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ITBI: doutrina e prática
ITBI: doutrina e prática
ITBI: doutrina e prática
E-book514 páginas7 horas

ITBI: doutrina e prática

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Sobre este e-book

Em oito capítulos, essa obra esgota o estudo do imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, conhecido pela sigla ITBI, à luz da melhor doutrina e da jurisprudência atualizada.
No Capítulo 1, cuida da evolução histórica do ITBI desde o seu advento até a Constituição de 1988, enquanto no capítulo 2 é examinada a inserção do ITBI no Sistema Tributário Nacional.
O Capítulo 3 examina a discriminação constitucional de impostos, analisando as limitações genéricas ao poder de tributar e aquelas específicas voltadas para o ITBI.
As noções básicas sobre a obrigação tributária e os diversos aspectos do fato gerador são apresentados no Capítulo 4, enquanto no Capítulo seguinte são analisadas as noções sobre o crédito tributário, abrangendo o exame de sua constituição pelo lançamento e as hipóteses de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário.
No Capítulo 6 é exaurido o exame do fato gerador do ITBI em seus aspectos nuclear, subjetivo, espacial, quantitativo e temporal, de conformidade com os dispositivos pertinentes do Código Tributário Nacional interpretados de forma atualizada e em cotejo com as posições doutrinárias e jurisprudenciais. Já no Capítulo 7 são abordadas as questões pertinentes à responsabilidade tributária dos notários e dos registradores.
No capítulo 8 são examinados 23 casos controvertidos na doutrina e na jurisprudência, apontando para cada um deles a solução reputada mais razoável e acertada. O item 8.23 promove um estudo pioneiro acerca da dissolução de pessoa jurídica e a destinação de seus bens imóveis a seus sócios sem incidência do imposto.
Acompanha a obras Súmulas do STF pertinentes ao ITBI, além do índice alfabético remissivo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jun. de 2021
ISBN9786525203980
ITBI: doutrina e prática

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    ITBI - Kiyoshi Harada

    Bibliografia

    1. O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS

    Esse imposto, no passado conhecido também como Siza, ao longo do tempo variou tanto no que diz respeito à entidade política tributante (Estado-membro e Município) quanto no que se refere a sua base de incidência (bens imóveis e bens móveis e imóveis).

    1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

    O ITBI surgiu em 1809 sob a denominação de siza. Dicionaristas usam a grafia sisa, o que é irrelevante. Por meio do Alvará de 3 de junho de 1809, D. João VI instituiu a meia siza (5%) incidente sobre tráfico de escravos ladinos² juntamente com a siza incidente sobre a transação de bens de raiz. A meia siza, que era imposto de caráter geral, perdurou até 13-5-1888, quando ocorreu a abolição da escravatura.

    A Carta outorgada de 1824 é omissa na previsão desse imposto. Pelo Ato Adicional de 1834, a siza incidente sobre transações com bens de raiz passou das Províncias (Estados-membros) para os Municípios, com exceção para o Município do Rio de Janeiro.

    A Constituição Republicana de 1891 conferiu aos Estados-membros a competência para instituir impostos sobre transmissão de propriedade (art. 9o, III). Na Constituição de 1934, esse imposto é mantido na competência estadual, porém, com a divisão entre causa mortis e inter vivos (art. 8o, I, alíneas b e c). Interessante notar que o imposto inter vivos incidia, inclusive, na transmissão para o fim de incorporação ao capital da sociedade e a transmissão causa mortis alcançava os bens incorpóreos (§ 4o do art. 8o). Na Constituição de 1937, nada mudou (art. 23, I, alíneas b e c). O mesmo aconteceu com o advento da Constituição de 1946 (art. 19, II e III).

    Com a Emenda Constitucional no 5, de 1961, ocorreu o desmembramento desse imposto. O imposto de transmissão inter vivos passou para competência impositiva municipal (art. 29, III), ao passo que o imposto de transmissão causa mortis continuou na esfera de competência tributária dos Estados-membros (art. 19, I e §§ 1o e 2o).

    A Emenda Constitucional no 18, de 1965, reunificou os impostos de transmissão causa mortis e inter vivos, mantendo a competência impositiva dos Estados-membros (art. 9o e §§ 1o a 4o).

    A Constituição de 1967 atribuiu aos Estados-membros a competência para decretar o imposto sobre transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza, acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis (art. 24, I). O § 2o, com a redação conferida pelo Ato Complementar no 40, de 30-12-1968, fixou a competência impositiva do Estado-membro onde se situa o bem imóvel, limitando-a à alíquota máxima fixada por Resolução do Senado Federal e prevendo o direito de dedução do montante pago por ocasião da apuração e pagamento do imposto de renda oriundo da transação imobiliária. A Emenda no 1, de 1969, apesar de manter o mesmo texto da Carta Política anterior (art. 23, I e § 2o), suprimiu a previsão constitucional de dedução do imposto pago a esse título para efeito de pagamento de imposto de renda.

    1.2 NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: ARTS. 155, I, E 156, II

    Finalmente, a Constituição de 1988 voltou a dividir esse imposto em transmissão causa mortis e transmissão inter vivos.

    O lobby dos governantes estaduais e municipais junto ao Congresso Constituinte resultou na cisão do imposto sobre transmissão, cabendo, ao Estado-membro tanto a transmissão causa mortis, como também a transmissão inter vivos, a título gracioso, incidindo sobre quaisquer bens ou direitos (art. 155, I, da CF), retornando ao sistema de 1946, quando era tributada pelos Estados-membros a transmissão de quaisquer bens corpóreos ou incorpóreos (art. 19 e §§ 1o e 2o da CF de 1946). Ao Município restou apenas a transmissão inter vivos a título oneroso, conforme se depreende do art. 156, II, da CF:

    "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

    [...]

    II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição."


    2 Escravos nascidos no Brasil ou aqueles não comprados de negociantes de escravos (tráfico externo).

    2.

    SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E O ITBI

    O Capítulo I do Título VI da Constituição Federal dedica 19 artigos (arts. 145 a 162) sob a denominação de Sistema Tributário Nacional.

    Sistema Tributário significa um conjunto de normas constitucionais de natureza tributária³ inserido no Sistema Jurídico Global, formado por um conjunto unitário e ordenado de normas subordinadas aos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, que organiza os elementos constitutivos do Estado, que outra coisa não é senão a própria Constituição.

    Deve-se entender, portanto, que o que existe é um sistema parcial (Sistema Constitucional Tributário) inserido no Sistema Global (Sistema Constitucional).

    A existência de um Sistema Tributário Nacional feriria o princípio federativo segundo o qual Estados-membros e Municípios, no gozo de suas autonomias político-administrativas, elaboram os respectivos Sistemas Tributários, ainda que com base em princípios constitucionais comuns, conforme se depreende da lição de Geraldo Ataliba:

    "Há um sistema tributário brasileiro, sem dívida, mas, ao contrário do francês e do italiano, por exemplo, não reúne as condições para ser considerado nacional.

    E o fato de haver normas constitucionais voltadas para todas as pessoas políticas – que sempre houve aqui e em todas as federações – não chega, por si só, a dar tal caráter ao sistema.

    Para que este pudesse ser reputado nacional, seria necessário que o legislador que o plasma também se revestisse da mesma qualidade, o que não acontece. Pelo contrário, temos uma multiplicidade de legisladores a contribuir na modelagem do Sistema Tributário."

    De fato, em um Estado Federal, onde convivem três esferas políticas autônomas, não é possível cogitar um Sistema Tributário Nacional nos moldes existentes nos países unitários.

    Contudo, forçoso reconhecer que o legislador constituinte modelou o Sistema Tributário de forma cabal e definitiva, nada deixando à eventual contribuição do legislador infraconstitucional.

    Logo, tributos federais, estaduais e municipais e, por conseguinte, os respectivos legisladores, estão vinculados aos princípios constitucionais tributários, não podendo ampliar, nem reduzir as limitações ao poder de tributar.

    Por tais razões, pode-se denominar de Sistema Tributário Nacional ao conjunto de tributos federais, estaduais e municipais, como, aliás, admite Amílcar de Araújo Falcão.

    O ITBI integra, pois, o Sistema Tributário Nacional e, por força do princípio da discriminação de rendas tributárias, foi inserido no âmbito de competência impositiva dos Municípios.


    3 A seção VI, concernente à repartição das receitas tributárias, está inserida no Capítulo I por razões de ordem prática, mas, na realidade, a questão de repartição das receitas tributárias insere-se no âmbito do Direito Financeiro.

    4 Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 223-224.

    5 Impostos concorrentes na Constituição de 1946. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 35.

    3.

    DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE IMPOSTOS

    Imposto é espécie do gênero tributo. É destinado essencialmente à captação de recursos financeiros. Representa a fonte regular de abastecimento do Tesouro para que o Estado possa cumprir a sua finalidade de implementar o bem comum. É conhecido como tributo desvinculado de qualquer atuação do Estado, ao contrário de outras espécies tributárias que são exceções vinculadas à atuação estatal. No que se refere às taxas de serviços e às contribuições de melhoria, por exemplo, serão os sujeitos ativos desses tributos os entes políticos que tiverem prestado os serviços públicos específicos e divisíveis e aqueles entes políticos que tenham executado a obra pública que valorize os imóveis circunvizinhos, respectivamente.

    No que se refere ao imposto, exatamente, por ser um tributo desvinculado da atuação estatal, o legislador constituinte discriminou aqueles cabentes a cada entidade política para afastar os conflitos entre esses entes federados, juridicamente parificados, e ao mesmo tempo assegurar recursos financeiros próprios para o gozo de suas autonomias político-administrativas.

    Daí a outorga de competência privativa à União dos sete impostos previstos no art. 153 da CF; da outorga de competência privativa aos Estados-membros dos três impostos previstos no art. 155 da CF; e da outorga de competência privativa aos Municípios dos outros três impostos previstos no art. 156 da CF.

    A discriminação constitucional de impostos gera duplo efeito: efeito positivo, à medida que confere à entidade política contemplada a exclusividade de tributação; efeito negativo, à medida que veda à entidade política não contemplada o exercício da competência tributária. A Carta Política veda, pois, a bitributação jurídica, ressalvada a eventual exceção prevista no próprio texto constitucional.

    Daí por que a discriminação de impostos é um dos importantes princípios limitadores do poder de tributar ao lado de outros princípios adiante examinados.

    3.1 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

    A Constituição Federal inscreveu diversos princípios tributários, visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia e ao respeito aos direitos fundamentais.

    Aliomar Baleeiro denomina esses princípios de limitações constitucionais ao poder de tributar.

    Examinemos, primeiramente, os princípios genéricos, aplicáveis aos tributos em geral e, ao depois, os princípios constitucionais específicos, aplicáveis apenas ao ITBI.

    3.1.1 Limitações constitucionais genéricas ao poder de tributar

    3.1.1.1 Generalidades

    A nossa Constituição Federal, ao contrário das Constituições de outros países, estruturou e modelou o Sistema Tributário de forma completa. Procedeu à partilha da competência tributária deferindo competência comum relativamente às taxas, contribuições de melhoria e contribuição social do servidor público e deferindo competência privativa no que tange a impostos, discriminando-os em seus arts. 153, 155 e 156. Essa discriminação, por si só, já é uma limitação ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade política implica, ipso facto, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não contemplada. Além disso, a Carta Política prescreveu inúmeros outros princípios tributários, visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, ao respeito aos direitos fundamentais e à proteção dos valores espirituais. E ao lado dos princípios expressos existem outros, implícitos, que decorrem do regime e dos princípios adotados pela Carta Política, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (§ 2o do art. 5o da CF).

    Aliomar Baleeiro estuda cada um desses princípios, adiante analisados, em sua obra intitulada Limitações constitucionais ao poder de tributar.

    3.1.1.2 Princípio da legalidade tributária

    3.1.1.2.1 Natureza e origem do princípio

    Esse princípio tem origem política. Está diretamente ligado à luta dos povos contra a tributação não consentida.

    São conhecidas as resistências dos povos contra a tributação não consentida, desde a Idade Média. Aliomar Baleeiro narra o que ocorreu com as três grandes civilizações, conforme passaremos a resumir adiante.

    Na Espanha, as grandes assembleias de classes denominadas Cortes concediam tributos extraordinários solicitados pela Coroa. As Cortes de Leão, de 1188, estabeleceram o princípio de que os impostos deveriam ser votados pelos delegados dos contribuintes. Portugal convocava as Cortes de Lamengo em 1413 para obter os impostos necessários. A assembleia convocada após a Revolução de 1820 contou com deputados do Brasil, os quais foram hostilizados, contribuindo para acelerar o movimento emancipador.

    Na França, representantes da nobreza, clero e povo reuniam-se em Etais Généraux e nos Estados Provinciais quase sempre para obtenção de tributos, desde o início do século XVI até que os monarcas absolutistas, Francisco I, Henrique IV e Luís XIV, prescindiram dessas assembleias. Com o final da era de Luís XIV celebrizado pela fórmula O Estado sou eu, Luís XVI convocou, para obtenção de tributos, os Estados Gerais, os quais se converteram na Constituinte, de cuja fermentação surgiria a Revolução Francesa de 1789.

    Na Inglaterra, a luta dos barões contra João sem Terra culminou com o advento da Carta Magna de 1215, na qual ficou consignado o princípio de que nenhum tributo ou scutage (resgate em dinheiro da obrigação do serviço militar) poderia ser cobrado sem o consentimento do conselho do reino, salvo os de costume, para resgate do rei, elevação de seu filho mais velho a cavalheiro ou dote da filha mais velha.

    Assinala, ainda, Aliomar Baleeiro que os princípios da representação política e do consentimento expresso para o imposto já estavam implícitos nas práticas vetustas que se observavam há quase mil anos na Espanha e Portugal, passando este último para o Brasil-Colônia através das Câmaras Municipais. Algumas dessas Câmaras não consentiam facilmente na tributação. A do Rio de Janeiro depôs o governador Salvador Correia de Sá e Benevides, em 1660, encabeçando motins graves, conforme assinala o citado autor.

    O estudo histórico não deixa margem de dúvida de que a tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais.

    Entre nós, como assinala Paulo Roberto Cabral Nogueira, o mais genuíno e idealista dos movimentos de afirmação da nacionalidade, a Inconfidência Mineira, teve como fundamental motivação a sangria econômica provocada pela metrópole com o aumento da derrama.

    3.1.1.2.2 A cristalização do princípio

    Thomas Jefferson, ao redigir a Declaração da Independência das colônias americanas (1776), dentre outros abusos do Rei da Grã-Bretanha, cita expressamente o lançamento de taxas sem nosso consentimento.

    A Constituição dos Estados Unidos da América que se segue à Declaração da Independência, de 1787, dispõe em seu art. I, Seção 7, inciso 1:

    Todo projeto de lei relativo ao aumento da receita deve se iniciar na Câmara dos Representantes; o Senado, porém, poderá apresentar emendas, como nos demais projetos de lei.

    Por sua vez, a Seção 8, inciso 1, do mesmo artigo prescreve:

    Será da competência do Congresso: lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos;

    Finalmente, reza a 16a Emenda Constitucional:

    O Congresso terá competência para lançar e arrecadar impostos sobre a renda, seja qual for a proveniência desta, sem distribuí-los entre os diversos Estados ou levar em conta qualquer recenseamento ou enumeração.

    A Constituição de 1946, do longínquo país do extremo oriente, a do Japão, também, preceitua em seu art. 84:

    Nenhum imposto novo será criado, nem modificados os já existentes, exceto em virtude de lei ou nas condições que esta prescrever.

    Demais países democráticos, também, vêm inscrevendo em suas Cartas Políticas o princípio da legalidade tributária, alguns deles sob a forma de princípio genérico.

    3.1.1.2.3 O princípio da legalidade no Brasil

    Entre nós, desde a primeira Constituição Republicana de 1891 vem sendo consignado o princípio da prévia instituição legal do imposto (art. 72, § 30). A própria Carta outorgada de 1824, em seu art. 36, I, prescrevia a iniciativa privativa da Câmara dos Deputados sobre impostos.

    A Carta de 1988, como se não bastasse a disposição do art. 5o, II, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, prescreveu em seu art. 150, I:

    "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

    As palavras iniciais do art. 150, inseridas na Seção II, que cuida Das Limitações do Poder de Tributar, só vêm a confirmar o que dissemos anteriormente, isto é, que os princípios constitucionais tributários não se esgotam naqueles elencados na Constituição.

    Como se sabe, a Carta Política não cria tributos, pois limita-se a repartir o poder de tributação pelo mecanismo da competência tributária.

    É a lei ordinária de cada poder tributante que vai instituir o tributo de sua competência impositiva. Somente a lei em sentido estrito pode criar, modificar ou extinguir tributos.

    No regime da Emenda no 1/69, os tributos federais podiam ser criados ou alterados através de decreto-lei, figura substituída pela medida provisória, contemplada no art. 62 da Constituição vigente, que atua em qualquer campo, limitada apenas à relevância e urgência da matéria, segundo o exclusivo juízo político do Presidente da República, a quem cabe o exercício do poder cautelar geral. Daí a proliferação de medidas provisórias, umas aprovadas, outras rejeitadas, outras, ainda, mediante projetos de conversão, aprovadas com emendas modificativas ou supressivas, causando efeitos jurídicos díspares, criando um cipoal de confusões no ordenamento jurídico.

    Muitos juristas sustentavam que o decreto-lei não era lei, ou que não tinha a mesma força de lei, e que, portanto, não poderia dispor sobre matéria submetida ao princípio da estrita legalidade, como é o caso da instituição de tributo, ou a sua majoração.

    A grande verdade é que a Constituição anterior conferia ao Chefe do Poder Executivo da União o poder de expedir decreto-lei em matéria tributária, nos termos do art. 55 que assim dispunha:

    "Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:

    I – segurança nacional;

    II – finanças públicas, inclusive normas tributárias".

    3.1.1.2.3.1 Medida provisória em matéria tributária

    Estando a medida provisória encartada no elenco do art. 59 da CF, que cuida do processo legislativo, não há dúvida tratar-se de uma espécie normativa, ainda que de natureza peculiar.

    A medida provisória surgiu na Carta Política de 1988 (art. 62 e seu parágrafo único) como sucedâneo à extinção do antigo decreto-lei, previsto para as hipóteses do art. 55 da Emenda no 1/69. Ela é editada pelo Presidente da República, com força de lei, obedecidos tão só os requisitos da relevância e urgência, para ser imediatamente submetida ao Congresso Nacional.

    Ao invés de abolir esse instrumento normativo, desestabilizador da ordem jurídica, a Emenda Constitucional no 32, de 11-9-2001, deu nova feição à medida provisória mediante a alteração do art. 62 da CF e introdução de 12 novos parágrafos. Para aplacar o clamor popular contra o seu uso indiscriminado, o § 1o enumerou os casos em que não podem ser objetos de disciplinação por meio dela, elencando as matérias, como as previstas nos incisos III e IV que, pela sua própria natureza, já estão fora do seu alcance. Mediante sutil alteração da redação do art. 246 da CF, que proibia o uso da medida provisória para regulamentação de dispositivo constitucional alterado por emenda promulgada a partir de 1995, alargou-se o campo de atuação desse singular instrumento legislativo. Agora, os dispositivos da Carta Magna, que vierem a ser alterados por emendas promulgadas a partir de 12 de setembro de 2001, poderão ser regulamentados por meio de medidas provisórias. Em outras palavras, anulou-se a conquista representada pela Emenda no 6, de 15-8-1995, que introduziu a proibição ora revogada.

    Pelas novas regras, as medidas provisórias perderão eficácia ex tunc se não forem convertidas em lei, no prazo de sessenta dias, prorrogável uma única vez, por idêntico prazo, desde que ainda não tenha encerrado sua votação nas duas Casas do Congresso Nacional (§§ 3o e 7o). Não cabe reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de tempo (§ 10). Na hipótese de perda de eficácia ou rejeição das medidas provisórias cabe ao Congresso Nacional, no prazo de sessenta dias, disciplinar, por meio de decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes, sob pena de conservação dos efeitos até então produzidos (§§ 3o e 11). Na hipótese de aprovação do projeto de lei de conversão, alterando o texto original da medida provisória, esta continuará integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto (§ 12). Finalmente, nas hipóteses de instituição ou majoração de impostos, a medida provisória só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada, ressalvados os impostos que, por expressa previsão constitucional, não se submetem ao princípio da anterioridade (§ 2o).

    No nosso entender, a medida provisória não pode ser veiculada em matéria tributária. Não preenche o requisito indispensável do princípio constitucional da legalidade tributária. Esse princípio pressupõe prévio consentimento da sociedade no quantum da tributação, por meio do órgão de representação popular, o que inexistirá no caso de instituição de tributo por medida provisória. Incogitável, outrossim, a hipótese de o tributo, depois de criado ou majorado, sujeitar-se ao desaparecimento com efeito ex tunc ao cabo de sessenta ou cento e vinte dias, se rejeitada ou cessada a eficácia da medida provisória, que instituiu ou majorou o tributo. O que é pior, a omissão do Congresso Nacional em disciplinar, no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas decorrentes da medida provisória rejeitada ou caducada, beneficiará o Poder Executivo que a editou, pois, nesse caso, os efeitos já produzidos serão conservados, isto é, não dará ensejo à repetição de indébito, fato que poderá levar o Executivo a cometer abusos. E mais, relativamente aos impostos sujeitos ao princípio da anterioridade a medida provisória só poderá surtir efeitos a partir do exercício seguinte, se convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada (§ 2o do art. 62). Ora, isso esvazia o conteúdo do requisito constitucional da urgência para sua edição. Não teria sentido algum lançar mão de medida provisória, por exemplo, em janeiro de 2008, sob alegação de urgência, para vigorar a partir de janeiro de 2009, se convertida em lei até 31 de dezembro de 2008.

    Como se vê, a nova versão da medida provisória agrava a sua incompatibilidade no trato com a matéria tributária. Yoshiaki Ichihara também entende que as medidas provisórias não servem como regra para instituir ou aumentar tributos, cabendo a elas todas as restrições levantadas em relação ao decreto-lei do sistema anterior, o que é possível apenas em casos excepcionais.⁸ A jurisprudência do TRF da 3a Região é no sentido de que a medida provisória não pode legislar sobre criação ou aumento de tributos, sobre matéria penal e sobre processo civil, entendimento esse firmado antes da Emenda no 32/01.⁹

    A veiculação de matéria tributária por meio de medida provisória afronta em bloco os direitos e garantias fundamentais de aplicação imediata, porque frutos da soberania popular, consagrados na Carta Política.

    Não há dúvida de que a sua utilização no campo tributário implica um arranhão no princípio da legalidade tributária, destinado a conferir segurança jurídica a todos os contribuintes. Para prevenir abusos como os perpetrados pela MP no 232/04, conhecida como tsunami tributário, felizmente rejeitada pelo Congresso Nacional, foi apresentada a PEC no 371/05 proibindo a utilização de medida provisória em matéria tributária. Porém essa PEC sofreu emendas e atualmente tramita no Congresso a PEC no 511/06 que remove a proibição apontada, porém, suprimindo o trancamento da pauta do Congresso Nacional, flexibilizando o atual § 6o do art. 62 da CF.

    Na prática, a medida provisória tem sido utilizada de forma desvirtuada sem atendimentos dos pressupostos constitucionais.

    Prescreve o art. 62 da CF:

    Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

    A expressão em caso de urgência e relevância está a indicar um acontecimento fático que pela sua importância está a exigir imediata regulamentação normativa, incompatível com o processo legislativo normal.

    Relevante, como está no Dicionário Aurélio, é a realidade que sobressai ou ressalta. É, portanto, um fato, um acontecimento anormal. A sua não regulação por um instrumento legal poderá afetar a ordem social. E essa normatização deve ser feita de imediato (urgência), o que torna inviável o processo legislativo normal.

    E quem pode, em um primeiro plano, avaliar o que é relevante e ao mesmo tempo urgente é o Presidente da República, que detém o poder cautelar geral. Por isso, em princípio, os conceitos de relevância e de urgência decorrem do juízo de oportunidade inserindo-se no campo da discricionariedade de atuação do Presidente da República. Nesse sentido decidiu o STF:

    Avanço para dizer que o pressuposto constitucional para essa investidura do Presidente da República em função normativa primária está na ocorrência de um caso, um fato, um acontecimento do mundo do ser (Kelsen) que se revista ao mesmo tempo de, relevância e urgência. Mas um fato urgente e relevante, frise-se no sentido de requerer uma pronta resposta normativo-estatal [...]. É a medida provisória, portanto, uma regração que o Presidente fica autorizado a baixar para o enfrentamento de certos tipos de anomalia tática. Um tipo de anormalidade – este o ponto central da questão – geradora de instabilidade ou conflito social que não encontra imediato equacionamento nem na Constituição, diretamente, nem na ordem legal já estabelecida. Por isso que demandante de uma resposta normativa que não pode aguardar as formas constitucionais de tramitação dos projetos de lei (Adin-MC no 3.964-DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJE no 65, de 10-4-2008).

    Acontece que a maioria das medidas provisórias editada pelo Executivo cuida de n assuntos ao mesmo tempo como se tantos casos de urgência e relevância tivessem ocorridos no mundo do ser. A MP no 449/08, convertida na Lei no 11.941, de 27-5-2009, por exemplo, cuidou de cerca de inúmeros assuntos diferentes que não guardam relação de dependência entre si. A citada medida provisória regulou quase 40 situações decorrentes de acontecimentos fáticos anormais a evidenciar o desvio de finalidade.

    Lamentavelmente, há falta de interesse político para limitar, de verdade, o uso da tão combatida medida provisória, inclusive, em matéria tributária em que a ofensa ao princípio da legalidade mostra-se patente. Já ficou incorporado ao nosso processo legislativo o hábito de os parlamentares inserirem textos estranhos à matéria versada na medida provisória, a fim de aproveitar o rito privilegiado para a aprovação do instrumento legislativo. A simbiose entre os Poderes Executivo e Legislativo resulta na burla ao processo legislativo estabelecido para a discussão e aprovação de lei ordinária e não tem fundamento constitucional.

    3.1.1.2.4 Campo de atuação do princípio da legalidade

    3.1.1.2.4.1 Considerações gerais

    O princípio da legalidade tributária não se resume, apenas, na vedação da cobrança ou majoração do tributo sem a prévia previsão legal. De há muito extrapolou o velho princípio donde se originou – nullum crimen sine lege – para passar a reger as mais diferentes situações relacionadas com a tributação, objetivando a formulação de uma ordem jurídico-tributária cada vez mais justa.

    Diz Alberto Pinheiro Xavier:

    O princípio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de uma ideia de autotributação, de livre consentimento dos impostos; antes passa a ser encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível de expressão da justiça material. Dito em outras palavras: o princípio da legalidade tributária é o instrumento – único válido para o Estado de Direito – de revelação e garantia da justiça tributária.¹⁰

    De fato, o princípio da legalidade, só para citar, preside a política de incentivos fiscais, a concessão e revogação de isenção, a repartição de tributo pago indevidamente etc.

    3.1.1.2.4.2 O art. 97 do Código Tributário Nacional

    O art. 97 do CTN enumera as matérias submetidas à esfera de atuação exclusiva da lei, nos seguintes termos:

    "Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

    I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

    II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

    III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3o do art. 52, e do seu sujeito passivo;

    IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

    V – cominação de penalidade para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

    VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidade.

    § 1o Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

    § 2o Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo."

    Os incisos I e II configuram a repetição do que está no art. 150, I, da CF vigente e que estava nas Cartas anteriores. Representam princípio da legalidade em sua concepção tradicional.

    Os incisos III e IV dizem respeito à formulação da hipótese de incidência tributária, abrangendo o elemento nuclear ou objetivo do fato gerador da obrigação tributária, bem como os seus aspectos subjetivo e quantitativo.

    O inciso V só impõe, de forma clara, a atuação exclusiva da lei quando se tratar de definir outras infrações, como se depreende de sua parte final. A primeira parte do citado inciso, apesar de exigir a lei para a fixação de penalidade (nulla poena sine lege), não prescreveu igual orientação para definição de infrações decorrentes de ações ou omissões contrárias aos dispositivos da lei tributária, distanciando-se do princípio nullum crimen sine lege.

    Como penalidade é matéria que se insere no campo do direito punitivo, é necessário que o aplicador da lei tributária observe os princípios gerais do direito penal, principalmente aquele princípio secular, estatuído no art. 1o do Código Penal. Aliás, o próprio Código Tributário Nacional transpôs para o campo do direito tributário algumas das regras fundamentais do direito criminal, como se pode ver de seus arts. 106, 112 e 137.

    O inciso VI aborda matérias concernentes à exclusão (art. 175), à suspensão (art. 151) e à extinção de créditos tributários (art. 156), além de casos de dispensa ou redução de penalidades.

    E aqui convém fazer breves considerações em torno da isenção tributária.

    A isenção não pode prescindir de lei porque a Constituição, ao conferir às entidades políticas a competência impositiva, pelo mecanismo da partilha tributária, conferiu-lhes também o poder de isentar.

    No dizer de Seabra Fagundes, "a competência constitucional para tributar supõe a opção entre criar tributos ou não, e

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