Direito ao Esquecimento: um estudo com comparativo internacional e sobre a evolução do tema
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Sobre este e-book
O direito ao esquecimento pede passagem numa escalada que não tem mais volta. Sua negativa nada mais é que uma crítica ao novo, enquanto a sua regulamentação é necessária, pois se trata de um fato social e jurídico, assim considerado por já haver demandas judiciais sobre o tema. Com a comunicação global, por meio da internet, as últimas gerações cresceram no mundo do superinformacionismo, em que se busca o maior número de informações, no menor espaço de tempo e com alcance mundial.
Como os indicativos são de que esse comportamento não regressará, é preciso que sua discussão e regulamentação ocorram com cautela e urgência necessárias.
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Direito ao Esquecimento - Luiz Carlos Batista Filho
1 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E SUA PROTEÇÃO LEGAL
Nas décadas de 1990 a 2010, a comunicação interpessoal ganhou velocidade assustadora. O mundo inteiro está conectado pela rede mundial de computadores. Qualquer notícia, de interesse local, nacional ou internacional, pode ser enviada para todo o planeta, em apenas alguns segundos.
Em virtude dessa velocidade de comunicação, os direitos individuais do cidadão necessitam de mais proteção e rígida vigilância, a fim de evitar que informações pessoais passem a ser de conhecimento de várias pessoas, de forma indesejada, protegendo os direitos da personalidade.
A construção dos conceitos atuais dos direitos da personalidade, segundo Carlos Alberto Bittar, se devem, especialmente: a) ao cristianismo, em que se assentou a ideia da dignidade do homem, b) à Escola de direito natural, que firmou a noção de direitos naturais ou inatos ao homem, correspondentes à natureza humana, a ela unidos indissoluvelmente e preexistentes ao reconhecimento do Estado e c) aos filósofos e pensadores do Iluminismo, a partir dos quais se passou a valorizar o ser, o indivíduo, frente ao Estado.
Concordando com parte da classificação acima, Maria Helena Diniz³ também aponta o cristianismo como fonte do nascimento dos direitos da personalidade, assim afirmando:
O reconhecimento dos direitos da personalidade como categoria de direito subjetivo é relativamente recente, porém sua tutela jurídica já existia na Antiguidade, punindo ofensas físicas e morais à pessoa, através da actio injuriaram, em Roma, ou da áike kakegorias, na Grécia. Com o advento do Cristianismo houve um despertar para o reconhecimento daqueles direitos, tendo por parâmetro a ideia de fraternidade universal
A autora ainda reconhece que, após a segunda guerra mundial, com as agressões dos regimes totalitários, o mundo despertou para a importância da proteção aos direitos da personalidade, o que pode ser claramente observado na Assembleia Geral da ONU em 1948 e na Convenção Europeia, de 1950.
De lá para os dias atuais, os direitos da personalidade, juntamente com os direitos fundamentais, vêm evoluindo e ganhando força. Sugere-se como início do reconhecimento desses direitos o século XVIII, com as revoluções Americana e Francesa, além da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tudo entre 1776 e 1789, com a proteção contra a opressão do Estado.
Já no século XX, muitos foram os tratados internacionais com esse fim, podendo ser citados, a título de exemplo, a Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, o Pacto de São José da Costa Rica e a Conferência de Estocolmo, entre 1969 e 1972.
No Brasil, a proteção aos direitos da personalidade foi inserida com mais ênfase na Constituição Federal de 1988, após grave crise política institucional, com a decaída da ditadura militar imposta até meados de 1984.
Seu reconhecimento é explícito e tratado como um dos princípios fundamentais do povo brasileiro, quando elencado, no art. 1º, III, da Constituição Federal brasileira, a dignidade da pessoa humana.
Adiante, o art. 5º da Carta Magna brasileira textualiza o direito à personalidade como direito e garantia fundamental, individual e coletivo.
O reconhecimento e o respeito aos direitos da personalidade têm uma construção para o mundo, com maior ênfase, pós-segunda guerra mundial:
Com a reconstrução dos direitos fundamentais, após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu também a reconstrução dos direitos da personalidade, e o metaprincípio da dignidade da pessoa humana passou a ser o guia de todos os demais direitos, alçando a pessoa ao centro do ordenamento jurídico, passando, então, a ser vista não mais como um mero titular de direitos e sim como o ser humano real que sofre, se alegra, tem vontade, sentimentos, aspirações, preferências, dentre outros valores. (OS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS E MANIFESTAÇÃO DA DIGNIDADE , 2013⁴).
É claro, pois, que a sociedade moderna brasileira adota os direitos da personalidade como de fundamental importância para a vida do homem em sociedade.
Os direitos da personalidade tratam, portanto, de valores fundamentais de cada ser humano, sendo o atributo jurídico de cada um deles.
1.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Diz-se direito da personalidade todo aquele inerente à personalidade humana, podendo seu detentor exigir de todo e qualquer terceiro o respeito aos seus limites.
A história conta que a personalidade vem dos gregos, quando, nos seus teatros, utilizavam máscara para representar personalidades alheias às suas.
Para Henrique da Silva Seixas Meirelles⁵,
"a persona é a máscara que os capita usam quando desempenham certos papéis, certas formas de actividades, no âmbito da civitas. Neste sentido, a persona representa a capacidade que o homem tem de agir na cena jurídica. Mas para agir o homem tem de ser pessoa, no sentido de ser personalidade
(personam habere), tem de possuir um determinado status que legitime a sua actividade (agere) perante o ius civile. Em último termo, persona tem um significado político. Persona representa o status de um determinado indivíduo (caput), quer dizer, o quantum iuris (C. Sforza) que esse indivíduo detém e utiliza nas diversas actividades que desenvolve na cena jurídica"
Os direitos da personalidade são inerentes ao ser humano, sendo esta a expressão de sua própria existência, sem a qual o ser humano perde a sua qualidade essencial. Possuem natureza civil, com proteção constitucional.
Distinguem-se, em sua essência, dos direitos fundamentais por sua oponibilidade, especialmente contra terceiros, enquanto aqueles, substancialmente, estão bem relacionados à proteção contra o Estado.
Para Carlos Alberto Bittar, a doutrina distingue os direitos da personalidade em duas correntes: a positivista e a naturalista.
Segundo o autor, os positivistas entendem que somente os direitos positivados devem ser reconhecidos como direitos da personalidade, possuindo, assim, eficácia jurídica.
Por outro lado, os naturalistas preceituam que os direitos da personalidade são faculdades exercidas naturalmente pelos homens, inerentes a essa condição.
Para o autor, alinhado à corrente naturalista, o Estado é posterior ao Direito, cabendo-lhe regular o comportamento já existente: o ordenamento positivo existe em função do homem em sociedade⁶, podendo ser resumido em:
a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade).
No ensinamento de Washington de Barros Monteiro, o termo personalidade também vem do grego persona, conceito muito próximo ao dado por Henrique da Silva Seixas Meirelles. Assim, leciona Washington de Barros⁷:
"a palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antigüidade romana. Primitivamente, significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara, provida de disposição especial, destinada a dar eco à suas palavras. Personare queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz de uma pessoa. Por curiosa transformação no sentido, o vocábulo passou a significar o papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimia a atuação de cada indivíduo no cenário jurídico. Por fim, completando a evolução, a palavra passou a expressar o próprio indivíduo que representa esses papéis. Nesse sentido é que a empregamos atualmente."
Em seu conceito, o autor apresenta a evolução do termo, que deixou de ter o sentido figurado da personagem teatral e passou a representar a própria pessoa no mundo jurídico.
Paulo Nader da Silva⁸, numa ponderação mais sintética do conceito de Direito da personalidade, assim o definiu:
Os direitos em epígrafe decorrem unicamente da condição humana e visam a proteger os atributos da personalidade. Não se confundem com os direitos humanos, mas deles se desprendem. Pode-se dizer que os direitos da personalidade constituem expressão do Direito Natural, porque são a-históricos, derivam da ordem natural das coisas e são revelados pela participação conjunta da razão e experiência. Por isto mesmo não expressam uma nacionalidade, mas um elemento humano do Direito.
Para o jurista, os direitos da personalidade advêm dos direitos humanos, mas com eles não se confundem. Não possuem marco temporal por derivarem da ordem natural das coisas, enquanto o homem é parte de uma sociedade e como tal deve ser respeitado.
O mesmo autor afirma que os direitos da personalidade são subjetivos, por se originarem em fatos jurídicos lato sensu, nos quais o sujeito de direito é o polo ativo e a coletividade social é o polo passivo. Para este, o dever jurídico ao respeito; para aqueles, o direito de tê-los respeitados.
Para Limongi França, citado por Maria Helena Diniz⁹, os direitos à personalidade possuem uma extensa caracterização, com várias subdivisões, podendo ser classificados da seguinte forma:
1. Direito a Integridade física: 1.1) Direito à vida: a) à concepção e à descendência (gene artificial, inseminação artificial, inseminação de proveta etc.); b) ao nascimento (aborto); c) ao leite materno; d) ao planejamento familiar (limitação de filhos, esterilização masculina e feminina, pílulas e suas conseqüências); e) à proteção do menor (pela família e sociedade); f) à alimentação; g) à habitação; h) à educação; í) ao trabalho; j) ao transporte adequado; k) à segurança física; l) ao aspecto físico da estética humana; m) à proteção médica e hospitalar; n) ao meio ambiente ecológico; o) ao sossego; p) ao lazer; q) ao desenvolvimento vocacional profissional; r) ao desenvolvimento vocacional artístico; s) à liberdade; t) ao prolongamento artificial da vida; u) à reanimação; v) à velhice digna; w) relativos ao problema da eutanásia. 1.2) Direito ao corpo vivo: a) ao espermatozóide e ao óvulo; b) ao uso do útero para procriação alheia; c) ao exame médico; d) à transfusão de sangue; e) à alienação de sangue; f) ao transplante; g) relativos a experiência científica; h) ao transexualismo; i) relativos à mudança artificial do sexo; j) ao débito conjugal; k) à liberdade física; I) ao passe
esportivo. 1.3) Direito ao corpo morto: a) ao sepulcro; b) à cremação; c) à utilização científica; d) relativos ao transplante; e) ao culto religioso. 2) Direito à integridade intelectual: a) à liberdade de pensamento; b) de autor; c) de inventor; d) de esportista; e) de esportista participante de espetáculo público. 3) Direito à integridade moral: a) à liberdade civil, política e religiosa; b) à segurança moral; c) à honra; d) à honorificência; e) ao recato; f) à intimidade; g) à imagem; h) ao aspecto moral da estética humana; i) ao segredo pessoal, doméstico, profissional, político e religioso;’) à identidade pessoal, familiar e social (profissional, política e religiosa); k) à identidade sexual; I) ao nome; m) ao título; n) ao pseudônimo.
Por sua vez, aponta Paulo Nader¹⁰ que as principais caraterísticas dos direitos da personalidade são: a) intransmissíveis, b) irrenunciáveis, c) imprescritíveis e d) absolutos. São absolutos por nascerem com a pessoa, sendo esta a portadora de seus direitos, independentemente do seu querer. Sua impossibilidade de transmissão e irrenunciabilidade estão previstos textualmente no Código Civil brasileiro, art. 11¹¹, e assim o são porque a pessoa pode autorizar a outra a utilizar seus direitos da personalidade, como a imagem, mas jamais a transferirá para outrem, enquanto são irrenunciáveis por não haver possibilidade de se abrir mão de cada um deles. Por fim, são imprescritíveis por acompanhar a pessoa humana por toda a sua vida, independentemente de sua idade, condição social ou profissão.
Segundo Maria Helena Diniz¹², os direitos da personalidade possuem duas dimensões, a Axiológica e a objetiva. Assim classifica a doutrinadora:
Com isso reconhece-se nos direitos da personalidade uma dupla dimensão: a axiológica, pela qual se materializam os valores fundamentais da pessoa, individual ou socialmente considerada, e a objetiva, pela qual consistem em direitos assegurados legal e constitucionalmente, vindo a restringir a atividade dos três poderes, que deverão protegê-los contra quaisquer abusos, solucionando problemas graves que possam advir com o progresso tecnológico, p. ex., conciliando a liberdade individual com a social.
Já Inácio de Carvalho Neto¹³ assim conceitua os direitos da personalidade:
Os direitos da personalidade são estudados sob a ótica do direito privado, considerados como a garantia mínima da pessoa humana para as suas atividades internas e para as suas projeções ou exteriorizações para a sociedade. Para isso, impõem à coletividade uma conduta negativa, evitando embaraço ao seu exercício.
Não se pode finalizar a exposição sobre o conceito dos direitos da personalidade sem observar a ótica Kantiana.
Para Immanuel Kant¹⁴, a visão do direito da personalidade está no respeito do homem pelo homem. A ideia do autor leva à impossibilidade da coisificação do homem. Vejamos:
Mas o homem não é uma coisa; não é, portanto, um objeto que possa ser utilizado simplesmente como um meio, mas pelo contrário deve ser considerado sempre em todas as suas ações como o fim em si. Portanto, não posso dispor do homem na minha pessoa, de maneira absoluta, quer para mutilar, quer para danificar ou matar.
Assim, os direitos da personalidade resguardam o homem, como ser humano e detentor de direitos, da proteção ao seu mais íntimo existir.
Resguardam, ainda, os bens da personalidade humana, podendo ser exemplificados com a vida, a imagem, a identidade, a autonomia, a privacidade, a liberdade, a honra, a reputação, dentre outros que individualizam cada ser social como parte da sociedade.
O objeto dos direitos da personalidade, então, é a proteção à individualização da pessoa, com respeito às suas características próprias, pertencentes ao seu eu próprio. Logo, a personalidade não é um direito em si. O direito é a proteção à existência da pessoa e às suas características próprias, de forma irrenunciável, irretratável, absoluta e