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A Maldade do Caranguejos
A Maldade do Caranguejos
A Maldade do Caranguejos
E-book312 páginas4 horas

A Maldade do Caranguejos

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Sobre este e-book

OBRA VENCEDORA DO PRÊMIO "LE FENICE" EDIÇÃO 2016

Três contos.

Três modos diferentes de interpretar o amor e a morte.

Em "Morte no Teatro" alguém joga o pobre William em um turbilhão de situações paradoxais que o atropelam em uma tranquila manhã de primavera. Quem orquestrou a morte de seu pai?

Uma história divertida e grotesca

No "Amor do Diabo" o demônio se muda para uma pequena cidade e abre um inferno doméstico em benefício dos moradores: uma casa de jogos.

Mas o que acontece se o diabo se apaixona por uma mulher?

Uma história de paixão com tons góticos.

O conto final, "Invisível", breve e delicado, fala de uma vida passada na sombra de uma clausura autoimposta em relação ao amor. 

Em todos os três casos, emoções contrastantes se alternam na leitura e oferecem situações inesperadas.
 

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento18 de fev. de 2021
ISBN9781071588475
A Maldade do Caranguejos

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    A Maldade do Caranguejos - Angelo Basile

    A maldade dos caranguejos

    Para Silvia,

    que acredita em mim obstinadamente

    Sem ela,

    essas palavras jamais teriam visto a luz

    Vivo uma incômoda dicotomia de verão.

    Amo o mar e a sensação de liberdade que o seu horizonte oferece, mas odeio estar na praia cozinhando lentamente ao sol.

    Resolvi o problema há alguns anos comprando um barco, comprometendo-me a pagar prestações por dez anos, mas não me arrependo de nada.

    Ele tornou-se a minha segunda casa, aquela que eu prefiro, e todos os verões passados a bordo com minha família, viajando para metas sempre diferentes, à descoberta de sabores e cheiros novos, são a minha maior fonte de alegria.

    Como para todos os grandes navegadores, o desembarque, para mim, não se reveste de grande importância.

    O que conta é a viagem.

    Lembro-me com angústia da minha vida anterior, antes da reviravolta formidável que a minha aquisição me proporcionou, quando eu ainda era obrigado, no período de férias, a acordar de manhã cedo para assegurar um lugar onde plantar o guarda-sol, carregar, com ágil técnica de estratificação, a mala do carro, conseguindo enfiar ali: guarda-sol, bolsa de praia com toalhas, carrinho de bebê, saco com vários jogos de praia, barraca de camping para a soneca do menino, mochila com mudas de roupa e fraldas, isopor com o almoço, cadeiras dobráveis, boias de braço e salva-vidas infláveis, entre outras eventualidades. Depois de poucos quilômetros, o habitáculo alcançava a temperatura de fusão. Minha mulher descia com o menino no colo perto da praia, enquanto eu tinha que encontrar uma vaga. Geralmente a encontrava a não menos de dois quilômetros, mais perto de casa que da praia, e depois eu tinha que fazer diversas acrobacias para transportar tudo, fazendo pelo menos duas viagens. Conseguia estender-me frouxamente na toalha imaculada um pouco antes da hora do almoço, mas, em pouco tempo, eu teria que repetir as mesmas operações ao contrário, porque nas horas mais quentes era melhor não deixar o menino na praia.

    No verão passado, infelizmente, o barco teve um problema e só foi possível zarpar para o mar com uma semana de atraso em relação ao previsto.

    Nesse meio tempo, nós o usamos assim mesmo, ainda que parado no porto, indo a pé até a praia logo ao lado, uma língua de areia rodeada por duas baixas formações rochosas.

    Pelo menos eu tinha resolvido o problema do estacionamento e do carrinho de bebê, já que o menino descrito anteriormente se tornou um adolescente lindíssimo e muito preguiçoso, ao qual se juntou um irmãozinho, um pequeno marinheiro loiro que na época dos fatos tinha seis anos.

    Minha aversão pela imobilidade inútil da praia permanecia.

    Tinha pensado que conseguiria passar a semana que me separava da partida de forma bastante serena, trancado no pequeno espaço que a sombra do guarda-sol me oferecia, quem sabe lendo um livro.

    Não tinha contado com Martino, o de seis anos, o último a chegar.

    O pequeno manifesta em todos os âmbitos da sua vida uma energia aparentemente inesgotável, equiparável de algum modo àquela desenvolvida por uma usina termonuclear japonesa.

    Não fica parado praticamente nunca, só quando dorme, e é incapaz de executar uma só atividade de cada vez.

    Não me lembro de tê-lo visto alguma vez sentado fazendo uma refeição, por exemplo.

    Alterna cada garfada a uma partida no Playstation ou a um chute na bola com os amigos no quintal.

    O modo como administra a sua existência não me inquietaria se não fosse que, para ele, é inconcebível ver pessoas ao seu redor que não estão fazendo nada.

    Tenta, obstinadamente, envolver-me em alguma ocupação a cada vez que me vê com preguiça.

    Já entendi que não serve de nada tentar explicar que talvez o papai tenha tido um dia cansativo no trabalho, um daqueles que acabam com as costas, ou que talvez anseie por alguns minutos de silêncio.

    Para ele são palavras simplesmente incompreensíveis, sem fundamento.

    Naquela semana, em particular, ele se descobriu caçador.

    De caranguejinhos, para ser preciso.

    Aqueles animaizinhos coriáceos que se aninham nos recantos das pedras, saindo durante o dia para ficar pacificamente sobre as pequenas rugosidades observando o mar.

    Naturalmente, desde o princípio, envolveu-me à força nas suas expedições de caça.

    Sozinho não se diverte.

    Ora, os pequenos caranguejos que prosperavam naquela praia, eu não saberia dizer se todos os pertencentes àquela espécie manifestavam uma viva inteligência que resultava, no fim, em verdadeira maldade.

    Eram pérfidos.

    Quando Martino se aproximava, a alguns metros, pressentindo o perigo, eles corriam para enfiar-se em seus esconderijos entre as pedras.

    Os mais medrosos nem chegavam a sair.

    Mas ao pequeno isso não interessava muito.

    Não era tanto o resultado que o atraia, a captura passava para segundo plano, mas a caçada em si.

    A procura, o avistamento, a mira, fascinavam-no, e, sobretudo, eu diria que a tentativa humana de prevalecer sobre a natureza hostil, especialmente se era eu a colocar em prática todas as ações voltadas a esse objetivo final.

    Ele, às minhas costas, incitava-me, encorajava-me à tarefa.

    Parecia que esperavam por mim, imóveis, sobre as pedras molhadas.

    Ao contrário de quando Martino se aproximava, se era eu a chegar, com cautela e precaução, eles não escapavam.

    Ficavam ali, movendo apenas os seus olhinhos para seguir meus movimentos.

    Pareciam quase excitados nessa espera, abalados por tremores imperceptíveis.

    Eu tinha aprendido a me aproximar deles por várias direções, enfrentando-os a partir do mar aberto ou armando emboscadas desleais, surpreendendo-os pelas costas, escalando de cabeça para baixo nas pedras, com Martino que observava encantado a uma certa distância para que não escapassem.

    Mas a conclusão era sempre a mesma.

    Permaneciam imóveis até o último instante quando eu batia com a mão aberta contra a pedra na tentativa de capturá-los.

    Eles então se recolhiam, zombeteiros e rápidos, às profundezas das suas fissuras, emitindo uma espécie de estalo que acredito correspondesse ao rompimento da barreira do som.

    Um segundo antes estavam ali e logo depois, em seus lugares, só havia bolhas e pedras.

    Martino mostrava-se compreensivo e me encorajava a logo procurar outros.

    Ele poderia ficar me olhando tentar capturar um pequeno caranguejo por horas.

    Depois de tentativas incontáveis, no entanto, a minha dignidade ferida prevalecia e eu voltava, derrotado, para baixo do guarda-sol.

    Em umas duas ocasiões pareceu-me ver um caranguejo mostrar um sorriso insolente ao ver que eu me afastava, pareceu-me ouvir uma odiosa risadinha.

    Eu não podia suportar.

    Não podia também decepcionar o pequeno que a cada vez renovava a sua confiança em mim, encarando-me com aqueles olhos redondos de filhote e me propondo: Papi, vamos caçar caranguejos?

    Preciso encontrar uma solução.

    Passei a noite pensando e, às primeiras luzes da manhã, tive uma iluminação.

    Existem situações nas quais um homem deve usar a astúcia.

    Essa era uma lição que eu tinha aprendido com Ulisses, lendo a Ilíada nos tempos da escola.

    Uma parte de mim sentia-se mesquinha diante da ideia de usar uma artimanha desleal com um menino de somente seis anos, mas outra parte, aquela voltada para a autoconservação, eu tinha certeza de que teria prevalecido.

    Assim, naquele dia na praia me agachei debaixo do guarda-sol, minha mulher deitada ao sol se bronzeando próxima a mim e Lorenzo, de treze anos, com os fones enfiados nos ouvidos, pouco distante.

    Martino já estava explorando os arredores correndo de um lado para o outro na praia.

    Pouco depois, como eu tinha previsto, ele insinuou-se na pequena sombra que me protegia da agressão do sol, colocou os olhos nos meus e veio com o pedido de sempre: Papi, vamos caçar caranguejos? Vi uns enormes!

    Segurei, com dificuldade, um sorriso.

    Propus a ele um novo jogo.

    Sabia que ele não resistiria.

    É naturalmente curioso, como todas as crianças dessa idade.

    Oooooook, disse sorrindo, mas depois vamos caçar?

    Claro!

    Tinha arquitetado um loop, um daqueles jogos de palavras que podem continuar até o infinito.

    Juntei o resto da família, fazendo-os sentar em círculo, minha mulher bocejando e Lorenzo incomodado por ter sido distraído do seu mundo virtual, no qual já tinha se perdido.

    O mais curioso de todos era mesmo Martino.

    Expliquei as regras, sempre sorrindo.

    Tratava-se de começar uma palavra com as duas últimas letras daquela precedente dita pelo jogador sentado ao lado, completando a rodada.

    Dei um exemplo para assegurar-me que Martino tivesse entendido.

    Por exemplo: eu digo bola, Martino diz lago, Lorenzo, gota e mamãe, tamanco. Está claro?

    O pequeno anuiu, visivelmente excitado.

    Eu não sabia por quanto tempo resistiríamos àquele jogo, mas pressupus que pelo menos uma meia hora.

    Em uma fantasia audaz ousei pensar que chegaríamos até a hora do almoço longe das pedras e de seus impunes habitantes.

    Eu sorria feliz quando disse: Javali. Agora é você, Marti.

    Quase berrou: Lição!

    O sorriso coagulou-se no meu rosto, Lorenzo recolocou os fones e retornou para um mundo distante, minha mulher me olhou por um segundo sacudindo a cabeça e voltou a deitar-se.

    Martino, nesse meio tempo, já tinha disparado em direção ao mar.

    Por alguns segundos, no meu cérebro, engrenagens invisíveis enguiçaram repetindo continuamente o mesmo som: ão, ão, ão.

    Depois, pensamentos terríveis surgiram na minha consciência.

    Aquele pequeno monstro tinha só seis anos.

    Talvez aos dez, já será capaz de controlar a minha mente e me coagirá a fazer tudo o que ele quiser.

    Aos vinte, poderá assumir o poder e dominar o planeta.

    Foi justamente a sua voz a me fazer voltar à realidade.

    Voltou pingando depois de ter mergulhado no mar.

    Eu sabia o que ele queria.

    Papi, agora vamos caçar caranguejos?

    Dei-lhe um beijo, estava salgado, peguei-o pela mão e me dirigi para as pedras.

    Os contos que seguem, mesmo sendo muito diferentes entre si, têm um fio condutor.

    O amor, declinado em numerosas maneiras.

    Tentei deixá-los atrevidos como os pequenos caranguejos que descrevi.

    Quando vocês os estiverem quase capturando, eles escaparão por entre seus dedos, quem sabe proporcionando emoções inesperadas.

    Aconteceu comigo enquanto os escrevia.

    Morte no teatro

    I

    Eu e meu pai

    A primeira vez em que matei meu pai, eu tinha por volta de doze anos.

    Lembro da brisa fresca de uma noite de verão que me acariciava o rosto suado depois de ter corrido e combatido fantasmas com uma espada de madeira no jardim da velha casa circundada por pinheiros. Ele tinha voltado de uma turnê não sei onde e estava me olhando distraidamente, sentado na varanda junto com minha mãe, Claudia, matando alguns mosquitos com uma mão e com a outra bebericava mais uma taça de vinho gelado. Mais uma... a que número ele tinha chegado?? Não lembro mais.

    Com um salto, ele se levantou da cadeira, quase derrubando-a, como se tivesse sido atingido por uma revelação imprevista, o olhar, antes perdido, agora estava cortante e alucinado, e assim ele correu para dentro. Pouco depois voltou com duas espadas, que a mim pareciam enormes, uma lembrança de uma estreia sua qualquer que ele guardava em casa como uma relíquia, a lâmina flamejante à luz do entardecer, a empunhadura pesada e com tachas. Jogou-me uma aos pés e avançou com passos decididos na minha direção, berrando com voz de trovão, como era seu feitio, mesmo que um pouco arrastada por conta do vinho: Em guarda, Macduff, e que seja danado aquele que primeiro gritar: pare, chega!

    O que diziam sobre meu pai, que conseguia hipnotizar com a sua presença cênica quem o olhasse, era verdade, e eu me dei conta naquela noite. Sem entender, recolhi a espada e cruzei-a com a sua, que, como um louco, a girava, dando início ao meu destino. Ele golpeava e levava a mão à boca, protegendo-a, como se estivesse se escondendo de um público inexistente, com exceção da minha mãe que olhava preocupada, sugeria-me como aparar os golpes e esquivá-los. Depois indicou o seu peito à altura do coração e me acorrentando ao seu olhar berrou: Acerte aqui, aqui no coração, e seja certeiro, o seu golpe não deve deixar dúvidas quanto à sua letalidade!

    E eu acertei! A lâmina pareceu afundar um palmo no seu peito, desaparecendo entre as suas costelas, enquanto, na realidade, retirava-se sobre si mesma graças a um mecanismo cênico, parecido com uma antena de um radinho transistorizado.

    Meu pai caiu de joelhos aos meus pés, levando uma mão ao peito onde tinha ressoado o talho mortal, depois se acocorou de maneira muito teatral e permaneceu imóvel por alguns segundos, que me pareceram eternos, a ponto de olhar a lâmina que segurava firme nas mãos à procura do sangue paterno.

    Depois o ator levantou-se, sacudido por violentas risadas, acertou um tremendo tapa em minhas costas que me deixou sem fôlego e, sempre rindo, ladrou: Muito bem, Macduff, você matou seu primeiro Macbeth.

    Aquela foi a primeira de muitas outras vezes, em palcos muito menos encantados para mim e diante de públicos mais numerosos, que matei meu pai.

    A última vez foi esta manhã.

    O que aquele grande ator viu, naquela noite distante, em um garotinho pele e osso, já me perguntei inúmeras vezes, mas nunca encontrei uma resposta satisfatória. Tenderia a excluir o talento, porque se existe uma coisa que eu não tenho é justamente essa, mas acredito que isso lhe provocasse um certo prazer perverso. Sim, porque tão grande e valente era o ator, tão mesquinho revelava-se o homem debaixo da máscara da maquiagem.

    Dedicado ao álcool, vicioso e violento, esse era Ricardo Wilhelm Preis homem, o maior intérprete e diretor shakespeariano moderno.

    Minha mãe, Cláudia, atriz dramática em início de carreira, mas já muito apreciada, ficou literalmente arrebatada quando ele se apresentava em cena, ainda não no ápice do sucesso, mas já aclamado como artista. A parceria nas cenas e nos quartos foi inevitável, e da segunda eu nasci para ser depois incorporado também na primeira, por desejo de meu pai, um ato quase incestuoso, mas de resto perfeitamente em harmonia com a sua alma hamletiana.

    Em seguida, o casamento com minha mãe e a viagem de núpcias, um cruzeiro para lugares exóticos, e mesmo que o navio o qual os transportava tenha tido um acidente e afundado, o que suscitou muito clamor na imprensa da época, isso não foi interpretado pelos dois como um mau agouro.

    No início, Ricardo mostrou-se somente muito autoritário com Cláudia, depois começaram as bebedeiras, os insultos e as agressões, às quais minha mãe tentava remediar com algumas pinceladas a mais de maquiagem nos camarins antes de encarar a cena. A tudo isso seguiram-se as traições, cada vez mais frequentes.

    Parecia que era uma questão de honra transar com cada atrizinha, com cada cadela que lhe atravessava o caminho, ficando fora de casa noites inteiras (nas quais eu e minha mãe dormíamos abraçados na mesma cama, temporariamente ao reparo de berros e violências).

    Aquela criatura infernal tinha nos tornado submissos, tristes participações na cena tumultuada da sua vida.

    Dramaticamente, nunca ninguém suspeitou da verdadeira natureza de meu pai: o ator era grandioso, no teatro triunfava e brilhava com luz própria como um astro ofuscante. Mesmo nos ensaios, quando se apresentava em cena, acabado, depois de uma noite insone, repleta de álcool e sexo, sabia manejá-la com maestria absoluta, e qualquer escorregão na interpretação do texto era geralmente atribuído à sua excentricidade de artista. De grande artista.

    Nunca, nem a mim nem à minha mãe, veio à cabeça desmascará-lo, de tanto que éramos prisioneiros do seu carisma. Mas o odiávamos.

    A sua maldade não natural manifestava-se também na atribuição dos papéis: sempre de primeira grandeza para minha mãe, de quem já tinha compreendido a vontade íntima de não aparecer para não ter que se submeter à humilhação, também profissional, de desaparecer diante da inigualável grandeza do marido. Teria preferido quase se retirar dos palcos, mas ele nunca lhe permitiu isso: ela era sempre a doce Julieta, até quando a idade permitiu, a ávida Lady Macbeth, a desventurada Ofélia, a inocente Desdêmona.

    Nunca deixava de obrigá-la a ler, sorrindo maldosamente, as críticas e as recensões dos espetáculos, todas centradas sobre a sua pessoa, nas quais minha mãe era liquidada com algumas palavras circunstanciais, definida ora como uma boa atriz magistralmente dirigida, ora como perfeita escada, a esplêndida conclusão, quase uma homenagem a ele, o grande marido.

    E depois vinha eu, como já disse.

    Na realidade, eu sempre tive uma mente matemática. Desde pequeno, interessavam-me os cálculos e os problemas que eu conseguia resolver com uma certa facilidade, o que me dava grande satisfação. A paixão pela recitação, pela arte em geral, excluindo o estudo das proporções de certos desenhos anatômicos, eu nunca tive. Ao contrário, quanto mais eu aprendia a conhecer meu pai, mais eu detestava o mundo que ele criara em torno de si, tudo aquilo que para ele representava o objetivo último da existência, antes de qualquer coisa, o teatro era como fumaça nos olhos para mim.

    Naturalmente, ciente de tudo isso, ele endereçou os meus estudos para a recitação, fazendo-me frequentar as melhores escolas de artes dramáticas, os mais prestigiosos cursos de teatro. Os professores eram todos amigos seus e estimavam-no como o melhor homem sobre a terra, alguns eram até mesmo ganhadores de prêmios Nobel, mas todos lhe tinham uma sujeição velada. Quando, com ar triste, eram obrigados a referir-lhe os próprios insucessos na missão a eles confiada de fazer com que eu me tornasse um grande ator, o digno herdeiro de tal pai, ele fingia uma dor profunda e uma resignação ascética, mas eu sabia que na verdade, naqueles momentos, ele atingia um êxtase paradisíaco, tendo alcançado o duplo objetivo de humilhar as intenções dos meus professores e de fazer com que me reconhecessem como filho indigno, um infortúnio. Dois coelhos com uma só cajadada.

    Eu nunca ousei me rebelar, de alguma forma completei os estudos e meu pai me acolheu sob sua asa benevolente, como o melhor dos pais.

    Os críticos nem falavam de mim, de tanto que os meus papéis eram secundários, o que quer que possa pensar o Bardo que os havia escrito. E a direção de meu pai parecia achatar ainda mais os meus personagens, tornava-os estéreis e quase inúteis: eu podia ser às vezes Rosencranz ou Guilderstain, o primo de Romeu (quem de vocês, como toda a honestidade, lembra o seu nome?) e outros desse tipo.

    O único papel que eu guardava no meu coração com carinho, talvez porque fosse o primeiro que interpretei e o único que arrancou um muito bem da boca de meu pai naquela famosa noite de verão, era justamente aquele de Macduff.

    Naturalmente, só o fato de assassinar o tirano e tomar o seu lugar, mesmo que apenas no palco, desempenhava o seu papel.

    Agora, no entanto, tenho que voltar a esta manhã, para que o conto possa continuar, para dar-lhe um fio lógico que vocês possam seguir com facilidade.

    Mas primeiro tenho que fazer uma premissa.

    O teatro.

    Não entendido como a representação da vida ou mais frequentemente dos sonhos (aqueles meus de matar o tirano, por exemplo), mas como lugar físico e concreto feito de paredes, madeira e luzes, também esse era de meu pai.

    Teatro Preis, assim se chama.

    Pequeno, recolhido em si mesmo como um caracol, inserido em uma rua estreita do centro de Milão, séculos de idade e embebido em arte e história, meu pai restaurou-o quando este atravessava um período de declínio e graças a ele o teatro se acendeu com nova vida, como um fogo que incendeia o pavio de uma vela e ela começa a iluminar a noite, como se o mérito fosse seu e não do fogo que a acendeu.

    Nos fundos do pequeno estabelecimento, colocava-se à mostra para poucos íntimos uma cerejeira esplêndida e viçosa, enraizada em um jardim que meu pai, com um zelo maníaco, certificava-se que fosse cuidada por um jardineiro, sendo o pequeno casebre de ferramentas próximo à cerca testemunha de tudo isso, situado no extremo oposto do jardim.

    Por que, podemos perguntar, uma mente abjeta como aquela que descrevi, cultivasse a beleza ao invés de uma mente límpida naquele jardim pequeno, mas tão acolhedor, colorido por rosas e tulipas amarelas, observado pela doce e frondosa cerejeira?

    Isso eu realmente não sei, mas mesmo que eu sinta muito por não satisfazer uma legítima curiosidade de vocês, devo continuar essa narrativa, devo desembaraçar os nós.

    Então, esta manhã, eu já estava no teatro desde às sete, justamente porque em cartaz tínhamos a estreia de Macbeth e meu pai queria sempre ensaiar de manhã a cena final comigo, o famoso duelo no qual Macduff finalmente tem sua vingança sobre o tirano, sobre o

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