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O Direito de Acesso à Informação Pública: O Princípio da Transparência Administrativa
O Direito de Acesso à Informação Pública: O Princípio da Transparência Administrativa
O Direito de Acesso à Informação Pública: O Princípio da Transparência Administrativa
E-book702 páginas10 horas

O Direito de Acesso à Informação Pública: O Princípio da Transparência Administrativa

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Sobre este e-book

O tema deste livro é o estudo do conteúdo jurídico do princípio da transparência administrativa, que tutela tanto o direito fundamental de acesso à informação como também o interesse público da transparência administrativa, como instrumento de fomento ao controle social do exercício da função administrativa.

O momento é, de fato, de quebras de paradigmas. Há duas décadas praticamente não se ouvia falar de transparência no País e agora a realidade está posta nos jornais, nas salas de aula e em congressos jurídicos. Os instrumentos foram dados, agora é preciso que população e autoridades despertem e caminhem juntas em direção ao combate efetivo à corrupção e ao incentivo a práticas de participação popular, por meio do incremento da transparência. A consciência republicana parece ser um fenômeno cíclico no Brasil. Ela foi bastante fortalecida em 1983, com o movimento das Diretas Já, e repetiu-se de certa forma com o impeachment de um presidente da República 10 anos depois. Mais recentemente voltou a ganhar espaço com os inúmeros escândalos de corrupção que assolam o País, mas ainda assim se trata de uma noção em formação em nossa cultura.

Oxalá a Lei de Acesso à Informação Brasileira seja o marco legal de uma nova era em nosso país, a era da transparência na Administração Pública controlada pelo povo. É chegada a hora de esse povo brasileiro, que é tão transparente em suas relações sociais cotidianas, buscar desenvolver a transparência também no exercício do poder.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de nov. de 2019
ISBN9788547319069
O Direito de Acesso à Informação Pública: O Princípio da Transparência Administrativa

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    Pré-visualização do livro

    O Direito de Acesso à Informação Pública - Fernando Augusto Martins Canhadas

    Paulo

    SUMÁRIO

    Introdução

    Capítulo I

    Os Princípios Jurídicos

    1. Diferentes Acepções do Vocábulo Princípio

    2. Princípios Jurídicos como Mandamentos de Otimização

    2.1. O Neoconstitucionalismo 

    2.2. A Doutrina de Ronald Dworkin 

    2.3. A Doutrina de Robert Alexy 

    2.4. A Doutrina de Humberto Ávila 

    2.4.1. As Críticas de Humberto Ávila à Teoria dos Princípios 

    2.4.2. A Teoria de Humberto Ávila e os Postulados Normativos 

    2.5. A Doutrina de Virgílio Afonso da Silva 

    2.6. Nossa Definição 

    Capítulo II

    A Transparência na Administração Pública: Experiências no Exterior e no Brasil

    1. A Transparência Administrativa no Direito Comparado 

    1.1. Considerações Iniciais 

    1.2. A Transparência Administrativa no Direito Espanhol 

    1.3. A Transparência Administrativa no Direito Italiano 

    1.4. A Transparência Administrativa no Direito Alemão 

    1.5. A Transparência Administrativa no Direito Francês 

    1.6. A Transparência Administrativa no Direito Inglês 

    1.7. A Transparência Administrativa no Direito Húngaro 

    1.8. A Transparência Administrativa no Direito Esloveno 

    1.9. A Transparência Administrativa no Direito Mexicano 

    1.10. A Transparência Administrativa no Direito Suíço 

    1.11. A Transparência Administrativa no Direito Canadense 

    1.12. A Transparência Administrativa no Direito Norte-Americano 

    1.13. A Transparência Administrativa no Direito Chileno 

    1.14. Considerações Finais acerca da Transparência no Direito Comparado 

    2. A Transparência Administrativa na Experiência Brasileira 

    2.1. Evolução Histórica 

    2.2. As Referências Normativas Atuais 

    2.2.1. A Transparência Administrativa na Constituição da República de 1988 

    2.2.2. A Transparência na Legislação Infraconstitucional 

    2.2.2.1. A Lei de Registros Públicos (Lei Federal 6.015/73). 

    2.2.2.2. Lei da Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados (Lei Federal 8.159/91) 

    2.2.2.3. Leis de Licitações (Leis Federais 8.666/93, 10.520/02 e 12.426/11) 

    2.2.2.4. Lei da Garantia de Certidão (Lei Federal 9.051/95) 

    2.2.2.5. Lei da Interceptação Telefônica (Lei Federal 9.296/96) 

    2.2.2.6. Lei do Habeas Data (Lei 9.507/97) 

    2.2.2.7. A Lei dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores

    (Lei Federal 9.613/98 alterada pela Lei Federal 12.683/2012) 

    2.2.2.8. Lei de Processo Administrativo Federal (Lei Federal 9.784/99) 

    2.2.2.9. Lei de Responsabilidade Fiscal e Lei da Transparência (Lei Complementar 101/2000 com a redação alterada pela Lei Complementar 131/2009) 

    2.2.2.10. Leis de Sigilos Fiscal e Bancário (Leis Complementares 104/2001 e 105/2001) 

    2.2.2.11. Lei e Regulamento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção

    (Lei Federal 10.683/2003 e Decreto Federal 4.923/2003) 

    2.2.2.12. A Lei Federal 11.111/2005 

    2.2.2.13. A Lei de Acesso à Informação (Lei Federal 12.527/11) 

    2.2.2.14. A Lei da Comissão Nacional da Verdade (Lei Federal 12.528/2011) 

    3. A Transparência Administrativa em Juízo 

    Capítulo III

    A Transparência Administrativa no Ordenamento Jurídico: sua Identidade e suas Potenciais Restrições

    1. Considerações Iniciais 

    2. A Transparência Administrativa no Ordenamento Jurídico

    2.1. Notas Introdutórias 

    2.2. A Transparência e a Supremacia do Interesse Público 

    2.3. A Transparência e a Indisponibilidade do Interesse Público

    2.4. A Transparência e a Segurança Jurídica 

    2.5. A Transparência e a Boa-Fé Administrativa 

    2.6. A Transparência e o Princípio Republicano 

    2.7. A Transparência e a Igualdade 

    2.8. A Transparência e o Devido Processo Legal Substantivo – Razoabilidade e

    Proporcionalidade

    2.8.1. Considerações Iniciais 

    2.8.2. A Razoabilidade 

    2.8.3. A Proporcionalidade 

    2.9. A Transparência e a Legalidade 

    2.10. A Transparência e a Moralidade 

    2.11. A Transparência e a Impessoalidade 

    2.12. A Transparência e a Eficiência 

    2.13. A Transparência e a Motivação 

    2.14. A Transparência e a Participação Popular 

    2.15. A Transparência e a Publicidade 

    3. As Potenciais Restrições à Transparência Administrativa

    3.1. Considerações Iniciais 

    3.2. O Sigilo Exigido pelo Interesse Público 

    3.2.1. A Soberania Nacional 

    3.2.2. A Segurança do Estado e de suas Instituições Democráticas 

    3.2.3. O Sigilo Excepcional de Informações Estratégicas e de Relevante Interesse Público 

    3.3. O Sigilo Exigido pelo Interesse Privado 

    3.3.1. Os Direitos Fundamentais 

    3.3.2. Os Direitos relativos à Privacidade 

    3.3.2.1. O Direito à Intimidade 

    3.3.2.2. A Inviolabilidade do Domicílio 

    3.3.2.3. Os Sigilos de Correspondência, de Dados, Telefônico, Fiscal e Bancário 

    3.3.2.4. A Vida Privada 

    3.3.2.5. O Direito à Honra 

    3.3.2.6. O Direito à Imagem 

    3.3.2.7. O Sigilo Profissional 

    3.3.3. O Segredo Comercial 

    Capítulo IV

    O Conteúdo Jurídico do Princípio da Transparência Administrativa

    1. Considerações Iniciais 

    2. Aspectos da Transparência Administrativa 

    2.1. Aspecto Subjetivo 

    2.2. Aspecto Objetivo 

    2.3. Aspecto Formal 

    2.4. Aspecto Material 

    2.5. Aspecto Temporal 

    3. Modalidades Passiva e Ativa da Transparência Administrativa 

    4. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Transparência Administrativa 

    5. Nossos Comentários à Lei de Acesso à Informação (Lei Federal 12.527/11) 

    5.1. Síntese Conclusiva sobre a LAI Brasileira 

    Capítulo V

    A Transparência Obrigatória, a Transparência Permitida e a Transparência Proibida

    1. Considerações Iniciais 

    2. Lógica Deôntica – Breves Considerações 

    3. Modais Deônticos 

    4. A Estrutura Lógica dos Princípios 

    4.1. Normas Jurídicas de Estrutura e de Comportamento 

    4.2. A Estrutura Lógica dos Princípios 

    5. A Transparência Obrigatória, a Transparência Permitida e a Transparência Proibida 

    5.1. Notas Introdutórias 

    5.2. A Transparência Obrigatória 

    5.3. A Transparência Permitida 

    5.3.1. Ainda a Questão da Discricionariedade Administrativa 

    5.3.2. A Transparência Permitida pela Administração Pública 

    5.3.3. A Transparência Permitida pelo Particular 

    6. A Transparência Proibida 

    7. Sopesamento Fundamentado como Método para Solução de Colisões entre a Transparência Administrativa e os Interesses Públicos e Privados Protegidos por Sigilo

    7.1. Premissas Necessárias 

    7.2. Do Método de Sopesamento 

    8. A Transparência Ativa dos Vencimentos de Agentes Públicos 

    9. Notas acerca da Transparência e do Controle da Administração Pública 

    Síntese Conclusiva

    Referências

    Introdução

    A liberdade é tanto mais ampla, quanto maior o grau de informação que se assegure ao povo.

    (Norbert Wiener)¹

    O estudo que tem como objeto um princípio jurídico, qualquer que seja ele, via de regra é fascinante. E não fazemos essa afirmação apenas em razão do conteúdo material dos princípios examinados, mas pelo próprio instituto em si, cujo conteúdo ontológico já foi e continua sendo muito investigado e debatido pelas mais diferentes escolas jurídicas do mundo ocidental. Assim, só o tema princípios jurídicos, com as mais variadas problemáticas que proporciona, é suficiente para render abordagens instigantes e, geralmente, carregadas de discussões envolvendo temas da Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito, Filosofia dos Valores, Lógica Jurídica e diversas outras áreas do conhecimento. O tema sempre será novo, bastando que novas sejam suas abordagens e premissas adotadas.

    Mas esse tema torna-se duplamente envolvente se o conteúdo material do princípio é também passível de questionamentos ou investigações mais aprofundadas. E isso também é possível, pois há, inexplicavelmente, poucas monografias jurídicas acerca dos princípios individualmente considerados. Normalmente, estuda-se o princípio como meio para a compreensão dos institutos, sem o aprofundamento necessário. Nesse sentido, acolhemos a advertência do mestre Geraldo Ataliba, para quem "o que mais falta a quem pretende conhecer o Direito não é a informação sobre os institutos e as normas, ou sobre as soluções que os problemas vêm tendo, na jurisprudência ou na prática do Direito Aplicado"². E conclui com precisão: "o que falta de modo alarmante é o domínio dos princípios, a facilidade da compreensão e manuseio das categorias, a visão sistemática, global, operacional e funcional do Direito como conjunto, como um todo."³

    Pois bem. No cenário vislumbrado no início de 2010, em que o mundo todo falava em transparência administrativa e acesso à informação pública, em que diplomatas e jornalistas se engalfinhavam em torno de grandes segredos de Estado vazados propositadamente por hacker ativistas⁴, congressos e pesquisas científicas de todos os tipos eram desenvolvidos sobre o tema, especialmente na Europa e, o que era ainda mais significativo, os jornais no Brasil já davam notícias sobre o anteprojeto de Lei de Acesso à Informação Pública brasileira que chegaria em breve, qual não foi a nossa enorme surpresa ao percebermos que, nas principais livrarias do Brasil, conseguíamos encontrar uma única monografia jurídica acerca do tema.⁵ Havia, de fato, algumas outras obras pontuais acerca da publicidade administrativa, mas – sem desmerecê-las, de modo algum – tratavam apenas da publicidade, e não sobre a transparência administrativa que, como veremos, com aquela não se confunde.

    A paixão pela temática foi imediata. E quando iniciamos nossos estudos ela só cresceu, pois o assunto, ainda tão imaturo e até mesmo obscuro no cenário jurídico brasileiro, já tomava prateleiras inteiras de livrarias do Velho Mundo. Foi assim que seguimos com nossas primeiras investigações tomando como base a doutrina e os diplomas legais existentes no direito comparado (com todas as ressalvas necessárias), para algum tempo depois, assim que foi publicada, pudéssemos voltar nossa cuidadosa atenção ao texto da Lei de Acesso à Informação Pública, a Lei Federal 12.527, de 18 de novembro de 2011. E a surpresa também foi grande, mas dessa vez positiva. Estamos falando de um dos mais – senão o mais – bem escrito diploma legal sobre um direito fundamental no Brasil. A sofisticação dos mecanismos e a nobreza das finalidades é de deixar qualquer jurista do mundo bem impressionado.

    O ineditismo do objeto estudado possui, como tudo, um bônus muito claro, mas também os seus ônus. Muitas das coisas que apresentaremos certamente ainda não foram ditas, o que não necessariamente é um mérito, já que a matéria é de fato muito nova. Por outro lado, isso significará por vezes um caminho por áreas nebulosas e terrenos irregulares. Nosso mecanismo preventivo para eventuais armadilhas que a dialética jurídica certamente irá nos pregar é o de sempre: a coerência dos autores que tomamos como base. No que diz respeito à Teoria dos Princípios, recorreremos muitas e reiteradas vezes às obras de Robert Alexy⁶ e Virgílio Afonso da Silva⁷. E no campo da Lógica Jurídica, ainda mais árduo para aqueles que são apenas estudiosos do Direito, à magistral obra do inconteste Lourival Vilanova⁸.

    Nosso tema é, pois, o estudo do conteúdo jurídico do princípio da transparência administrativa, que por sua vez tutela tanto o direito fundamental de acesso à informação como também o interesse público da transparência administrativa, como instrumento de fomento ao controle social do exercício da função administrativa. E como na dinâmica de sua aplicação o maior grau de interesse – como sói acontecer com os direitos fundamentais como um todo – está nas hipóteses de potenciais restrições decorrentes de outros interesses também tutelados pelo sistema, nosso estudo abrangerá – com o cuidado que se exige – também essas potenciais restrições.

    Segundo Robert Alexy, a dogmática jurídica possui três dimensões: a analítica, a empírica e a normativa⁹. Inegavelmente, nosso método de abordagem do objeto escolhido será conforme à primeira, caracterizada pela dissecação sistemático-conceitual do direito vigente¹⁰. Pela própria natureza do tema, nós seremos obrigados, de fato, a todo o instante, explicitar conceitos, com a linguagem mais precisa de que formos capazes de empregar. Contudo por vezes nossa abordagem também será normativa, pois especialmente em razão da novidade do tema, faremos questão de investigar a fundo tudo o que o direito posto puder nos propiciar, partindo da Constituição e descendo até os atos infralegais, indo inclusive buscar inúmeras referências no direito posto alienígena, como já dito. Por fim, tentaremos também não deixar a dimensão empírica de lado, mesmo porque a nossa proposta não é – de forma alguma – uma abordagem meramente academicista ou excessivamente teórica. Nossa preocupação de fundo, na verdade, é extremamente prática, no sentido de tornar compreensível – e dar a maior aplicabilidade possível – a um princípio jurídico cuja história entre nós está apenas começando.

    Apresentemos, pois, nosso trabalho

    No primeiro Capítulo, abordaremos a vagueza conceitual do vocábulo princípio e as diversas conotações que lhe são atribuídas pela doutrina. Analisaremos em seguida a posição acerca do tema de quatro doutrinadores representativos do chamado neoconstitucionalismo: Ronald Dworkin, Robert Alexy, Humberto Ávila e Virgílio Afonso da Silva. Ao final, apresentaremos a nossa definição de princípio jurídico.

    No segundo Capítulo, trataremos já da nossa temática de fundo, a transparência administrativa. Na primeira parte analisaremos o tratamento doutrinário e legislativo empregado para o tema no direito comparado, especialmente o espanhol, o italiano, o alemão, o francês, o inglês, o húngaro, o esloveno, o mexicano, o suíço, o canadense, o norte-americano e o chileno. Faremos uma avaliação crítica de cada um deles, cuja finalidade é dúplice: verificar o quão desenvolvido está o tema no direito alienígena, mas também e sobretudo obter um modelo comparativo que viabilize uma análise qualitativa da Lei de Acesso à Informação brasileira. Ainda no segundo Capítulo, voltaremos aos dispositivos das Constituições pátrias passadas e da atual pertinentes ao tema, bem como a diversos diplomas legais brasileiros correlatos à transparência administrativa.

    O objetivo do Capítulo terceiro será apresentar o princípio da transparência como um princípio autônomo, com identidade própria. Nesse ponto reside o primeiro cerne do nosso trabalho, em que de fato se pretende uma abordagem conceitual inédita. Para tanto, investigaremos a transparência integrada ao ordenamento jurídico brasileiro. Veremos suas relações com as demais normas norteadoras do Direito Administrativo, com ênfase especial à razoabilidade e à proporcionalidade (pelas razões que exporemos adiante) e sobretudo à publicidade, a fim de estabelecermos diferenças ontológicas entre elas que, até onde sabemos, hoje não são feitas pela doutrina pátria. No mesmo Capítulo veremos, na maior medida possível, as potenciais restrições que o próprio sistema jurídico impõe à transparência, concernentes às hipóteses de sigilo decorrentes de determinados interesses públicos e privados.

    No quarto Capítulo também haverá uma abordagem possivelmente inédita ao tema. Analisaremos a transparência administrativa sob cinco diferentes aspectos: subjetivo, objetivo, formal, material e temporal. E verificaremos também as duas modalidades de implementação da transparência: a ativa e a passiva. Com essas noções bem fixadas, elaboraremos então um outro ponto crucial de nossa tese, acerca do conteúdo jurídico do princípio da transparência administrativa. Finalizaremos esse capítulo com uma análise aprofundada da Lei de Acesso à Informação brasileira, a Lei Federal 12.527/11, a fim de verificar de que forma aquele conteúdo jurídico permeia o diploma e é por ele respeitado.

    Por fim, no quinto Capítulo buscaremos o desfecho da obra. Uma vez desenvolvido o conteúdo jurídico do princípio em comento e estudadas suas potenciais restrições, nossa ideia será verificar, com o auxílio da linguagem formalizada da Lógica Jurídica, como de fato funciona a aplicabilidade dos princípios em comento em face de suas potenciais restrições. Daí investigarmos o que iremos chamar de hipóteses de transparência obrigatória, permitida e proibida. Encerraremos com a apresentação de um método para solução das colisões verificáveis entre a transparência e referidas restrições. O método utilizado será o chamado de sopesamento fundamentado, desenvolvido por Robert Alexy e aprimorado por Virgílio Afonso da Silva. Ao final da apresentação, submeteremos ao método um estudo de caso, a fim de constatar sua eficiência e viabilidade pragmática. E apenas como notas finais, chamaremos a atenção para a necessidade de aprimoramento dos meios de controle dos atos administrativos, apontando que a transparência deve ser controlada, mas deve funcionar sobretudo como um meio para o exercício do controle.

    Capítulo I

    Os princípios jurídicos

    [...] O passado da humanidade não se constituiu sem fé, sem crença nas instituições, em idéias e homens, e nosso futuro não será promissor sem fé, sem crença na Constituição e na sua dimensão oxigenante da vida social, política e econômica, dimensão ligada aos sentidos da liberdade, igualdade e solidariedade, substantivos feitos carne pelos princípios constitucionais.¹¹

    1. Diferentes acepções do vocábulo Princípio

    Tratando-se de trabalho científico cujo tema central envolve um princípio jurídico, faz-se necessário, antes de mais nada, enfrentar a árdua tarefa de definir o que seja justamente um princípio perante o ordenamento jurídico, pontuando suas principais características.

    No léxico, o termo princípio é polissêmico. Dentre suas diversas acepções, encontramos significados concernentes a (a) início, (b) o que serve de base a alguma coisa, (c) ditame moral, (d) regra, (e) preceito, (f) proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimento, (g) fonte ou causa de uma ação, (h) opinião e (i) convicção¹².

    Interessam-nos diretamente apenas dois desses significados da expressão princípio: o primeiro, concernente a uma proposição elementar e fundamental de um conhecimento; e o segundo, como regra. Com efeito, quando a doutrina se utiliza do termo princípio jurídico, por vezes refere-se a uma proposição elementar e fundamental, basilar, da área do conhecimento objeto de estudo. E outras tantas vezes também se refere a regra, ou mais precisamente a norma jurídica, no sentido de elemento integrante de um determinado sistema jurídico¹³.

    A nosso ver, as duas acepções são corretas e, embora referidas indistintamente por boa parte da doutrina, envolvem realidades nitidamente diversas.

    Vejamos, inicialmente, as considerações de Geraldo Ataliba, que utiliza o termo no sentido de alicerce do sistema jurídico e vetor finalístico para a interpretação e aplicação do Direito:

    Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).

    Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas consequências.

    E demonstram que mesmo as normas constitucionais não têm igual eficácia, mas, pelo contrário, se estruturam de forma piramidal, como entende a Escola de Viena, liderada pelo incomparável Kelsen. Aliás, José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais) dá a melhor demonstração prático-teórica da robustez deste postulado. O princípio aponta a direção, o sentido em que devem ser entendidas as normas que nele se apoiam, e ressalta não poder o intérprete extrair conclusão que contrarie um princípio, lhe comprometa as exigências ou lhe negue as naturais consequências. Por isso, Juan Manuel Terán compara o princípio ao alicerce de um edifício, já que suporta o sistema e lhe dá consistência.¹⁴

    Em sentido bastante similar e enfatizando a carga axiológica dos princípios, a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello:

    Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico [...] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.¹⁵

    Identificando os mais importantes elementos que essa clássica noção doutrinária acerca dos princípios jurídicos nos traz e considerando-se os efeitos deles decorrentes, podemos dizer que, para a doutrina representada pelos autores citados, os princípios (a) possuem forte carga axiológica, positivando os valores mais privilegiados pela própria sociedade submetida ao respectivo sistema jurídico; e (b) são os elementos mais importantes desse sistema, exercendo função de seu verdadeiro alicerce e colocando-se em patamar hierárquico superior ao das demais normas.

    Por outro lado, Norberto Bobbio compreende princípio como norma jurídica, nos seguintes termos:

    Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípio leva a engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta também é a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso.¹⁶

    Reiteramos, nesse ponto, a afirmação feita acima acerca de essas diferentes características atribuídas ao vocábulo princípio, em verdade, referirem-se a ao menos dois objetos distintos.

    Nesse sentido, remetemos à lição de Ricardo Marcondes Martins, que afirma ser possível distinguir três diferentes fases distintas acerca das concepções jurídicas do vocábulo princípio: a primeira como assuntos importantes, gerais; a segunda como elementos estruturantes do sistema jurídico; e a terceira como normas jurídicas que positivam um valor e determinam que esse valor seja concretizado na maior medida possível, independentemente de seu caráter nuclear¹⁷.

    Martins afirma que aquela primeira fase já estaria completamente superada¹⁸, com o que concordamos, pois de há muito os doutrinadores não usam mais o termo princípio com a conotação¹⁹ de assuntos gerais ou iniciais, como se fazia décadas atrás²⁰.

    Já aquela corrente referida como segunda fase não apenas subsiste como ainda é a mais presente, pois é fato que a maior parte da doutrina contemporânea refere-se a princípio naquela acepção de elemento estruturante. E ainda que afirme compreendê-lo como norma jurídica, dá ao princípio o tratamento de uma simples proposição. É bem verdade que se trata de elemento nuclear do sistema jurídico, que lhe dá alicerce e fundamento, mas não tem a forma e nem a função de norma jurídica em sentido estrito, pois não possui um sentido deôntico-jurídico completo.

    Explicamos melhor. Estamos a utilizar, aqui, o termo proposição no sentido apregoado por Paulo de Barros Carvalho, de conteúdo significativo que o enunciado, sentença ou oração exprimem²¹. Já por norma jurídica, considerada em seu sentido estrito²², também adotamos a definição de Carvalho e compreendemo-la como a proposição inferida a partir de um enunciado qualificado como veiculador de uma mensagem que oferece um sentido deôntico-jurídico completo, estruturada formalmente por um antecedente e um consequente, sempre e inevitavelmente, da seguinte forma: dada a ocorrência do fato x, deve ser a imputação de uma consequência y. Ou, na estrutura precisa e completa do autor, se ocorrer o fato X, instalar-se-á a relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S’’.²³

    Em suma, enquanto na dita terceira fase considera-se o princípio jurídico como uma norma jurídica completa, na acepção estrita e técnica do termo, na abordagem verificada na segunda fase esses princípios são tidos por proposições lógicas estruturantes do sistema jurídico, as quais devem integrar as normas jurídicas, orientando sua aplicação. Nesse sentido é que Roque Antonio Carrazza, encampando a segunda fase, define o princípio jurídico como enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.²⁴

    E destacando a sua função predominantemente hermenêutica, Jorge Miranda afirma que os princípios funcionam

    [...] como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exacto dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente²⁵.

    A confusão conceitual ganha dimensão na medida em que a doutrina representativa da segunda fase, como vimos, também compreende princípio jurídico como norma jurídica. Porém, o faz em seu sentido amplo, enquanto os autores da terceira fase – como já dito – definem o mesmo instituto como norma jurídica em seu sentido estrito²⁶.

    Deveras, é importantíssimo compreender que, ao afirmarem que o princípio jurídico é norma jurídica, autores já citados como Ataliba, Bandeira de Mello e Carrazza, dentre inúmeros outros, não estão a referir-se à norma jurídica completa, estruturada logicamente em um antecedente e um consequente. Eles estão a referir-se a uma proposição prescritiva, elevada à condição de elemento estruturante do sistema jurídico em razão de sua dupla função exercida sobre as normas jurídicas: uma vetorial, que dita o sentido que a norma jurídica deve seguir ao ser composta, sob pena de ser considerada inválida (incompatível com o sistema ao qual pertence²⁷); e uma hermenêutica, ao servir como ideia-chave²⁸ necessária à correta interpretação das normas que compõem o sistema jurídico (genuíno critério hermenêutico estruturante desse sistema).

    Por outro lado, como veremos no tópico I.2., quando autores como Ronald Dworkin²⁹, Robert Alexy³⁰, Virgílio Afonso da Silva³¹ ou Humberto Ávila³² tratam do tema dos princípios, eles estão a referir-se a normas jurídicas completas, constituídas de antecedentes e consequentes. E essas normas jurídicas, para a maior parte dessa doutrina (exceto Ávila), são qualificadas pela circunstância de terem como objetivo não apenas regrar condutas ou comportamentos (embora também possam fazê-lo), mas também, substancialmente, fazer com que um determinado valor seja aplicável o máximo possível ao caso concreto, mediante a ponderação entre outros valores também aplicáveis. Nessa medida, constituem, para usar o termo empregado por parte dessa doutrina, mandamentos de otimização, que visam a máxima concreção dos valores que lhes dão fundamento.

    Nesse ponto, cabe um esclarecimento de suma relevância: não vemos qualquer incoerência entre as duas acepções do termo princípio aqui abordadas. Trata-se, como dissemos, de objeto distintos, referentes a realidades distintas, que absolutamente não se confundem e nem entram em choque³³.

    Há, portanto, mera ambiguidade no uso do vocábulo princípio, que é empregado pela doutrina com duas significações diferentes. E sendo assim, tal como se dá em qualquer caso de ambiguidade ou polissemia, o importante é o cientista do Direito conseguir identificar, ao estudar determinado autor, ou então uma passagem dentro de uma mesma obra, se naquele contexto o termo está sendo empregado no sentido de proposição prescritiva, estruturante de um sistema jurídico, ou se está sendo referido como norma jurídica em sentido estrito que visa à concretização de um valor na maior medida possível.

    As consequências da definição acerca da posição adotada são de extrema relevância, pois há características completamente díspares entre regras e princípios para cada uma das correntes. E nesse ponto ressaltamos brevemente, apenas para fins didáticos, três dessas distinções.

    A primeira delas é formal. Pensando-se na teoria de derivação e fundamentação das normas jurídicas³⁴, na acepção de proposição prescritiva o princípio não poderia, por si só, dar fundamento de validade à criação de normas jurídicas em sentido estrito, simplesmente porque não é norma jurídica em sentido estrito. Já na acepção da terceira fase, os princípios exercem a função de norma jurídica de estrutura³⁵ e dão fundamento direto de validade a outras normas jurídicas pertencentes ao sistema, sejam elas gerais e abstratas (extraídas de textos de lei), sejam elas individuais e concretas (atos administrativos ou sentenças judiciais, por exemplo).

    Desse modo, em nossa opinião, o que dá fundamento de validade a uma norma jurídica completa é sempre outra norma jurídica completa. O princípio para a dita segunda fase é uma proposição prescritiva, porém não é uma norma jurídica nessa acepção estrita, de estrutura deôntico-jurídica completa. Assim, quando compreendemos o princípio na acepção considerada pela segunda fase, como elemento estruturante do sistema jurídico, estamos a dizer, em verdade, que aquela proposição prescritiva está integrada a uma norma jurídica completa, a qual, em razão da forte carga axiológica verificada em seu conteúdo, dá fundamento de validade a um grande número de normas jurídicas completas pertencentes àquele sistema³⁶.

    Já uma diferença significativa do ponto de vista material refere-se ao chamado objetivo de otimização de valores, inexistente em parte significativa dos princípios referidos pela doutrina que encampa a chamada segunda fase. Com efeito, encontramos diversos exemplos de princípio, na acepção adotada pela doutrina representativa daquela segunda fase, que não correspondem a um princípio propriamente dito para os adeptos da terceira fase, justamente porque não visam à concretização de um valor na maior medida possível³⁷.

    Um primeiro exemplo: quando falamos em legalidade, estamos nos referindo ao mandamento segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei³⁸. O efeito imediato propagado por essa proposição prescritiva é objetivo: se não há lei prevendo determinada obrigação, o jurisdicionado não tem o dever de adimpli-la. Não há uma obrigação que possa ser parcialmente prevista em lei: ou ela está integralmente prevista e deve ser adimplida, ou não está e seu adimplemento não poderá ser validamente exigido³⁹. Nesse sentido, a legalidade não deve ser buscada na maior medida possível, ela deve ser simplesmente obedecida, em caráter definitivo. E sendo assim, em que pese sua extrema relevância dentro do sistema jurídico⁴⁰, a legalidade seria, para os adeptos dessa doutrina a que estamos a chamar de terceira fase, verdadeira regra jurídica e não um princípio⁴¹.

    O mesmo ocorre, também, com a irretroatividade da lei tributária. O preceito contido no artigo 150, inciso III, alínea ‘a’ da Constituição da República estabelece ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Novamente, aqui, a questão é objetiva: o Estado está impedido de cobrar tributos de forma retroativa, ou seja, em relação a fatos ocorridos no mundo fenomênico em períodos anteriores à vigência da lei que os criou. Não há, também nesse caso, um valor a ser concretizado na maior medida possível. O que a regra dispõe é apenas isso: ou o fato é posterior à lei e pode subsumir-se⁴² à norma jurídica de tributação, ou lhe é posterior e não haverá que se falar em incidência normativa.

    Vale explicar, nesse ponto, que não estamos a afastar a existência de valores fundamentais explícitos ou implícitos nas normas jurídicas que preconizam a legalidade ou a irretroatividade tributária. Pelo contrário, pois como em todo princípio, assim chamado pela segunda fase, há forte carga axiológica no conteúdo das duas regras aqui referidas como exemplo (valores da democracia, republicanismo, segurança jurídica, entre outros). O que não há, insistimos, é uma busca pela maior aplicabilidade desses valores diante do caso concreto, simplesmente porque essa ótica é impertinente à essência dos comandos prescritos por tais proposições.

    E do ponto de vista formal, também vale esclarecer que reconhecer a legalidade e a irretroatividade como regras jurídicas não implica dizer que seriam inferiores hierarquicamente aos princípios jurídicos. Como veremos adiante, a hierarquia não é um elemento caracterizador dos princípios para a doutrina dessa terceira fase. Para essa escola, a diferença entre as regras e os princípios não está na sua posição hierárquica, mas, primordialmente, no objetivo de concretização de valores na maior medida possível, predominante nos últimos, razão por que são aplicados por meio da ponderação diante do caso concreto, e inexistente nas primeiras, aplicadas por subsunção.

    Por outro lado, também há diversos princípios que podem assim ser chamados, de forma coerente, tanto pela doutrina representativa da segunda fase como da terceira fase. Seriam eles, por exemplo, os direitos à isonomia⁴³, à privacidade e ao acesso à informação. Em todos esses casos, estamos tanto diante de elementos estruturantes do sistema jurídico, como também de mandamentos de otimização, que visam a melhor concreção possível de determinados valores. Do mesmo modo que possuem uma importância nuclear para o sistema, também caracterizam-se pela busca de uma maior aplicação daqueles valores ao caso concreto. Nesse sentido, podemos afirmar que as normas jurídicas, sejam elas gerais e abstratas ou individuais e concretas, devem, sempre que assim for pertinente, buscar alcançar da melhor forma possível a isonomia, assim como devem respeitar a privacidade ou o direito de acesso à informação.

    O próprio tema de fundo deste trabalho, o princípio da transparência administrativa, é um exemplo, a nosso ver, de um alicerce do nosso sistema e também de um mandamento de otimização, pois ao mesmo tempo que todo o subconjunto de normas jurídicas de direito público possui um de seus pilares justamente na transparência, esse princípio impõe aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a obrigação de que, sempre que for o caso e na maior medida possível, busquem a transparência na Administração Pública. Ou seja, ao mesmo tempo em que possui a característica de elemento estruturante do sistema jurídico, outorgando-lhe a condição de princípio na acepção adotada pela doutrina da segunda fase, também possui a natureza de mandamento de otimização, própria da significação atribuída pela terceira fase.

    Por fim, a terceira e última diferença que decorre diretamente das duas primeiras está justamente na função dos princípios, assim considerados em suas duas acepções. O princípio da segunda fase possui a função primordial de estruturar o ordenamento jurídico, de estabelecer seus principais vetores, elegendo determinados valores como os mais importantes para o sistema e fazendo com que todo esse sistema (isto é, todas as normas jurídicas pertencentes a esse sistema) devam ser materialmente compatíveis com aqueles valores, sob pena de invalidade. Já o princípio da terceira fase não possui essa função estruturante, ao menos não primordialmente⁴⁴, pois seu objetivo é propiciar a ponderação entre os próprios princípios ou entre regras e princípios⁴⁵, fazendo prevalecer aqueles cujos valores sejam os mais importantes diante do caso concreto⁴⁶.

    Trata-se, como se vê, de institutos absolutamente distintos, seja pelo aspecto formal, seja pela sua substância, ou seja pela sua finalidade. E neste trabalho utilizaremos o termo princípio na mesma acepção adotada pela dita terceira fase, isto é, como norma jurídica considerada em seu sentido deôntico-jurídico completo, veiculadora de mandamentos de otimização, cujo conteúdo e características passam a ser aprofundados no tópico seguinte.

    2. Princípios Jurídicos como Mandamentos de Otimização

    2.1. O Neoconstitucionalismo

    Com o extremo avanço da tecnologia nas últimas décadas, a humanidade vem sofrendo profunda transformação, com uma rapidez e em uma dimensão absolutamente inéditas em toda sua história. Os limites do conhecimento humano são expandidos a todo o instante e nossas referências de tempo e espaço já são muito diferentes do que eram no passado relativamente recente. Todo esse processo traz grandes mazelas das mais variadas naturezas, como os danos ambientais, os ataques terroristas e o crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, com todas as consequências nefastas daí decorrentes. E traz também consequências evidentemente positivas, como o progresso científico em inúmeras áreas, uma intensa difusão cultural e uma maior conscientização política dos povos⁴⁷. Uma consequência inevitável de tantas mudanças é a reformulação dos valores de todas as espécies, sejam eles sociais, políticos, culturais, religiosos, enfim, dos valores em geral⁴⁸.

    Com o valor justiça não foi diferente. Não que esse valor seja novo, muito pelo contrário, pois o compreendemos como uma das leis ínsitas à natureza do ser humano, presente em nossa consciência desde os primórdios de nossa espécie⁴⁹ e de há muito já discutido por filósofos e pensadores em geral⁵⁰. Mas há no curso da história, sempre e paulatinamente, reformulações e, porque não dizer, sofisticações em torno dos valores⁵¹. E após as terríveis experiências pelas quais passamos no início do século XX, com duas guerras mundiais e todo o terror do nazismo, além de outras guerras ainda mais recentes, a humanidade despertou novamente suas atenções em relação ao valor Justiça. E com esse movimento, a simplicidade e o formalismo do positivismo foram naturalmente perdendo espaço para uma espécie de retorno dos valores jusnaturalistas. Passou a não ser suficiente mais, ao aplicador da norma, verificar se esta é válida do ponto de vista formal, sendo necessário buscar os valores por detrás dela e, mais do que isso, saber se esses valores estão em consonância com os demais valores caros ao sistema, porque são esses os valores efetivamente legitimados pelo povo, o real detentor do Poder⁵².

    Nesse sentido, dá-nos conta Ricardo Marcondes Martins de que, historicamente, o neoconstitucionalismo surge como uma resposta às experiências políticas totalitárias (inclusive o nazismo) que instituíam uma separação entre a política e o Direito. Assim, com o fortalecimento do constitucionalismo, o legislador, outrora inteiramente livre, hoje é submisso a uma Constituição⁵³. E afirmando o caráter de discricionariedade da atividade legislativa (distinto da noção anterior de liberdade⁵⁴), o autor atesta de forma contundente: nada, absolutamente nada da política está imune ao Direito⁵⁵.

    E do ponto de vista material, considerando a maior contribuição teórica de todo o movimento, o rótulo neoconstitucionalismo passou a ser o termo que se convencionou empregar para denominar a compreensão dos princípios como normas autônomas, impositivas de ponderação⁵⁶.

    Luís Roberto Barroso, que também se vale da expressão novo direito constitucional para se referir ao mesmo movimento, afirma ser possível identificar três marcos importantes para a sua identificação: como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, desenvolvida ao longo das últimas décadas do século XX e tão bem representada no Brasil com a promulgação da Carta de 1988; como marco filosófico, o que chama de pós-positivismo, que representaria essa reaproximação entre Direito e ética, entre positivismo e jusnaturalismo, uma superação da legalidade estrita em busca dos ideais de justiça, porém sem desconsiderar o direito posto⁵⁷; e, como marco teórico, um composto de mudanças em relação à força normativa da Constituição, à jurisdição constitucional e ao desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional⁵⁸.

    Com relação a esse último ponto (nova dogmática da interpretação constitucional), Barroso adverte que a interpretação jurídica tradicional não está derrotada ou superada como um todo. Pelo contrário, é no seu âmbito que continua a ser resolvida boa parte das questões jurídicas, provavelmente a maioria delas. Contudo, afirma o autor, ultimamente os operadores do Direito se deram conta de que as categorias tradicionais da interpretação jurídica não são inteiramente ajustadas para a solução de um conjunto de problemas ligados à realização da vontade constitucional⁵⁹. Assim, para esse tipo de situação, superou-se as duas grandes premissas da interpretação jurídica tradicional, quais sejam, a de que a norma poderia oferecer, em seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos e a de que competiria ao juiz apenas identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nele contida⁶⁰. Em resposta, passou a ser compreendido que muitas vezes a solução do problema não está no relato abstrato do texto normativo, mas sim na análise do caso concreto, bem como se passou a perceber o papel do juiz não mais apenas como um conhecedor técnico, mas sim como um coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador⁶¹.

    Prosseguindo, Barroso enfrenta o cerne da questão:

    [...] A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o alcance da norma. Como a solução não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com a sua própria avaliação.⁶²

    Em seguida, o autor menciona que o reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras é um dos símbolos do positivismo⁶³. E explica: princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. Nesse sentido, o autor afirma que a existência de colisões de normas constitucionais passa a ser um fenômeno natural no constitucionalismo contemporâneo, já que os textos constitucionais passam a consagrar bens jurídicos que se contrapõem, dando como exemplo os conflitos entre a liberdade de reunião e o direito de ir e vir⁶⁴. E conclui:

    A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, cronológico e de especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Neste cenário, a ponderação de normas, bens ou valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa, ou, no limite, (ii) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade.⁶⁵

    A conclusão do autor é de grande relevância e nos dá ainda mais base para afirmar, com convicção, que as teses expostas neste trabalho encontram seus fundamentos no neoconstitucionalismo. De fato acreditamos que as colisões entre os direitos fundamentais que serão objeto de nosso estudo (por exemplo direito à privacidade e direito de acesso à informação pública) ou mesmo entre direitos fundamentais e outros princípios de direito público (por exemplo direito à intimidade e supremacia do interesse público) só poderão ser dirimidas por meio da ponderação, sendo a subsunção, de fato, incapaz para essa tarefa. E apenas por meio dessa ponderação é que se poderá verificar quais são as hipóteses em que a transparência administrativa, de aplicabilidade ampla e geral prima facie, encontra as restrições decorrentes do sigilo exigido pelo interesse público e também pelo interesse privado. E de fato, como afirma Barroso, acreditamos ser a razoabilidade, ao lado da proporcionalidade, elemento de grande importância para a efetivação adequada e correta dessa ponderação.

    Esclareça-se, por fim, que essa nova hermenêutica constitucional não prega, de forma alguma, um distanciamento do direito posto, como uma leitura açodada da doutrina de seus defensores poderia levar a crer. De modo algum. Busca-se, de fato, uma melhor identificação, para o maior prestígio, dos valores que estão por trás da letra fria da lei. Mas é óbvio que o ponto de partida para essa identificação deve ser a letra da lei, sendo impensável o intérprete valer-se de seus próprios valores ou convicções pessoais em detrimento daqueles que já foram prestigiados pelo legislador. Nesse sentido, ressaltando a importância da interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais e da verificação da carga axiológica por eles veiculada, sem, porém, permitir que essa interpretação exceda aos limites pré-concebidos por tais dispositivos, destacamos a lição de José Artur Lima Gonçalves:

    Destarte, incumbe ao estudioso conhecer a Constituição, como um todo, desvendando-lhes as diretrizes explícitas e implícitas, habilitando-se, em conseqüência, a dela extrair todas as implicações sistemáticas. Enfim, dominando todo o panorama e a sistemática constitucional, o estudioso apreende os valores incorporados pelas normas constitucionais. Nesta acepção é que se deve entender a expressão valor positivado no texto constitucional. A partir da norma constitucional o intérprete encontra os valores nela (Constituição) incorporados. Esta colocação pode parecer óbvia, mas, se realmente o fosse, não teria sido tão amplamente desconsiderada por grande parcela da doutrina. Assim, ao invés de partir dos valores positivados constitucionalmente, ampla parcela de estudiosos raciocina a partir de valores próprios seus, descomprometidos com aqueles. Eventualmente há coincidência entre a premissa valorativa adotada por estes estudiosos e os valores positivados na Constituição. Em algumas hipóteses, no entanto, tal coincidência não está presente, denunciando a falácia da abordagem por falta de método científico criterioso, comprometendo irremediavelmente o estudo.⁶⁶

    Desse modo, fica clara a importância de se interpretar as normas em consonância com o prestígio devido aos valores constitucionais, sempre a partir de uma visão sistemática de todo o Ordenamento Jurídico. Mas também deve ficar claro que os valores a serem considerados são aqueles positivados, eleitos pelo legislador como juridicamente relevantes, e não valores morais, sociais ou religiosos que não dizem respeito ao Direito.⁶⁷

    Tecidas essas premissas iniciais, passaremos a beber da fonte, indo diretamente àqueles que criaram e/ou aperfeiçoaram de modo relevante a teoria que nos servirá de fundamento durante todo nosso trabalho.

    2.2. A Doutrina de Ronald Dworkin

    Embora outros nomes possam vir a ser mencionados como inspiradores ou coautores do movimento em comento, o nome de Ronald Dworkin é tido pela grande maioria como o verdadeiro precursor do neoconstitucionalismo. E como todo precursor, tem o bônus de ser sempre lembrado como o genitor da ideia, a quem se deve atribuir todos os louros, mas também tem o ônus de ser rapidamente superado por aqueles que, alçados sobre os ombros dos gigantes, conseguem enxergar mais longe⁶⁸. Foi exatamente o caso da teoria de Dworkin que, embora genial, foi rapidamente objeto de muitos aperfeiçoamentos pela Teoria dos Princípios de Robert Alexy, a qual será por nós analisada no tópico seguinte. Ainda assim, o mérito de Dworkin é brutal e incontestável, pois com cerca de 50 páginas, especificamente o artigo que escreveu denominado O modelo de Regras, posteriormente transformado no capítulo segundo de sua obra revolucionária Levando os Direitos a Sério⁶⁹, conseguiu, a nosso ver, desconstruir os principais alicerces do chamado juspositivismo, ou positivismo jurídico, especialmente tal como concebido por Herbert Lionel Adolphus Hart⁷⁰. Destacamos, apenas para ilustrar o móvel dos pensamentos de Dworkin ao escrever sua obra, a seguinte passagem inicial do capítulo mencionado:

    Dia após dia, através do uso da força, mandamos pessoas para a prisão, tiramos dinheiro delas, ou as levamos a fazer coisas que não desejam fazer, e, para justificar tudo isso, dizemos que essas pessoas infringiram a lei, deixaram de cumprir suas obrigações jurídicas ou interferiram nos direitos jurídicos de outras pessoas. Mesmo nos casos mais claros (um assalto a banco ou uma quebra voluntária de contrato), quando estamos certos de que alguém tem uma obrigação jurídica e a infringiu, não somos capazes de oferecer uma exposição satisfatória do que aquilo significa ou por que aquilo autoriza o estado a puni-lo ou coagi-lo. Podemos sentir que o que estamos fazendo é correto, mas, enquanto não identificamos os princípios que estamos seguindo, não podemos estar certos que eles são suficientes, ou se os estamos aplicando consistentemente.⁷¹

    E logo após examinar os pressupostos da doutrina de J. Austin e H. L. A. Hart, Dworkin declara guerra: Quero lançar um ataque geral contra o positivismo e usarei a versão de H. L. A. Hart como alvo, quando um alvo específico se fizer necessário⁷². Em seguida, abre o seu plano de ataque:

    Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicos, particularmente aqueles casos difíceis nos quais nossos problemas com esses conceitos parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões.⁷³

    É inevitável notar a imprecisão de Dworkin nesse ponto, ao falar de regras, princípios, políticas e outros tipos de padrões, como se houvesse esses diversos tipos de espécies normativas, sem, porém, defini-los. Mas na verdade, como o próprio autor explica no decorrer de seu trabalho, ele considera a existência de apenas três diferentes espécies: as regras, os princípios e as políticas. Estas últimas são caracterizadas por estabelecerem um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade⁷⁴. E os princípios se caracterizariam não pela promoção de uma situação desejável, mas por ser uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. Não vemos, assim como Alexy não o faz, essa diferença entre políticas e princípios citada por Dworkin. De acordo com a classificação que será por nós adotada, trata-se ambas de princípios, aplicáveis, é verdade, em relação a diferentes suportes fáticos⁷⁵.

    Em seguida, Dworkin inicia a árdua – especialmente porque não havia ninguém a sua frente – tarefa de abrir as discussões acerca das distinções entre regras e princípio, de acordo com os novos paradigmas que mencionamos acima. A situação lembra o desafio de um explorador entrando em uma mata cerrada nunca antes investigada. Mas o mestre norte-americano saiu-se muito bem, identificando, de pronto, um dos cernes da questão, ao dizer:

    A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica [...] As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão⁷⁶.

    Já os princípios não estabelecem condições que tornem sua aplicação necessária, apenas enunciam razões que conduzem o argumento em uma certa direção, necessitando, porém, de uma decisão particular⁷⁷.

    A segunda diferença verificada por Dworkin entre regras e princípios também é de extrema relevância, no sentido de que os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Para o autor, "uma regra pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento, mas não no sentido de que, se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior"⁷⁸. E conclui: se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida⁷⁹.

    Após tecer considerações acerca de seu conceito de discricionariedade⁸⁰, Dworkin conclui que um juiz só terá permissão para mudar uma regra de direito quando considerar que a mudança favorecerá algum princípio ou ainda que essa mudança seja exigida por tal princípio (em ambos os casos, é o princípio que justifica a mudança)⁸¹. E explica o autor que não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso contrário, nenhuma regra estaria a salvo⁸². Haveria, nesse contexto, alguns princípios como o da supremacia do Poder Legislativo ou do respeito aos precedentes⁸³, que não deixariam margens de escolha ao juiz, devendo ser necessariamente obedecidos. E analisando – e refutando – com profundidade a teoria positivista, Dworkin conclui, ainda que de forma tímida, alegando a necessidade de um maior aprofundamento, que ao tratarmos os princípios como direito, fazemos surgir a possibilidade de que as obrigações jurídicas possam ser impostas por uma constelação de princípios, bem como por uma regra estabelecida⁸⁴. E finaliza: poderemos então afirmar que uma obrigação jurídica existe sempre que as razões que sustentam a existência de tal obrigação, em termos de princípios jurídicos obrigatórios de diferentes tipos, são mais fortes do que as razões contra a existência dela.⁸⁵

    Como se vê, as ideias lançadas por Dworkin, embora ainda carentes de uma maior reflexão (o que é absolutamente natural, repita-se, para investidas precursoras), foram poderosíssimas, sobretudo se considerarmos que fizeram parte das primeiras a justificar, cientificamente falando, a possibilidade de decisões judiciais serem tomadas com base em normas jurídicas não positivadas, ou o que era ainda mais inovador, supostamente contra-legem em razão de uma obrigação do juiz de obedecer a um princípio jurídico. O que era feito há séculos pelo Judiciário de todo o mundo ocidental, inclusive e especialmente nos Estados Unidos, sem, porém, que fosse dada a explicação técnica correta, finalmente passou a receber tratamento teórico adequado. E esse tratamento foi substancialmente aperfeiçoado com a doutrina de Robert Alexy.

    2.3. A Doutrina de Robert Alexy

    De fato, foi com a obra Teoria dos Direitos Fundamentais⁸⁶, de Robert Alexy, que o movimento em comento ganhou os principais contornos que o identificam até os dias de hoje. Para o autor, a base da sua teoria e a chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais está justamente na distinção entre regras e princípios⁸⁷. E para iniciar a elaboração de sua Teoria, parte da importante premissa de que regras e princípios são normas jurídicas, porque ambos dizem o que deve ser e também porque podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição⁸⁸.

    Prosseguindo, o autor afirma que o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios está na característica de estes últimos serem normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes⁸⁹. E assim os diferencia das primeiras:

    Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.

    Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau.⁹⁰

    Nesses termos, para Alexy, o que substancialmente difere os princípios das regras não é a hierarquia e nem tampouco a sua carga axiológica, mas sim a circunstância de os primeiros serem mandamentos de otimização, caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e também em razão do que chama de possibilidades jurídicas e fáticas verificáveis no

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