Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Território feminino
Território feminino
Território feminino
E-book594 páginas6 horas

Território feminino

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Cada linha escrita pelos novos pesquisadores deste livro revela a busca incansável de utilizar em suas pesquisas e produções uma atitude interdisciplinar, até mesmo transdisciplinar e holística. Qualquer processo humanizador tem de estabelecer conexões entre as partes, transitar do singular ao universal, da aparência à essência, da parte ao todo, e vice-versa. Quando fragmentado, produz certa cegueira do conhecimento. A pesquisa e o conhecimento comprometidos com a vida tendem a compreender e interpretar a situação, e tomar decisões.
Para utilizar um símbolo, diríamos que, numa visão panorâmica, os pesquisadores buscam alçar o voo da águia, mas também esgaravatar o terreiro como a galinha. Águia e galinha trabalham na altura e no rés do chão. Os pesquisadores procuram mostrar a construção do feminino a partir dos territórios e da territorialidade em que se encontram as mulheres. É nesse locus de subjetivação e objetivação que buscam capturar o jeito feminino de agir, de viver, de morar, de ser, bem como sua apropriação dessas múltiplas esferas. Os capítulos deste livro são sempre uma síntese entre a teoria e a experiência cotidiana.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de set. de 2020
ISBN9786586723069
Território feminino

Relacionado a Território feminino

Ebooks relacionados

História para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Território feminino

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Território feminino - Rosana Maria Pires Barbato Schwartz

    território.

    Mídia, mulher e política: as relações e dinâmicas das representações femininas nos telejornais e na política partidária brasileira

    Rosana M. P. B. Schwartz²

    Este artigo apresenta uma cartografia das representações femininas na política partidária a partir das relações entre mídia, mulher e política. Centraliza-se na interseção entre essas três categorias e nas hipóteses que buscam relacionar o número reduzido de mulheres na política partidária com a dinâmica das suas representações políticas pela mídia, em específico por telejornais.³

    Para executar o mapeamento e responder às hipóteses, foram realizadas coletas de dados em três veículos informativos, o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, o Jornal da Band, da Rede Bandeirantes, e o SBT Brasil, do Sistema Brasileiro de Televisão. A escolha desses veículos de comunicação deveu-se ao fato de que a televisão ainda, no ano de 2020, caracteriza-se enquanto mídia dominante no Brasil.

    As representações do mundo social e dos seres humanos nos telejornais influenciam ações políticas, as eleições e a compreensão comum do que é política. Assim, entende-se aqui que a visibilidade midiática de homens e mulheres é componente relevante do capital político e histórico cultural das sociedades. As matérias trabalhadas pelos meios de comunicação são índices desse capital político. Os noticiários são compostos por hierarquias ativas do campo político e conferem visibilidades ou invisibilidades a temas e sujeitos.

    Segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, obtidos pelos levantamentos do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, entre os anos de 2005 a 2017⁵, sobre mídia e mulher, mesmo diante do crescente número de mulheres no mercado de trabalho (jornalistas, repórteres, âncoras e entrevistadoras), as fontes convidadas para debater temas políticos ainda são majoritariamente masculinas.⁶ Essa escolha – ou seja, a visibilidade conferida ao masculino como fornecedor das informações, aos homens que ocupam cargos políticos ou aos estudiosos da área política – é reflexo das construções históricas, sociais e culturais permanentes na sociedade.

    Por um período de 12 meses (janeiro de 2017 - janeiro de 2018), foi realizado acompanhamento sistemático e contínuo dos noticiários noturnos dos três telejornais selecionados. As matérias escolhidas versavam sobre política nacional. Salvaguardadas em pastas e categorizadas por temáticas, constituíram o corpus documental da pesquisa.

    O procedimento após a escolha dos noticiários foi destacar os personagens masculinos e femininos, objetivando problematizar a interferência da sua visibilidade na mídia e na participação político-partidária.

    Considerou-se por personagens as pessoas que compõem o noticiário na qualidade de entrevistados/fontes, colunistas, e não os jornalistas e sua equipe. Na totalidade, sem as chamadas iniciais dos telejornais, foram assistidas 327 horas, 40 minutos e 36 segundos de noticiários políticos, com equilíbrio entre os três telejornais. Para a percepção e o desenho da amostragem proporcionada por esses registros/documentos, foram determinados tópicos conectados com a política brasileira. Os tópicos discursivos definidos foram:

    a) Política brasileira – história – política nacional;

    b) Política brasileira – poder executivo federal – medidas relacionadas aos programas de governo;

    c) Política brasileira – poder legislativo e ações do Congresso Nacional – propostas legislativas;

    d) Política brasileira – poder judiciário – decisões das cortes superiores com repercussão política;

    e) Política brasileira – denúncias de corrupção e escândalos;

    f) Política brasileira – partidos políticos; e

    g) Política brasileira – movimentos sociais – entidades da sociedade civil.

    Categorização que contribuiu para realizar os agrupamentos temáticos, para desenhar os primeiros perfis dos noticiários e verificar as participações femininas nas matérias.

    Observou-se nos três telejornais o predomínio de matérias tratando de denúncias de corrupção e escândalos (36,7%), seguidas das medidas do governo federal (27, 8%) e das ações do Congresso Nacional (14,5%). O Jornal Nacional concentrou maior tempo nas coberturas gerais e equilibradas entre os três poderes e sobre política nacional. O SBT Brasil enfatizou os desvios de conduta do poder executivo federal. E o Jornal da band, a vida partidária e atuações do poder legislativo. Os movimentos sociais encontraram-se quase ausentes, aparecendo somente quando um evento maior interferia no cotidiano das cidades. A baixa presença da sociedade civil nos noticiários é característica da construção social histórica do Brasil, em que as relações de poder se expressam nos três poderes de forma personalista, acentuadamente com predominância do poder executivo.

    Constatou-se que os personagens com voz no campo político brasileiro são predominantemente masculinos, as mulheres representam apenas 12% das presenças em relação aos homens nesses telejornais. Desses 12%, 46,2% aparecem no Jornal Nacional, 13,4% na Band e no SBT Brasil, um percentual reduzido de 11,2%.

    Apesar das conquistas dos últimos séculos de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais advindas das ondas do feminismo, as mulheres são minoria nos noticiários sobre política institucional. E ainda, quando se diferenciam as mulheres por grupos socioeconômicos e étnico/raciais, a invisibilidade das personagens populares e negras torna-se ainda mais expressiva. Ressalta-se que as mulheres populares quase não possuem expressão nos noticiários políticos, mesmo participando mais efetivamente dos movimentos sociais e de espaços alternativos de ação política, como conselhos e orçamentos participativos, conselhos tutelares e gestores das cidades.

    As mulheres negras e populares fazem parte de dois grupos sub-representados em comparação com o grupo de homens brancos. As negras são apenas 4,1% e as populares, 6,2% dos personagens das matérias políticas. Todos os dados das porcentagens foram obtidos por meio da análise das matérias, mostrando também que, em se tratando de populares, os homens negros aparecem com mais frequência do que as mulheres, e em matérias sobre movimentos sociais o índice é 27% superior que o percentual geral das personagens mulheres negras.

    Não obstante, nos noticiários que versam sobre a vida privada, violência doméstica ou posições de vítima, existe uma maior concentração de representações femininas, 79%. Já nos noticiários sobre política brasileira, a concentração é masculina, 87%.

    Além desses números, constatou-se a presença recorrente de oito mulheres integrantes dos movimentos sociais em relação a 32 homens; cinco mulheres de organizações não governamentais em relação a 23 homens e 31 personagens; e, entre os vinculados à produção de conhecimento, apenas seis eram mulheres.

    A leitura dos dados quantitativos oferece pistas sobre o problema – relação entre mídia, mulher e política como fator que infere ou não na participação feminina na política partidária –, revelando que o jornalismo confere visibilidade aos sujeitos que já possuem recursos para se fazerem vistos e evidenciando que os veículos de comunicação de massa determinam quais são os agentes da política e seus espaços, quais são os temas relevantes que devem compor a agenda e quais atores e práticas que devem ter visibilidade.

    Os noticiários naturalizam, diante de seu público, o insulamento das mulheres brancas ricas, das mulheres brancas de grupos médios e altos, das mulheres negras e das populares. E, se assim fazem, contribuem para a perpetuação das assimetrias de gênero, raça/etnia e grupos sociais.

    Tal constatação evidenciada pelas pesquisas qualitativa e quantitativa encaminhou a pesquisa para uma análise mais apurada, sobre a reprodução e manutenção das construções históricas dos estereótipos de gênero/raça/etnia e dos grupos sociais. O ponto que circundou a questão foi o da naturalização dos desdobramentos das relações de poder, que assumem características múltiplas nas fronteiras convencionais entre o público e o privado.

    Durante o século XIX até as primeiras décadas do século XX, o estereótipo de inferioridade física e intelectual e o status de dependente, frágil e submissa das mulheres negavam a elas a plenitude dos seus direitos e participação política. No Brasil, o temor existente com relação ao voto universal como promotor de possível ascensão dos grupos populares no âmbito do sistema político partidário dificultava a discussão sobre a participação de todos os indivíduos na política (SCHWARTZ, 2017a).

    No Império, nas primeiras eleições, para compor a Corte de 1821, as leis adotaram o voto masculino branco e das camadas privilegiadas economicamente. Na Constituição de 1824, acentuou-se o critério de renda mínima para se poder votar e a idade foi elevada para 25 anos. Na Constituição de 1846 a quantidade de renda exigida dobrou, e em 1881 o voto dos analfabetos foi terminantemente proibido. Indivíduos sem escolaridade, assim como as mulheres não possuíam esse direito, pois se afirmava a necessidade da habilidade de entendimento da cultura escrita e da abstração para exercer os direitos civis e políticos. Alegava-se que as mulheres brancas, mulheres negras, homens negros e os populares, pela sua inferioridade cultural, seriam manipulados e favoreceriam inevitavelmente a corrupção e falseamento das eleições. (SCHWARTZ, 2017a).

    Existia ainda, segundo discursos presentes em jornais, a autoexclusão, pois na opinião dos eleitores não valia a pena votar ou participar da política partidária. Para as mulheres abrirem mão das funções nobres de boa esposa, mãe e cuidadora, era necessária uma transformação acentuada dos costumes, uma vez que participar do espaço público era compreendido como algo contra a natureza feminina (SCHWARTZ, 2017a).

    Não obstante, durante o processo de instauração da República brasileira, a mulher foi representada como lutadora, mãe, cuidadora e protetora. O eu visual trabalhado entrelaçava as construções femininas da vida cotidiana com a ideia da mulher-nação, república e justiça. As mensagens visuais (representações visuais) objetivavam criar e recriar processos que fixam discursos emotivos e racionais ao mesmo tempo. O sistema monárquico simbolicamente encarnava a imagem masculina do rei, já a República, com a utilização das alegorias femininas nacionais, ressaltava a ideia de formação da nação. Nação é feminina, a mãe que protegerá e educará todos os seus filhos.

    O uso político da imagem da mulher-alegoria foi trazida da França no século XIX pelos positivistas. A alegoria feminina da liberdade representava no imaginário social a encarnação da nação mulher-mãe. Imagens enraízam na memória coletiva. Seu nome era Marianne e aparecia em bustos, pinturas, arcos e em gravuras de livros. As interpretações mais significativas da Mãe república, figurando a mulher na política, foram a revolucionária La Liberté guidant le Peuple (1831), de Delacroix, e La République (1848), de Daumier. República significa coisa pública e, uma vez associada à figura da mulher, a intenção era mostrar que a Marianne cuidaria sempre dos seus filhos.

    No Brasil, a República/alegoria feminina imitou a proposta francesa. A Marianne do pintor positivista Décio Villares trazia uma mulher com gorro e barrete frígio. Uma mulher guerreira em luta. Não obstante, a iconografia brasileira adquiriu com o tempo autonomia. Os positivistas alegorizavam a mulher simbolicamente como a encarnação da humanidade.

    Décio Villares esboçou assim, em 1890, para a Igreja Positivista, uma bandeira para as procissões com uma figura maternal com traços da inspiradora de Comte, Clotilde de Vaux, que deveria representar a Humanidade. (CARVALHO, 1990, p. 77-96)

    A imprensa ilustrada trazia a República como uma mulher, particularmente a Revista Ilustrada. No exemplar de 21 de junho de 1890, a alegoria apresentada foi uma jovem República brasileira submissa e infantil, inspirando-se na República francesa forte e sábia.

    Reconhecimento da República brasileira pela França (Revista Ilustrada, 1890).

    José Murilo de Carvalho (1990), na obra A formação das almas, explica que as utilizações dessas alegorias tiveram razões definidas: a religião católica afirma a função da mulher como mãe e cuidadora dos corpos das nações, representada pela figura da Maria, e mostra o papel político ativo das mulheres durante as Revoluções Francesas (1789, 1830 e 1848).

    Princesa Isabel, a Redentora, regente do Brasil, já havia encarnado a liberdade. Glorificada alegoricamente por uma figurava repleta de medalhas pelo movimento abolicionista, carregava em suas mãos os grilhões do decreto da abolição.

    No século XIX, ainda reservada ao mundo da vida privada, não havia membros femininos nos partidos políticos. O Exército tinha a principal função ocupando cargos da Administração – a Liberdade mulher asseguraria os valores morais, a disciplina e a ordem positivista.

    Somente no século XX, em 1928, abre-se a participação feminina na política institucional, no Rio Grande do Norte, com a eleição de Alzira Soriano como prefeita. Ela foi a primeira mulher a ocupar cargo no Executivo na América Latina. (SCHWARTZ, 2017a)

    O direito ao voto feminino no Brasil foi promulgado em fevereiro de 1932, e documentos/registros salvaguardados em arquivos de Câmaras Municipais apresentam algumas candidaturas de mulheres à Constituinte de 1934, como Berta Lutz, líder da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e Leolinda de Figueiredo Daltro. Carlota Pereira de Queirós, em seu discurso na assembleia em 13 de março de 1934, enfatizava a necessidade de aumentar a participação da mulher na política do país junto com Berta Lutz. (SCHWARTZ, 2017a)

    Esse quadro reduzido de mulheres só começou a sofrer efetiva transformação a partir das ações afirmativas que englobavam as "cotas para mulheres na participação político-partidária. Tema introduzido em 1982, após discussões realizadas no Encontro Nacional do Partido Democrático Trabalhista - PDT, que defendia que 30% das vagas das direções dos partidos fossem destinadas às mulheres. As ações afirmativas foram inseridas no programa para a igualdade de oportunidades, no qual foi estruturado o conceito de ação positiva" como instrumento operacional em favor dos direitos iguais entre homens e mulheres.

    Após a efetivação de uma ampla aliança entre mulheres de diversos partidos políticos, a medida foi finalmente aprovada. Posteriormente, também foi aplicada ao Parlamento, quando Marta Suplicy (Deputada pelo PT-SP na época) apresentou um projeto propondo a adoção de uma cota mínima de 30% de mulheres (Projeto nº. 783/95). A lei só foi aprovada dois anos depois. Após a aprovação da proposta, emergiram debates sobre a participação política da mulher no legislativo brasileiro, nas universidades e na mídia. Entre as questões, como realizar campanhas eleitorais e trabalhar a imagem da mulher em uma sociedade patriarcal e machista?

    Nas eleições de 1986 foram eleitas apenas 26 deputadas federais para a Câmara. Somente nos anos 1990 as mulheres conquistaram espaço no Senado Federal, e em 1994 elegeram a primeira governadora do país.

    O espaço da militância político partidário é masculino, onde, devido à educação de gênero, as mulheres se sentem deslocadas. Há primeiro, as questões objetivas da militância: a dupla jornada impossibilita muitas vezes o exercício desta tripla jornada (exercer cargos de poder, cuidar da casa e família e da militância). Os cuidados com os filhos, as tarefas domésticas, o próprio horário das reuniões, que normalmente são efetuadas a noite, até altas horas, inibem as mulheres. Tudo isso dificulta a militância das mulheres, que não raro para continuar tem que abrir mão da vida afetivo-familiar. (SOUZA, 2000, p. 70)

    As recomendações da Inter-Parliamentary Union apontaram que se fazia urgente a promoção de ações afirmativas que impulsionassem a participação das mulheres em eleições e a consciência da divisão da responsabilidade política. Entretanto, somente alguns países adotaram em estatuto esse sistema de cotas por sexo na composição de suas instâncias de direção partidária. O Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, por sua vez, indicou a importância de os partidos políticos e as organizações não governamentais - ONGs promoverem campanhas sobre a participação política da mulher como condição fundamental para o aperfeiçoamento democrático. Já os partidos adotaram, após aprovação na Câmara dos Deputados, um dispositivo que garantia que 20% do tempo da propaganda partidária gratuita veiculada no rádio e na televisão fossem destinados à promoção e difusão da participação política das mulheres.

    Sobre a propaganda política, o Projeto de Lei de autoria da Deputada Luiza Erundina (PL 6.216/02) previa que no mínimo 30% do tempo de mídia e 30% do fundo partidário fossem reservados para a abordagem e difusão da importância da participação política das mulheres. A referida Deputada era a única mulher titular na Comissão Especial de Reforma Política, e a sua atuação configurava-se como fundamental para a sensibilização de seus pares quanto à necessidade de incorporação das ações afirmativas.

    Recomendava-se também que parte do fundo partidário (atualmente 20%) servisse de apoio financeiro às fundações e aos institutos dedicados ao estímulo e crescimento da participação política feminina.

    O maior número de candidatas 39,32% eram solteiras, divorciadas ou viúvas. Estavam sem parceiros, no momento em que se candidataram, em comparação com os homens, onde somente 24,32% eram divorciados, solteiros ou viúvos e 74,61% casados. Entre os eleitos a situação se repete. (SOUZA, 2000, p. 73)

    Os Comitês Multipartidários de Mulheres, criados em vários estados, desenvolveram a campanha O olhar feminino sobre a Reforma Política, cujo slogan era Lugar de mulher é na política. (ARAÚJO, 1999, p. 1) A partir de 1996, a aprovação das cotas representou um aumento de cerca de 65% no número de mulheres candidatas e eleitas em todas as Câmaras Municipais do país. Assim, assistiu-se à ampliação da quantidade de vereadoras eleitas, que de 3.952 em 1992 passou para 6.536 em 1996. (IBAM, s/d)

    A vivência feminina na política desvelou também questões sobre a base afetiva/ emocional individual e coletiva de cada uma das lideranças no exercício do poder político-partidário. Particularidades descortinaram intersubjetividades, mediadas por significados construídos pela relação gênero/poder. A emoção constitui uma categoria analítica para a compreensão da ação política, já que indica as transformações dos signos em sentidos pessoais e a forma como o sujeito histórico é afetado nas intersubjetividades.

    As emoções são fenômenos históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição. Cada momento histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégia de controle social. [...] é no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade de eu [...] é o indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas socialmente. (SAWAIA,1999, p. 76)

    Nesse sentido, pode-se considerar que a teoria de que a emoção atrapalha a razão é reducionista e precisa ser reconsiderada para que seja possível pensar esse sentimento como elemento que estabelece relações que fazem o sujeito organizar sua consciência. Tanto a emoção como o sentimento são signos enraizados na vida cotidiana que afetam o indivíduo pela mediação das intersubjetividades.

    [...] as emoções humanas entram em conexão com as normas gerais e relativas tanto à autoconsciência da personalidade quanto à consciência da realidade. Meu desprezo por outra pessoa entra em conexão com a valoração dessa pessoa, com a compreensão dela. E é nessa complicada síntese que transcorre nossa vida. (VIGOTSKI, 1998, p. 127)

    Existem conexões entre a afetividade e a valoração social relevantes para as análises dos baixos resultados das mulheres nas eleições parlamentares, apesar das suas ações nos movimentos sociais e na política partidária. As ações afirmativas podem representar a possibilidade da construção de uma nova valoração, permitindo um maior acesso de mulheres de variados setores da sociedade e, principalmente, das populares aos partidos políticos, às candidaturas para as eleições e à mídia, valorizando e visibilizando os sentidos e significados das ações cotidianas das mais variadas lideranças.

    As avaliações sobre a cota tiveram temporalidades diferentes nas posições de luta para a sua implementação. Os trabalhos sobre a questão foram, em sua maioria, escritos por mulheres e trouxeram um perfil das cotas na legislação brasileira, além de conceitos sobre as ações afirmativas. Contudo, não se debruçaram sobre as subjetividades criadas coletivamente nas ações das mulheres dos movimentos sociais que conquistaram espaços de liderança muito antes das cotas, nas atuações femininas dos partidos políticos e nas manifestações de luta por melhoria dos bairros, clubes de mães, movimento feminista, saúde, entre outros. Também não abordaram a inter-relação e o compartilhamento das conquistas entre as mulheres do movimento e as militantes dos partidos políticos, com suas diferentes vozes unidas em um mesmo propósito, o de desconstruir saberes e poderes instituídos.

    As cotas nos partidos políticos apareciam como possibilidade para o aumento da participação feminina na política partidária, no parlamento e nas instâncias de poder de decisão. Contudo, nos primeiros anos os debates e reflexões sobre as questões de gênero estavam reduzidos a grupos pertencentes às secretarias específicas ou a ações pontuais. Não se ampliavam em decorrência da configuração masculina do partido, já que eram os homens que ocupavam a maioria dos cargos de poder, preocupando-se com outras questões consideradas por eles mais relevantes. Além disso, as mulheres que compunham esses setores construíram suas trajetórias na militância dos movimentos feministas, estudantis ou de professores, sendo que poucas pertenciam aos movimentos populares.

    Entretanto, as discussões a respeito das cotas propiciaram um processo de abertura de espaço para as mulheres de modo geral e também para as das camadas populares. Essa abertura se deu nas direções e nas pautas do partido, nas quais as questões de gênero começaram a ser incluídas. Passava-se a defender, então, que na composição das direções municipais, estaduais e nacionais dos partidos fosse garantida uma presença mínima de 30% de mulheres, como um passo necessário à construção da democracia de gênero.

    Em suas atuações partidárias, as mulheres se defrontaram diariamente com a ausência de políticas que garantissem condições para a sua participação e se contrapuseram aos mecanismos sociais de diferenciação de gênero. No cotidiano dos partidos, homens e mulheres, convivendo juntos, reelaboravam suas identidades e descortinavam novas relações e reflexões. Esse processo transformou as intersubjetividades.

    As cotas significaram o destravamento do quadro de mulheres na política partidária, a possibilidade de ocupação de posições de poder, uma compensação mediante o reconhecimento das lutas realizadas pelas mulheres e uma desconstrução das diferenças biológicas ligadas ao sexo, ou seja, das teorias do século XIX que afirmavam a superioridade dos homens frente às mulheres.

    Na política partidária elas introduziram as preocupações com a família, a vigilância da economia, o controle de qualidade das mercadorias, a construção de creches, escolas, abrigos e albergues para vítimas de violência sexual e discussões sobre o aborto e a participação equitativa nos cargos de decisão e representação, entre outras, conforme evidenciaram suas propostas de emenda e programas de governo. O sentido estava ligado às lutas cotidianas no caminho de desconstruir preconceitos de gênero dentro e fora dos partidos.

    Para as mulheres dos movimentos sociais que assumiram cargos na administração pública ou em gabinetes de parlamentares – mulheres essas que, no início de suas trajetórias de luta, estiveram atreladas a grupos de base ligados à Igreja Católica ou à Pastoral da Moradia, a qual considerava suas reivindicações relevantes, mas subordinadas às questões da luta de classes e à implantação do socialismo –, as cotas representavam uma compensação.  Já para as mulheres cuja militância se iniciou em partidos de esquerda e que se engajaram nas discussões das feministas no interior dos partidos, as cotas significavam um destravamento.

    Para as mulheres identificadas com uma visão de partido e com atuação parlamentar, a cota foi uma das vitórias dos movimentos femininos organizados no conjunto da sociedade, representando um reconhecimento pelas pressões para o avanço feminino nos espaços de poder de decisão. Em contrapartida, para as mulheres ligadas aos movimentos de massa, as cotas significaram somente mais uma medida significativa, entre outras, para diminuir as diferenças entre homens e mulheres.

    Portanto, a cota foi vista como uma tática momentânea que possibilitaria às mulheres o desenvolvimento de suas aptidões na direção política do partido, uma vez que, se houvesse igualdade de oportunidades, ela não precisaria existir. Com a implementação da cota, embora esta fosse vista quantitativamente e definida numericamente, gerações de mulheres tiveram a oportunidade de ingressar nas instâncias superiores dos partidos e de poder.

    Contudo, desde a sua proposição e aprovação, o sistema de cotas vem provocando discussões que revelam as discriminações existentes dentro dos partidos políticos e o caracterizam como fenômeno de dupla face, já que, por um lado, representa um avanço e, por outro, encoberta a essência das diferenças de gênero nos cargos de direção e decisão.

    O sistema de cotas permitiu ainda que grupos utilizassem como prática corrente nos meios políticos tradicionais o uso das laranjas, isto é, de mulheres que emprestavam seu nome aos partidos, mas não participavam ativamente do seu dia a dia, para perpetuar o poder de uma tendência política ou para possibilitar composições de chapas⁹ para as eleições internas ou externas. Ademais, verificou-se que a indicação de mulheres a cargos de direção ocorreu muitas vezes somente para preencher a cota (obrigatória) necessária para viabilizar a composição dos partidos.

    Somando-se a essas questões, existiam ainda outros problemas, como a desqualificação por parte de homens das mulheres que entravam em partidos após a implantação desse sistema, insinuando que a posição executiva na chapa somente se devia ao preenchimento da cota.

    A entrada da mulher na política por meio de cargos eletivos tem sido tímida e sua invisibilidade marcante nos veículos de comunicação. O tempo de mídia é um recurso essencial para a desconstrução das assimetrias entre os homens e as mulheres, entretanto, a atenção das matérias jornalísticas está mais na vida privada, no comportamento e na autoapresentação da mulher do que nas suas ações políticas, o que Naomi Wolf chamou de domesticidade contemporânea.  

    Expressões como anti-Amélia, cinderela deslumbrada e musa do congresso eram e ainda são mencionadas em reportagens sobre as mulheres parlamentares – Rita Camata nos anos de 1980-1990, Manuela d’Avila nos anos 2000 –, ou ainda a exposição da vida afetiva, como no caso da separação de Marta Suplicy e Eduardo Suplicy e o namoro com Luis Favre, trazendo construções históricas enraizadas sobre a divisão sexual do trabalho. As observações sobre as intimidades das mulheres de maneira diferente demonstram as permanentes tradicionais funções públicas e privadas. Apresentam a manutenção do feminino atrelado à vida privada e a vida pública político-partidária como possibilidade para o fim do casamento.

    Compreensões convencionais dos femininos e dos masculinos contribuem para o reduzido número de mulheres na política. Nos meios de comunicação estudados, os estereótipos são reforçados por discursos como Os eleitores estão atrás de quem cuide das finanças municipais com a mesma dedicação de donas de casa (cf. SCHWARTZ, MORAES, SILVA, 2018).

    Como vimos, a análise das relações entre gênero, mídia e participação política pontuou um conjunto complexo de questões, que tecem desde a estrutura social e cultural permanente, as formas de reprodução das relações de gênero até a sub-representação na mídia. A pesquisa trouxe delineamentos sobre diferentes modos de subordinação e estereótipos e a necessidade de superação, para que a atuação das mulheres seja aberta no âmbito da política partidária.

    As transformações promovidas pelas mulheres nas últimas décadas não diluíram compreensões tradicionais sobre as funções de gênero. A responsabilidade feminina sobre a esfera doméstica não recuou suficientemente a ponto de ampliar a sua ação política institucional. A configuração política atual e a cobertura jornalística são confirmadoras das continuidades histórico-culturais.

    A influência dos meios de comunicação na geografia situacional da vida social foi comprovada pelas matérias analisadas, e a complexidade dos efeitos da mídia se tornou evidente. 

    Referências

    AZEREDO, Jose Carlos de (Org.). Letras e Comunicação: uma parceria no ensino de língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001.

    BARRETO, Roberto Mena. Criatividade em Propaganda. 3ª ed. São Paulo: Summus, 1982.

    CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

    ECO, Umberto. As formas do Conteúdo. São Paulo: Perspectiva, 1974.

    GHILARD, Maria Inês Lucena. Representações do Feminino. Campinas: Átomo, 2003.

    GONZALES, Lucilene. Linguagem Publicitária: análise e produção. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.

    HOLANDA, Aurélio B. de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 9ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

    JOLY, Martine. Introdução à análise da Imagem. Campinas: Papirus, 1994.

    MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. Vol. 1- Neurose. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

    PINHO, J. B. O Poder das Marcas. São Paulo: Summus, 1996.

    SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para construir marcas e empresas de sucesso. Rio de Janeiro: Campus, ABP, 1995.

    SANT’ANNA, Armando. Propaganda: técnica, teoria e prática. 7ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

    SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1984.

    SAWAIA, B. (Org.). As artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 1999.

    SCHWARTZ, R. M. P. B.; MORAES, M. (Orgs.). Experiências femininas contemporâneas: visão das mulheres no mundo e na mídia. São Paulo: Corpo Texto, 2016.

    ______. Beijing, muito mais que palavras: a IV Conferência sobre a Mulher da Organização das Nações Unidas - ONU. São Paulo: Appris, 2017a.

    ______ (Org.). Segunda Legislatura (1952-1955): o IV Centenário. São Paulo: Câmara Municipal de São Paulo/ Escola do Parlamento, 2017b.

    ______; MORAES, M.; SILVA, M. J. Empoderadas, sempre. Lisboa: Chiado, 2018.

    ______. Mulheres em Movimento, Movimento de Mulheres: a participação feminina na luta por moradia na cidade de São Paulo. São Paulo: e-Manuscrito, 2019a.

    ______; PAIERO, D. Atos que viraram fatos: olhar do jornalismo e da história sobre os protestos de 2013 a 2016. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2019.

    SOUZA, Terezinha Martins. Agora eu sou uma estrela: uma análise da cota de 30% de mulheres em cargos de direção no Partido dos Trabalhadores. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social), São Paulo, PUC-SP, 2000.

    Elza, a diva: uma vida de cultura e resistência através de suas músicas

    Dângela Abiorama¹⁰

    Jonas Nogueira Junior¹¹

    Sheila Cristina Silva Aragão Caetano¹²

    Elza Soares é vista e considerada como uma diva, uma divindade feminina, no sentido mais eufórico da expressão. No entanto, o que a torna uma diva é sua humanidade e seu ser mulher em toda a plenitude, uma vez que o ser humano é uma obra que traz várias características implícitas nessa prática de existir. Junto a isso, ela passa mensagens de resistência, seja por meio de seus scats no início da carreira ou por meio de suas letras que se debruçam sobre questões que precisam ser discutidas e ensinadas na sociedade brasileira.

    O pensador e educador Paulo Freire (2018) lança o seu olhar observador sobre a experiência humana de mudar-se, de transformar-se em qualquer idade, em todo e qualquer momento de vida. Faz uma reflexão sobre o processo de existir, sobre o inacabamento do ser humano como base para o ato de educar, ou melhor, educar-se. Esse aspecto da nossa humanidade evoca o sentido da ressignificação da experiência vivida e da própria vida.

    Qual seria este núcleo captável a partir de nossa experiência existencial? Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem. O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado, e por isso se educa. (FREIRE, 2018, p. 33-34)

    O vivido é a motivação, a força motriz, o ponto de partida para novas experiências. Com isso, esse ciclo educativo é realizado a partir da mudança, da transformação que começa em cada ser. Segundo Freire (2018), o homem é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer essa autorreflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado.

    As pessoas podem transformar o mundo porque podem se transformar. Aprendendo com o vivido, as pessoas incorporam o aprendido e o utilizam em suas experiências, ressignificando-as e também reverberando de diferentes maneiras, em suas próprias vidas, na vida de outras e no coletivo.

    Partindo da percepção de Elza Soares, pode-se fazer uma breve leitura poética, uma singela viagem poética e reflexiva. As palavras dela soaram em seus últimos espetáculos, desde sua fala no palco, como nos poemas escolhidos para o repertório, ou ainda nas rápidas conversas após os espetáculos, quando ela generosamente recebia seu público cativo. Sendo que estamos falando de uma mulher idosa, vivida, com experiências marcantes divulgadas em biografias autorizadas.

    Elza Soares é um exemplo de ser mulher, latino-americana, negra, com maturidade tanto pela quantidade de anos de vida como pela quantidade de aprendizagens ao longo de sua trajetória. É uma mulher-deus, que pode dizer com propriedade que Deus é Mulher, e deve ser mesmo. Essa humanidade latente, pulsante de Elza a torna diva. É impressionante observar como no ato de apreciação, bem como no ato de pesquisa, o quanto essa Mulher muda, se transforma e transforma quem está ao seu redor.

    Uma geração de jovens brasileiros e brasileiras está escutando, e não apenas ouvindo, Elza Soares. E os mais vividos que a observam há anos podem aprender como se faz necessário o aprender, o educar-se ao longo da vida, tornando a existência possível, viável e mais significante. A idade avançada de Elza não é um impeditivo para seu desenvolvimento, mas sim um aditivo na qualidade de sua performatividade artística e na sua inspiração humana.

    Quando se pensa no negro no Brasil, logo fica à vista o lastro de mais de 300 anos de uma sociedade escravocrata, junto com as reverberações e permanências desse fato. Elza Soares é uma mulher negra e cantora que, ao longo dos anos, foi construindo prestígio artístico, até o presente momento, em que vivencia seu auge na carreira. Quando aqui se diz auge é porque nos últimos anos a cantora realmente pôde dar vazão ao que pensa musicalmente através de suas letras. E, com as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade brasileira, em função de vários fatores, entre eles as redes sociais, suas músicas têm tido sonoridade e têm representado resistência, em especial para mulheres e negros.

    Com relação à cultura, existem diferentes perspectivas para defini-la, e neste artigo será utilizada uma definição de Stuart Hall:

    Cultura é definida como um processo original e igualmente constitutivo, tão fundamental quanto a base econômica ou material para a configuração de sujeitos sociais e acontecimentos históricos - e não uma mera reflexão sobre a realidade depois do acontecimento. (HALL, 2016, p. 25-26)

    Por isso, consideramos o repertório musical de Elza um elemento da cultura que tem ajudado na construção do negro como sujeito no Brasil nos últimos anos, além, é claro, da própria cantora. Este artigo visa discorrer sobre a forma como a cantora escolhe seu repertório musical/curadoria e demonstra a importância de suas músicas e sua presença na sociedade. Fato que se dá através de seus scats e por meio das letras com elementos que podem ressignificar o negro e a mulher no Brasil, trazendo também um diálogo sobre o lugar de fala.

    Aqui não será analisado todo o repertório musical da cantora, mas de forma geral Elza cantou músicas que representavam pensamentos da época em que os álbuns foram lançados. Contudo, sempre havia algumas músicas que imprimiam mais sutilmente percepções da cantora divergentes desses pensamentos.

    Os motivos para que esses pensamentos não estivessem presentes por todo o álbum, ou mesmo de forma mais incisiva, podem ser muitos, inclusive o fato de o álbum ser do início da carreira da cantora. Entretanto, será analisada a perspectiva do racismo por meio da representação do negro na sociedade brasileira, seguida do estudo das músicas Se acaso você chegasse, Casamento, A carne, Exu nas escolas e Não tá mais de graça.

    Partimos da premissa de que vivemos em uma sociedade estruturalmente racista (ALMEIDA, 2018) e, assim, o racismo não é só de uma pessoa para outra pessoa, mas também está presente nas instituições privadas e públicas, fazendo com que favoreçam seus pares que estão no poder e, com isso, perpetuem esse poder. E quem está presente nessas instituições, de maneira geral, são majoritariamente homens brancos (ALMEIDA, 2018).

    Dessa forma, o racismo está institucionalizado, e exclui a população afrodescendente. Como as instituições são um reflexo da sociedade, isso implica dizer que o racismo é alicerce dessa sociedade, assim, o racismo é estrutural. (ALMEIDA, 2018) Por isso, afeta diariamente as negras e os negros na sociedade, influenciando inclusive sua autoestima. E para a mulher negra ainda existe um agravante: o patriarcado. Em vista disso, ela sofre ainda mais as consequências do racismo estrutural.

    Elza Soares começa sua carreira como cantora em meados dos anos 1950, época em que o racismo ainda era velado e o negro, apesar do preconceito, tinha espaço no futebol. O fato de ela ser mulher e negra e ter ímpeto de seguir e lutar pelo seu sonho

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1