Inseminação artificial homóloga post mortem e questões sucessórias decorrentes
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Inseminação artificial homóloga post mortem e questões sucessórias decorrentes - Daniela Moreira Augusto
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
A infertilidade sempre foi um problema que acometeu a sociedade, causando uma inquietação no homem, pois como regra, o desejo de ter filhos sempre existiu. Antes, a infertilidade sempre era atribuída à mulher, que tinha a obrigação de procriar, dada a importância que a prole tinha na sociedade familiar. Com o tempo, foi se descobrindo que as causas da infertilidade também poderiam ser imputadas ao homem, surgindo, portanto, a ideia da infertilidade e esterilidade conjugal, como aquela ocorrida tanto com os homens como com as mulheres.
Com o avanço da tecnologia na área da medicina, novos métodos foram sendo desenvolvidos, objetivando solucionar os problemas da infertilidade e esterilidade, possibilitando aos casais o tão sonhado desejo de ter um filho e alcançar a maternidade e a paternidade. Nesse contexto se enquadra a reprodução humana assistida, como um conjunto de métodos e técnicas com o objetivo de solucionar os problemas atinentes a reprodução humana.
A partir dos avanços na área da reprodução humana assistida, muitos casais que tinham o sonho de ter um filho e não conseguiam gerá-los naturalmente, passaram a ter acesso a essas técnicas, que até então não eram sequer imaginadas. Hoje é possível que ocorra a procriação sem relação sexual. A fecundação, por exemplo, poderá ocorrer no próprio corpo da mulher, com sêmen do parceiro ou mesmo de doador, como também poderá ocorrer a fecundação in vitro, utilizando material genético do casal ou de doadores, gerando um embrião que será implantado no útero da mulher ou mesmo de terceira, caso em que estaremos diante da gravidez por substituição, a chamada barriga de aluguel
.
Por outro lado, o desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida acaba por impactar a ciência jurídica, que precisará se debruçar sobre essas novas questões, uma vez que refletem diretamente em alguns institutos, como por exemplo, o da filiação. Assim, esses impactos decorrentes das novas formas de reprodução precisam ser debatidos e enfrentados pelo direito, já que envolvem novos seres humanos, que precisam ter seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo analisar as questões sucessórias decorrentes da inseminação artificial homóloga post mortem, que permite que a viúva se utilize do sêmen do falecido marido ou embrião criopreservado para implantá-lo em seu útero, gerando um novo filho do casal, mesmo quando já falecido o seu esposo. Pretende-se, portanto, examinar as consequências do instituto da inseminação artificial homóloga post mortem e sua decorrência no campo do direito das famílias e direito sucessório, sintetizando a problemática na seguinte questão: O filho concebido por inseminação artificial homóloga após a morte do seu genitor poderia ser considerado sucessor?
Para tanto, abordou-se no primeiro capítulo os aspectos gerais da reprodução humana assistida, demonstrando o seu conceito, como importante método de solução para os problemas de infertilidade ou esterilidade do casal, e suas duas principais técnicas: a fecundação in vitro e a fecundação in vivo ou inseminação artificial. Além disso, analisou-se a distinção entre infertilidade e esterilidade e a regulamentação atual sobre a reprodução humana assistida, demonstrando a existência de apenas normas médicas éticas sobre o tema, decorrente da Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina.
Na segunda parte do capítulo, esta pesquisadora discorreu com mais detalhes acerca das duas grandes técnicas de reprodução humana assistida, analisando a fertilização in vitro e a formação do embrião extracorpóreo, bem como a inseminação artificial. Além disso, demonstrou-se que essas duas grandes técnicas podem ser oriundas de procedimentos homólogos ou heterólogos, desde que utilizem material genético do próprio casal ou que haja a contribuição genética de terceiros. Por fim, após analisar como se dá a criopreservação de gametas neste procedimento, analisou-se a inseminação artificial homóloga post mortem, tema escolhido para o presente trabalho.
Após examinar os aspectos gerais da reprodução humana assistida e contextualizar a inseminação artificial homóloga post mortem como um dos métodos da reprodução assistida em que a viúva realiza a inseminação artificial por meio do sêmen criopreservado do seu falecido marido após a sua morte, ou mesmo utiliza do embrião criopreservado, concebido com o material genético do casal, para a implantação posterior, após o falecimento do seu marido, o segundo capítulo abordou as principais questões acerca desta técnica e sua repercussão no campo do Direito de Família, notadamente o instituto da filiação.
Com efeito, analisou-se nesse capítulo em linhas gerais a respeito da autonomia privada e discutiu-se a questão da legitimidade do consentimento do de cujus, se ela seria necessária para a realização do procedimento da inseminação post mortem ou se a autorização expressa do marido seria desnecessária. Além disso, questionou-se sobre o possível conflito existente entre o direito de procriação da genitora e o direito à biparentalidade da criança, que seria concebida órfã de pai, demonstrando os pensamentos contrários e favoráveis a inseminação homóloga post mortem. Por fim, o segundo capítulo abordou a questão da filiação, explicando as suas duas principais espécies, filiação biológica e filiação afetiva, bem como a filiação no âmbito da reprodução humana assistida. Desta maneira, analisando as presunções de paternidade estabelecidas no art. 1.597, II e III, enquadrou-se as referidas hipóteses como uma espécie de filiação biológica, já que por se tratar de procedimentos homólogos, em que se utiliza de material genético do próprio casal, o vínculo paterno-filial é decorrente da consanguinidade.
Examinada a questão da filiação post mortem e a repercussão do instituto no direito de família, o terceiro capítulo iniciou a discussão no âmbito do direito sucessório, demonstrando as regras gerais desse sub-ramo do direito civil. Com isso, o capítulo abordou preliminarmente os pressupostos do direito sucessório, natureza jurídica da herança e a distinção entre herdeiro e legatário. Após, discutiu-se o momento da abertura da sucessão e a aplicação do princípio do droit de saisine, bem como as principais questões acerca da sucessão legítima e sucessão testamentária, perpassando também pelo problema da prole eventual. Por fim, o terceiro capítulo abordou algumas regras sucessórias pertinentes ao presente trabalho, como a capacidade sucessória, a aceitação e renúncia da herança, a ordem de vocação hereditária e a petição de herança.
O terceiro capítulo, portanto, estabeleceu as premissas iniciais sobre o direito sucessório necessárias à compreensão do quarto capítulo. O quarto capítulo, por sua vez, analisou a legitimação sucessória, disposta no art. 1.798 do Código Civil, e as principais interpretações doutrinárias sobre o referido texto legal, pois ao informar que legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão
, questiona-se sobre o direito sucessório do filho nascido por meio da inseminação homóloga post mortem, uma vez que concebido após a abertura da sucessão.
Desta maneira, após analisar alguns princípios incidentes sobre a matéria, como a dignidade da pessoa humana, o livre planejamento familiar, a isonomia entre os filhos e o melhor interesse da criança, o capítulo abordou a qualidade de herdeiro dessa criança concebida pela técnica ora estudada, analisando as três correntes doutrinárias existentes sobre o tema: a que entende inexistir direito sucessório do filho concebido, a que entende pela possibilidade da sucessão testamentária e, por fim, a que entende pela possibilidade da sucessão legítima, entendida por esta pesquisadora como a corrente doutrinária que melhor se aproxima da interpretação constitucional da questão, tendo em vista a isonomia filial estabelecida no art. 227, §6º da Constituição Federal. Por fim, entendendo pela qualidade de herdeiro legítimo e, portanto, necessário, discutiu-se a necessidade de estabelecimento de prazo para a implantação do material reprodutivo.
A par disso, como se verá no decorrer desta obra, esta pesquisadora concluiu pela possibilidade de direito à herança desse novo filho gerado, já que se trata de filho biológico do de cujos, concebido com a sua autorização, muitas vezes decorrente de um projeto parental que foi abruptamente interrompido pela morte do sujeito. Ademais, o art. 227, §6º da Constituição Federal assegurou a igualdade entre filhos, de maneira que esse filho concebido, ainda que depois da morte do seu genitor, deverá ter direito a herança assim como todos os demais descendentes, sob pena de se tutelar a discriminação e tratamento desigual entre filhos, situação que não encontra permissão na ordem constitucional atual.
Por fim, imperioso destacar que o presente trabalho foi desenvolvido a partir da afinidade desta autora com as matérias de Direito Civil e Biodireito, a partir da escolha de um tema que se mostra polêmico na doutrina, principalmente nos autores civilistas, criando um excelente campo de debate e investigação da problemática.
O tema em questão é de suma importância e relevância social, já que como as inovações tecnológicas refletem diretamente na sociedade, sua regulamentação se faz necessária, sendo preciso que a legislação acompanhe essas mudanças, disciplinando a matéria. No tocante à inseminação artificial homóloga post mortem, a compreensão dos direitos hereditários desse filho concebido se mostra imprescindível, já que esses filhos não poderão ser tratados de forma diferente dos demais, somente por terem sido concebidos quando o seu genitor não se encontrava mais em vida.
Além disso, convém registrar que a metodologia empregada no presente trabalho foi a pesquisa bibliográfica e documental, bem como que o presente trabalho não tem como pretensão esgotar tema analisado, mas tão somente promover o debate e análise das principais correntes doutrinárias existentes, que demonstram, por si só, a necessidade de regulamentação do tema, sob pena de negar os direitos sucessórios a esta criança apenas pelo fato de ter sido concebida após a morte do seu genitor.
2. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Preliminarmente, cumpre analisar os aspectos gerais da reprodução humana assistida. Nesse contexto, o presente capítulo abordará no que consiste a reprodução humana assistida, suas principais técnicas e tipos de procedimentos, objetivando estabelecer premissas iniciais para a compreensão e análise do instituto da inseminação artificial homóloga post mortem, tema escolhido para o presente trabalho.
2.1 ASPECTOS GERAIS
Em relação aos aspectos gerais do tema abordado, necessário analisar, inicialmente, a definição de reprodução humana assistida, bem como suas principais técnicas, para só então discutir os tipos de procedimento e as questões controvertidas decorrentes.
2.1.1 Conceito e principais técnicas
A reprodução humana assistida, para Adriana Caldas Maluf (2013, p. 193), nada mais é do que a intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade
.
Para a referida autora (2013), a reprodução assistida ocorrerá quando os métodos tradicionais não estão sendo efetivos, se realizando, basicamente, por meio de cinco técnicas: inseminação artificial intrauterina - IIU (introdução artificial de espermatozóides no útero feminino por meio de um cateter), fertilização in vitro convencional com transferência intrauterina de embriões – FIVETE (fecundação em laboratório com a posterior introdução no embrião no útero materno), transferência intratubária de gametas – GIFT (fertilização natural por meio da transferência de espermatozóides e ócitos na tuba uterina), transferência intratubária de zigoto – ZIFT (fecundação ocorrida na proveta, posteriormente implantando o zigoto no útero da mulher ou de doadora) e injeção introcitoplasmática de espermatozóide – ICSI (injeção de espermatozóide no citoplasma de um ovócito maduro).
Já Maria Helena Diniz (2011c, p. 610), conceitua a reprodução humana assistida como o conjunto de operações que objetiva unir os gametas feminino e masculino, através de dois métodos: fertilização in vitro e fecundação in vivo. Na fertilização in vitro, a fecundação ocorre na proveta, com óvulo e sêmen do casal ou de doador, para só então implantá-lo no útero da mulher ou de doadora. Por outro lado, na fecundação in vivo ou inseminação artificial, a fecundação ocorre no corpo da mulher, implantando-lhe sêmen do seu marido ou companheiro, ou mesmo de doador, sem necessidade de manipulação externa.
Nas palavras de Raquel de Lima Leite Soares Alvarenga (2005, p. 232), as técnicas de Reprodução Assistida são vários procedimentos que se acham disponíveis atualmente para ajudar casais a conseguir uma gravidez depois que métodos mais simples falharam
. Para a autora, embriologista pela UFMG, sete são as técnicas de reprodução assistida: inseminação intra-uterina (IIU), fertilização in vitro e transferência de embriões (FIV-TE), transferência intratubária de gametas (GIFT), transferência intratubária de zigoto (ZIFT), transferência intratubária de embrião (TET), injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) e transferência de embriões congelados (FET).
Já os ensinamentos de Ana Cláudia