Manipulações Midiáticas em Perspectiva Histórica: Historiografia da Mídia
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Manipulações Midiáticas em Perspectiva Histórica - Marcio José Silva
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Aos estudantes de pós-graduação e graduação que submeteram artigos, sozinhos ou em parceria com seus orientadores.
Aos profissionais ou empresários que atuaram como testemunhas oculares da história da mídia e participaram como convidados do GT Historiografia da mídia, no XI Encontro Nacional de História da Mídia, na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A todos os estudiosos da historiografia da mídia e dos diversos modos como as culturas das sociedades e grupos sociais se territorializaram, em diversos momentoshistóricos.
AGRADECIMENTOS
O talento do pesquisador é fazer do espaço em branco, do vazio ou do nada, uma narrativa, um mundo, uma vida. Angela Schaun, Maria Aparecida Pascal e Alexandre Huady, compromissados com o conhecimento e com as interrogações que fazemos cotidianamente frente ao mundo em que vivemos, inspiraram, com seus talentos de pesquisadores, a aventura do contar as histórias que este livro apresenta.
O incentivo permanecerá eternamente em nossas memórias.
APRESENTAÇÃO
Novos olhares sobre a história
Adolpho Queiroz¹
A realização do XI Congresso Nacional da História da Mídia, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores da História da Mídia sobre o tema, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no mês de junho de 2017, ensejou a presença de centenas de pesquisadores brasileiros, reunidos em Grupos de Trabalhos como o da Historiografia da Mídia
, sob a liderança da Prof.ª Dr.ª Rosana Schwartz.
Além de grande incentivadora do evento, coordenou esse grupo de pesquisadores com carinho e competência, recebendo vários trabalhos, dos quais 23 são apresentados nesta coletânea, denominada Manipulações midiáticas em perspectiva histórica: historiografia da mídia.
Como universidades participantes, tivemos Mackenzie e Unesp, de São Paulo; UFPR, do Paraná; Ufsc, de Santa Catarina; Unir, de Rondônia; UFRN, do Rio Grande do Norte; UFJF, de Minas Gerais; e três cariocas, UFRJ, Universo (Salgado Oliveira) e UFF. Foram 37 autores que contribuíram para a edição deste livro/e-book.
O artigo que abre a coletânea, escrito pelos professores Rosana Schwartz e Marcel Mendes, intitulado "Historiografia da mídia e da e/imigração: trajetórias teóricas e metodológicas para análises de narrativas em jornais protestantes", problematiza, sob o olhar interdisciplinar e sob as perspectivas historiográficas da mídia e da e/imigração, procedimentos teórico-metodológicos para o estudo de narrativas verbais e não verbais em jornais.
Priorizou-se, após seleto levantamento historiográfico e corpo de fontes diversificado, focar nas narrativas presentes em jornais protestantes, que versavam sobre o tema-eixo: deslocamento e fixação de norte-americanos em São Paulo (1870-1930) e a interferência das mulheres protestantes na educação da cidade.
Para nutrir as análises, foram entrecruzadas: atas de reuniões das Igrejas Protestantes Presbiteriana, Metodista e Batista e diários pessoais, pertencentes aos acervos: do Centro de Documentação e História Themudo Lessa – primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo – e arquivos municipais das cidades de Santa Barbara do Oeste e Americana.
Sob o prisma da história da cultura, os registros/documentos foram problematizados, com o objetivo de desvelar processos de produções simbólicas, representações e imaginários sociais criados e recriados pelo veículo de comunicação.
Depois dele, está o interessante artigo "Representações da Enfermeira nas Capas da Revista da Cruz Vermelha no Período da Primeira Guerra", de Guaracy Carlos da Silveira, Maria Carla Vieira Pinho e Egídio Shizuo Toda.
Norteado pela proposta interdisciplinar da Educação, Arte e História da Cultura, analisa-se a construção imagética e conceitual da enfermeira na sociedade, considerando que esta contribui para referencial, expectativas e conceitos acerca da prática profissional do enfermeiro. No presente estudo, interpretam-se as capas da Revista da Cruz Vermelha no período da Primeira Guerra Mundial.
Como metodologia de análise, empregou-se a interpretação da construção estratégica de persuasão publicitária. Verificou-se que a revista contribuiu para a construção do conceito e da imagem da enfermeira e de sua atividade, apresentando a enfermeira como um ser divino, que conforta e que cuida, conduzindo a uma imagem de doação e sacerdócio, geralmente associados à profissão.
Em seguida, apresentamos o artigo "Retorno ao Sagrado Feminino – Uma proposta de pensar os sujeitos do feminino por meio da Dança Circular Sagrada", de autoria de Dângela Abiorana e Jane Botelho, que busca estabelecer uma trama de pensamentos, envolvendo os sujeitos femininos contemporâneos numa reflexão da condição existencial de ser, em construções que vão além das camadas acadêmicas, mas pensar esse feminino pelo viés do sensível, e convidá-lo a se encontrar e descobrir possibilidades de ser além das condicionantes categóricas já estabelecidas e reproduzidas midiaticamente.
Para isso, oferta-se a experiência de vivenciar por meio da Dança Circular Sagrada esse pensar em movimento coletivo como atitude de reflexão/ação, não apenas de autoconhecimento ou conhecimento da problemática de gênero na contemporaneidade, tema tão em voga nas mídias atuais, mas de reconhecimento de si como sujeito protagonista de sua existência, e a partir daí poder agir frente as questões contemporâneas de modo transformador, impactando de vários modos diretamente na construção de uma nova historiografia.
"As mídias e a modernidade no início do século XX amazônico", de Luís Munaro, mostra como as tecnologias de mídia atuaram em consonância e mesmo se tornaram potencializadoras da dispersão de hábitos modernos nas cidades amazônicas.
Os jornais textualizaram a modernidade a partir de características muito particulares às nascentes cidades gomíferas. A eles se somariam, mais tarde, outras tecnologias, como o cinema e o rádio, também esses recursos midiáticos que permitiram a construção de um discurso da, e sobre, a Amazônia.
Nesse breve texto, as mídias e seu ingresso na Amazônia serão explorados em dois momentos: num primeiro, uma interpretação da consolidação da palavra impressa por meio dos jornais na Amazônia brasileira como um todo; num segundo, uma indagação sobre a importância do cinema e do rádio no quadro de expansão das sociabilidades e modernização das principais cidades amazônicas.
De Ilana Bessler, veio o artigo "Habitado: Um relato autoral sobre um projeto de arte intermidiático", um projeto de fotografia intermidiático. Parte da criação de imagens do interior de casas, bem como ações cotidianas de seus moradores, em que da busca pelos acontecimentos mínimos se traduzem imagens banais.
O projeto é um mapeamento visual de formas de experimentar o espaço doméstico e a ressignificação dessas imagens em relação ao receptor e ao espaço urbano. As ações do projeto foram até o momento: exposição, vídeo, performance, projeção, intervenção colaborativa, Instagram, lambe-lambes e publicação em revista. Habitado propõe-se a discutir os conceitos de rede colaborativa; autoria; apropriação de imagem; hibridismo e contaminação, e arte como projeto, como diretrizes de criação e produção no campo da fotografia contemporânea.
O artigo seguinte, intitulado "Guerras de memórias e midiatização: a constituição da história a partir dos confrontos na mídia", de Allysson Martins, trata da narrativa histórica oficial, que nem sempre coincide com as lembranças de grupos e indivíduos de um período, e é nesse processo que surgem as guerras de memórias, isto é, os conflitos presentes sobre um passado a fim de uma constituição e uma conformação em torno da história oficial.
A interface entre memória-mídia-história não poderia parecer mais pertinente e necessária, uma vez que os meios de comunicação nunca tenham estado em posições tão proeminentes, em consonância com as noções de sociedade midiatizada e de guerras de memórias.
Dessa forma, o objetivo desse texto é discutir essa relação a partir de uma perspectiva contemporânea dessas três vertentes, uma vez que, para a constituição e conformação de uma narrativa histórica oficial, grupos e indivíduos implicam a mídia por meio das guerras de memórias.
Em "Vozes da Rádio Rural de Natal: os voluntários – das escolas radiofônicas à web (1958-2018)", Alexandre Ferreira Mulatinho trabalha com o enfoque voltado para a Emissora de Educação Rural de Natal, com foco na história oral dos voluntários que conduziram a rádio entre 1958 e 2018.
O legado histórico tem lastro nos autores Fávero (2009), Medeiros (2013), Ferrari (1968), Pretto e Tosta (2010), Carvalho (2009), Ferraretto (2001) e Lima (1984). A respeito das transformações da rádio, das lógicas e operações midiáticas, elas estão fundamentadas nos conceitos de Sodré (2003), Martin-Barbero (2003), Canclini (2013) e Castells (2005).
O caminho percorrido nessa pesquisa-artigo, tendo como premissa a teoria e a metodologia da história oral, ancora-se nos trabalhos de Calabre (2016), Mauad (2016), Barbosa (2016), Meihy (2002) e Martino (2008), norteando o texto na instituição de difusão e seus personagens, resgatando uma parcela significativa dos acontecimentos comunicacionais e trazendo à luz personagens que muito fizeram pelo rádio potiguar.
Em seguida, as autoras Aurelice Vaconcelos e Dângela Abiorana apresentam o artigo "O modo de vida de Mulheres Extrativistas: Reflexões sobre historiografia e fotografia". O estudo foi construído a partir das ideias do feminino de mulheres extrativistas que moram em reservas extrativistas no Acre. Como aporte teórico, buscou-se a interdisciplinaridade apontada como uma das grandes características da produção historiográfica de Peter Burke.
O foco principal é abordar o modo de vida atual dessas mulheres, as quais desenvolvem uma diversidade de atividades extrativistas; algumas delas podem lhe conferir renda, tais como a coleta e quebra de castanhas do Brasil, produção de farinha de mandioca, produção de artesanatos de látex, extração do óleo da copaíba, produção de polpa do açaí-solitário; outras atividades são de finalidade comunitária, como a pesca artesanal, roçados (agricultura de subsistência), futebol feminino e misto (diário ou campeonatos com outras comunidades, inclusive indígenas).
Participam também de reuniões da Associação da Comunidade, festas e eventos culturais. A metodologia utilizada foram fotografias e narrativas das imagens, nas quais se buscou resgatar as memórias e os fatos antigos. Realizar esse diálogo interdisciplinar, envolvendo a história em uma rica interação com diversas modalidades de conhecimento, é o que permite a renovação da historiografia.
O próximo artigo foi assinado pelo Prof. Dr. Patricio Dugnani, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que tratou do tema "Barroco e comunicação: Tratados Alquímicos e a Influência na Azulejaria Barroca". Nele, o autor mostra que no período Barroco a arte, principalmente a sacra, não era utilizada apenas como objeto decorativo, mas tinha uma função importante na difusão dos preceitos, dogmas e das ideias religiosas, sendo assim, uma espécie de mídia.
Por isso, nessa análise, pretende-se apresentar o uso da arte do Barroco, especificamente os painéis de azulejaria do claustro da Igreja de São Francisco em Salvador, como meio de comunicação visual. Além disso, analisar a influência das gravuras impressas dos tratados alquímicos na formação dos painéis de azulejos, demonstrando como a revolução dos meios impressos influenciou a arte e as representações da Idade Moderna.
Trata-se de uma pesquisa teórica, e exploratória, com levantamento de dados secundários, que se justifica por resgatar a história dos painéis de azulejaria barroca, bem como toda arte barroca, demonstrando a sua dupla função: estética e de comunicação.
"Os anos de chumbo que se tornaram anos dourados", de Marcio José Silva, é o artigo que apresentamos a seguir e mostra como o Brasil é marcado por instabilidades políticas infindáveis. O único momento de relativa estabilidade vivido pelo País foi o reinado de D. Pedro II, entre 1840-1889.
A República brasileira foi construída à base do chicote e da opressão. Nesse contexto, as mídias e os profissionais da mídia sempre foram alvos das políticas de Estado, ora perseguindo, ora reprimindo, e seu auge mais horrendo, matando, como aconteceu durante a ditadura civil-militar brasileira, iniciada em 1964. Mas a inventividade dos grandes canais de comunicação, especialmente a TV aberta, garantiu um paradoxo muito próprio: todos censurados, poucos perseguidos.
Assim, chegamos ao século XXI com muitas desconfianças e poucas certezas quanto ao que se tem feito pelo bem do povo brasileiro. A mesma temática o autor desenvolve em outro capítulo, "Os esquecidos filhos de Hansen", no qual abordará os inúmeros abusos praticados ao longo da História contra os acometidos de hanseníase.
O autor ainda aproveita os 100 anos da Revolução Bolchevique de 1917 para fazer uma releitura dos eventos daquele ano, amarrando com os acontecimentos da Revolução Francesa de 1789. Qual a constatação: as revoluções, independentemente dos seus avanços, importam no derramamento de sangue e, por isso, "Os direitos que se escrevem a sangue: uma comparação entre 1789 e 1917".
"O Rio de Janeiro e a Bossa Nova: um passeio pela cidade carioca por meio das páginas de ‘Chega de Saudade’ de Ruy Castro" é o artigo que se segue, de autoria de Talita Souza Magnolo e Christina Ferraz Musse, e mostra que além de terem grande poder de representação poética que foge ao factual das notícias e grandes reportagens, as canções têm capacidade de revelar comportamentos, olhares e formas de pensar.
Esse artigo propõe uma análise das construções narrativas sobre o Rio de Janeiro do final da década de 1950 e início de 1960 – período marcado pelo surgimento e disseminação da Bossa Nova –, a partir das músicas pertencentes ao movimento e também pelo olhar do jornalista Ruy Castro em seu livro Chega de Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. A pesquisa tem como objetivo compreender como foi feita a construção e representação da cidade carioca pelos músicos naquele momento de efervescência social, musical e cultural, mas também como esse acontecimento histórico foi contado pelo jornalista.
"Uma análise dos sujeitos excluídos, usuários de cocaína, nos discursos da Folha de S. Paulo (1933 a 2013)", de Luana Luciana Ribeiro de Alencar e Antonione Alves Grassano, destaca que esse artigo é parte de um estudo maior acerca das drogas ilícitas na mídia e traz resultados inéditos de pesquisa.
O objetivo principal é entender como o processo histórico-discursivo, tanto da mídia como da política às drogas, é capaz de moldar nosso olhar para a forma como concebemos e tratamos o sujeito usuário de cocaína. Discute-se sobre como o processo de produção simbólica e histórica permite a adesão a certos discursos que funcionam como verdade em determinada época.
Para isso, usamos como metodologia a Análise de Discurso franco-brasileira, com aporte da lexicologia, para fazermos a análise de contextos entre o ano de 1933 a 2013. Fazemos um breve histórico sobre o jornal de análise, Folha de S. Paulo, e sobre a política de drogas no Brasil, para entender como seus discursos refletem-se na mídia. Ademais, abordamos a importância do histórico para a Análise do Discurso.
De um grupo de professores do Mackenzie veio a interessante análise sobre "O primeiro anúncio imobiliário no Brasil: Traduções midiáticas a partir da carta de Pero Vaz de Caminha", de autoria de Keller Regina Viotto Duarte, Glaucia Davino, Odenir A. Trevisani e Rosana Schwartz, que trata o referido documento de forma muito particular aos olhos dos estudiosos da publicidade.
Considerando as afirmações de Marshall Mcluhan, o meio é a mensagem
, assim como o conteúdo de qualquer meio ou veículo é sempre outro meio
, propõe-se nesse artigo rever a carta de Pero Vaz de Caminha endereçada a El Rei D. Manuel. Identificá-la como meio de comunicação, assim como sua influência na pintura A primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles (1860), considerando aqui seu contexto de época e as atuais considerações sobre a obra, destacando seu caráter artístico e como documento histórico. Mais uma tradução midiática ocorre no filme O Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro (1937), também inserida no contexto de época. Propõe-se atualizar suas interpretações como documento/monumento e documento mídia/filme e, ainda, uma leitura da carta identificando-a como o primeiro anúncio imobiliário no Brasil.
Desse modo, a mensagem escrita na carta de Pero Vaz de Caminha tem sido traduzida para novos meios/mídias há mais de 500 anos.
"Jongo e territórios narrativos: historicidades contemporâneas ou permanências de um passado imemorial?", de Maria Lívia de Sá Roriz Aguiar, é o artigo que se segue e tem como objetivo discutir algumas questões relativas ao cotidiano do jongo no Rio de Janeiro.
Percebido como um território narrativo da contemporaneidade, reflete e realiza práticas da época da escravidão, inserindo na discussão as permanências de um passado imemorial. As historicidades contemporâneas aparecem no texto como restos das discussões sobre as práticas jongueiras e nas falas dos integrantes do grupo por meio de uma memória revelada sobre esse território narrativo.
Em "Sim, a mulher pode! A presença das mulheres nos espaços de representação política, de Mirtes de Moraestomou, emprestando a frase que intitula este trabalho, do primeiro pronunciamento da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, proferido em janeiro de 2011:
A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia".
Gostaria muito que os pais e as mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: sim, a mulher pode!
O apontado fragmento do discurso de Dilma Rousseff mostra a necessidade de se pensar a lacuna estabelecida entre mulher e política.
E é esse caminho um tanto quanto tortuoso que esse artigo pretende trilhar. Para seguir com tal trajetória, esse estudo busca acompanhar dois movimentos concomitantes; ao mesmo tempo em que são tecidas relações apontando a construção do feminino ao espaço doméstico, pretende também acompanhar como se deu esse processo vinculado aos meios de comunicação, para assim estabelecer relações entre a produção histórica e os papéis e funções que foram determinados ao feminino e ao masculino.
Dentro dessas esferas de construções sociais, observa-se o processo de construção de memórias. Faz parte do fazer histórico desmistificar esse processo de construções, abrindo assim novos percursos e possibilidades para a análise histórica.
No artigo seguinte, intitulado "A cultura da mídia e a Contemporaneidade", Paulo Roberto Monteiro de Araujo discute a problemática em relação ao contemporâneo como determinado por elaborações de significados ilusórios no que se refere à cultura da mídia. As consequências dessa cultura são o empobrecimento do imaginário criador das subjetividades e a limitação das expressões humanas como identidades.
Rodolfo Paulo e Paulo Fragoso discutem a seguir o tema "‘Corpos malhados, sorrisos talhados, só flerte, só affair’: comparações entre as estéticas de João do Rio e de Santos Dumont com as autoapresentações dos cariocas do século XXI". A partir dos registros históricos das vivências de João do Rio e Santos Dumont na passagem do século XIX para o século XX, será comparada a estética dândi (fotografias, vestimentas e estilo de vida, entre outras) com o imaginário popular das representações do carioca no século XXI.
Investigaremos como questões de gênero, raça, classe e sexualidade são abordadas pelas narrativas midiáticas para tentar gerenciar impressões e preservar status que sejam bem avaliados moralmente. Por fim, paralelamente, refletiremos como o imaginário sobre as autoapresentações de homens cariocas relacionam-se com essas narrativas nas interações cotidianas.
Na sequência, apresentamos o artigo "A função da mídia em tempos de ostentação e ociosidade a partir de uma ideia em Jean Baudrillard", de autoria de José Manuel de Sacadura Rocha. Trata-se de estudar a função da mídia nas sociedades contemporâneas e seu papel simbólico para a ostentação, a partir dos conceitos de valor de uso e valor de troca, tal como proposto por Jean Baudrillard na obra Para Uma Crítica da Economia Política do Signo.
Sustenta-se que Baudrillard acerta ao relacionar a distinção e a posição social de desigualdade com as sociedades mercantis na proporção direta do quantum de capital individual para consumo. Defende-se, contudo, que o autor erra ao ver em todas as sociedades a supremacia simbólica dos valores de troca, ou mercadorias, submetendo a produção de objetos, valores de uso, à necessidade primeira midiática de ostentação social.
Um interessante estudo regional, intitulado "A televisão no RN: uma trajetória pela fase analógica 110, de Valquíria Aparecida Passos Kneipp e Luciana Salviano Marques da Silva, tem como objetivo realizar um levantamento baseado na proposta de Ferreira (2002) sobre o
estado da arte ou
do conhecimento" para mapear e discutir o conhecimento existente sobre o percurso das emissoras de televisão no estado do Rio Grande do Norte.
A metodologia empregada baseou-se em pesquisa bibliográfica, documental e videográfica. A falta de uma obra com o registro e a compilação de informações relativas às emissoras de televisão no RN impulsionaram essa pesquisa, com o intuito de iniciar uma reflexão sobre essa mídia. Buscou-se responder à questão de como se deu a implantação da televisão no estado, e por que a primeira emissora com produção local só foi implantada em 1972.
Ao final, foi possível considerar que o processo de implantação da televisão no RN esteve sempre atrelado aos políticos, que por meio de barganhas conseguiram as concessões das emissoras de TV.
No artigo que vem a seguir, cujo título é "Representação Social de Poder e Rebeldia no Jornalismo Impresso no Começo do Século XX – literatura e anarquismo em perspectiva historiográfica", Manuel Márquez Viscaino Junior discute sobre como as relações entre o jornal impresso e as formas de poder ganharam significativa relevância no final do século XIX e começo do século XX, quando a expansão produtiva do capitalismo gerou os fenômenos de massa em todas as dimensões da realidade social atingindo fortemente o imaginário coletivo por meio do jornal impresso, então o principal meio de comunicação social.
A literatura ocupou um lugar central associando-se intensamente ao jornal impresso e transmitindo representações de poder e rebeldia que permitem um vínculo com manifestações políticas e ideológicas daquele momento, como o anarquismo. Ao abordarmos obras como As Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac (1843), e Recordações do Escrivão Isaias Caminha, de Lima Barreto (1909), revelamos imagens que projetam a tendência histórica da comunicação de massa à manipulação das informações.
"O Impacto da Divulgação Científica na Esfera Midiática e o Efeito-leitor", de Maria Lúcia Wochler Pelaes, pretende discutir como é articulada a linguagem e, consequentemente, desenvolvido o discurso em dois artigos da esfera midiática, os quais têm por objetivo a divulgação científica para o público em geral.
Nota-se que em cada artigo a linguagem é empregada visando a atingir um determinado público e, para tanto, emprega diferentes recursos que atraem, comunicam e viabilizam a apreensão da informação, o que comprova as diferenças presentes em discursos dessa natureza.
A metodologia empregada nessa pesquisa baseou-se num estudo analítico-comparativo entre dois artigos de divulgação científica, pertencentes a duas revistas da esfera midiática, tendo por objetivo o desenvolvimento de uma análise comparativa entre estruturas textuais e paratextuais, a qual explicita semelhanças e diferenças entre tais produções midiáticas.
Debora Inácia Ribeiro e Lívia Cretaz nos apresentam, em seguida, o artigo "Interseção entre Mídia e História: da Prensa de Gutenberg ao Jornal Local ‘O Estopim’", no qual as autoras buscam traçar um panorama a respeito dos pontos de encontro entre jornalismo e história – uma vez que o jornalismo pode ser visto como fonte para a historiografia.
Procura-se realizar uma abordagem que possa revelar, a partir da aproximação entre esses dois campos, a concepção de uma forma de conhecimento. Como objeto de estudo, serão analisadas quatro edições do jornal O Estopim, de circulação em Campos do Jordão (São Paulo), sendo que o objetivo do estudo é identificar como os internos do sanatório S-II produziram sua narrativa histórica utilizando o jornal. São tecidas reflexões que abordam a pesquisa da mídia impressa aproximando noções da História e da Mídia para apontar alguns caminhos teóricos e metodológicos.
"Ingenuidade ou manipulação: a atuação da imprensa brasileira e seu impacto na opinião pública", de Fernando Santos da Silva e Priscila Lenci Boccia, busca contribuir de forma significativa e reflexiva para os estudos da história do imediato e, principalmente, pelo posicionamento e atuação da imprensa brasileira ao longo do tempo e no transcorrer das transformações e modernizações em um período de inquietação popular. Objetivando-se analisar a mudança de foco que a imprensa faz ao pautar suas reportagens e, no direcionamento seletivo que esta faz à opinião pública ao abordar de forma ingênua ou não os principais eventos vigentes no País.
Mariana Seminati Pacheco, com maestria, exporá as tramas do regime de 1964, especialmente nos meios de comunicação. Seu artigo "Análise do discurso publicitário político na Ditadura Militar presente nas campanhas governamentais do período de 1964 até 1980" exporá as víceras do regime que produziu um ilusório discurso de patriotismo, trabalho e desenvolvimento que jamais se traduziu em realidade para o Brasil.
De fato, precisamos reconstruir uma narrativa sobre essa ferida brasileira que, embora tenha uma extensa produção, sempre vai requerer novos olhares para desvelar o que representou aquele momento obscuro da nossa História e que necessita, como uma ferida supurada, malcheirosa e doentia, ser tratada para prevenir a ocorrência dessas barbáries no futuro.
PREFÁCIO
A obra Manipulações midiáticas em perspectiva histórica: historiografia da mídia – fruto da compilação de trabalhos apresentados no XI Encontro Nacional de História da Mídia, principalmente os apresentados no grupo temático de Historiografia da Mídia – constitui-se de um conjunto heterogêneo de textos, com diversas estratégias, intensidades e abordagens sobre a questão historiográfica voltada aos meios de comunicação. Essa diversidade de tratamentos se justifica, em parte, por reunir autores que vivenciam e pesquisam realidades regionais muito distintas (como das Regiões Norte e Nordeste do Brasil) e, também, por dispor da produção de autores/pesquisadores que estão em estágios bastante diferentes de suas trajetórias acadêmicas.
Quando uma obra propõe-se a analisar e discutir, sob a mirada da historiografia, as manipulações midiáticas, é preciso retroceder um pouco e alinhavar algumas considerações. Como afirmaram vários autores, entre eles Toffler, cada momento histórico possui formas peculiares – correspondentes aos seus aspectos econômicos, sociais e políticos – de gerar e distribuir informações. Assim como o meio impresso foi, desde o primeiro momento, a forma de comunicação prontamente identificada com a sociedade que emergia da Revolução Industrial (trazendo, com 200 anos de antecedência, os atributos da produção seriada, o que era impossível com o trabalho de amanuenses, ou mesmo com os primeiros processos artesanais de impressão), as redes digitais de comunicação global são os meios próprios das sociedades que, mesmo sob inúmeras denominações aplicáveis, podemos chamar de Sociedade do Conhecimento (que se caracterizam por ter transferido ao trabalho intelectual um papel hegemônico, seja sob a perspectiva econômica ou política).
O século XX assistiu à consolidação de estudos comunicacionais pautados em formas de comunicação massivas (mesmo que nos anos 70 já começasse um processo de desmassificação, segmentando meios como as revistas), as media mass. Porém a comunicação contemporânea trouxe questões como ubiquidade, interatividade, conectividade, globalização e conversibilidade, fazendo com que os modelos de estudos comunicacionais caracterizados pela unidirecionalidade emissor-receptor tornem-se insuficientes para uma nova dinâmica, que diversos autores já analisaram e que Lawrence Lessig denomina de R-W (read-write), em um fluxo ininterrupto que funde emissor e receptor. Esse ecossistema comunicacional (que tem na hipermídia sua linguagem), ao permitir a inserção do indivíduo como prossumidor
de conteúdos (independentemente da qualificação do conteúdo gerado), trouxe algumas promessas, entre elas a de uma ciberdemocracia altamente participativa
, como formulam André Lemos e Pierre Lévy. É inegável que as redes sociais passaram a exercer papel fundamental na arena política (especialmente quando se transformaram em redes híbridas, conectando a internet aos espaços públicos, como investigou Manuel Castells), porém temos constatado o insucesso dessa democracia planetária (mesmo que essa avaliação ocorra apenas considerando nossas experiências individuais e subjetivas). John Herrman, em artigo recente na The New York Times Magazine, bem observa que, apesar da sua retórica participativa, as plataformas sociais estão mais próximas dos espaços autoritários do que democráticos
(em livre tradução), pois simulam um discurso de democracia liberal, enquanto possuem amplos poderes para implementar decisões arbitrárias.
Além da idealização de uma arena que interconectaria a todos de forma participativa e emancipatória, as redes sociais assistiram a outra inversão (bastante significativa para a investigação de possíveis manipulações midiáticas) quando se tornaram o meio para exposição da intimidade das pessoas, ao invés de temas que, antes, poderiam ser considerados de interesse comum. Essa nova subjetividade, como afirma Paula Sibilia, não foi simplesmente modelada pelos dispositivos técnicos e, em uma dinâmica complexa, resultou do atendimento de demandas de nossas sociedades. Está posto um desejo em muitos pelo espetáculo
, naquilo que Guy Debord definiria como relações sociais mediadas por imagens. Essa afirmação do indivíduo sobre o coletivo, um indivíduo concebido sob a premissa do liberalismo, e atuante nas redes sociais, está diretamente relacionada com uma questão atual: a pós-verdade. Pós-verdade entendida aqui da forma simples como formulada pelo Oxford Dictionary, ou seja, denotando circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais
(em livre tradução). Mas a pós-verdade não é um fenômeno circunscrito aos indivíduos. Em certa medida, a própria atividade jornalística – com seus comprometimentos empresariais, políticos e sociais – alimenta as dúvidas do cidadão comum
sobre a qualidade e isenção da apuração jornalística. Além disso, deparamo-nos com uma lucrativa e criminosa indústria global de propagação e compartilhamento de notícias falsas que, com o uso de sites e perfis falsos em redes sociais, cumprem missões predeterminadas e com claros e específicos alvos (quase sempre políticos-eleitorais). Sejam os sites macedônios pró-Donald Trump, ou o cômico (na verdade trágico) sucesso da hashtag #AGreveFracassou (em português) na Índia, exemplos da ação dessa indústria.
Mas temos clareza de que as manipulações midiáticas são tão antigas quanto o exercício do poder, seja ele político ou econômico. E como ela pode ser enfrentada? Em parte, o enfrentamento pode se dar pela construção de uma consciência histórica exercida pelos pesquisadores no campo da comunicação, e não exclusivamente por aqueles que militam na história da mídia. Consciência histórica entendida como foi formulada por Luiz Fernando Cerri, ou seja, [...] uma das estruturas do pensamento humano, o qual coloca em movimento a definição de identidade coletiva e pessoal, a memória e a imperiosidade de agir no mundo em que se está inserido
.
Como podemos trazer essa consciência histórica para nossa produção crítica e reflexiva? Talvez trazendo a consciência da escrita da história para dentro de nossa investigação, construindo esse diálogo entre homens vivos do presente e os homens vivos do passado, de forma racionalmente conduzida
, como ressalta José Carlos Reis.
Enfim, você, leitor, tem em mãos uma obra que é fruto do esforço interdisciplinar na busca desse diálogo do presente com o passado. Boa leitura.
Prof. Dr. Marcos Nepomuceno Duarte
Diretor do Centro de Comunicação e Letras (CCL)
Universidade Presbiteriana Mackenzie
sumário
capítulo 1
Historiografia da mídia e da e/imigração:
trajetórias teóricas e metodológicas para análises de narrativas em jornais
Rosana Schwartz
Marcel Mendes
capítulo 2
Representações da Enfermeira nas Capas da Revista da Cruz Vermelha
no Período da Primeira Guerra
Guaracy Carlos da Silveira
Maria Carla Vieira Pinho
Egídio Shizuo Toda
capítulo 3
Retorno ao Sagrado Feminino
Uma proposta de pensar os sujeitos do feminino por meio da Dança Circular Sagrada
Dângela Nunes Abiorana
Jane Botelho
capítulo 4
As mídias e a modernidade no início do século XX amazônico
Luís Munaro
capítulo 5
Habitado: Um relato autoral sobre um projeto de arte intermidiático
Ilana Bessler
capítulo 6
Guerras de memórias e midiatização:
a constituição da história a partir dos confrontos na mídia
Allysson Martins
capítulo 7
Vozes da Rádio Rural de Natal:
os voluntários – das escolas radiofônicas à web (1958-2018)
Alexandre Ferreira Mulatinho
capítulo 8
O modo de vida de Mulheres Extrativistas:
Reflexões sobre historiografia e fotografia
Aurelice Vasconcelos
Dângela Nunes Abiorana
capítulo 9
Barroco e comunicação:
Tratados Alquímicos e a Influência na Azulejaria Barroca
Patricio Dugnani
capítulo 10
Os anos de chumbo que se tornaram anos dourados
Marcio José Silva
capítulo 11
O Rio de Janeiro e a Bossa Nova: um passeio pela cidade carioca por meio
das páginas de Chega de Saudade
de Ruy Castro
Talita Souza Magnolo
Christina Ferraz Musse
capítulo 12
Uma análise dos sujeitos excluídos, usuários de cocaína,
nos discursos da Folha de S. Paulo (1933 a 2013)
Luana Luciana Ribeiro de Alencar
Antonione Alves Grassano
capítulo 13
O primeiro anúncio imobiliário no Brasil:
Keller Regina Viotto Duarte
Glaucia Davino
Odenir A. Trevisani
Rosana Schwartz
capítulo 14
Jongo e territórios narrativos:
historicidades contemporâneas ou permanências de um passado imemorial?
Maria Lívia de Sá Roriz Aguiar
capítulo 15
Sim, a mulher pode!
A presença das mulheres nos espaços de representação política
Mirtes de Moraes
capítulo 16
A cultura da mídia e a Contemporaneidade
Paulo Roberto Monteiro de Araujo
capítulo 17
"Corpos malhados, sorrisos talhados, só flerte, só affair": comparações entre
as estéticas de João do Rio e de Santos Dumont com as autoapresentações dos
cariocas do século XXI
Rodolfo Paulo
Paulo Fragoso
capítulo 18
A Função da Mídia em Tempos de Ostentação e Ociosidade
José Manuel de Sacadura Rocha
capítulo 19
A televisão no RN: uma trajetória pela fase analógica
Valquíria Aparecida Passos Kneipp
Luciana Salviano Marques da Silva
capítulo 20
Representação Social de Poder e Rebeldia no Jornalismo Impresso no Começo
do Século XX – literatura e anarquismo em perspectiva historiográfica
Manuel Marquez Viscaíno Jr.
capítulo 21
O Impacto da Divulgação Científica na Esfera Midiática e o Efeito-leitor
Maria Lúcia Wochler Pelaes
capítulo 22
Os direitos que se escrevem a sangue: uma comparação entre 1789 e 1917
Marcio José Silva
capítulo 23
Interseção entre Mídia e História: da Prensa de Gutenberg ao
Jornal Local O Estopim
Débora Inácia Ribeiro
Lívia Cretaz
capítulo 24
Ingenuidade ou manipulação:
a atuação da imprensa brasileira e seu impacto na opinião pública
Fernando Santos da Silva
Priscila Lenci Boccia
capítulo 25
Indicativos para uma leitura da condição da mulher na era da comunicação
João Clemente de Souza Neto
Yára Schramm
Márcia Mello Costa De Liberal
capítulo 26
Passado e Futuro do Jornalismo Esportivo
Anderson Gurgel Campos
Selma Felerico
capítulo 27
Análise do discurso publicitário político na Ditadura Militar presente nas
campanhas governamentais do período de 1964 até 1980
Mariana Seminati Pacheco
capítulo 28
Os esquecidos filhos de Hansen
Marcio José Silva
pósfacio
Sobre os AUTORES
capítulo 1
Historiografia da mídia e da e/imigração:
trajetórias teóricas e metodológicas para análises de narrativas em jornais²
Rosana Schwartz
Marcel Mendes
Este artigo problematiza, sob o olhar interdisciplinar e sob as perspectivas historiográficas da mídia e da e/imigração, procedimentos teórico-metodológicos para o estudo de narrativas verbais e não verbais presentes no Jornal O Puritano
³.
Priorizou-se, assim, após seleto levantamento historiográfico e corpo de fontes diversificado, a cidade de São Paulo como registro, lugar de processos de criações e recriações de experiências materiais, codificadas em sistemas de representações, reveladoras de memórias pertinentes às histórias dos e/imigrantes (SCHWARTZ, 2007).
Sobre as narrativas presentes em jornais protestantes, centralizou-se em torno de assuntos que versavam sobre o tema-eixo do deslocamento e fixação de norte-americanos em São Paulo (1870-1900) e a interferência das mulheres protestantes na educação da cidade.
Para nutrir as análises, foram entrecruzados estudos sobre a cidade, as trajetórias historiográficas da e/imigração e da mídia, métodos de análise de documentos verbais – jornais – com outras fontes documentais. Entre essas fontes, registros oficiais das Igrejas Protestantes Presbiteriana, Metodista e Batista, como: Atas de reuniões das igrejas, diários pessoais, pertencentes aos acervos do Centro de Documentação e História Themudo Lessa (Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo) e dos arquivos municipais das cidades de Santa Barbara do Oeste e Americana.
Todos os registros/documentos foram problematizados sob o prisma da História da Cultura, com o objetivo de desvelar processos de produções simbólicas, representações e imaginários sociais construídos pelos veículos de comunicação.
No cruzamento entre história e mídia, enquanto historiadores atentos e experientes, procurou-se a interligação entre os documentos, por meio do rastreamento de sensibilidades, emoções e subjetividades presentes nas entrelinhas dos discursos verbais e não verbais. Além disso, o desvendar de outras histórias
, ou seja, a valorosa participação das mulheres norte-americanas protestantes na educação na cidade de São Paulo (MATOS, 2007).
Para atingir os objetivos propostos, adentrou-se simultaneamente nos estudos acadêmicos sobre cidade e na historiografia da e/imigração e da mídia, pois trazem a noção de múltiplos territórios e construções de memórias, em que emergem tensões urbanas, representações do espaço, apagamentos e esquecimentos, redes simbólicas, relações de poder, experiências individuais e coletivas, espacialização do tempo e diversos discursos expressos em jornais pertinentes à história da e/imigração norte-americana protestante na cidade de São Paulo.
Estudar os relatos dos jornais do final do século XIX sobre os norte-americanos em São Paulo, em especial as funções das mulheres protestantes na educação paulista, converge com a tendência da historiografia contemporânea, que procura trazer outras histórias
, deslocadas da concepção totalizadora, linear segmentada entre passado e presente, público e privado (MATOS, 2007).
Ao focalizar os múltiplos discursos, abriu-se campo para renovação de marcos temáticos e metodológicos que interligam história, mídia e e/imigração, além de questionar paradigmas tradicionais e redefinir a própria história.
A cidade de São Paulo da segunda metade do século XIX, palco de transformações econômicas, sociais, culturais e urbanas, esbarra em obstáculos provenientes de uma educação arcaica. O fim do sistema escravista, a expansão da monocultura cafeeira e a construção de grandes ferrovias incentivavam múltiplos movimentos imigratórios (espontâneos ou subvencionados pelo Estado), que alteraram de forma definitiva as características e os rumos da cidade (SCHWARTZ, 2007)
Os projetos de verticalização, aberturas de ruas e avenidas, bairros e vilas operárias se desenvolveram em ritmo assustador carregado de espírito de modernidade
e de nostalgia. A construção simbólica e imaginária de cidade moderna/nova entrelaçada com a dialética do arcaico/velho, ou seja, com as permanências das raízes rurais, advindas dos fazendeiros de café e do caipira/camponês, misturavam-se paulatinamente com o simbólico de modernidade trazido pelos imigrantes europeus e norte-americanos no século XIX.
Novos valores impulsionavam para novos caminhos. O homem civilizado e o sentimento de progresso eram desejados pelas elites e penetravam nas tramas e entranhas da metrópole.
Em crescente ascensão e com uma elite esclarecida cosmopolita e progressista, o desejo de forjar em seu território a consciência moderna se tornou primordial, assim como a busca de uma identidade local e nacional.
O cosmopolitismo urbano gerou o mito da metrópole que compete com as outras e que busca constantemente a sua identidade forte, aventureira e desbravadora.
São Paulo reaparece em importância após a segunda metade do século XIX, sob o signo da industrialização positiva e sinônimo de avanço. Simbolicamente, a cidade tradicional apagava-se cedendo lugar à fragmentada, conectada às vanguardas das transformações da época (SCHWARTZ, 2007).
Os filhos da aristocracia do café, as classes altas e médias brasileiras, carregavam valores e traços estamentais. Comungavam com quadros políticos oligárquicos e desejavam uma cultura de integração nacional e de progresso. Já os descendentes de imigrantes e migrantes sem sucesso, populares e trabalhadores desprovidos de recursos econômicos, enchiam seus corações com esperanças de conquistar melhores condições de vida e trabalho em um Brasil e numa cidade que os associava às classes perigosas.
Delineava-se, nesse período, a questão higiênico-sanitarista. Os discursos médicos e de planejadores engenheiros, conjugados com o clima de euforia e de confraternização (local que recebe todas as etnias, indivíduos de todas as culturas), remodelavam seus espaços e apareceram nas narrativas dos jornais (MATOS, 2007). A racionalidade e a objetividade da ciência são chaves para a transformação do arcaico em moderno. Futuro/novo em oposição ao passado/arcaico.
Sem parar, sem interrupções, o processo de imigração (em seus diversos fluxos de entradas), alteraram a configuração espacial e social dos bairros da cidade.
Definidos separadamente por espaços de trabalho, comércio e moradia, novos contornos desenharam a geografia da cidade e do homem disciplinado, espelho das grandes metrópoles europeias e norte-americanas.
Os pressupostos da disciplina construíram a questão urbana e social na vida cotidiana dos sujeitos da metrópole. Dessa forma, a Categoria de Análise do Cotidiano também coube nesta investigação, pois instrumentaliza, para o estudo da constituição da cidade-questão, as representações nos veículos de comunicação, o processo de e/imigração e questões de gênero demarcadas pelas atividades familiares e públicas das mulheres protestantes (HELLER, 2000).
Os corpos documentais como as práticas no espaço público e no espaço privado vêm sendo redefinidos, entrelaçados e ampliados pela historiografia. Os deslocamentos do entendimento do campo do poder das instituições públicas e do Estado para a esfera do cotidiano e do privado politizaram as ações nessa esfera e ampliaram questões metodológicas que trouxeram as funções das mulheres na divisão do trabalho social para os estudos acadêmicos (CERTEUAU, 2014).
Esses estudos promoveram a descentralização dos sujeitos e permitiram a descoberta de novas experiências, como as das mulheres imigrantes norte-americanas protestantes na educação na cidade de São Paulo. Agentes aos quais se negou lugar e voz dentro das análises convencionais.
A cidade de São Paulo traz histórias de sujeitos anônimos (homens e mulheres) envoltos nas tensões do cotidiano, elementos presentes na dinâmica entre o público e o privado, carregados de representações e produções simbólicas (CARVALHO, 2006).
Em São Paulo, o imaginário social⁴ de cidade mais importante do Brasil
, cidade que mais cresce
e cidade moderna que nunca paralisa suas atividades
destacava a emergência de consolidar em seus habitantes um novo estilo de vida, dentro de um processo social amplo, construído pela ideia de consciência moderna. Construir e perenizar essa consciência significava solapar as mazelas, os indesejáveis, o não educado, o que se considerava atrasado. Forjava-se, assim, o avançado. Todavia, diante de múltiplas impossibilidades de atingir rapidamente o avançado, a cidade do imaginário de progresso optava em suas políticas públicas, por omitir ou esconder o não civilizado
esculpido e gravado em seus cortiços e casas autoconstruídas (SCHWARTZ, 2007).
Nesse processo de aceleração das ideias de progresso, leituras e releituras da imagem do passado dos bandeirantes foram estrategicamente retrabalhadas. Objetivava-se transformá-los em heróis. Toda grande nação ou estado possuía um ou mais heróis. Já era de conhecimento as concepções simbólicas sobre a força política dos mitos e das alegorias. O simbólico esteve presente na construção do imaginário social em diversos períodos da história do Brasil (Independência, República) (CARVALHO, 2006). O mito do herói bandeirante em símbolo de transformação reivindicava para os paulistas a ideia de um passado glorioso. A industrialização apareceria representada como uma característica inerente ao paulista, completada por esse mito.
O novo, para que ele efetivamente ocorra, é necessário o artifício de mecanismos