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Família e filiação socioafetiva
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E-book289 páginas3 horas

Família e filiação socioafetiva

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Sobre este e-book

A obra Família e filiação socioafetiva, por Terezinha Damian, traz a família sob uma perspectiva contemporânea e não apenas por consanguinidade, como era tida tempos atrás.
O livro é estruturado em cinco capítulos, reunindo um compilado de conhecimentos da autora em torno da estrutura familiar e estrutura legislativa. Ressaltando os direitos, princípios constitucionais, os diversos modelos familiares existentes, contrapondo a verdade biológica e a verdade socioafetiva. Partindo do pensamento de que uma família pode se formar por pessoas diferentes, que não sejam necessariamente parentes e que esse laço conta, não apenas socioafetivamente, mas também judicialmente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de ago. de 2022
ISBN9786558409298
Família e filiação socioafetiva

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    Família e filiação socioafetiva - Terezinha Damian

    PREFÁCIO

    Falta fôlego ao direito para acompanhar os fatos. Ouvi esta frase acompanhando um julgamento do Supremo Tribunal Federal. Esta constatação intriga os estudantes de direito. O direito de família concretiza esta afirmação. Não há outro ramo do direito onde a velocidade das relações sociais ultrapasse a limitação conceitual da lei em tão curto espaço de tempo. Vinte séculos de valores cristãos introjetados fazem nascer a sensação de que o vínculo biológico sempre foi o liame de constituição da família. Por certo, o tempo nos fez esquecer que, na Roma antiga, o conceito de família passava por aqueles que estavam sob a mesma potestas, sob as determinações do pater familias, cujo vínculo se dava pela religião doméstica, de adoração aos ancestrais. A transformação dos vínculos familiares de religiosos, sanguíneos, até o reconhecimento dos vínculos afetivos como liame principal do elo familiar demostra quão profundas podem ser as transformações sociais e como elas se projetam à frente dos conceitos legais petrificados na letra da lei. A Constituição Federal de 1988 foi uma legislação extremamente avançada para a época em que foi promulgada. Em uma primeira vista, foi tímida ao prever a proteção às famílias formadas pelas uniões de fato e por prever expressamente apenas as famílias monoparentais. Contudo, ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como princípio fundante da república, espécie de princípio normogenético que subordina os demais direitos fundamentais, abriu-se a infinita possibilidade de acomodação destes diretos pela perspectiva individual e social. Nos idos de 1996, quando me formei, o positivismo jurídico era traço formativo comum. A letra da lei trazia muita segurança. Nessa época advoguei em um litígio de herança. Minha cliente tinha revelado que seu irmão não era seu irmão legítimo. Havia sido adotado de forma irregular, por meio da famosa adoção à brasileira. Sua certidão de nascimento abrigava uma declaração falsa, fruto do crime previsto no artigo 242 do Código Penal. Com um nível altíssimo de conflito por anos de relações conturbadas, a solução legal mais provável era a exclusão deste filho, considerando que a certidão que lhe dava as condições legais para figurar no espólio era nula, por conter objeto ilícito. O processo de anulação da certidão teve seu curso, com instrução dificílima. A tese contrária se baseava na prescrição, o que sabidamente não se aplica para nulidade absoluta. Finda a instrução, o juiz da causa inusitadamente chama os advogados ao seu gabinete, e pergunta: afinal, é filho ou não é filho? Convicto dos fatos afirmei: não é filho! Meu colega afirmou: a pretensão está prescrita!! Saí do gabinete com convicção intima de que a sentença seria procedente. Publicada, a sentença começa com a afirmação de que o amor incondicional da mãe e pai suplanta as relações biológicas. E conclui: quem ama alguém como filho e exerce por uma vida este papel de amor e abnegação, cria, por seus vínculos afetivos, a relação filial. Na época, confesso, não fui capaz de entender a grandeza desta sentença. Mas com certeza, ela abriu os caminhos para horizontes interpretativos muito mais ampliados e que hoje se solidificam no mundo jurídico. Para o bem e para o mal, a interpretação principiológica dos direitos abrigou e acomodou inúmeras situações que careciam urgentemente de uma solução justa e adequada. Por intermédio desta forma interpretativa, verificou-se nos julgados do STF que os modelos de família não comportam hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um núcleo doméstico. Inclusive, desta interpretação não reducionista e ampliada do conceito de família surgiu o debate relacionado à multiparentalidade, fruto da complexidade da vida moderna, com que, como reconheceu o Ministro Luiz Fux, o direito não consegue lidar satisfatoriamente. Temos hoje fundamentado o direito à busca pela felicidade. Esta expressão causava arrepios aos positivistas, uma vez que a felicidade é um estado mental subjetivo, impossível de se obter pela via jurídica. Em seu conceito jurídico ampliado, tal direito à felicidade se constitui da busca pela concretização do conjunto de direitos indissociáveis da condição humana, todos formadores da dignidade da pessoa. O livro da professora Terezinha Damian nos brinda com todos estes conceitos. Nos traz as atualizações inerentes ao direito de família, pelo enfrentamento destas questões hodiernas que tanto nos afligem e que merecem aprofundado estudo. De leitura fácil e objetiva, característica da autora, convido os leitores a se entregar à leitura e dar este mergulho no direito de família e na dignidade da pessoa humana. Boa Leitura!!!!

    Maio/2021

    Prof. Mauricio Daniel Monçons Zanotelli¹


    Notas

    1. MSc, Advogado em Direito de Família, coordenador do curso de Direito, Unisul, SC.

    CAPÍTULO 1. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

    O termo famulus se refere, originalmente, ao grupo de pessoas reunidas sob a autoridade do pater familias, destacado entre as tribos latinas, para trabalhar na agricultura ou ser escravo doméstico legalizado. A família é o lugar comum do ser humano, onde todos são inseridos sem saber, sem poder opinar, sem poder escolher. Desde antes do surgimento do Estado, da sociedade organizada, já havia família, antes mesmo de haver o Direito, pois não foi a sociedade organizada ou o Direito que criou a família, mas foi da família que surgiu a sociedade organizada, o Estado e o Direito. Por muito tempo, predominou a família patriarcal constituída pelo casamento e na qual toda a autoridade era exercida pelo pater familias. Esse detinha direito de vida e morte sobre os filhos e a quem a mulher era submissa; atuava como chefe político, juiz e sacerdote. Geralmente, as casas eram habitadas por muitas pessoas, não havendo espaço privado e estímulo à dimensão pessoal, pois tudo priorizava o coletivo, o grupo ou o sagrado, com forte influência da Igreja (Calderón, 2017; Pereira, 2017; Rocha, 2009).

    Dentre os fatores que contribuíram para as mudanças no conceito de família, destaca-se a Revolução Francesa, na medida em que buscava a liberdade e a igualdade do povo, bem como a separação entre Estado e Igreja. Nesse cenário, cresceu o movimento feminista, sobretudo com a inserção da mulher no mercado de trabalho. Também, as duas Grandes Guerras Mundiais influenciaram no modo de organização da família, pois como a maioria dos homens foi para a frente de batalha, coube à mulher chefiar e sustentar o lar e amparar crianças e idosos. Ademais, a revolução sexual, com o advento da pílula anticoncepcional, aflorou uma sociedade menos repressiva e mais liberal, trazendo novos hábitos. Por sua vez, o divórcio passou a ser permitido, o casamento deixou de ser visto como obrigatório, entre outros fatores sociais que levaram a diminuição do núcleo familiar. Dessa forma, apareceram os novos modelos de família baseados nos laços afetivos (Almeida e Jesus, 2016; Nader, 2016).

    1. Família: do direito antigo ao direito contemporâneo

    O conceito de família sofreu modificações ao longo do tempo, em função das transformações da sociedade. Desse modo, destacam-se as principais características da família e sua evolução a partir do Direito antigo ao Direito contemporâneo, como se passa a expor.

    Conceito de família Antiguidade: na Antiguidade, a família era centrada na figura do homem, o pater familias; a mulher e os filhos se submetiam à sua autoridade. Desse modo, a família constituía o menor núcleo social e o pater familias detinha a autoridade máxima. A família tinha sua justiça, seus costumes, suas tradições e o próprio culto que era escolhido pelo pater família; como também visava a geração de filhos, para que seus descendentes cultuassem seus ancestrais, pois a vida familiar consistia em cultos religiosos aos antepassados. Por sua vez, o casamento consistia em um ato público, formal, pelo qual a sociedade reconhecia que a partir daquele momento aquelas duas pessoas estavam unidas, devendo respeitar a fidelidade e a exclusividade das relações sexuais, como forma de garantir a certeza ao homem da paternidade dos filhos gerados, pois a mulher casada com determinado homem não se relacionaria com outro. Ademais, a mulher deveria ser virgem e, se não pudesse gerar filhos, poderia ser devolvida (Siqueira, 2010).

    Na civilização grega, o casamento não era uma instituição bem aceita, mas era necessário, pois permitia a perpetuação da espécie, da linhagem paterna e do prolongamento dos rituais e festejos familiares. Essa civilização é um dos pilares de toda a cultura ocidental, inclusive muito dos moldes das famílias atuais se deve à sua influência. Nesse sentido, o casamento na Grécia não era uma instituição bem vista e sim determinada jurídica e socialmente, como uma forma de possibilitar a perpetuação da espécie e da linhagem paterna, bem como o prolongamento dos rituais e festejos familiares. Conforme as regras estabelecidas para as funções do casamento, ao homem cabia ser o chefe da família, provendo o sustento da esposa, dos filhos e dos escravos; à mulher ficava a concepção da prole e a realização de algumas atividades domésticas, e o dever de obediência e respeito ao esposo. Essa forma de família ficou conhecida em todo o mundo conhecido. Na Grécia antiga, o concubinato era admitido no sistema poligâmico; com a instituição da monogamia, as mulheres concubinas tornaram-se uma classe à parte. A força da Grécia no mundo antigo ajudou a difundir e perpetuar sua cultura ao longo dos séculos. Com o declínio de Atenas, Esparta e de outras cidades-estados gregas, abriu espaço para o surgimento e expansão do Império Romano, que influenciou ainda mais a história das famílias, consolidando o modelo paternalista grego, e difundindo um modelo novo (Graeff, 2012; Lucena, 2014).

    Nos primórdios do Direito Romano, a família era organizada e regulada pelo princípio da autoridade patriarcal, exercida pela pater familias, constituindo-se em uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O homem exercia a autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e sobre as mulheres casadas com os seus descendentes, sendo que o ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Já a mulher, também era submetida absolutamente à sua autoridade em todos os aspectos, podendo, a qualquer tempo, ser repudiada por ato unilateral do marido. Desse modo, a família era patriarcal, sendo que toda a autoridade era delegada ao homem, chefe da família, que desempenhava todas as funções religiosas, econômicas e morais que fossem necessárias, e a quem pertenciam todos os bens materiais, conservando-se nesse período, boa parte da cultura grega. Já a mulher romana não tinha o papel de senhora do lar, pois era considerada parte integrante do homem; sendo casada seguia todas as determinações de boa conduta e tinha certa liberdade para conviver socialmente (Maluf, 2010; Gonçalves, 2018).

    O casamento romano tinha base consensual, que se devia sempre renovar e permanecer, extinguindo-se quando cessasse o acordo. O divórcio decorria da natureza consensual do matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva. Contudo, esse acordo não era de caráter absoluto, pois impedia-se o casamento de patrícios e plebeus. Por isso, nesse caso, ocorria a união de fato, cuja coabitação carecia do affectio maritalis, característica sem a qual não configurava o casamento. Para os romanos, apesar de ter a afeição cunho subjetivo, face à imposição impeditiva de misturas de castas, esta possuía também caráter objetivo. Desse modo, o conceito de família vinculava-se à ideia da contração das núpcias justas. Ademais, em Roma, o casamento era monogâmico e definido como a união entre o homem e a mulher com o objetivo de firmar uma comunhão de vida íntima e duradoura. Juridicamente, tratava-se de um estado de fato que não surgia da troca inicial de consentimentos, mas da permanência da união baseada na convivência e na intenção de ser marido e mulher. Assim, a colocação da mulher à disposição de seu marido era indispensável, sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a melhor prova. Destaca-se que a indissolubilidade do casamento e a monogamia foram impostas pela Igreja. Essa situação em relação à família perdurou durante o apogeu do império, quando ele começou a declinar; já dividido entre império do oriente e império do ocidente, surgiu um novo elemento, que influenciou o conceito de família, o cristianismo, que gerou uma diminuição do poder do pater familias sobre seus membros, permitindo que a mulher e os filhos se tornassem mais independentes e menos subordinados. A partir dessa nova concepção os romanos passaram a entender que o afeto se fazia necessário não só no momento de celebração do casamento, como também durante toda a sua existência. Todavia, além das regras oriundas do poder Imperial a concretização do casamento passou a ser influenciado pela igreja, que atribuiu ao ato o caráter de sacramento, sendo Deus o responsável pela união entre homem e mulher, dando origem ao Direito Canônico (Gonçalves, 2018; Siqueira, 2010).

    Nesse seguimento, emergiram novos modos de formação da família, abrindo espaço ao concubinato. No Direito Romano, o concubinato representava uma das quatro formas de união entre pessoas de sexo diferente, sendo, todavia, embora comum e frequente, tratado com inferioridade em relação ao casamento, pois não havia a affectio maritalis e a honor matrimonii. Embora não fosse proibido e nem atentatório à moral, não era reconhecido como instituto jurídico, ficando restrito a um fato social. No período clássico, o concubinato não gerava efeitos jurídicos, admitindo-se apenas doações à concubina e a legitimação dos filhos naturais no direito justinianeu. Tais concessões feitas pelo direito romano, ainda que dissipadas com o tempo, fizeram com que o concubinato recebesse tratamento mais dignificante, não sendo mais vinculado à devassidão e à prostituição. Por sua vez, no baixo Império, o concubinato tornou-se verdadeiro casamento inferior, embora lícito. Já com os imperadores cristãos começou a receber o reconhecimento jurídico. Em Roma, o concubinato consistia na convivência more uxório, não incestuosa nem adulterina, de um homem e uma mulher não unidos pelo vínculo do matrimônio; era legalmente reconhecido, desde que as partes não fossem casadas e não tivessem outros concubinos. Ademais, nos últimos anos do Império romano do ocidente, ou seja, nos primeiros séculos do cristianismo, o direito canônico não desconhecia totalmente o concubinato como instituição legal, tendo o Concílio de Toledo, realizado no ano 400, autorizado o concubinato de caráter perpétuo. A Igreja Católica dos primeiros tempos foi tolerante com o concubinato, tendo o Direito Canônico atribuindo-lhe determinados efeitos limitados, sem, todavia, institucionalizá-lo (Graeff, 2012; Siqueira, 2010).

    Conceito de família na Idade Média: na Idade Média, o conceito de família passou pela forte determinação e influência da Igreja. Assim, as relações familiares foram regidas à luz do Direito Canônico, compreendido como sendo o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana. Dessa forma, a família passou a ser constituída exclusivamente pelo casamento religioso, sob a concepção de sacramento, consolidada na livre e espontânea vontade dos nubentes. Esse novo conceito de família decorreu da queda do Império Romano, dividindo o poder do pater familias do Direito Romano com a mulher, a quem coube a responsabilidade pela administração doméstica e pela educação dos filhos. Como o Cristianismo era reconhecido como religião oficial de quase todos os povos civilizados, o culto familiar deslocou-se para as capelas, deixando o pater familias de ser o seu sacerdote, perdendo a família parte de suas funções. No início, a Igreja Católica não se opunha às outras formas de constituição da família que não o casamento (Russo, 2005; Wald, 2002).

    Contudo, a partir da Idade Média, todas as regras para a família passaram a emanar da Igreja, autoridade máxima na Europa medieval, pois era a única que interpretava a vontade de Deus. Por ter o controle do certo e do errado, por ser a voz de Deus na terra, o poder da Igreja não conhecia fronteiras, só ela coroava reis e rainhas. Com tanto poder não demorou para suas doutrinas e dogmas se difundirem por toda Europa. A fé cristã e o poder da Igreja estavam cimentados nos principais reinos europeus; o papado detinha o maior poder no continente, pois tinha os reis e seus exércitos nas mãos. O Cristianismo, então representado com exclusividade pela Igreja de Roma, reconheceu na família uma entidade religiosa, transformando o casamento, para os católicos, num sacramento, impondo a forma pública de celebração, criando o dogma do matrimônio/sacramento. A família foi convertida em célula-mãe da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina. Nessa época, eram reconhecidas somente as famílias oriundas do sagrado casamento, indissolúvel, entre homem e mulher. A concepção canônica de família determinou o tratamento jurídico da matéria e sua influência se estendeu ao período posterior à instituição do Estado laico. Contudo, destaca-se que, apesar de a Igreja Católica defender o casamento, admitia-se o concubinato em determinadas situações (Rocha, 2009; Siqueira, 2010).

    Outrossim, nesse período da história, a família era a única garantia de assistência recíproca e amparo entre seus membros doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento, uma vez que produzia todos os bens necessários à sobrevivência, incluindo-se alimentos, peças do vestuário, armas e ajuda moral e psicológica aos seus membros. Nessa época, o Estado era representado pelos senhores feudais que se fechavam em seus feudos, vivendo da exploração de camponeses que dependiam de suas terras para a sobrevivência. Desse modo, enquanto instituição legítima, a família se destinava à reprodução, sendo que o sexo dentro do casamento tinha dois objetivos: a geração de filhos e a satisfação do desejo masculino, pois a mulher era considerada incapaz de sentir prazer. Além do Direito Canônico e das influências do Direito Romano, já na Idade Média, o conceito de família passou por transformações em decorrência do Direito Bárbaro, considerado atrasado em relação ao Direito Romano. Por sua vez, o Direito Bárbaro seguia mais a linha ideológica do Direito Canônico, pois os povos bárbaros adotaram o Cristianismo como religião. Dentre os povos bárbaros, o Direito Germânico merece destaque pelas influências nas relações familiares. Dessa forma, a família germânica baseava-se no pátrio poder, sendo que o homem exercia o poder, mas dividia as atribuições com a mulher. Ressalta-se que a principal mudança de paradigmas da Antiguidade para a Idade Média foi a influência social da Igreja Católica nas relações sociais na Europa Ocidental e nas organizações familiares (Gama, 2001).

    Conceito de família na Idade Moderna: a partir do crescimento da fé islâmica e do surgimento de pensamentos e revoluções que afrontavam a autoridade da Igreja, o papado começou a perder força. Como a Igreja Católica se mostrava incomodada com essa situação, procurou patrocinar a corrida dos reinos da Europa por novos territórios e novas rotas de comércio, como forma de se fortalecer e expandir sua influência. Desse modo, o catolicismo acompanhou os colonizadores e se espalhou, agora, não só em um continente, mas por todo o globo, levando consigo, seus dogmas, ritos e o direito canônico. Com isso, nativos dos mais variados continentes foram doutrinados, convertidos à fé cristã e ensinados que a família só poderia vir do santo casamento. E assim, o Direito Canônico se enraizou praticamente no mundo todo, tanto é verdade que é possível perceber essa influência, ainda hoje, em quase todos os ordenamentos jurídicos, mesmo a maioria deles sendo laico. Sob a visão do Direito Canônico, a família passou a ser percebida como aquela em que o homem deixa a sua família de origem e se une com a mulher para formar uma nova família com objetivo de procriação; restringindo-se, progressivamente, a autoridade do pater familias, para dar maior autonomia à mulher e aos filhos (Dantas e Lima, 2016; Gama, 2001; Rocha, 2009).

    Todavia, a Igreja Católica deixou de ser representante exclusiva dos preceitos cristãos, a partir da Reforma protestante. Desse modo, para os católicos, caberia somente à Igreja disciplinar o casamento; para os não católicos, caberia ao Estado a regulamentação dos atos nupciais. Diante desse contexto, a Igreja Católica, através do Concílio de Trento (1545 e 1563) realizado na Itália, reafirmou alguns dogmas, dentre eles o do casamento, enquanto sacramento gerador da entidade familiar, impondo a excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência, segundo as encíclicas 990 a 992. Além disso, os matrimônios clandestinos realizados com o consentimento livre dos contraentes seriam válidos e verdadeiros enquanto a Igreja não os declarasse nulos; a união de duas pessoas, mesmo sem impedimentos à contração do matrimônio stricto sensu caracterizaria uma situação de pecado perpétuo, em não sendo atendida a advertência imposta pela Igreja. Ainda, na Idade Moderna, o sistema feudal foi substituído pela ideia de Estado Nacional,

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