Liberdade de Expressão nas Redes Sociais: o problema jurídico da remoção de conteúdo pelas plataformas
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Liberdade de Expressão nas Redes Sociais - Rodrigo Vidal Nitrini
4-B.
CAPÍTULO 1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INTERNET: A RECONFIGURAÇÃO DA CAPACIDADE DE ESTADOS NACIONAIS PARA A REGULAÇÃO DE DISCURSOS
Este primeiro capítulo apresenta um argumento inicial que servirá como ponto de partida para o desenvolvimento da obra. De certo modo, parte de um ponto de vista mais tradicional e familiar ao direito constitucional – uma perspectiva que remete à centralidade histórica de estados nacionais – para caminhar, então, em direção ao tema mais amplo no qual se insere o problema jurídico a ser enfrentado: a governança privada de discursos pelas grandes plataformas de internet.
Nesse sentido, serão apresentadas em linhas gerais as principais maneiras pelas quais a internet, cada vez mais organizada em torno de grandes intermediários, abalou aquela centralidade de estados na seara da regulação de discursos. O argumento principal a ser consolidado é o de que o desenvolvimento da arquitetura da internet implicou uma diminuição da capacidade relativa por parte de estados para a regulação de discursos.
Isso não quer dizer que estados não possuem uma capacidade muito relevante de atuação nessa seara, exercida por atos de governo, leis e decisões judiciais, por exemplo. Mas será apresentado um retrato sobre como a internet criou um ambiente mais complexo e multifacetado no qual a regulação de discursos por parte dos estados nacionais coexiste – e muitas vezes compete – com a regulação de grandes atores privados e transnacionais.
1.A – CÃES, GATOS E RATOS NO PALCO DA COSMÓPOLIS
A liberdade de expressão costuma ser compreendida como um direito fundamental liberal clássico, historicamente articulado como uma salvaguarda em face do estado. Suas origens remontam às do próprio constitucionalismo, porque essa liberdade buscava impor limites à então forte capacidade que estados possuíam de permitir ou proibir discursos. Por isso, as principais teorias em torno da liberdade de expressão costumam formular justificativas ou concepções desse direito em torno de teorias ou argumentações democráticas, normalmente a partir do paradigma de estados nacionais.
A defesa de uma robusta liberdade de expressão como direito individual feita por Ronald Dworkin decorre de sua teoria democrática – pela qual o estado deve tratar cada cidadão como dotado de dignidade e respeito próprios, argumento igualitário que legitima a imposição da lei nacional a cada um, mesmo quando vencido no debate democrático, exatamente a partir do direito que se tem de dela discordar publicamente e advogar por sua mudança²⁷. Outra forte corrente de autores sublinham a importância da liberdade de expressão para que a democracia conte com um vigoroso debate público que viabilize o autogoverno democrático²⁸. Isso não significa que teóricos da liberdade de expressão guardem entre si um alto grau de concordância, muito pelo contrário: visões de democracia e de teorias a ela subjacentes comportam inúmeras vertentes, das mais libertárias e avessas a regulações por parte de governos²⁹ a aquelas que demandam de estados uma postura de maior intervenção visando a construção de uma esfera pública mais equilibrada³⁰.
Ainda assim, o que essas referências gerais sublinham neste momento é a centralidade que o paradigma de estado nacional tradicionalmente possui nas reflexões em torno da liberdade de expressão. Entretanto, talvez nenhum outro direito fundamental tenha tido seu exercício tão rapidamente modificado pela internet, por conta de sua arquitetura global e de seu desenvolvimento comercial, quanto a liberdade de expressão.
Fronteiras nacionais passaram a importar menos do que antes na observância das regras de divulgação e propagação de discursos. Novos obstáculos e limitações se colocaram diante da pretensão de efetividade de regras jurídicas nacionais. Foram criadas, sobretudo, condições que facilitam a transposição de discursos para amplos e diversificados contextos culturais e sociais, uma globalização específica das condições do discurso livre.
Timothy Garton Ash diz que a era do discurso digital nos levou a viver em uma Cosmópolis
– uma espécie de cidade global
, onde as pessoas são vizinhos digitais
. A Cosmópolis existe na interconexão dos mundos físico e virtual
, sendo o contexto transformado para qualquer discussão sobre a liberdade de expressão em nossa época
. Por essas razões, ela é ao mesmo tempo local e global
; cada qual fala a partir de sua própria realidade provinciana, em um palco cosmopolita e mundial³¹.
Um primeiro aspecto dessa vivência na Cosmópolis – entrelaçada entre os mundos físico e virtual
– é bastante aparente: a maior dificuldade que estados nacionais possuem de fazer valer suas antigas ferramentas para regular ou controlar discursos dentro de seus territórios. Em alguns casos, restrições há poucos anos extremamente poderosas se tornaram quase que inócuas. Como, por exemplo, as proibições a livros.
Tome-se por exemplo a proibição judicial à venda do livro Minha luta
, de Adolf Hitler, determinada em 2016 por um juiz criminal de primeira instância no Rio de Janeiro. O caso gerou razoável repercussão na imprensa³² e o teor da decisão foi objeto de atenção de dedicada análise acadêmica³³. Afinal, a proibição pelo estado – por órgãos administrativos ou por decisões judiciais – à venda de livros, exibição de filmes ou peças de teatros constitui um conjunto de problemas clássicos frente à liberdade de expressão. Mas para além dos argumentos jurídicos que tradicionalmente emergem, pouca atenção se dá à menor efetividade, nos dias de hoje, de uma ordem judicial que determina uma proibição do