Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Língua e Direito: Uma Relação de Nunca Acabar
Língua e Direito: Uma Relação de Nunca Acabar
Língua e Direito: Uma Relação de Nunca Acabar
E-book363 páginas4 horas

Língua e Direito: Uma Relação de Nunca Acabar

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Língua e Direito: uma relação de nunca acabar apresenta a relação entre ensino de língua e profissionais concernidos no segmento jurídico e sugere ao leitor que o ensino de língua pode traduzir-se em gesto de civilidade e de alteridade, de zelo acadêmico que persiste na construção de lugares de consistência intelectual e de produção de ciência. Este livro apresenta uma pesquisa acerca do discurso sobre o ensino de Língua Portuguesa em curso superior de Direito. Questões norteiam a análise e sustentam a reflexão da autora acerca dos saberes de língua em funcionamento nesse ensino, sobre o imaginário de língua que emerge no fio do discurso de documentos institucionais, materializado nos ementários de componentes curriculares de Língua Portuguesa de uma graduação em Direito e a respeito de quais marcas do percurso da historicidade do Ensino de Língua Portuguesa no Brasil – políticas linguísticas – são constitutivas do quadro atual do ensino de Língua Portuguesa desse curso. Ao buscar compreender essas indagações, o fio da meada e de sustentação desta obra é a teoria da Análise do Discurso francesa de Michel Pêcheux e de seus seguidores brasileiros: trabalha-se a língua em uma relação menos ingênua, que considera a porosidade da superfície linear e desconfia do óbvio. O gesto analítico permite ao leitor aprofundar-se na teoria da Análise do Discurso para compreender a dimensão política das práticas de linguagem. A originalidade deste estudo é o núcleo temático e os documentos selecionados para os procedimentos de análise. Neste (per)curso de leitura e de escritura, no gesto de interpretação do sujeito responsável pelo que diz, a autora tropeça nas pistas linguísticas, na materialidade dos enunciados e depara-se com sentidos e evidências distantes da neutralidade e da univocidade, provocando dúvidas, indagações, conduzindo a deslocamentos constantes entre a compreensão da teoria e dos textos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de fev. de 2018
ISBN9788547307738
Língua e Direito: Uma Relação de Nunca Acabar

Relacionado a Língua e Direito

Ebooks relacionados

Métodos e Materiais de Ensino para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Língua e Direito

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Língua e Direito - Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    À minha mãezinha, Eletra,

    e ao meu paizinho, Olívio;

    Ao meu esposo, Ivor;

    Aos meus filhos,

    Caroline, Larissa e Júnior;

    Vocês são alicerce e fonte de inspiração em minha vida.

    Àqueles que me incentivaram a alçar voos epistemológicos.

    AGRADECIMENTOS

    Parafraseando Fernando Pessoa, para quem tudo vale a pena se a alma não é pequena, trago uma fala que é muito significativa para mim: "Somos todos anjos de uma asa só, somente poderemos voar se nos abraçarmos uns aos outros". E ao refletir sobre o (per)curso que vivi para a construção deste livro – resultado de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, na Universidade Federal da Fronteira Sul, da qual resultou minha dissertação, intitulada Língua e Direito – uma relação de nunca acabar: (des)construções acerca do imaginário linguístico, apresentada e defendida em dezembro de 2014 –, entre idas e vindas e de novos horizontes descortinados, apresento aqui os muitos anjos alados que, de asas dadas, comigo sobrevoaram instigante rota. Ao decolar neste estudo, supunha eu preencher a inquietação de uma lacuna existencial que me acompanhava há muito tempo, todavia, em voo panorâmico pelos nem sempre confortáveis movimentos da teoria, compreendi que tanto espaços lacunares quanto incompletude nos são constitutivos nos infinitos mistérios do Cosmo.

    Não deixaria jamais passar em brancas nuvens a tessitura dos agradecimentos. No entremeio desta navegação, ora deslizando em céu de brigadeiro, ora enfrentando turbulências não previstas e desafiantes, fui bordando a minha eterna gratidão:

    A Deus,

    Aos meus pais, Olívio e Eletra,

    Ao meu esposo, Ivor,

    Aos meus filhos, Caroline, Larissa e Júnior,

    Ao genro Rodrigo,

    Aos meus irmãos, Luiz Alfredo, Jakson e Roseane,

    Sempre presentes! A acepção de presente está imbricada de significação: vocês são dádiva em minha vida, vocês são presença constante a me iluminar e bússola a me guiar. Sempre! Pelos laços de amor, vocês tornam a rota existencial mais suave, mais segura e mais feliz...

    À Profª Drª Mary Neiva Surdi da Luz, pelo acolhimento na orientação, pela disponibilidade, pelas palavras de incentivo e por nortear este trabalho.

    À Profª Drª Angela Derlise Stübe e à Profª Drª Carme Regina Schons (in memoriam), pela leitura cuidadosa que se traduziu em gesto de alteridade na escuta do meu texto, pelas significativas contribuições e pela sensibilidade na indicação de publicação deste livro.

    À Unoesc, a cada um dos colegas – gestores, docentes e dos setores administrativos – desta IES e à Coordenação do Curso de Direito da Unoesc Xanxerê: muito obrigada por tornarem possível este estudo.

    A cada um dos colegas de estudo, nos diferentes momentos de minha formação escolar e acadêmica, pela alegria da convivência, pelas escutatórias e pelas interlocuções.

    A cada um dos meus familiares; pelos laços de sangue somos aninhados, acolhidos e temos a sensação de pertencimento que tanto engrandece nossa alma.

    A cada um dos colegas da Caixa Econômica Federal, pelo alicerce do aprendizado de uma vida de convivência.

    A cada um dos maravilhosos amigos que a vida me presenteou, pela sinergia, amizade e incentivo.

    A cada um dos Professores que passaram por minha vida qual cometa, deixando rastro de luz, de sabedoria, de exemplo, de amor à profissão e pelos conhecimentos partilhados.

    A todos a quem tive o privilégio de chamar de aluno, em qualquer momento da minha trajetória profissional docente, pois aguçaram minha curiosidade epistemológica.

    Aprendi que não é possível transitar pela linguagem impunemente, para o bem ou para o mal: as máscaras caem, as ilusões se apequenam e as utopias carecem de chão para alçarem voo.

    (Mariza Vieira da Silva, 1998, p. 11).

    PREFÁCIO

    Neste livro Língua e Direito: uma relação de nunca acabar, a autora trata com imensa maestria de um tema que tem tomado conta das reflexões de muitos pesquisadores (pre)ocupados com o ensino de Língua Portuguesa nas últimas décadas. Relaciona-se de modo muito especial com os meus interesses de pesquisa há quase vinte anos: o ensino de Língua Portuguesa nos diversos níveis e modalidades de ensino, em particular, no ensino superior.

    Na investida teórico-analítica proposta, Rossaly Lorenset parte de sua experiência na docência no ensino superior em cursos de Direito e propõe-se a compreender o imaginário de língua em sua relação com as vertentes de ensino de Língua Portuguesa (CAMARGO, 2009). Para isso, seu primeiro e grande deslocamento foi este: sair do lugar de professora de língua portuguesa e assumir a posição de sujeito pesquisadora dos estudos da linguagem. Tal deslocamento se fez com base na assunção de uma base teórico-analítica que lhe permitisse transitar entre a teoria e análise para lançar seu olhar para o objeto em estudo. Temos aqui um trabalho que tem em sua constituição a Análise de Discurso (AD), de orientação franco-brasileira, em diálogo com a História das Ideias Linguísticas (HIL).

    A partir dessas tomadas de posição, a autora produz um trabalho de grande rigor teórico-analítico, sem se perder nas durezas que a escrita científica por vezes produz. Pelo contrário, tem-se uma escritura quase poesia em que

    ousamos propor a degustação de saborosos, prazerosos e apaixonantes estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa que, por vezes, são também provocantes e desafiadores: nesta travessia, temos de transpor entraves e superar entraves, até chegar à outra margem (fio inicial).

    A autora define seu objeto de análise como sendo o imaginário de língua no discurso sobre o ensino de Língua Portuguesa no curso superior de Direito da Unoesc Xanxerê (SC) e se propõe a trabalhar no entremeio da descrição com a interpretação, na análise de documentos institucionais relativos à constituição do curso em foco. Como aponta em seu texto, seu grande desafio foi o de atravessar o efeito de transparência da linguagem, da linearidade e da literalidade do sentido, compreender e assumir a opacidade da linguagem e a determinação dos sentidos pela história. Em seu trajeto de definição de corpus de pesquisa, a autora-pesquisadora estabelece três principais recortes discursivos, a partir dos quais desenvolve seu gesto de interpretação, a saber: objetivos do curso de Direito; as matrizes curriculares e as ementas de componentes curriculares do ensino da Língua Portuguesa, com as nomenclaturas de Língua Portuguesa I, Língua Portuguesa II, Produção de Textos e Português Aplicado ao Direito.

    Para organizar seu percurso de escritura, a autora divide seu livro em três partes norteadas pelos objetivos específicos da pesquisa. Na primeira, são apresentados os fios teóricos, ou seja, as noções que são basilares, e a constituição do corpus. Ressalto que o leitor não encontrará uma simples revisão de literatura, mas sim um texto de grande força teórica que se funde a uma escrita leve e poética, com marcas de autoria. Na segunda parte, a autora alinhava os fios da historicidade, em que recupera as memórias do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, também na educação superior no Brasil e, especificamente, em cursos de Direito. Na terceira parte, o leitor encontrará a tessitura dos fios: o dispositivo teórico alinhavado de mãos dadas com o gesto analítico, em que Rossaly Lorenset apresenta a historiografia do locus e analisa o lugar da Língua Portuguesa em graduação de Direito, embasados nos recortes discursivos.

    Como apontei no início deste texto, o trabalho vincula-se a um tema que tem lugar nas reflexões e investigações nos estudos da linguagem há algumas décadas, no entanto, vale ressaltar que o objeto de estudo e a investida teórico-analítica propostos dão o tom de singularidade e ineditismo ao texto. A filiação à AD e à HIL permite-nos considerar que do ponto de vista discursivo, assim como não se pode determinar o ponto inicial de um projeto de investigação, não há como determinar também seu ponto final. Para efeito de fechamento, ressalto que o que move a produção de conhecimento não é tão somente uma questão de pesquisa, mas, sobretudo, o deslocamento a que nos propomos enquanto sujeito-pesquisador-professor, e que esse movimento implica novos rumos a um projeto de pesquisa bem como novos rumos e novos sentidos a um projeto profissional que estão sempre sendo ressignificados.

    Como sujeitos cientistas da linguagem estamos sempre em busca da compreensão disto que nos é tão singular: a língua! Mas é na criação poética que encontramos profícuas reflexões sobre nosso objeto de investigação, e é Cecília Meireles que nos ensina:

    Ai, palavras, ai palavras,

    que estranha potência, a vossa!

    Ai, palavras, ai palavras,

    sois o vento, ides no vento,

    e, em tão rápida existência,

    tudo se forma e transforma!

    Mary Neiva Surdi da Luz

    Doutora em Letras

    Universidade Federal da Fronteira Sul

    LISTA DE SIGLAS

    Sumário

    1

    O FIO INICIAL

    2

    OS FIOS TEÓRICOS – UMA TRAMA DE MUITOS NÓS

    2.1 O FIO CONSTITUTIVO: MAPEAMENTO DO CORPUS DISCURSIVO

    2.2 FIOS DE SUSTENTAÇÃO: DISCURSO SOBRE E NOÇÕES DA REDE CONCEITUAL

    2.2.1 O fio do discurso – o intradiscurso e o enlace com as noções de memória discursiva, discurso transverso e interdiscurso

    2.2.2 O ponto nodal: a noção de língua da Análise de Discurso

    2.2.2.1 Sabores e (dis)sabores da língua ma(e)terna e da língua nacional

    2.2.2.2 Sistematizações da língua imaginária e a língua fluida, que não se deixa (i)mobilizar

    2.2.2.3 Uniformidade aparente que (con)forma e dá forma à norma: língua oficial, língua de Estado, língua da lei e língua do Direito

    3

    OS FIOS DA HISTORICIDADE – FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA DISCURSIVA E CONSTITUIÇÃO DE SENTIDOS

    3.1 MEMÓRIAS SE (RE)CONFIGURAM: A HISTORICIDADE DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

    3.2 MEMÓRIAS SE (RE)FORMULAM: A HISTORICIDADE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

    3.3 FIOS QUE SE EN(TRE)LAÇAM: OS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL E O LUGAR DA LÍNGUA(GEM)

    4

    OS FIOS DA DISCURSIVIDADE SE SOBREPÕEM: ENLACE DA TEORIA DISCURSIVA COM O GESTO ANALÍTICO

    4.1 O CONSTITUTIVO DO FIO – HISTORIOGRAFIA DO LOCUS: A UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC XANXERÊ – E O CURSO DE DIREITO

    4.2 (D)O LUGAR DA LÍNGUA PORTUGUESA EM CURSO DE DIREITO: A TESSITURA DO GESTO ANALÍTICO DE MÃOS DADAS COM O FIO TEÓRICO

    4.2.1 Os fios que marcam o ensino de língua presentes nos objetivos do curso e no perfil profissiográfico jurídico

    4.2.2 (Des)fiando ementas com tessitura reparadora

    4.2.3 (Re)velando ementas com tessitura instrumental

    4.2.4 (Des)velando ementas com tessitura discursivo-textual

    4.2.5 (Com)ementários na tela discursiva: nomeações dos componentes curriculares de ensino de língua

    4.2.6 (Des)atando os fios da língua imaginária no imaginário de língua do/no Direito

    4.3 EN(TRE)LAÇANDO OS FIOS

    5

    O LAÇO FINAL

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1

    O FIO INICIAL

    Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível.

    (FOUCAULT, 2012, p. 5).¹

    Para começar, alinhavemos a noção de texto, que em latim – textus us – há mais de dois mil anos significava tecido, resultado do trabalho do artesão, que, de tão perfeito e uno, não apresentava nenhum fio solto. Analogamente, no século XXI, observamos um continuum, pois, na ilusão de completude, a noção de texto bem escrito é aquele que possui coesão e coerência, com seus elementos anafóricos e catafóricos bem costurados e que, de tão bem articulado, encadeado e com tal unidade, o leitor não tropece em nenhuma palavra solta.

    Foi pelo ensino de textos e constitutivos contextos que trilhamos a nossa docência no ensino superior há quase duas décadas, procurando distanciarmo-nos da obviedade linear e, nesse percurso de construção do saber, foi emergindo a inquietação epistemológica: etimologicamente, a acepção de saber deriva de sabor. Então, analogamente, ousamos propor a degustação de saborosos, prazerosos e apaixonantes estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa, que, por vezes, são também provocantes e desafiadores: nessa travessia, temos de transpor traves e superar entraves até chegar à outra margem. Possivelmente não mais segura, entretanto distinta: um campo atravessado pela heterogeneidade, entrecruzado e híbrido, em que se abrigam imaginário² de língua, vertentes de ensino e saberes linguísticos.

    De acordo com Orlandi (2009), uma das noções de língua é aquela sem limites, como um imenso rio, que os olhos não abrangem, não seguram, não limitam, é fluida. Assim, navegando ou às margens desse rio caudaloso, profundo, enigmático, movimento contínuo e incessante, que não se deixa imobilizar, a trama desta pesquisa propõe-se a analisar o imaginário de língua no discurso sobre o ensino de Língua Portuguesa em curso superior de graduação em Direito por meio da análise do funcionamento discursivo de documentos institucionais, investigando as relações entre o que se ensina em Língua Portuguesa no meio universitário, a memória e as condições de produção desse ensino. Ancorados e enlaçados na filiação teórica da Análise de Discurso³ (AD) da vertente francesa⁴ pecheutiana em diálogo com a História das Ideias Linguísticas⁵ (HIL), a partir de arquivo documental-institucional, analisamos os ementários dos componentes curriculares de Língua Portuguesa, por meio de estudo do Projeto de Criação do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc Xanxerê, no ano de 2000, abarcando também o estudo das alterações e reformulações do Plano Pedagógico do Curso (PPC) até 2013, data da última alteração até a realização deste estudo, que se traduzem em corpus⁶ da pesquisa, nosso horizonte de retrospecção. De acordo com Auroux (2009), o ato de saber possui espessura temporal, um horizonte de retrospecção, assim como um horizonte de projeção. O saber, a episteme, não destrói seu passado: sem memória e sem projeto não há saber.

    Considerando que todo saber é produto histórico, questão da memória, de determinadas condições de produção, analisamos os documentos institucionais do curso de graduação em Direito da Unoesc Xanxerê e buscamos compreender as condições de produção, margeando a historicidade.

    São muitos os motivos da seleção do objeto de estudo, contudo recortar faz-se necessário e apresentamos três principais: i) foi motivada pela experiência da pesquisadora como docente em ensino superior – também no curso de Direito; ii) foi instigada pela busca do estado da arte⁷ da produção acadêmica sobre o imaginário de língua no discurso sobre o ensino de Língua Portuguesa em curso superior de Direito e constatação de que este tema é praticamente inexplorado; iii) foi suscitada pelos olhares atentos e ávidos por conhecimento dos acadêmicos que acolhem com receptividade as (in)(trans)formações propiciadas pelo estudo da Língua Portuguesa – instrumento de trabalho para maestria na profissão escolhida – dito de outro modo, pela especificidade e fundamental importância do conhecimento da Língua Portuguesa para o exercício profissional no segmento jurídico.

    Assim, este é um trabalho de linguagem sobre a linguagem⁸: o profissional do Direito e o profissional de Letras⁹ lidam com uma das faces mais humanas do homem, que é o legado da palavra. Somos criaturas feitas da palavra e a palavra é ingrediente que (re)vela o homem para o homem, tanto quanto (re)vela o homem a si próprio. E se a palavra, por vezes, é (re)veladora e o conhecimento científico sobre ela incidir, é possível que a ciência da linguagem contribua para servir aos homens. Este livro (re)vela uma história de histórias que se construíram e se constroem discursivamente, com dúvidas, equívocos e contradições no movimento e no jogo das estruturas conceituais. É também uma história de histórias em que podemos exercitar a autoria de um texto, pois é também uma história de histórias que foram se escrevendo com a tinta da existência, em espaços da produção de linguagem e de um saber sobre a Língua Portuguesa: também espaços de dúvidas, equívocos e contradições, contudo desde sempre comprometidos com, pelas e nas palavras. O desafio é que não nos afoguemos nas vaidades das ciências: que possamos fazer de nossos feitos um local acolhedor, onde se aninham, confortáveis, aqueles que mutuamente se acrescentam na constitutiva heterogeneidade.

    Minha práxis de docente em curso superior – com alunos adultos – teve início em 2001, num encontro-desafio instigante e estimulante. Fazia pouco mais de um ano que havia vencido um tumor cerebral schwannoma acústico – de aproximadamente seis centímetros, fato que poderia ter tirado meu chão não fosse a presença do Amor e do alicerce da família – mãezinha, paizinho, esposo, filhas –, de amigos e da Energia Divina Cósmica favorável. Com a retirada desse tumor cerebral foram muitas as lições: tive de reaprender a falar e a deglutir, dentre outros dificultadores, e, em decorrência, passei a olhar para a vida sob outro prisma, valorizando a tessitura do tempo presente. Constituí-me neste sujeito-professora que, com olhar fascinado, encantado e entusiasmado, era como se escutasse os textos produzidos pelos alunos. Lia os textos, não com intuito de controlar, mas de acompanhar o texto de um sujeito, transformando a prática pedagógica em experiência discursiva, em lugar de tensão entre o sistema formal da língua e os liames da liberdade, da criatividade e da singularidade do dizer de cada sujeito histórico. Compreendi que não estava diante de algo transparente: a opacidade, o engano, o equívoco estavam presentes nos textos não somente para serem pinçados, corrigidos, avaliados, pois neles se inscreviam os autores, com suas histórias (re)veladas e (des)veladas pelos textos. Não era possível neutralizá-los: havia uma relação entre língua, história e ideologia.

    É a partir desse espaço-tempo que este trabalho se inscreve no ensino de Língua Portuguesa, projetando nele algumas luzes acerca da constituição dos sentidos, do imaginário de língua e da historicidade mobilizadas pelo ensino de Língua Portuguesa, não sob a óptica de conteúdo. Neste estudo, trabalhamos sob o prisma da Análise de Discurso da filiação de Michel Pêcheux e seus estudiosos no Brasil, notadamente Eni Orlandi, que são críticos ao conteudismo e preferem pensar a história discursivamente – não é o conteúdo, mas seu funcionamento em práticas sociais que interessa: pouco importam os conteúdos, é a própria possibilidade de dar uma forma material ao pensamento (de pensar) que está em jogo nos jogos da história da ciência (ORLANDI, 2009, p. 138). A Análise de Discurso se define pela não transparência da linguagem, e o sujeito, por sua vez, deixa de ser centro e origem do seu discurso para ser entendido como uma construção polifônica, lugar de construção historicamente constituído e se mantém à razoável distância da análise de conteúdo.

    E assim adentramos – sem saber a dimensão – no mundo da memória e do esquecimento marcado tanto pelo dito como pelo não dito e o já dito em outro lugar, independentemente. E nos angustiamos: como trabalhar essa história da perspectiva discursiva? Em termos de estudos e pesquisas acerca do tema, o campo é praticamente inexplorado. O ponto de partida foi uma revisão bibliográfica e um olhar sobre as regularidades presentes na materialidade discursiva desses documentos com o respaldo do aparato teórico desenvolvido por Michel Pêcheux no fim da década de 60 do século XX e de pesquisadores que deram continuidade às suas reflexões compreendendo que, na teoria pecheutiana, a historicidade é constitutiva dos sujeitos e dos sentidos.

    Inicialmente, na análise dos documentos que constituem o corpus desta pesquisa, buscamos a compreensão¹⁰ de qual imaginário de língua e quais vertentes de ensino e saberes de língua funcionam no componente curricular de Língua Portuguesa para os futuros egressos de Direito da Unoesc Xanxerê. Para contribuir com esta investigação, buscamos em Camargo¹¹ (2009), que assim sistematizou as vertentes subjacentes ao ensino de língua: a) caráter reparador – visa a superar deficiências da escolaridade anterior; b) caráter instrumental – atende a razões pragmáticas, de modo a instrumentalizar os acadêmicos para o exercício profissional; c) caráter discursivo-textual – possui como foco o texto e o discurso, compreende o aprendizado da língua por suas relações com o processo cognitivo, valorizando o discurso acadêmico e a possibilidade de desenvolvimento intelectual. Importante ressaltar que não tomamos essas vertentes como pressuposto, fechadas, pois entendemos que imaginário é constante movimento, (res)significação, muito embora possua regularidades em uma discursividade dominante: o imaginário parece fechado, mas não o é, pois, pelas brechas e fissuras da língua, pela porosidade, há entradas. A investigação aqui proposta não é concebida como simples codificação/descodificação ou reprodução, mas como prática discursiva, como processo de significações ideologicamente constituído. Ao tecer a trama do mapeamento dos ementários sob o viés das vertentes de ensino, no caráter discursivo-textual, observamos discursividade dominante do caráter textual se sobrepondo ao caráter discursivo, entretanto, ao categorizar, optamos por manter a mesma nomenclatura do autor (CAMARGO, 2009), porém problematizando-a. Nesse entremeio, investigamos a hipótese de que essas vertentes de ensino e saberes de língua não são autoexcludentes a partir do que emerge no corpus da pesquisa, contribuindo para aprofundar o debate em torno do imaginário de língua no discurso sobre ensino de Língua Portuguesa na educação superior e seus modos de disciplinarização.¹²

    Especificamente, os objetivos formulados como bússola a orientar a investigação proposta na hipótese são: i) analisar, na perspectiva teórica discursiva, imaginário de língua, as vertentes de ensino de língua e os saberes linguísticos que por elas são mobilizados no ensino de Língua Portuguesa no curso superior de Direito da Unoesc Xanxerê (SC), compreendendo a construção discursiva de documentos de criação e reformulações do Curso; ii) compreender as condições de produção que afetam os ementários de Língua Portuguesa nesse curso de Direito, e como/o que significam, a partir da perspectiva da História das Ideias Linguísticas e das ressonâncias¹³ da memória do ensino de Língua Portuguesa no ensino superior no Brasil; iii) investigar a relação língua e história como constitutiva de um espaço que é norteado por documentos institucionais, (res)significados e atualizados em cada contexto sócio-histórico-ideológico, observando-se como e quais saberes do domínio da Língua Portuguesa são mobilizados na organização curricular do curso de graduação em Direito da Unoesc Xanxerê (SC). Pelo movimento pendular¹⁴ do processo discursivo, o gesto de descrever e de interpretar a materialidade discursiva foi abrindo novas possibilidades e necessidades, e houve um trabalho sobre o corpus em todo o decorrer da análise, emergindo questões que nos conduziram

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1