Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sóror Juana Inês de La Cruz: Como Antigona eu Vim para Dizer Não e Paguei o Preço de Minha Ousadia
Sóror Juana Inês de La Cruz: Como Antigona eu Vim para Dizer Não e Paguei o Preço de Minha Ousadia
Sóror Juana Inês de La Cruz: Como Antigona eu Vim para Dizer Não e Paguei o Preço de Minha Ousadia
E-book329 páginas4 horas

Sóror Juana Inês de La Cruz: Como Antigona eu Vim para Dizer Não e Paguei o Preço de Minha Ousadia

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Sóror Juana Inês de La Cruz: Escrita de Si e Recepção, lança um olhar, sobre a sociedade onde somente os homens tinham acesso ao mundo do saber,ao Ensino Superior, onde o estudo, além da liberdade de escrever era vedado á mulher.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de ago. de 2020
ISBN9786558200420
Sóror Juana Inês de La Cruz: Como Antigona eu Vim para Dizer Não e Paguei o Preço de Minha Ousadia

Relacionado a Sóror Juana Inês de La Cruz

Ebooks relacionados

Linguística para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Sóror Juana Inês de La Cruz

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sóror Juana Inês de La Cruz - Margareth Torres Alencar

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Aos Santos Arcanjos: São Miguel, São Rafael, São Gabriel e meu anjo da guarda.

    Ao meu irmão, Luís Carlos, que tornou possível a publicação deste livro.

    AGRADECIMENTOS

    A Deus por ser o Alfa e o Ômega e por permitir que eu vivesse para ver este livro publicado.

    Prefácio

    A queda de Tenochtitlan e a vitória dos exércitos dirigidos por Hernán Cortés em 1521 supõe a mais completa transformação da vida mesoamericana, e estabelece as bases para a fundação daquele que seria o núcleo cultural e economicamente mais poderoso de todos os domínios espanhóis na América: o vice-reino da Nova Espanha. Situado em posição estratégica entre Oriente e Ocidente, as redes comerciais estabelecidas pelo Atlântico e pelo Pacífico garantiram para o vice-reino uma função preponderante nos processos de modernização que a ordem global imperante estava instituindo. Nos mais de três séculos de duração do chamado período colonial, é no México, junto com o Peru, onde se formam os campos intelectuais mais vigorosos, que servirão de arena central para a produção letrada da época.

    Nessa arena transitam produções de todo tipo, decorrentes das fricções e invenções originadas em uma sociedade em formação. As crônicas da conquista que enfatizam os traços épicos da ação e do guerreiro, como as Cartas de relación de Hernán Cortés; as crônicas indígenas e mestiças que revisam o passado a partir de outras perspectivas; os enciclopédicos registros etnográficos que pretendem evocar as formas de vida vigentes antes da chegada dos europeus, como os que escrevem os evangelizadores franciscanos; os relatos de viagem, que misturam dados precisos e várias imaginações; toda a literatura utilizada como ferramenta para a conversão dos indígenas, como catecismos, dicionários ou peças teatrais; as peças historiográficas; os tratados filosóficos e teológicos redigidos nos âmbitos dos colégios e universidades; as composições poéticas; as prosas apologéticas e os sermões, compõem, entre outras, as mais diversas manifestações que, do século XVI em diante, vão definindo a vida cultural novo-hispana. Com seus dispositivos de imitação e transformação das influências metropolitanas e com sua criação de gêneros literários singulares, surgidos em consequência das particulares condições políticas, econômicas e religiosas da sociedad colonial, essas produções denotam a riqueza, a variedade e a especificidade das letras novo-hispanas.

    Em La imprenta en México (1912), o bibliógrafo José Toribio Medina enumera quase treze mil títulos publicados na cidade do México desde a chegada da imprensa, em 1539, até a independência, nas primeiras décadas do século XIX. Essa imensa proliferação, que registra apenas volumes impressos, e que seria portanto muito maior se fossem incluídas as obras que permaneceram manuscritas ao longo desse período, reforça a magnitude e a relevância que a escrita, em suas múltiplas formas, possuía na Nova Espanha, e permite inferir a enorme diversidade de autores que poderiam ser incluídos no cânone do reino. Como todo cânone, o novo-hispano esteve habitado por figuras de renome, reconhecidas ou consagradas; como todo cânone, teria suas margens e bordas, seus portões de entrada e da saída, e seus territórios em sombras, além das suas fronteiras, onde residem os autores ignorados, esquecidos ou sempre extraviados. Nesse cânone, nesses séculos, é provável que, se quiséssemos saber qual seria o hipotético nome mais prestigioso e melhor dotado de fama, a resposta quase unânime evocaria a figura de uma freira, que viveu, escreveu e morreu na segunda metade do século XVII; chamava-se Juana de Asbaje, e seria por todos conhecida como Sor Juana Inés de la Cruz.

    Seria repetir frases muitas vezes ditas se indicássemos aqui às virtudes de Sor Juana. Sua biografia e sua trajetória são tão conhecidas como seu célebre retrato pintado por Miguel Cabrera, em que aparece rodeada pelos volumes da sua biblioteca (eram quatro mil), vestindo seu hábito impecável e seu medalhão no peito, com um livro aberto e as penas prontas para serem usadas na sua mesa. Foi a jovem que amava o saber, que foi autodidata em tempos em que colégios e universidades eram redutos exclusivamente masculinos. Foi a mulher que deslumbrou por seus conhecimentos e seu domínio do verso e da prosa. A freira que estava recluída em um convento de clausura, mas ao mesmo tempo era uma personalidade pública, a mais respeitada, quiçá junto com Carlos de Sigüenza y Góngora, da sua época. A autora do magnífico Primero sueño, em que com inspiração gongórica revisa os conhecimentos do seu tempo, enquanto narra uma viagem noturna que conclui na hora do despertar. A autora de obras de circunstância, de magníficos sonetos e loas, de peças teatrais como Amor es más laberinto, de emblemáticos panegíricos como o Neptuno alegórico. A intelectual que foi censurada pelas hierarquias eclesiásticas, e que escreveu em consequencia uma das obras mais singulares da literatura universal, a Respuesta a Sor Filotea. A freira devota que disse ser a pior de todas e faleceu combatendo uma das tantas epidemias de cólera que devastavam a cidade. A décima musa, famosa em todo o orbe hispânico desde a publicação da sua obra no início do século XVIII. A glória nacional, que aparece nas notas do peso mexicano, nos nomes das ruas e das instituições. A grande protagonista das armadilhas da fé investigadas no influente ensaio de Octavio Paz. A figura midiática resgatada pelo cinema de Maria Luisa Bemberg e pelas séries televisivas. A precursora do feminismo. A grande escritora. Como se sabe, Sor Juana foi todas essas mulheres, e foi também muito mais daquilo que está registrado na mera enumeração dos seus dados biográficos.

    Parece evidente que uma figura tão importante teria que contar com uma extensa fortuna crítica, produto do interesse que sua obra despertou ao longo do tempo e das sucessivas consagrações que a enalteceram. Basta conferir, por exemplo, o sitio exclusivamente dedicado a Sor Juana na Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes (cervantesvirtual.com), para perceber a enorme quantidade de estudos, artigos e tratados dedicados a analisar a obra e os destinos da autora. Coordenado por uma das grandes especialistas na sua obra, Margo Glantz, ali estão compilados os ensaios de criticos notáveis como Antonio Alatorre, Georgina Sabat de Rivers, Maurice Beuchot, Pilar Gonzalbo ou Antonio Rubial Garcia, entre tantos outros que contribuíram de maneira decisiva para aprofundar os conhecimentos, para multiplicar as intepretações e para atualizar os sentidos que o legado do autora foi adquirindo até o presente. A essa longa lista de críticos que, em cada leitura, permitiram que Sor Juana fosse uma e muitas, devemos acrescentar agora o nome de Margareth Torres e do seu destacado estudo sobre a Respuesta.

    É sempre difícil falar de autores canônicos, e ter que responder aquela fatal pergunta: o que posso dizer de novo que não tenha sido já dito? Essa interrogação, quase inevitável em se tratando de Sor Juana, foi formulada, e respondida com largueza, por Margareth. A sua réplica consistiu em escrever um notável tratado, originalmente apresentado como a Tese final de doutorado no Programa de Pós-graduação em Letras da UFPE, que nestas páginas surge já transformada em livro ornado com um eloquente título: Como Antigona eu vim para dizer não.

    Margareth poderia ter ficado intimidada diante da tarefa de reinterpretar a Respuesta a Sor Filotea. Poderia, mas jamais ficou, porque, possívelmente, esse verbo, intimidar-se não conste no seu repertório. Fundar licenciaturas e cursos de pos-graduação, criar uma enorme quantidade de polos de educação à distância, organizar eventos de todo tipo, e impulsionar o ensino do espanhol e das suas literaturas em Teresina e no Piauí foram algumas das múltiplas atividades nas quais, como professora e pesquisadora, foi deixando sua marca, enfrentando toda classe de obstáculos sempre com a mesma obstinada e mais completa dedicação. Alguma vez eu disse e repito aqui: a história do ensino e disseminação dos estudos hispânicos no Brasil do século XXI teria sido mais pobre e menos épica sem a presença da professora Margareth.

    Como Sor Juana, Margareth também é uma figura excepcional, e nesse adjetivo não deve ser vista nenhuma hipérbole. Não surpreende então que, em algum momento, estas duas mulheres excepcionais tenham se encontrado. Modernas Antígonas, teriam afinal que se encontrar de alguma forma, na leitura, na escrita, na devoção pelo estudo. O resultado desse encontro começa agora, no mesmo momento em que este prefácio acaba.

    Alfredo Cordiviola

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    1

    SOR JUANA E A ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA 

    1.1 A CARTA COMO GÊNERO AUTOBIOGRÁFICO

    1.2 A RESPUESTA A SOROR FILOTEA DE LA CRUZ: AUTOBIOGRAFIA OU AUTOFICÇÃO

    1.3 ETHOS E SUBJETIVIDADE NA RESPUESTA A SOR FILOTEA

    2

    SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO: CONSIDERAÇÕES GERAIS

    2.1 A TEORIA DE JAUSS

    2.2 A TEORIA DO EFEITO DE ISER

    3

    A RECEPÇÃO DE SÓROR JUANA AO LONGO DOS SÉCULOS

    3.1 SÓROR JUANA E SEU TEMPO

    3.2 ENTRE SEUS CONTEMPORÂNEOS

    3.3 NO SÉCULO XVIII

    3.4 NO SÉCULO XIX

    3.5 NO SÉCULO XX

    À GUISA DE CONCLUSÃO

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    Este trabalho toca em dois aspectos relacionados à vida de sóror Juana Inês de La Cruz e a duas cartas escritas pela monja mexicana que viveu e produziu sua obra no século XVII. Assim, nosso objetivo é mostrar que sóror Juana Inés de La Cruz escreveu sua autobiografia na carta Respuesta a Sor Filotea de la Cruz e investigar como ocorreu a recepção a essa carta e à denominada Crisis, posteriormente intitulada Carta Atenagórica. Surge então a necessidade de pontuar as questões norteadoras que respondo neste livro: que marcas da enunciação do discurso a caracterizam como escrita de si? De acordo com a teoria voltada ao estudo da escrita autobiográfica e da negação do eu, o texto escrito por Sóror Juana Inês de la Cruz é ou não um texto autobiográfico? Como foi a recepção das duas cartas escritas por sóror Juana Inês de la Cruz entre seus contemporâneos e ao longo dos séculos? Sóror Juana tinha um projeto social e estava decidida a alcançá-lo. Quais as estratégias que ela lança mão para alcançar seus objetivos? Que marcas traduzem a sociedade da época em que viveu sóror Juana e a condição a que a mulher era submetida nesse período da história?

    Dessa forma, o estudo em tela tenta evidenciar a escrita de si na Carta Respuesta a Sor Filotéa de La Cruz bem como a sua recepção nos séculos XVII, XVIII, XIX e XX como um elemento essencial para mostrar o impacto que essa carta causa no leitor.

    No período colonial, no México do século XVII, nasce a menina Juana Inês Asbaje Ramirez de Santillana, que mais tarde se tornaria a freira sóror Juana Inês de La Cruz, uma mulher e intelectual admirável que soube, em uma sociedade dominada pela fé, criar seu espaço e inserir-se na vida intelectual da colônia, embora esse espaço fosse privado aos homens. A Igreja Católica, que na época contava com duas instituições cerceadoras da liberdade e geradora do controle das consciências dos fiéis, que eram a Inquisição e o tribunal do Santo Ofício, dominava as consciências e a vontade do povo e nem mesmo as altas autoridades estavam isentas dessa influência. No tocante às mulheres, havia todo tipo de proibições, censuras e a ausência de direitos ou leis que protegessem seus corpos físicos, sua vontade, e isso no tocante às mulheres brancas, porque Nova Espanha era uma sociedade onde o preconceito racial era patente, havia escravidão e divisão da sociedade a partir da origem racial, a instituição do dote para tudo o que se referia às mulheres, que eram consideradas objetos da vontade dos homens.

    Sóror Juana é reconhecida pela crítica como sendo a mais notável representante da poesia feminina do século XVII, mulher de beleza extraordinária, poetisa de grande talento e inteligência que cultivou todos os temas: desde os profanos até os autobiográficos, passando pelos discretos e conceituosos. Escreveu romance e redondilhas, décimas, glosas e sonetos, liras, os sagrados vilancetes, duas comédias e as cartas mencionadas anteriormente.

    A construção do sujeito em Respuesta a Sor Filotea de la Cruz (carta escrita em resposta à Carta Atenagórica – digna de Atenea – título dado a Crisis (nome da Carta escrita por Sor Juana criticando o Sermão do Mandato do Padre Antônio Vieira) pelo Bispo de Puebla, apresenta marcas de gênero muito adiantadas para a época, o que suscitou a revolta de muitos membros do clero, de seu confessor espiritual, e do tribunal do Santo Ofício, como leitores da obra de sóror Juana, devido ao caráter altamente transgressor para a época. Entendamos um pouco como se deu essa polêmica.

    As cartas escritas por sóror Juana Inês de La Cruz tiveram como destinatários primeiros o bispo de Puebla, Manuel Fernández de Santa Cruz, (pelo menos de forma explícita) personagem muito próximo à sóror Juana Inês, com quem tinha relação intelectual por meio da participação em tertúlias literárias promovidas no claustro por sóror Juana; ao tempo em que a admirava, tentava submetê-la ao jugo de sua autoridade e é em função dessa autoridade que tinha sobre ela, que ele lhe dá a missão de escrever uma crítica ao Sermão do Mandato, escrito pelo padre jesuíta português Antônio Vieira.

    O segundo destinatário das cartas, (ou talvez o principal), mesmo que não estivesse tão explícito no texto escrito, é o obsessivo e misógino Francisco Aguiar y Seijas Arcebispo do México. Ao atacar o padre Vieira, sóror Juana se envolve em uma disputa pelo poder entre os dois homens da Igreja Aguiar y Seijas e Fernández de Santa Cruz que anteriormente tinham entrado em disputa pelo cargo de arcebispo do México, quando da saída do Frei Payo Enriques de Rivera, entre 1680 a 1681. Nessa época deu-se em Madrid um Conselho para eleição do importante posto de Arcebispo do México. Fernández de Santa Cruz era uma das opções contempladas junto a Francisco de Aguiar y Seijas, este, fiel admirador de Vieira e também pertencia à Companhia de Jesus, conforme nos esclarece Octavio Paz:

    La Carta Atenagórica es un texto polémico en el que la critica a Vieyra esconde una crítica a Aguiar. Esa crítica la hace una mujer, nueva humillación para Aguiar que odiaba y despreciaba a las mujeres. La Carta es publicada por El obispo de Puebla que así cubre a sor Juana con su autoridad. El obispo escribe un prólogo escondido bajo un pseudónimo femenino, burla y vejamen de Aguiar y Seijas […] (PAZ, 1982, p. 526).

    A comunicação afeta o comportamento tanto do enunciador do discurso, do enunciatário, bem como do conteúdo do enunciado, uma vez que além das palavras que são ditas ou escritas com seus significantes e significados entram muitos outros elementos que fazem parte desse esquema, como por exemplo, a preocupação de quem enuncia ou escreve um discurso com o objetivo que almeja atingir com suas palavras. Nesse sentido o enunciador do discurso pensa no ouvinte ou leitor de seu discurso e de que forma pode organizar escolher o que vai enunciar a fim de alcançar seus objetivos. Isso nos leva a pensar que por trás do uso da linguagem e da comunicação linguística, temos as intenções comunicativas e uma das atividades realizadas por aquele que faz uso da palavra é pensar no que vai dizer e como vai dizer, para que o destinatário de seu discurso concorde com seu ponto de vista, ou seja, os objetivos desejados pelo enunciador do discurso sejam plenamente atingidos.

    Sóror Juana Inês de La Cruz tinha entendimento que em um enunciado muitas vezes é mais importante saber o que se deseja dizer do que o que se diz. Quando escreveu a Respuessta a sor Filotea de La Cruz, a autora fez uso de muitos recursos retóricos na tentativa de provar sua inocência e defender sua pele, ao tempo em que faz uma crítica velada à forma como vinha sendo tratada por querer estudar, que era o objetivo central de toda a sua vida desde a mais tenra idade. A busca pelo saber.

    O leitor se dará conta dessas afirmações quando ler a carta à que se refere o parágrafo anterior e poderá constatar os muitos recursos os quais Juana Inês lança mão na tentativa de convencer os leitores de que ela era inocente não da escrita da Crisis, mas de havê-la escrito por obediência e que ela não tinha dado consentimento para que ela fosse publicada.

    O texto Respuesta a sor Filotea de La Cruz revela toda uma situação na qual surgiu sua outra carta, fato que a leva a efetivar não uma, mas várias críticas à sociedade da época na Nova Espanha, como a falta de oportunidade e acesso ao estudo negado à mulher que era condenada assim à ignorância, ao tempo em que revela a situação da mulher branca na sociedade do século XVII, o medo das consequências da escrita e publicação da carta anterior (a Crisis), e muitas outras mensagens presentes no discurso e expressas como já foi explicitado nos primeiros parágrafos.

    Ler o texto produzido por Sóror Juana Inês de la Cruz – Respuesta a sor Filotea – leva seus leitores a indagar de imediato como foi que, em uma situação tão adversa, uma mulher, e não qualquer mulher, era aquela mulher, inteligente e monja, tinha chegado àquela posição e escrevia daquele jeito? Essa resposta é dada por Octavio Paz quando ele afirma que Sóror Juana teve de se adequar aos valores e normas de seu tempo, aprendeu a viver sob um silêncio de cumplicidade a tudo que ia vendo acontecer ao seu redor, respeitando as restrições impostas a fim de poder conviver em grupo, sem chamar atenção sobre si por conta da realidade da época como já foi frisado, sem sucesso como os leitores deste livro poderão comprovar.

    Ao fazer o estudo da autobiografia da referida monja constatei que o discurso proferido por ela revela também o ethos presente no texto, da mesma forma que é possível identificar o pathos do enunciatário, uma vez que foi pensando neles que muitas de suas escolhas enunciativas foram feitas, como já frisado em outros parágrafos nesta apresentação ao estudo. Sóror Juana, sendo monja, convivendo e comungando com valores dos destinatários de seu discurso, elabora um texto visando causar respostas positivas a seu favor, porque havia muita coisa contra ela e, para piorar as coisas, era mulher, sexo considerado inferior para a realidade da época além de ser monja professa, ter feito voto de obediência e com isso desistido de seu livre arbítrio.

    É possível imaginar o cenário e também que a monja tinha noção da imagem que o enunciatário faria dela, levando em consideração as convenções da época e consciente de que o terreno em que pisava era minado, lança mão de todas as armas que a retórica lhe permitia, mas ao fazer uso dos referidos recursos discursivos e, como não podia fugir de quem era, mostrava sua outra face o tempo todo, revelando uma mulher que não se envergonhava de ser mulher e mostrando imagens, verdades, ideias aos verdadeiros destinatários de sua carta, os quais eram, nas palavras de Paz, um grupo de leitores privilegiados.

    Hoje, o mundo conta com muitas leis de proteção à individualidade, já não existem instituições oficiais de combate à liberdade de expressão como o Tribunal do Santo Ofício e o olhar inquisitorial, em seu lugar, conforme nos alerta Quinet (2004), os seres humanos contam com outros olhares que fiscalizam sua voz, seu discurso escrito, suas atitudes, seus movimentos, sua maneira de pensar, por meio dos satélites de longo alcance, dessa forma instituições oficiais que comandam o país têm acesso a tudo e cada vez mais, as facilidades de comunicação falada e escrita (a partir do celular, das redes sociais, web) são incentivadas como mecanismos de vigilância do indivíduo, que por não ver quem está lendo o que escreve, acompanhando seus movimentos e escutando sua voz, pensa que está fora do alcance do olhar da medusa, aquele olhar tão aterrorizante que petrifica os incautos.

    Assim este livro está dividido em três capítulos: o capítulo I subdivide-se em quatro subcapítulos assim discriminados: Sóror Juana e a escrita autobiográfica; A carta como gênero autobiográfico; "La Respuesta a Sor Filotea da la Cruz: autobiografia ou autoficção?; Ethos e subjetividade na Respuesta a Sor Filotea". Nesse capítulo teço algumas reflexões sobre o tema da escrita autobiográfica, sobre a diferença existente entre escrita autobiográfica e autoficção e sobre as marcas do ethos no texto em questão. No capítulo, além de definir o que na opinião dos teóricos pesquisados se entende por escrita autobiográfica, discuto a caracterização de a escrita epistolar como texto autobiográfico, uma vez que o corpus escolhido para análise é uma carta. Com relação ao gênero autobiográfico, faço a comparação da teoria proposta por Lejeune (2008) com a teoria da negação do eu proposta por Willemart (2009). Uma das características da escrita de si é a subjetividade, e como esta é uma presença marcante no texto pertencente ao gênero autobiográfico, dedicamos ao tema um bom trecho deste estudo. Para apoiar o debate sobre autobiografia lacei mão dos estudos teóricos de Lejeune (2008), para discutir autoficção me apoio em Willemart (2009), Mireaux (2005), Gomes (2004), Iser (1996), e em Gale (2009) e Tirado (1998) para explicar por que a carta pertence ao gênero da escrita de si e em outras pesquisas existentes sobre o assunto.

    Ainda tratando da questão da escrita de si, faço uma aproximação ao tema do Ethos e das subjetividades presentes na carta escrita por sóror Juana Inés de La Cruz. Minhas intenções nesse subcapítulo foram explicitar o motivo que levou Sóror Juana a escrever sua carta Respuesta a Sor Filotea de La Cruz na tentativa de desvendar sua história de vida, seu eu mais oculto; ilustrar a presença da subjetividade enunciativa no discurso escrito por sóror Juana Inês; o ethos (o eu enunciativo e subjetivo) construído por sóror Juana e a intertextualidade presente na referida carta. O escopo teórico em que me apoio para a escrita do subcapítulo são as contribuições sobre enunciação do discurso, subjetividade e ethos elaboradas por: Benveniste (2005), Blancafort e Valls (2008), Fairclough (2001), Mangueneau (1996) e Amossy (2005).

    O segundo capítulo traz o suporte teórico que serviu de base para a escrita da segunda parte deste estudo e está subdividido em três tópicos: Sobre a Estética da Recepção: considerações gerais; A teoria de Jauss; A teoria do efeito de Iser. Nosso objetivo neste capítulo foi discorrer sobre aspectos teóricos

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1