Do Lixo a Bixo: a cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida
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Do Lixo a Bixo - Alexandro Cardoso
QUEM SOU EU?
Sou @alexcatador, aquele que nasceu num carrinho, cresceu com o saco nas costas e na cooperativa fiz meu ninho. Da partilha, me fiz solidário, um ser coletivo e nunca solitário, com bandeira no alto e computador nas mãos, aprendendo com os mais excluídos a mais bela lição, compartilhar é um dos principais atos de amar. Sou o catador que voltou a estudar, do iletrado esculpir-se doutor, não reciclando apenas resíduos, reciclando consciências do saber, transformando em belo a arte de aprender, vinda de lugares que ninguém queria saber, é nessa fonte que vou bebendo, aprendendo e ensinando a viver.
A poesia nos mostra a complexidade e a suavidade do saber, do sentir, do ser, nos mostrando o novo ou dando, com um leve toque, outros olhares para aquilo que estamos acostumados a olhar. Gosto de poesia, do clima e do cenário, ele se forma ao redor da poesia e não ao contrário - qualquer cenário - principalmente aqueles que não se espera, o inesperado é também, neste caso, parte de um grande espetáculo. Que a poesia continue a ocupar todos os lugares, transportando essa cultura pelos trens, ônibus, livros e cada esquina deste mundo, nos fazendo, a cada palavra, a cada estrofe e parágrafos seres mais completos.
Começando com poesia para contar o belo, deixando mais leve e prazerosa minha apresentação. Muito prazer, é com alegria e honra que me apresento, sou Alexandro Cardoso, conhecido por Alex ou ainda no Instagram como @alexcatador, sou pai de duas filhas, Alexsandra e Hellen, e dois filhos gêmeos, Victor e Vinny. As gurias moram em Santa Catarina, Alexsandra a mais velha é solteira e vive namorando, enquanto a Hellen está casada e já têm duas filhas, minhas netas Sofia e Raíssa, as quais são uns amores.
Às vezes converso com elas usando vídeo pelo celular, o que me dá muita alegria. Mesmo estando longe, volta e meia recebo algumas fotos ou falo com elas. Estou morando em Porto Alegre, a cidade que considero como minha morada
, sendo minha cidade preferida. Apesar de gostar de viajar, adoro voltar para casa, é lindo ver a rodoviária de cima (passamos por um viaduto para entrar na rodoviária de ônibus) ou ver a ponte levadiça, cartão postal da cidade no lado direito ou a Arena Grêmio no lado esquerdo, ambas lindas.
Sou catador de materiais recicláveis com um orgulho imensurável, cooperado da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada – ASCAT a qual foi formada em 1996 no Loteamento Cavalhada, Zona Sul de Porto Alegre. A ASCAT faz parte da Central de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis de Porto Alegre e Região Metropolitana - Rede Catapoa. Sou membro da Equipe de Articulação Nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR.
O movimento coordena outras duas instituições de representação institucional da categoria, a Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - ANCAT, a União Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Brasil - UNICATADORES, ligados em rede com organizações nacionais da categoria organizada em outros países, formando a Rede Latino Americana e Caribenha de (Recicladores) Catadores – RedLacre, no continente americano e globalmente a Aliança Global dos Catadores – GlobalRec, que reúne organizações de 5 continentes. Estas organizações contribuem na organização, representação, luta e resistência da categoria no mundo.
Atualmente estou nas representações da ANCAT no Rio Grande do Sul, atuando na coordenação de projetos de logística reversa além de estar na coordenação geral de um projeto de parceria entre MNCR/ANCAT e Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing - Wiego (Mulheres no emprego informal: Globalizar e Organizar) com recursos internacionais para fortalecimento tecnológico do MNCR. Atuo também como fiscal na UNICATADORES.
Para completar minha breve apresentação, quero apresentar minha mais nova identidade acrescida às outras de negro, pobre, favelado e por último aquele que a burguesia mais gosta ao mesmo tempo que que faz de tudo para que não nos tornamos, estudante universitário numa universidade federal. É do carrinho de papel, da vassoura de brinquedo, das lutas pela reciclagem popular e essencialmente do apoio de compas, amizades, professoras e professores, familiares desta imensa família catadora, que me tornei em cinco anos do iletrado, com ensino fundamental incompleto ao estudante universitário.
Um estudante atencioso, crítico, lutador e defensor da educação pública, universal, universalizada e de qualidade, cheio de colegas, compas e amizades, amigo das professoras e professores. Aluno dedicado que nunca faltou à uma prova, nem deixou de entregar um único trabalho ou mesmo teve uma única falta às aulas, a não ser quando estava em agenda externa, ou ocupando as ruas nas marchas em defesa da educação, devidamente informado anteriormente à professora ou professor, sendo que isso eu nem considero falta, considero aula na rua. Busco sempre informar as/os professoras/os, em respeito e carinho que tenho com elas/es, tanto em não faltar, o mesmo respeito e carinho que elas/es têm comigo.
Não têm chuva, frio nem calor que me tire das cadeiras escolares e ninguém me tirará do campus, ninguém me arranca desta cadeira, ela me pertence. Eu sei o valor que ela tem na minha e nas nossas vidas. Vamos juntos nesta jornada através deste livro, seguindo a hashtag #vaitercatadordoutor do catador de materiais recicláveis e estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
O bom da auto apresentação é que podemos falar muito bem de nós mesmos. Por incrível que isso possa parecer, acabei ficando muito feliz com minha apresentação, às vezes esquecemos do quanto sofremos para estar num dado lugar, esquecemos dos nossos esforços, de nossas lutas que nos trouxeram até aqui. Às vezes esquecemos do caminho pedregoso, longo e frio, com seus altos e baixos que percorremos, nós de pés descalços e eles de botinas, nós sem camisas e eles agasalhados, sempre na companhia da fome e eles já na sobremesa, na lógica de enquanto uns voam e outros rastejam.
Diante deste mundo de altos e baixos, da concorrência e da escassez, como vamos voar se mal conseguimos caminhar? Como caminharemos se nem temos calçados nos pés e nem comida em nossas barrigas? Estas são perguntas norteadoras, são metafóricas, as quais podem ter variadas respostas. Para mim, a resposta passa pela luta, resistência, insistência, organização social coletiva, pela valorização de quem somos, de nossas origens, de pensar para onde vamos, de jamais desistir.
Dos discursos em palácios, até aqueles nos lixões, das corridas são várias lições que aprendi na vida, muitas delas foram nos lixões, periferias e galpões deste mundo. Foi aqui, neste trabalho e com este olhar, que aprendi a ser homem, ser humano dotado de grande sensibilidade, vontade de aprender acima de tudo, contribuir para mudar o mundo.
POR QUE DO LIXO A BIXO
?
Que vida! Não sei quando começou, quando vi estava catando lixo
, comida, solidariedade. Qualquer coisa ajudava a construir minha humanidade. A fome dando lições, eu chorando e aprendendo, atento, crescendo. Fui explorado como escravo, morto como índio, usado como mulher. Igual as mulheres, tornei-me forte, como os índios tornei-me gaia e como escravo tornei-me resistente, foi com estas lutas que aprendi a ser gente.
Do lixo a bixo, usei esses termos para contar desde o título do livro, esta trajetória do catador de materiais recicláveis iletrado, o qual depois de 20 anos sem estudar, voou e agarrou com as duas mãos o sonho - o qual continua realizando - de voltar a ser estudante. Do Lixo, porque é um termo pejorativo e estigmatizante aos resíduos sólidos, o qual se estende contra nós catadoras/es que vivemos para proteger a natureza. É por este olhar que às vezes sou visto e por vezes vejo o mundo, é através do que não serve mais para alguém, do seu rejeito que eu sobrevivi. É um dos lugares onde os lixeiros - geradores de lixo - pensam ser o lugar mais sujo do mundo, é então daí que os enxergo.
A estigmatização das/os catadoras/es nasce desde a infância dos adultos de hoje, é de quando eles escutavam as ameaças de seus pais em relação ao velho do saco, os forçando a cumprirem suas ordens ameaçando: vocês serão assim se não me obedecerem
. As crianças de ontem, são os adultos de hoje, alguns aprenderam a reconsiderar e outros infelizmente, são tão brutos quanto ignorantes e fechados.
Os mesmos que nos olham com desprezo, percebo que são os mesmos que causam a maior parte dos males do nosso mundo. Um ser que olha com desprezo o outro é um ser mau, muito provavelmente não separa seus resíduos, chamando-os de lixo, tornando-se imediatamente lixeiro do mundo, identidade maléfica à nossa natureza e muito provavelmente deve seguir o deus dinheiro sobre a vida, inclusive a