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Ação Civil Pública e Recursos Hídricos
Ação Civil Pública e Recursos Hídricos
Ação Civil Pública e Recursos Hídricos
E-book231 páginas2 horas

Ação Civil Pública e Recursos Hídricos

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Sobre este e-book

A escassez de água doce poderá afetar bilhões de pessoas em 2050, a depender de fatos como o crescimento da população e das medidas tomadas pelos governantes nacionais e internacionais. O Brasil detém 12% do total mundial e 13,8% da água doce superficial do mundo, mas essa água está quantitativamente com uma distribuição geográfica desigual, sendo a água superficial de qualidade um líquido precioso e escasso. A problemática do controle dos atos e omissões do Poder Público em relação às águas é considerado assunto de relevância no Direito Ambiental e provoca acesas controvérsias tanto na doutrina como na jurisprudência. O trabalho enfrenta o dogma da separação dos poderes, os aspectos relacionados à suposta falta de políticas públicas, as dificuldades de imporem-se obrigações de fazer ou não em face da omissão de atividades administrativas cobertas pela discricionariedade, a impossibilidade de adimplemento dos deveres constitucionais em razão da ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, assim como enfrenta a questão do mau funcionamento dos serviços públicos de relevância púbica ou a ineficácia das atividades administrativas relacionadas à utilização, à preservação e à recuperação do bem difuso – águas.


Qualificação do autor:

Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas no Estado de São Paulo. Professor de Direito. Mestrado em Direito Ambiental, pós-graduação em Direito Notarial e Registral, pós-graduação em Direito Processual Civil, aperfeiçoamento em Política de Recursos Hídricos e graduação em Ciências Jurídicas. Autor do capítulo Conselho Nacional do Meio Ambiente no Livro em homenagem aos 25 anos da Política Nacional do Meio Ambiente, publicado pela Editora Del Rey, assim como autor do artigo Direito à Paisagem, publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, dentre outras publicações.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de jan. de 2021
ISBN9786558776475
Ação Civil Pública e Recursos Hídricos

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    Pré-visualização do livro

    Ação Civil Pública e Recursos Hídricos - Antonio Zanollo Neto

    Bibliografia

    1. INTRODUÇÃO

    A temática da Ação Civil Pública e Recursos Hídricos posta em evidência prende-se ao questionamento referente à instrumentalidade do processo, no sentido de despertar a consciência de que ele também é instrumento de participação do cidadão nos rumos da sociedade e da própria adaptabilidade da tutela jurisdicional aos tempos do século XXI.

    Tanto a doutrina contemporânea tem se esforçado para fazer da ação civil pública um instrumento eficaz de controle judicial dos atos administrativos relacionados à utilização, preservação e recuperação dos bens públicos de uso comum, como decisões pretorianas vêm procurando se adequar a esses progressos da ciência jurídica.

    As recentes legislações ambientais pátrias, acompanhando as tendências internacionais, vêm mostrando a necessidade de participação da sociedade na atuação (intervenção) do Estado no domínio da gestão ambiental, destacando-se a Política Nacional de Recursos Hídricos de 1997 (Lei 9.433), que preceitua uma gestão descentralizada e participativa do Poder Público, dos usuários e das comunidades (inciso VI do art. 1°).

    Dada a crescente importância da proteção jurídica das águas, a Organização das Nações Unidas proclamou o ano de 2003 como o Ano Internacional da Água Doce¹ e, com base no maior relatório já produzido sobre disponibilidade e qualidade de água no mundo, constatou que não há água suficiente para saneamento e higiene para 40% da população do mundo. Segundo esse trabalho, a escassez de água afetará de 2 a 7 bilhões de pessoas em 2050, dependendo de fatores como o crescimento da população e das medidas tomadas pelos governantes internacionais e nacionais para lidar com a crise².

    Mas esse processo de conscientização, tanto da necessidade de proteção jurídica como de que a água no planeta é a mesma desde o início dos tempos e que precisa ser preservada, parece não vir a passos largos. Poucos se conscientizam, também, de que a maior parcela do corpo humano, cerca de 70%, é formada por água. E que 97% da água existente no Planeta é constituída pelos mares e oceanos, restando aproximadamente 3% de água doce, volume correspondente a pouco mais de 2% do gelo acumulado nas calotas polares e geleiras, mais cerca de 0,01% que formam os lagos e cursos d’água superficiais e o restante, estimado em pouco menos de 1% do total, é constituído pela água subterrânea³.

    O Brasil detém 12% do total mundial e 13,8% da água doce superficial do mundo. Não obstante, embora o país possua uma das maiores riquezas hídricas, o quadro não é otimista: água em quantidade, mas com uma distribuição geográfica desigual: 70% na Região Amazônica, e cerca de 97% do total das reservas, em fontes subterrâneas, ou seja, a água superficial é um líquido precioso e cada vez mais escasso⁴.

    Quanto ao aspecto qualitativo das águas, pesquisa da Política Nacional de Saneamento Básico divulgada pelo IBGE em 2002 constata que a proporção do volume de água não tratada cresceu entre 1989 e 2000. Segundo essa pesquisa, 47,8% dos Municípios brasileiros não têm coleta de esgoto. Os Municípios que só coletam representam 32%, e os Municípios que coletam e tratam o esgoto são apenas 20,2%. Isto reflete o padrão desigual de crescimento trilhado pela economia do País, acrescentando-se a isto os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS): 65% das doenças no Brasil são causadas pela falta de saneamento ambiental nas cidades.

    Ocorre que a prática forense demonstra, na maioria das vezes, que propiciar efetiva tutela jurisdicional à não poluição das águas não é matéria simples, (a) seja por esbarrar no dogma secular da separação dos poderes, (b) seja pelos aspectos relacionados à falta de políticas públicas, (c) seja pela dificuldade de se impor obrigações de fazer em face da omissão de atividades públicas cobertas pela discricionariedade administrativa, (d) seja pela impossibilidade de adimplemento dos deveres constitucionais em razão da ausência de norma infraconstitucional regulamentadora⁵, seja, enfim, (e) pelo mau funcionamento dos serviços públicos de relevância pública ou mesmo ineficiência das atividades administrativas.

    Isto põe em xeque o primordial e último meio de solução de conflitos da República Federativa do Brasil: a tutela jurisdicional ambiental.

    O objetivo deste trabalho não é querer inovar por inteiro nem chegar a conclusões de absoluta originalidade, pois as ciências do pensamento não costumam dar saltos brutos. O objetivo geral é exercitar uma reflexão da influência do direito material sobre o processo, afastando-se de preocupações endoprocessuais para se vislumbrar neste um eficiente instrumento de preocupação com resultados exteriores, pois a técnica processual é justificável enquanto meio para atingir fins tutelatórios dos direitos materiais assegurados pelo ordenamento jurídico vigente.

    Dessa forma, o objetivo específico será apresentar ideias substanciais otimizadas que sistematizem a evolução do regime jurídico das águas e sua respectiva tutela jurisdicional às épocas, enfatizando o necessário acompanhamento da adaptabilidade da tutela jurisdicional ao direito material evolutivo, para se poder contextualizar uma posição ponderada sobre a obrigatoriedade do tratamento de esgotos domésticos pelo Poder Público por meio do Poder Judiciário.

    A dissertação é organizada em 5 (cinco) capítulos densos de informações, porquanto serem complexas e diversas as matérias do Direito a serem tratadas. Há uma preocupação em mostrar uma certa sequência, um embasamento teórico e conceitual da temática (material e processual), seguindo de estudos dos casos jurisprudenciais do Estado de São Paulo que discutam a aplicabilidade da Ação Civil Pública como instrumento de controle judicial das políticas públicas relacionadas à obrigatoriedade do tratamento de esgotos.

    Desse modo, essa introdução aborda os intróitos que justificam o tema. No segundo capítulo são abordados o histórico da tutela jurídica das águas no Brasil e as respectivas alterações de seu regime jurídico, as quais darão base a definições que, de outra forma, pareceriam, se não artificiosas, pelo menos demasiadamente dogmáticas, pois até o surgimento da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981, que legitimou o Ministério Público da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, o processo civil tradicional era o único instrumento de tutela jurisdicional das águas.

    O capítulo três aborda a Ação Civil Pública e Recursos Hídricos e suas etapas, isto é, por meio de um breve e elucidativo histórico dos conflitos ocorridos sob a égide do Código Civil de 1916 e do Código de Águas de 1934 e das noções propedêuticas da Ação Civil Pública Ambiental, verificar-se-á os papéis contemporâneos dos Poderes Executivos do Estado brasileiro, do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos demais segmentos da sociedade nessa temática da obrigatoriedade de tratamento de esgotos domésticos⁶.

    No capítulo quatro trata-se da problemática da jurisdicionalização das políticas públicas e seus desdobramentos, ilustrando o segmento doutrinário do controle jurisdicional dos atos administrativos de gestão (utilização, preservação e recuperação) do bem difuso águas e o confronto das jurisprudências tradicionais e inovadoras do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça quanto aos conflitos sobre poluição hídrica causada pelo lançamento de esgotos domésticos sem o devido tratamento.

    Também se destaca nesse capítulo quatro títulos executivos extrajudiciais originados dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre saneamento, firmados pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, onde se verifica o predomínio absoluto da presença da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), já que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) vem recusando continuamente firmar Termos de Ajustamento de Conduta.

    Por fim, busca-se em todo esse contexto metodológico clarificar e conscientizar o Poder Judiciário de seu relevante papel social, ao se autoafirmar como Poder da República Federativa do Brasil neste século XXI, quando de uma tutela jurisdicional ambiental que se relacione com o direito material ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. E no capítulo quinto são apresentadas as considerações finais, encerrando a empreitada.


    1 Resolução 55/196, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20.12.2000.

    2 TEIXEIRA, Gisele. Água pode se tornar fonte de tensão no planeta, 2003, p. C-2.

    3 SANASA, Informativo. Dia mundial da água, 2002, p. 15. REBOUÇAS, Aldo da Cunha. Água doce no mundo e no Brasil, 2002, p.1-37.

    4 Ibid.

    5 É norma constitucional de aplicação imediata proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI do art. 23 da Constituição Federal).

    6 Segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, a poluição das águas é causada por (a) efluentes domésticos, (b) efluentes industriais e (c) cargas difusas urbana e agrícola. A temática desta dissertação prende-se aos efluentes domésticos.

    2. HISTÓRICO DA TUTELA JURÍDICA DAS ÁGUAS NO BRASIL

    A história da humanidade costuma ser analisada, também, pela crescente intervenção do homem no meio ambiente. Depois da Revolução Industrial e do desenvolvimento de novas tecnologias, o homem foi ampliando o seu domínio sobre a natureza e rompendo a íntima dependência de todas as espécies com o meio ambiente. Passou, então, da adaptação dele ao meio ambiente para a adaptação do meio ambiente às suas necessidades.

    Porém, paralelamente a essa evolução desenvolvimentista, criaram-se os impactos ambientais, dado que não havia a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais não renováveis ou com a capacidade limitada de regeneração dos recursos naturais renováveis.

    A preocupação de forma direta com o processo de conciliar o desenvolvimento econômico com a qualidade ambiental só se iniciou na década de 1960. O conhecido Relatório Meadows, preparado pelo Clube de Roma e denominado Limites do Crescimento, encarregou-se de popularizar tais ideias. O primeiro marco global em defesa do meio ambiente pode ser considerado a Conferência de Estocolmo⁷, em 1972. Nessa Conferência, o Brasil defendeu a tese desenvolvimentista a qualquer custo e não reconheceu a gravidade dos problemas ambientais, defendendo o direito de crescer e de ter acesso aos padrões de bem-estar alcançados pelas populações dos países ricos⁸. Ou noutras palavras: estava-se dando boas-vindas às indústrias poluidoras que já começavam a sofrer restrições nos países desenvolvidos, pois o Brasil entendia que a poluição era sinônima de progresso⁹.

    Em verdade, o fato mostra que o entendimento dominante à época era de que o desenvolvimento econômico e a qualidade ambiental eram antagônicos e inconciliáveis¹⁰. Assim, em decorrência da Conferência de Estocolmo, foram criados programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA); o Programa Observação da Terra, Earthwact e a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD).

    Durante o período de 1983 a 1987 a CMMAD pesquisou e analisou a situação de degradação ambiental e econômica da Terra e, em 1987, produziu o relatório desse trabalho, que ficou conhecido mundialmente como Relatório Brundtland, ou Our common future¹¹.

    O produto desse trabalho deu base à elaboração de propostas políticas para a Conferência do Rio de Janeiro¹² de 1992 e trouxe, em suma, dois novos conceitos: o de uma nova ordem econômica internacional e o de desenvolvimento sustentável. Conquanto esses documentos venham sendo interpretados de diferentes maneiras, eles deixam clara a necessidade de conciliar o crescimento econômico e a conservação ambiental.

    Foi por causa desse histórico em relação ao aspecto internacional e em razão dos fatos brasileiros que, em tempos recentes, o uso e a importância da água passaram a preocupar a população brasileira como um todo¹³. Hoje se tornou comum haver debates, programas de televisão e notícias de jornais sobre as águas, deixando de lado a antiga visão de inesgotabilidade e adotando a atual visão de esgotabilidade, seja pela escassez ou pela poluição.

    O caso do Nordeste já é bastante conhecido, porque a herança deixada pelos nossos colonizadores lusitanos, com a devastação maciça do pau-brasil ali existente, deu origem ao chamado Triângulo da Seca. Vladimir Passos de Freitas acrescenta que, no Sudeste, embora a água seja abundante, ela é de má qualidade. Em São Paulo, a invasão de áreas de mananciais hídricos pela população carente é um dos maiores problemas. Já no Rio de Janeiro, os dejetos industriais lançados no rio Paraíba do Sul tornam seriamente precária a água que o abastece. E no Rio Grande do Sul, falta água para irrigar os arrozais¹⁴.

    Em verdade, tanto a tutela jurídica à época do Código Civil de 1916 como do Código de Águas de 1934 eram voltadas para os problemas das águas doces como algo limitado aos conflitos de vizinhança ou ao aproveitamento para insumo de energia elétrica, e, portanto, referia-se apenas aos desdobramentos do direito privado da propriedade do referido bem.

    Porém, os tempos mudaram e a evolução das atividades humanas encarregou-se de torná-los desatualizados. E é nesse contexto que se analisa a evolução sistemática das alterações do regime jurídico das águas no Brasil, caracterizando suas tutelas jurídicas às épocas e as consequências disso para os operadores do direito quando em busca de uma tutela jurisdicional que se relacione à utilização, preservação e recuperação das águas.

    A propósito da tutela jurisdicional, cumpre esclarecer desde já que o emprego desse termo não tem sido feito de maneira uniforme pela doutrina. Mas, para os fins desta dissertação e numa visão processualística contemporânea, se adota o entendimento de que, necessariamente, a tutela relaciona-se, pois, com o direito material; distingue-se da prestação jurisdicional (serviço jurisdicional) ou do dever de resposta ao poder de ação¹⁵.

    Assim, entendendo que em todo trabalho científico é preciso haver uma visão crítica da situação e um projeto de repensar a temática, articula-se a ideia de fortalecer o nexo entre o processo e o direito material ligado às águas, dando-se com isso um passo adiante à fase instrumentalista processual. O processo é e sempre será meio e não fim em si mesmo de realização do direito material, sendo inegável, ainda, que o juiz precisa exercer, sem usurpação, o poder-dever de adaptar e de vivificar direitos numa sociedade democrática e livre¹⁶.

    2.1 - AS ALTERAÇÕES DO REGIME JURÍDICO DAS ÁGUAS NO BRASIL

    A compreensão do regime jurídico das águas prende-se não só no fato de uma exigência lógica e sistemática, como da própria compreensão da adaptabilidade da tutela jurisdicional e, acima de tudo, de uma necessidade de posicionamento que determinará a extensão do controle jurisdicional contemporâneo dos atos administrativos relacionados à utilização, preservação e recuperação das águas, bem de domínio público e de uso comum múltiplo.

    José Cretella Júnior leciona que delinear o regime jurídico de um instituto e definir-lhe sua natureza jurídica é situá-lo, precisamente, no sistema jurídico a que pertence¹⁷. Dessa forma, pode-se dizer que cabe ao ordenamento jurídico de cada país definir a natureza jurídica das águas nele existentes.

    2.1.1 - O Código Civil de 1916

    Um dos precursores da literatura jurídica a respeito de águas no Brasil foi Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça¹⁸, que, já em 1909, publicou a obra Rios e Águas Correntes em suas relações jurídicas. Permeada de individualismo, sua obra destacava-se pela erudição, clareza e pelo conjunto de conhecimentos técnicos que divulgava

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