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Linguística & Direito: a Polifonia na Petição Inicial
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Linguística & Direito: a Polifonia na Petição Inicial
E-book225 páginas1 hora

Linguística & Direito: a Polifonia na Petição Inicial

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Sobre este e-book

Nesta obra, encontramos a comunicação jurídica analisada sob uma perspectiva inovadora. Fundamentado em preceitos da linguística moderna, como gêneros do discurso, polifonia e outros, o autor apresenta diferentes formas de como os atores sociais interagem - implícita e explicitamente - em um texto jurídico (petição inicial). Também apresenta proposta de estruturação de uma petição inicial com base na linguística textual. O livro é de grande serventia a estudantes e operadores do direito, bem como a todos que tenham interesse em questões da comunicação no mundo jurídico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de mar. de 2021
ISBN9786559561735
Linguística & Direito: a Polifonia na Petição Inicial

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    Linguística & Direito - Orisvaldo Teixeira Mineiro

    Medvedev.

    1. CONCEPÇÕES DE GÊNERO DO DISCURSO

    Neste capítulo, apresentaremos a fundamentação teórica sobre a qual assentaremos a análise do gênero petição inicial, da esfera jurídica, corpus do trabalho a ser aqui desenvolvido. A base teórica adotada segue a linha interacionista da constituição dos gêneros do discurso proposta por Mikhail Bakhtin, numa perspectiva enunciativo-discursiva, por ser ela apta a dar conta da complexidade de aspectos envolvidos na constituição e funcionamento do gênero a ser analisado.

    Mikhail Mikhailovich Bakhtin é um filósofo da linguagem acentuadamente perpassado pela ideologia marxista que busca nas relações sociais as respostas para os problemas da linguagem. Percorrer os caminhos traçados pelo pensamento bakhtiniano é ultrapassar as fronteiras da linguística estruturalista, que se conforma em estudar a língua idealizada como um sistema pronto e acabado, e mergulhar na amplitude de um universo de interações intersubjetivas que une num mesmo processo dialético o mundo, o homem e a linguagem.

    1.1 CONCEITOS DE GÊNERO

    Segundo Konder (2005, p. 51-52), para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluidos’.

    O conceito de gênero segue essa fluidez e, ao longo da história dos estudos que têm a linguagem como pano de fundo, tem assumido diversas nuances.

    Hodiernamente, ainda que se vislumbrem algumas mudanças, persiste uma anacrônica tradição redacional-escolar que classifica os gêneros em três categorias básicas e gerais: descrição, narração e dissertação, definidos pela natureza linguístico-sequencial de sua composição: aspectos sintáticos e lexicais, tempos verbais etc.

    Nas últimas décadas, porém, vem-se consolidando uma nova perspectiva que tem se mostrado como de fundamental importância para os estudos dos gêneros no âmbito da Linguística. Trata-se dos pressupostos de Bakhtin (2003) sobre gênero do discurso, que introduziu um novo conceito de gênero, vinculado ao uso da linguagem em situação real de interação social entre sujeitos de determinado campo de atividade humana.

    Vários outros autores teorizam sobre gênero, seguindo determinada orientação. Segundo Charandeau (2004), vários são os critérios que os teóricos levam em conta para construir seus pontos de vista sobre a noção de gênero: preferencialmente, fazem uso da ancoragem social do discurso; outros se balizam pela natureza comunicacional; há aqueles que se baseiam nas regularidades composicionais dos textos; e outros se orientam pelas características formais dos textos produzidos. Isso mostra a complexidade da noção de gênero, bem como as variadas terminologias: gênero do discurso, gênero de texto, tipos de texto etc.

    Bathia (1997, p. 2) compreende a análise de gênero como o estudo do comportamento linguístico situado em contextos acadêmicos ou profissionais, seja qual for o modo como é encarado. A respeito dessa multiplicidade de orientações na teoria de gêneros, entende que, apesar disso, ela apresenta uma base comum, cujos aspectos que mais se destacam são: a recorrência de situações retóricas; os propósitos comunicativos compartilhados e as regularidades de organização estrutural.

    Para Bathia, gêneros são o meio pelo qual os membros da comunidade se comunicam entre si e, além disso,

    se definem essencialmente em termos do uso da linguagem em contextos comunicativos convencionados, que dá origem a conjuntos específicos de propósitos comunicativos para grupos sociais e disciplinares especializados que, por sua vez, estabelecem formas estruturais relativamente estáveis e, até certo ponto, impõem restrições quanto ao emprego de recursos léxico-gramaticais (BATHIA, 1997, p. 2-3).

    Pelo modo como se apresenta, percebe-se sem maiores dificuldades a opção pela ancoragem social do discurso feita por Bathia.

    Para Marcuschi (2005, p. 25), os gêneros são entidades culturais construídas historicamente, são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.

    Essa visão de Marcuschi é a adotada pelos linguistas que veem a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos. A língua é vista como prática social, onde se privilegia mais sua natureza funcional e interativa que seus aspectos estruturais e formais.

    Marcuschi seguiu os passos traçados por Bakhtin para a noção de gênero como forma de ação social historicamente construída. Essa noção foi por nós também adotada para servir de embasamento teórico ao nosso propósito de analisar como se constitui e funciona o gênero petição inicial na esfera jurídica. Por essa razão, passaremos a detalhar o conceito de gênero do discurso desenvolvido por Bakhtin.

    Fairclough (2001) usa o termo gênero para designar um conjunto de convenções relativamente estáveis associado a um tipo de atividade socialmente aprovado. Os exemplos que Fairclough cita como sendo de gêneros não deixam dúvidas sobre a correspondência de seu conceito com o de Bakhtin, que desenvolveremos a seguir: uma conversa informal, um romance, um poema. Quanto a discurso, Fairclough (2005) compreende-o como um modo particular de construir um assunto.

    Antes, porém, faz-se necessário definir qual o sentido que dispensaremos, nesta pesquisa, a texto e discurso, pela facilidade que esses termos têm de se apresentarem com conotações diversas nos estudos linguísticos.

    Neste estudo, adotaremos a perspectiva de Foucault e Fairclough para a diferenciação entre texto e discurso. Ao discurso, por sua proximidade conceitual com a perspectiva de Bakhtin; ao texto, pela sua adequação à nossa necessidade de um apoio físico para os procedimentos referenciais das análises que empreenderemos. Assim se manifestam os autores acima citados sobre os temas:

    Texto é uma entidade física, a produção lingüística de um ou mais indivíduos. [...] é a realização lingüística na qual se manifesta o discurso.

    Discurso é o conjunto de afirmações que, articuladas na linguagem, expressam os valores e significados das diferentes instituições. [...] Cada instituição tem seus discursos, sempre revestidos de determinadas ideologias, determinadas maneiras de ver, definir e lidar com a ’realidade’ (apud MEURER, 2005, p.86-87).

    Dessa forma, trataremos os anexos (modelos de petições iniciais) como textos (textos-exemplos). Aqui também percebemos a proximidade conceitual de instituição com a noção de campos (esferas) de atividade humana proposta por Bakhtin.

    Nessa mesma linha de pensamento, segue Marcuschi (2005, p. 25) ao diferenciar texto de discurso. Para ele, o texto é uma entidade concreta, corporificada e materialmente realizada em um gênero textual. Quanto a discurso, seu entendimento segue o mesmo pensamento de Fairclough e Foucault, discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instancia discursiva.

    Posição semelhante é defendida por Orlandi (2001), que entende o texto como uma unidade de análise:

    [...] Para o leitor, é a unidade empírica que ele tem diante de si, feita de som, letra, imagem, seqüência com uma extensão,

    (imaginariamente) com começo, meio e fim e que tem um autor que se representa em sua unidade, na origem do texto, dando- lhe coerência, progressão e finalidade (Orlandi, 2001, p. 64).

    1.2 CONCEITO DE GÊNERO DO DISCURSO

    O termo gênero do discurso, na perspectiva dialógica da linguagem proposto por Bakhtin, está consubstanciado no texto os gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003), embora a sua concepção esteja disseminada em grande parte da sua obra. Faz-se necessário observar que o termo se apresenta sob diferentes formas em várias obras do autor: gêneros lingüísticos e formas de discurso social (BAKHTIN, 1981, p. 42), modos de discurso e formas de interação verbal (BAKHTIN, 1981, p. 43), formas de enunciado (BAKHTIN, 2003, p.263), etc. A título de exemplificação, vejamos duas passagens na obra Marxismo e filosofia da linguagem que registram essas ocorrências:

    A psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da ‘enunciação’ sob a forma de diferentes modos de discursos, sejam eles interiores ou exteriores (BAKHTIN, 1981, p. 42).

    Estas formas de interação verbal acham-se muito estreitamente vinculadas às condições de uma situação social dada e reagem de maneira muito sensível a todas as flutuações da atmosfera social (BAKHTIN, 1981, p. 43, grifo nosso).

    Essa variedade de denominações, no entanto, não remete a fenômenos diferentes, pois sua unidade conceitual é mantida ao longo das abras do autor.

    Como forma de mantermos uma unidade terminológica neste estudo, adotaremos o termo que se consolidou no meio linguístico-acadêmico e escolar para essa forma de manifestação verbal: gênero do discurso, muito embora o autor utilize também, indistintamente, o termo gênero discursivo, o que nos respalda semelhante atitude.

    Bakhtin (2003, p. 262) define gêneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados. Para compreender a natureza dessa definição, faz-se necessário situar os gêneros dentro de um conjunto de fundamentos que constroem seu sentido e lhe dão solidez. Para isso, fundamental é o entendimento da linguagem numa concepção sócio-histórico-ideológica e seu caráter dialógico; indispensáveis também são as noções de interação verbal, enunciado, comunicação discursiva e esferas de atividade para a apreensão da noção de gênero na perspectiva bakhtiniana.

    1.3 RELAÇÃO ENTRE SOCIEDADE E GÊNERO DO DISCURSO

    É em os gêneros do discurso, texto inserto na obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003), que Bakhtin traça as bases teóricas para a noção de gênero do discurso na perspectiva dialógica da linguagem.

    A relação que o autor estabelece entre o homem em atividade discursiva na sua ambiência social e os gêneros do discurso, inferida a partir das citações seguintes (BAKHTIN, 2003, p. 261-262), pode ser sintetizada no esquema que as segue (figura 1):

    Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.

    O emprego da língua efetua-se em forma de enunciado

    (orais e escritos).

    Cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.

    Figura 1: Relação entre sociedade e gênero do discurso

    Para Bakhtin, todo e qualquer campo de atividade social em que o homem atua está indissociavelmente ligado ao uso da linguagem. Essa relação de mútua dependência entre o homem e a linguagem reflete o caráter dialético desse processo, o qual se configura numa eterna circularidade de eventos que refletem e refratam as condições sociais e históricas dos momentos sociais de interação de seus membros.

    Da mesma forma, a dialeticidade se manifesta no processo de interdependência que se estabelece entre o uso da linguagem e as formas de sua materialização, os gêneros do discurso. Estes, por sua vez, também refletem e refratam as formas de uso que o homem faz da linguagem no processo discursivo, expondo as condições verbais e sociais de sua constituição.

    Além disso, o caráter dinâmico da linguagem e as formas de uso que o homem faz dela são tão diversificados quanto os campos de ocorrência de suas atividades. Essas atividades, por sua vez, são tão múltiplas quanto mais complexo for o meio social de convívio, implicando, consequentemente, uma maior diversidade de formas de uso da linguagem, haja vista que cada gênero tem sua área predominante de ocorrência, a quem é indissoluvelmente vinculado. Como observa Bakhtin (2003, p.

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