e impõe-lhes um papel dentro do espetáculo (papel passivo, papel de testemunhas). (Grotowski, 1973, p. 136)

    Sabemos que Grotowski, ao longo de sua vida, operou com conceitos e noções consideradas místicas, ou até mesmo religiosas, reveladas por exemplo na necessidade de uma espécie de iluminação (1973, p. 131); no trabalho com a sequência de impulsos espirituais visíveis (idem); na noção de revelação (op.cit., p. 144). Sabemos também que no teatro e educação o espectador tem um papel mais ativo, não apenas testemunhal. Proponho então uma redução – ou seja, suspenderemos esses dois aspectos do modo de encenar e de trabalhar de Grotowski – para nos ater a seu ponto de vista da essencialidade da sala vazia para o ato teatral. Quero também focar na sua definição de teatro, feita pela eliminação do que pode lhe ser supérfluo.

    Quando penso nas salas de aula das escolas, e na dificuldade que temos, como formadores de professores de teatro, para arguir a favor de uma espacialidade suficientemente vazia para o acontecer teatral... Quando percebo, nas escolas de Educação Infantil, como as salas encontram-se pré-formatadas pelo olhar adulto – repletas de estantes e mesinhas, caixas, caixotes, varais, letrinhas na parede... E, quando existe um tapete, usualmente é ferramenta disciplinar: lugar para organizar as crianças pequenas em uma roda, ao redor dele... Espaços arrumados por adultos de tal maneira que há tão pouca chance de novidade, transgressão ou surgimento de antiestruturas! (TURNER apud MACHADO, 2015). Tudo já lá, dado: pensado, organizado, estabelecido e preenchido pelo educador, em nome de sua intencionalidade. Palavra da moda mas de uso gasto, e errôneo, uma vez que sua gênese filosófica, na Fenomenologia, é relacional; não seria, absolutamente, um sinônimo para objetividade e/ou intenção racional. A intencionalidade como noção filosófica é própria do humano e do estar-com, e surge no autêntico convívio entre pessoas.

    Farei a você uma proposta agora.

    Conecte comigo na bricolagem de remetimentos e significações, por meio de visitas a Paulo Freire e ao estudioso freireano estrangeiro, Joe Kincheloe (1950-2008); venha para o lugar da criação humana, e habite comigo um terceiro lugar (nem objetivo, nem tampouco subjetivo): abra seu tapete ao lado do meu, no espaço potencial, e algo surgirá, entre nós.

    Não traga refletores, figurinos ou maquiagens; nem adereços ou personagens já caracterizados.

    More em seu corpo e habite o tapete.

    Esvazie-se de noções prévias do que é teatro, perceba que um copo vazio / está cheio de ar tal como na canção que Gilberto Gil escreveu para Chico Buarque cantar, nos anos da ditadura, e caminhe pela via menos percorrida, em busca de um teatro da introspecção e da processualidade. Vamos beirar o não-teatro.

    Oportunizar poéticas próprias

    Discuto com os alunos da graduação, que recém fizeram a escolha pela Licenciatura em teatro, sobre a possibilidade de ser o que se é: a partir dessa premissa, proponho ampliarem seu repertório próprio, como pesquisadores iniciantes, durante o curso de teatro. Se pretendessem ser o tipo de professor que aplica jogos, dirige pecinhas e aumenta a autoestima das crianças e jovens por meio do teatro, não seria necessário frequentar a universidade. Quase todos já viveram algo nesta chave. Isso já sabem. Isso já existe no (velho) mundo. O convite que faço a eles, sempre, é pesquisar o que desconhecem; dar saltos no vazio, e mergulhar na ficcionalidade, a partir da vida mesma das crianças brasileiras.

    Saltar!

    De maneira inteligente, sensível, e capaz de riscos. Saltar para dentro do tapete vazio. E ver o que acontece. E ser capaz de entrar e sair, quantas vezes for desejado e preciso, da situação emoldurada pelo tapete e pela profissão de professor de teatro... Sair para obter o distanciamento necessário, pesquisa de seu modo próprio de conduzir jogos, experiências, improvisações; e, a seguir, entrar novamente.

    Ciclos, fluxos, refluxos.

    No diálogo com a tradição, proponho criarmos elos do teatro e seu ensino com as renúncias listadas por Grotowski no texto aqui estudado: renunciamos ao jogo de luz; renunciamos aos trajes, aos narizes postiços, às barrigas falsas:

    Através da supressão de todos os elementos plásticos que falam em lugar da ação, isto é, em lugar do ator que é o ser, comprovamos que este pode criar objetos simples e evidentes que se encontrem à mão; o gesto e a atitude do ator transformam a terra firme em mar, a mesa em confessionário, um pedaço de ferro num objeto quase animado, etc. (Grotowski, 1974, p. 138)

    A citação é um elogio aos materiais não estruturados, ao brinquedo-sucata – e à capacidade criativa do ator para doar significação e teatralidade a seu corpo, à relação com o outro e com as coisas do mundo compartilhado.

    Trabalhar assim implica em não desejar mais uma arara de roupas, penteadeira e acessórios; o material seria invisível, não no sentido místico, mas no sentido metodológico do work-in-process / trabalho em processo: será o atento e minucioso registro de observação de quem são as crianças e jovens do grupo com quem se vai conviver, e a aproximação aos mundos de vida em que habitam, o passo zero para um trabalho contemporâneo e despojado – tapete & essencialidades; Brook e Grotowski, acompanhados pelos princípios da autonomia, tão caros a Paulo Freire. Machado & você mesmo.

    A vida mesma oportuniza essa simplicidade: lembrem o exemplo das ocupações das escolas públicas pelo Brasil afora[3], nos anos de 2015-16. As escolas, suas mesmíssimas espacialidades, tão criticadas e difamadas, foram tomadas de outro modo, reviradas, redesenhadas pelos integrantes das ocupações, e tudo se iniciava por tomar as chaves. Literalmente. Ação que é imagem potente para o protagonismo juvenil: tomar as chaves.

    Tomar as rédeas.

    Decidir o rumo, por entre as artes que nos apresentam os adultos, professores-artistas condutores de aulas e processos criativos. A decisão de como percorrer, mapear e habitar o território da arte será do aluno. Sempre. Mesmo que isso se apresente carregado de angústia e corresponsabilidade. Mesmo que você, ao ler este texto, o considere incompleto e sem objetividade sobre os conteúdos teatrais[4] a serem trabalhados...

    Procurar por "uma condição de absoluta simplicidade

    (cujo custo é nada menos que tudo)[5]"

    Que é o Teatro e qual a sua essência?

    Quais os seus elementos

    que não podem ser substituídos pelo Cinema ou pela TV? Finalmente fui conduzido a duas ideias-chave:

    em primeiro lugar a ideia de um teatro da pobreza,

    e depois à de considerar o espetáculo

    como um ato de transgressão.

    Jerzy Grotowski

    Posso escolher qualquer espaço vazio

    e considerá-lo um palco nu.

    Um homem atravessa este espaço vazio

    enquanto outro o observa,

    e isso é suficiente para criar uma ação cênica.

    Peter Brook

    O argumento de Grotowski é de que o cerne de um teatro pobre está na arte do encontro, entre espectador e ator. O argumento de Freire é de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção (1996, p. 12). O argumento de Brook é reconhecer a extrema importância da experiência humana da espacialidade – especialmente no espaço vazio. O elo entre os autores escolhidos, aqui entretecidos, reside na noção de outridade: relação eu-outro; estar-com.

    O teatro só é generoso quando vai além (e aquém, posso dizer) da experiência dos profissionais de teatro. Afirmou Peter Brook: o teatro não tem categorias, é sobre a vida (2008, p. 7).

    No teatro com não atores, isto é, no ensino do teatro para crianças e jovens, a completude nunca é técnica: acontecerá pela convivialidade (DUBATTI, 2012) – troca, conhecimento e crescimento no jogo, no brinquedo coletivo, nas rodas de conversas, nas experiências vívidas de atos performativos.

    É preciso trabalhar na formação de um professor performer, adulto capaz de criar climas e atmosferas, desenhar ainda que precários roteiros de improviso (MACHADO, 2004; 2015; 2016) a serem propostos a partir de uma atitude presente e ausente: estar lá para acompanhar os processos criativos e conflitivos, mas saber ausentar-se, de modo a não querer encarnar a tradição da direção de atores ou ser reprodutor de um teatro bem feito. No entanto, não se trata de apenas viver:

    Vamos ao teatro para um encontro com a vida, mas se não houver diferença entre a vida lá fora e a vida em cena, o teatro não terá sentido. (...) Se aceitarmos, porém, que a vida no teatro é mais visível, mais vívida do que lá fora, então veremos que é a mesma coisa e, ao mesmo tempo, um tanto diferente. (Brook, op. cit., p. 8)

    A ideia é preparar os espaços vazios para serem preenchidos pela riqueza relacional; e que o professor fique prenhe de teatralidades. Cada artista professor pesquisará como fazer isso, a partir de seu caminho criador e formativo. E a teatralidade há que ser doada. Sem a expectativa de retorno imediato.

    Qual a sua noção de teatro? Qual a sua noção de arte? A qual frente de trabalho junto à arte e à educação você pertence? Na busca incessante pelas respostas, construa um modo de ser e estar no campo do teatro e da educação, junto com as crianças e jovens com quem convive.

    Lapidar formas-conteúdo

    Quando nada nos reste de concreto,

    o único domínio seguro é o da corporalidade,

    sempre real e palpável.

    Gerzy Grotowski

    O próprio discurso teórico,

    necessário à reflexão crítica,

    tem de ser de tal modo concreto

    que quase se confunda com a prática.

    Paulo Freire

    Penso que trabalhar com formas bricoladas, hibridizadas, confundidas/co-fundidas com nossos conteúdos é um dos mais férteis caminhos para o campo da pedagogia teatral contemporânea. Sair por aí na busca de pequenas sínteses, textos-fragmentos, corporalidades nas quais habitam pensamentos, sentimentos, possibilidades sonoras, palavras, poesia e silêncio. Pesquisa, que acredito ser processual e ad infinitum, por uma palavra falante, como propôs o filósofo Maurice Merleau-Ponty (1999): discursividade que surpreenda, que modifique, que mexa de tal forma com seu interlocutor que consiga desnaturalizar muito do que se configurava até então.

    O teatro com crianças e jovens precisa ser ponte para a potência do gesto e da palavra. Abrir mão de todo o resto, em nome do contato humano, ainda que, inicialmente, rude e simplificador. Cavalo de pau enxergado no cavalgar do corpo. Lágrimas de cristal mostradas por contas de plástico transparente. O fundo do poço, perigoso, revelado apenas pelo eco da voz de quem brinca de escorregar e afundar. Depois, submergir novamente.

    Os jovens estudantes de Licenciatura em teatro por vezes se aborrecem com meu discurso poético por vezes escorregadio. Onde está o como eu faço, Marina?, é o que seus olhos e sobrancelhas angustiadas parecem me perguntar.

    A resposta por sua vez é também angustiante, uma vez que depende inteiramente da iniciativa do aluno: sair da cadeira e ir ao mundo. Agachar-se. Cavar um buraco e nele gritar um segredo[6]. Buscar água para encher o buraco, como na praia, quando a areia absorve a água a tal ponto que poderíamos tentar trazer todo o mar para alí, e ainda assim, o buraco permaneceria.

    Qual o mistério do ensino criativo? Como e por que muitas crianças pequenas que vivem neste século XXI não querem brincar de imaginar? Como faço para fazer ver a fumaça sem gelo seco nem fogo? Qual a cor da roupa nova do Rei? Quanto custa um pote de ar puro?

    Não se irritem comigo, leitores, se as respostas se rabiscam no mesmo universo misterioso do mundo sem receitas.

    Os livros de receita caíram (no buraco).Tal qual o copo vazio, o buraco cheio de água ou de ar mostra o fogo do conhecimento e o gás necessário para continuar adiante,ensinando o teatro como ato performativo mesmo para aqueles já tão pré-moldados por expectativas externas, vindas dos adultos que desejam espetacularização.

    Há que existir esperança na ancestralidade humana de que essa tal atividade chamada brincar, e seus verbos irmãos siameses imaginar e criar, se tornem (ou retornem, ou permaneçam) motor para atos de significação. Mesmo que a gestalt só se complete anos depois da experiência teatral vivida, muitas vezes vivência em sala de aula, num caminho quadradinho de percursos curriculares... Futuramente a espiral virá. Eis a aposta.

    E na conclusão, morrer um pouco

    O trabalho do ator pode assemelhar-se a um segundo

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