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Relíquias Sagradas: Dos tempos bíblicos à era digital
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E-book403 páginas4 horas

Relíquias Sagradas: Dos tempos bíblicos à era digital

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Sobre este e-book

Qual foi o destino da arca da aliança? Onde estão os pregos da paixão de Cristo? O santo sudário que se encontra em Turim, na Itália, foi realmente utilizado por Jesus? Essas perguntas são abordadas na obra: Relíquias sagradas: Dos tempos bíblicos à era digital de Carlos Evaristo e Fábio Tucci Farah. O livro trata das relíquias mais emblemáticas da cristandade e, ao longo da leitura, o leitor faz uma viagem encantadora sobre a história das relíquias e os fatos históricos e políticos ligados a elas. Informações inéditas enriquecem as páginas da obra e são fruto de muitas décadas dedicadas ao estudo das relíquias sagradas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de set. de 2020
ISBN9786555620306
Relíquias Sagradas: Dos tempos bíblicos à era digital

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    Relíquias Sagradas - Carlos Evaristo

    apresentação

    Relíquias sagradas. Falar sobre elas é, de certo modo, recordar a história e os milagres operados por Deus por meio dos santos. É também manter viva uma tradição que esteve presente nos primórdios do cristianismo. O culto às relíquias remonta aos tempos bíblicos do Antigo Testamento, onde abundam os milagres ocorridos por sua intercessão. No tempo de Nosso Senhor e dos apóstolos, enxergamos o poder das relíquias na mortalha de Cristo e no sudário que São Pedro e São João viram no sepulcro vazio. Essas relíquias participaram intimamente da paixão de Cristo e foram testemunhas de sua ressurreição.

    Não é possível venerar os santos sem respeitar e venerar suas relíquias sagradas, que foram a morada espiritual da alma infundida das graças do Espírito Santo. É natural para os crentes, portanto, que os corpos dos santos que operaram milagres em vida continuem a fazê-lo após a morte. Eles são, afinal, os restos mortais daqueles que aguardam a ressurreição da carne, na glória do Deus Trino, no paraíso.

    Desde as origens bíblicas aos dias de hoje, esta obra aborda as relíquias mais emblemáticas da cristandade. Em um fascinante passeio pela história, pelas lendas douradas e pela ciência, os autores revelam fatos já esquecidos da herança cultural da Igreja, trazendo à tona informações inéditas. A aventura seria estéril, entretanto, se não apontasse para algo além deste mundo. Carlos Evaristo e Fábio Tucci Farah foram bem-sucedidos na missão de ressaltar o caráter sobrenatural desse importante sacramental. As relíquias são apresentadas como vitrais do paraíso; ao mesmo tempo que nos permitem vislumbrar o Reino Celeste, inundam o mundo com a sua luz.

    O arqueólogo e historiador Carlos Evaristo é um reconhecido perito internacional em relíquias, tendo colaborado com a postulação carmelita e com a Sagrada Congregação para as Causas dos Santos no processo de canonização de São Nuno de Santa Maria Álvares Pereira. Também é o fundador da Cruzada Internacional pelas Relíquias Sagradas e do Apostolado pelas Relíquias Sagradas, os maiores movimentos da Igreja no setor. Informações inéditas que enriquecem as próximas páginas são fruto de largas décadas dedicadas ao estudo, pesquisa e análise das mais importantes relíquias da Igreja católica.

    Especialista em relíquias da arquidiocese de São Paulo, Fábio Tucci Farah tem promovido atividades para resgatar esse importante sacramental no Brasil, como a apresentação de relíquias em cerimônias religiosas e a fundação do Departamento de Arqueologia Sacra da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI). Com sua experiência de jornalista e escritor, Farah ajudou a dar um ritmo do século XXI a histórias que atravessam os milênios.

    Estou certo de que esta obra será uma referência para os devotos das sagradas relíquias, e espero que contribua para um renovado interesse nesse importante sacramental que relembra, acima de tudo, os exemplos de fé, esperança e caridade vividos de forma heroica pelos santos.

    Dom José Saraiva Martins, cardeal e prefeito emérito da Congregação para as Causas dos Santos

    Sagradas relíquias: um encontro com Deus

    Se eu conseguir ao menos tocar em seu manto, ficarei curada (Mt 9,21). Os Evangelhos sinóticos sondaram o coração da mulher que desejava se livrar de um fluxo de sangue. Fazia doze anos que sofria com aquela doença. Embora seu nome não tenha sido registrado, ela nos leva à presença de Nosso Senhor e nos faz testemunhar algo extraordinário. Ao sentir uma força sair de si, Cristo se volta para a multidão à procura de quem, sorrateiramente, tocou a extremidade de sua vesteMinha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curada desse teu mal (Mc 5,34), anuncia Jesus ao flagrar a hemorroíssa. Muito se discursou sobre esse episódio, ora destacando a humildade da mulher, ora exaltando a misericórdia divina. Mas há um aspecto raramente enfatizado. Esse milagre traz à luz um tema bastante esquecido em nossos dias e amplamente tratado neste livro: as sagradas relíquias.

    Ainda em Atos dos Apóstolos, descobrimos que lenços e aventais que tocaram o corpo de São Paulo eram usados para curar doenças e expulsar demônios. A passagem é comumente evocada para justificar a devoção às sagradas relíquias. Para contemplar seu mais profundo significado, é oportuno ouvirmos o próprio São Paulo na sua primeira carta aos Coríntios: Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte (1Cor 12,27). Esses lenços e aventais que tocaram seu corpo, portanto, aparecem como extensões místicas do manto de Nosso Senhor. E essas relíquias operariam milagres como intermediárias da graça ao encontro da fé humana, tal como ocorreu com a hemorroíssa. 

    Seguindo o exemplo de São Paulo e dos outros apóstolos, excetuando São João, milhares de cristãos foram massacrados sob o Império Romano. Descartados como lixo, os corpos dos mártires eram cuidadosamente recolhidos e sepultados. Havia algo além do desejo de dar um sepultamento digno aos homens e mulheres que derramaram o sangue pela fé. Seus corpos eram amplamente venerados por recordarem a paixão de Nosso Senhor. E operavam milagres por estarem unidos, intimamente, ao sacrifício redentor de Cristo. Não à toa, suas sepulturas transformavam-se em altares para a realização de missas. Naquela época, nasceu a tradição de guardar relíquias, preferencialmente de mártires, sob o altar-mor das igrejas. 

    Com a ascensão de Constantino, Santa Helena – padroeira dos arqueólogos – partiu em peregrinação à Terra Santa em busca dos sinais tangíveis da presença de Nosso Senhor. Em Jerusalém, Santa Helena teria encontrado, ao lado de São Macário, as relíquias mais preciosas da paixão, como a Santa Cruz e os pregos usados na crucificação. Divididas e distribuídas pelo Império, elas se tornaram alicerces visíveis na construção da civilização cristã. Os cristãos poderiam, finalmente, tocar em Cristo. Cerca de quinhentos anos depois, a cristandade latina era ameaçada pela dominação moura. Dessa vez, a salvação chegou com a descoberta inesperada dos ossos de São Tiago. O apóstolo parecia ter voltado a bradar o Evangelho desde a fronteira do mundo até então conhecido. O episódio marcou o início do fenômeno da peregrinação em massa e ajudou a moldar a Europa. O que, afinal, os milhares de peregrinos buscavam ao se lançarem na incerta aventura de chegar ao sepulcro de São Tiago? Buscavam a companhia daquele que foi um dos mais próximos discípulos de Cristo. E, com ele, iniciavam a verdadeira peregrinação, a que leva ao Reino dos Céus. 

    Nas últimas décadas, a devoção às relíquias praticamente desapareceu. Enquanto arrefecia no seio da Igreja, milhares de relíquias passaram a abastecer um mercado ilegítimo, conforme o Código de Direito Canônico. Na tentativa de protegê-las da profanação e de resgatar um sacramental quase esquecido, o arqueólogo e historiador Carlos Evaristo fundou o Apostolado pelas Relíquias Sagradas e a Cruzada Internacional pelas Relíquias Sagradas, iniciativas que contaram com o apoio de Santa Teresa de Calcutá e da Irmã Lúcia. No ano passado, Evaristo coroou a missão com a reinauguração, em Ourém (Portugal), da Regalis Lipsanotheca, oratório com um dos maiores acervos de relíquias fora do Vaticano. Nomeado curador adjunto, Fábio Tucci Farah atua como especialista em relíquias da arquidiocese de São Paulo desde 2016, onde desenvolve um trabalho – pioneiro no Brasil – para a valorização do culto aos santos por meio de suas sagradas relíquias. Pelas mãos desses dois autores, fundadores do Real Instituto de Arqueologia Sacra, os leitores mergulharão na história fascinante de grandes tesouros da cristandade, desde as raízes bíblicas até os nossos dias. E conseguirão perceber que eles jamais perderam o brilho.

    Em pleno século XXI, as relíquias continuam sendo um valioso sacramental da Igreja, confirmado pela instrução As relíquias na Igreja: Autenticidade e conservação (Roma, 2017). A aproximação de qualquer relíquia sagrada nos torna semelhantes à mulher que desejava ser curada. Com uma fé sincera e simples, alcançamos milagres e, o mais importante, atraímos o olhar de Deus. Na presença das relíquias sagradas, as portas do céu se abrem, e Cristo nos diz: Meu filho, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curado do teu mal. Voltamos para casa transformados, com a esperança renovada do encontro definitivo com aquele que nos salvou. 

    Dom Odilo Pedro Scherer, cardeal e arcebispo de São Paulo

    Preâmbulo: Relíquias e seus guardiões

    Há quase vinte anos, em uma visita a um dos maiores museus londrinos, uma peça do acervo prendeu minha atenção. O imponente objeto dourado, com preciosos ornamentos, servia de suporte a dois fragmentos de madeira. Formavam uma cruz. Sua origem remontava a uma das relíquias mais cobiçadas da cristandade. E sua dimensão histórica era colossal.

    No início do século IV, Santa Helena partiu em peregrinação à Terra Santa. Em Jerusalém, a mãe do imperador Constantino esteve à frente da primeira expedição arqueológica cristã. Ao voltar para a Cidade Eterna, carregava na bagagem importantes relíquias da paixão de Cristo, símbolos tangíveis da fé que, em pouco tempo, se alastraria pelo maior império do mundo. À primeira vista, aqueles fragmentos de madeira no museu britânico eram testemunhas privilegiadas da história. E a história era fascinante.

    Nos dias que se seguiram ao passeio, vieram à tona lembranças de minha história pessoal há muito engavetadas; uma delas, particularmente, persistente: a imagem do crucifixo pendurado acima do altar-mor na igreja de minha infância. A reminiscência se transformou em chamado. O chamado para retornar a um velho caminho.

    Desde que meus olhos se abriram para a dimensão sobrenatural das sagradas relíquias, passei a dedicar parte de meu tempo – e de minhas viagens – ao seu estudo. Em minha busca, conheci herdeiros de uma missão sagrada. E milenar. Alguns dos guardiões de relíquias eram descendentes de antigas linhagens da nobreza europeia e zelavam pelo espólio familiar. Um dos casos mais notórios era a custódia do santo sudário pela dinastia de Savoia até 1983, quando a relíquia foi doada ao Vaticano.

    A maior parte dos guardiões que conheci, no entanto, não recebera o ofício de antepassados notáveis, mas fazia parte de uma tradição que remontava aos primórdios do cristianismo e era valiosa, sobretudo, nos momentos mais sombrios; momentos em que os tesouros celestes poderiam ter sido destruídos e profanados. Durante as Guerras Napoleônicas e a Guerra Civil Espanhola, por exemplo, o Santo Graal foi salvo por pessoas do povo recrutadas pela divina Providência.

    No século XXI, as relíquias enfrentam outros inimigos, alguns bastante sutis, como a crescente secularização e o desprestígio no seio da Igreja católica, legítima proprietária de todas as relíquias cristãs. Nos últimos tempos, centenas de templos foram despojados de suas joias. Milhares delas tornaram-se alvo da cobiça de colecionadores de antiguidades, que em nada se assemelham aos autênticos guardiões. E várias passaram a fazer parte do acervo de afamados museus. A despeito do discurso sobre a preservação do patrimônio da humanidade, expor relíquias em museus, incluindo os sacros, onde não podem ser devidamente veneradas, é reduzi-las à dimensão histórica.

    Em certo momento da jornada, um dos maiores guardiões do mundo cruzou meu caminho. Carlos Evaristo transformou a missão sagrada em apostolado internacional, abençoado pela Irmã Lúcia, uma das três videntes de Fátima, e por Madre Teresa de Calcutá, canonizada em setembro de 2016. Mais do que resgatar e proteger relíquias, ele conseguiu congregar milhares de guardiões, de várias procedências, em uma única associação, a International Crusade for Holy Relics (ICHR) – ou Cruzada Internacional pelas Relíquias Sagradas –, e iniciou uma bem-sucedida campanha para restaurar o apropriado culto às relíquias. Também fundou o prestigiado Apostolado pelas Relíquias Sagradas, responsável pelo estudo científico do tesouro sacro e pela autenticação de relíquias, cujo trabalho é requisitado até pelos museus do Vaticano. Por suas mãos, tornei-me membro do Apostolado, delegado brasileiro da ICHR e curador adjunto da Regalis Lipsanotheca. Em 2016, recebi de dom Odilo Pedro Scherer, cardeal e arcebispo de São Paulo, a tarefa de promover a reta devoção às relíquias na maior arquidiocese do país. Como parte dessa missão, convidei Carlos Evaristo para escrever, a quatro mãos, ensaios sobre as principais relíquias da cristandade. Inicialmente publicados em um portal católico (Paraclitus), eles foram reunidos pela primeira vez neste livro, que conta ainda com textos inéditos. Por serem independentes, podem ser lidos separadamente ou na sequência sugerida.

    Há algumas semanas, fui questionado sobre a importância de um guardião de relíquias em pleno século XXI. Prestes a dar uma resposta enfatizando os aspectos históricos, lembrei-me dos fragmentos de madeira no museu londrino. Em minha segunda visita, poucos dias após aquela primeira, a relíquia reluzia mais que o ouro ao seu redor. E apontava para algo além deste mundo. Sua história atravessava quase dois milênios e se cruzava com a de milhões de pessoas. E eu estava entre elas. Abri um sorriso e respondi à pergunta insidiosa: Ajudar as pessoas a espiar o paraíso. Espero que as páginas seguintes abram algumas janelas para o Reino dos Céus...

    Fábio Tucci Farah, perito em relíquias da arquidiocese de São Paulo e jornalista especializado em arqueologia sacra

    1

    Em busca da arca da aliança

    Fazia quatorze anos que um dos maiores sucessos de Steven Spielberg estampara as telonas ao redor do mundo e inaugurara uma das franquias mais rentáveis do cinema: As Aventuras de Indiana Jones. No filme de estreia, o professor universitário de arqueologia Indiana Jones escapava das salas de aula em busca de uma das relíquias mais misteriosas – e fascinantes – da humanidade: a Arca da Aliança. Em sua jornada épica, o arqueólogo enfrentava inimigos que desejavam possuir o tesouro para usufruir do seu lendário poder: os nazistas. Como os clássicos vilões dos filmes hollywoodianos, o objetivo era dominar o mundo. O que poucos espectadores poderiam imaginar é que a trama estava bem enraizada no mundo real.

    Distante dos olhos dos fãs do arqueólogo que se tornou ícone do ofício, uma reunião secreta sobre a Arca da Aliança teve como palco, em 1995, um castelo templário português. Quatorze anos após o lançamento de Indiana Jones e os caçadores da arca perdida, pesquisadores da Universidade Franciscana de Steubenville desejavam ajuda para decifrar antigos pergaminhos. Os documentos deveriam revelar o paradeiro daquela relíquia, construída para guardar artefatos tocados por Deus e supostamente desaparecida desde os tempos bíblicos. Os norte-americanos tinham esperança de que a chave para desvendar o enigma milenar estivesse nas mãos de um dos autores deste livro. Perito em relíquias e especialista em iconografia sacra medieval, Carlos Evaristo era consultor do Vaticano e haveria de examinar as relíquias mais emblemáticas da cristandade, como o Santo Graal e a Santa Síndone, popularmente conhecida como santo sudário. No lugar em que aquela reunião secreta acontecia, Evaristo reuniria nas próximas décadas um dos maiores acervos de relíquias do mundo: a Regalis Lipsanotheca.

    Figura 1

    Moisés no Monte Sinai (c. 1895-1900) Jean-Léon Gérôme Coleção privada

    Os pergaminhos tinham origem em um país que abrigava outra importante relíquia bíblica, a lança de São Maurício, alegadamente usada por São Longino para perfurar o torso de Cristo na cruz; esse país não era comumente associado à Arca da Aliança: a Áustria (vide capítulo XVII). O estopim para a busca da relíquia fora a compra da Kartause Gaming, em 1983, na região da Baixa Áustria, pelo arquiteto Walter Hildebrand. A intenção era criar ali o centro europeu da universidade de Ohio. Em seu tempo áureo, aquele território sagrado sediara o afamado complexo monástico medieval Thronus Sancte Marie.

    Durante as obras de restauração, um antigo segredo dos monges cartuxos veio à tona. Em um manuscrito do século XIII, os religiosos gabavam-se de custodiar a maior relíquia dos tempos bíblicos, o que tornava aquele mosteiro o mais abençoado do mundo. Em outros documentos, a misteriosa relíquia também era mencionada, porém um silêncio suspeitoso pairava sobre sua natureza. Uma tradição oral em Gaming preencheria essa lacuna: em uma missão secreta, São Bonifácio havia carregado a Arca da Aliança de Roma para a Alemanha. A relíquia seria confiada a monges e escondida em uma caverna. Em 1084, um mosteiro cartuxo seria fundado no local por outro santo: Bruno. Durante a Idade Média, a ordem religiosa exibiria um vasto acervo de preciosas relíquias, mas o silêncio rodeava o tesouro de São Bonifácio.

    A grande coleção de relíquias seria transferida para a Áustria e exibida no altar-mor da Kartause Gaming. E o segredo de São Bonifácio teria sido selado dentro do altar. E lá permaneceria em confinamento silencioso até 27 de janeiro de 1782, quando o imperador austríaco Josef II ordenou a dissolução do mosteiro. Ainda em agosto, seria emitido um decreto imperial exigindo que as paróquias pobres recebessem seus hábitos, relíquias e alfaias. Havia uma instrução específica sobre os relicários. Os de metais preciosos deveriam dar lugar a outros, mais baratos. Dessa forma, um relicário de ouro renderia três ou quatro custódias. Aquele decreto, porém, não passava de cortina de fumaça.

    Em sua investigação, Evaristo descobriu que as paróquias ficaram de mãos vazias. Por um contrato secreto celebrado em 1° de maio de 1783, os tesouros do mosteiro foram entregues à comerciante judia Katharina Dobruska e a Thomas, seu filho. Caberia a esses antiquários a venda dos bens da Ordem da Cartuxa para a criação do chamado fundo de religião. Causa estranheza, no entanto, que a Arca da Aliança não tenha sido mencionada no inventário de relíquias do mosteiro nem na lista dos objetos entregues aos comerciantes judeus.

    Como seu paradeiro ainda era um mistério na década de 1980, época da compra da Kartause Gaming, os novos proprietários – e seus inquilinos – imaginaram que a relíquia ainda poderia estar escondida ali. Passagens secretas, emparedadas há séculos, inflamavam a imaginação. Em busca da Arca da Aliança, altares foram desmanchados, paredes postas ao chão, pisos retirados. Embora compartimentos secretos tenham sido revelados, não havia qualquer vestígio da relíquia. Doze anos após a aquisição do antigo mosteiro, os caçadores da arca resolveram bater à porta de Evaristo, em Portugal.

    O especialista em arqueologia sacra da vida real nunca se contenta com as primeiras pistas. A verdadeira busca da Arca da Aliança não poderia se iniciar com o desmantelamento desvairado de um mosteiro. A primeira escavação sempre deve ser precedida por um estudo exaustivo do artefato sagrado e de seu percurso no decorrer da história. Milhares de páginas já foram escritas sobre a maior relíquia dos antigos tempos bíblicos, o primeiro relicário da humanidade. O estudo da Arca da Aliança guarda muitas semelhanças com o de duas relíquias emblemáticas da cristandade: o cálice da Última Ceia e a Santa Síndone. Como na ficção, é uma jornada repleta de símbolos que escondem uma verdade indecifrável.

    A primeira fonte de pesquisa sobre a Arca da Aliança são as Sagradas Escrituras. Na epístola aos Hebreus, São Paulo, educado aos pés de Gamaliel, revela o precioso tesouro da arca: Toda recoberta de ouro e, nesta, o vaso de ouro com maná, o bastão de Aarão que florescera e as tábuas da aliança (Hb 9,4). O ponto de partida para estudar esse protorrelicário é o capítulo 37 do Êxodo, com os detalhes de sua fabricação. Ela deveria medir dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura e um côvado e meio de altura. A missão sagrada foi confiada ao mestre artista Beseleel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, a quem o Senhor chamou pelo nome e o encheu com o espírito de Deus em sabedoria, entendimento e conhecimento para toda espécie de trabalho, para elaborar desenhos, para trabalhar em ouro, prata e bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira, e para realizar toda espécie de trabalho (Ex 31,3-5). Ou seja, Beseleel era mestre em tudo o que poderia ser construído artificialmente. O livro informa que Beseleel fez a arca de madeira de acácia e revestiu a parte interna e externa com o mais puro ouro.

    Ao redor do topo, a arca recebeu uma coroa. Dois anéis – também de ouro – foram fixados em ambos os lados como suportes a varais de madeira de acácia, usados para transportar o artefato. O detalhe prático se justificava na época em que os israelitas eram nômades. A parte mais significativa do relicário – e a que mais gera discussões até os dias de hoje – estava no topo. Sobre a tampa, dois querubins dourados em lados opostos cobriam com suas asas o propiciatório. Naquele espaço, chamado de trono da misericórdia, Deus manifestaria sua presença ao povo escolhido, uma presença misteriosa e aterrorizante.

    A Arca da Aliança de Indiana Jones, em estilo egípcio, é bastante controversa. Causa espanto que os israelitas tenham usado elementos pagãos no trono terrestre de Iahweh. Porém, a representação pode ter bases credíveis, sobretudo ao considerarmos que Beseleel possa ter sido artista da corte egípcia e, portanto, influenciado pelos cultos de Mênfis. Seus querubins poderiam ser touros alados, resgatando a imagem de Osíris ou de sua esposa Ísis, que exibia uma cabeça de vaca. A criação da arca remonta, possivelmente, a 1490 a.C. Independentemente da inspiração para os querubins, uma coisa é certa: daquele artefato emanava um poder estrondoso – que, tanto na ficção como no mundo real, despertou a cobiça nazista. Seu poder é descrito em Números: Quando a arca partia, dizia Moisés: ‘Levanta-te, Iahweh, e sejam dispersos os teus inimigos, e fujam diante de ti os que te aborrecem!’ E no lugar do repouso dizia: ‘Volta, Iahweh, para as multidões de milhares de Israel’ (Nm 10, 35-36).

    Diferentemente do que mostra a ficção, porém, o poder da arca não estava no objeto em si, mas na presença espiritual de Deus nas relíquias mais caras aos israelitas, relíquias que atestavam a eleição do povo por Deus. Como o Senhor prometera a Moisés, a arca se transformaria em seu instrumento de comunicação com os homens: Ali virei a ti e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os israelitas. (Ex 25,22). Nesse sentido, a arca pode ser vista como a prefiguração do tabernáculo moderno, onde Nosso Senhor está presente no santíssimo sacramento pronto para interceder pelos fiéis. Não mostrar respeito pela arca era incorrer na ira de Deus. Quando o santuário portátil do tabernáculo foi montado, a arca ganhou abrigo no cubículo mais interno: o Santo dos Santos. Apenas o sumo sacerdote tinha permissão para entrar no santuário interno. E apenas uma vez ao ano, no dia da expiação, para que ele não morresse (cf. Lv 16,2). Naquele dia, todas as dívidas do povo eram expiadas e perdoadas. A presença divina sobre o propiciatório se manifestou, muitas vezes, como pilar de fumaça ou nuvem de fogo.

    Nem sempre o povo escolhido ouvia a voz de Deus. Virando as costas ao Senhor, por exemplo, tentaram conquistar a Terra Prometida, invadindo o país dos amalequitas e cananeus. Como punição pela insensatez, passaram anos vagando pelo deserto. Quando, finalmente, alcançaram a Terra Prometida, liderados por Josué, a arca foi levada à frente por sacerdotes. Graças a ela, o povo conseguiu atravessar

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