63 Malícia de Mulher
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63 Malícia de Mulher - Barbara Cartland
CAPÍTULO I
1804
—Fique mais... um pouco!
A voz era doce e suplicante, mas o Marquês desenvencilhou-se dos braços que o abraçavam e levantou da cama.
Passou por cima de um diáfano négligé que estava no chão, pegou o colarinho branco e foi até o toucador. Colocou a gravata, dando o laço com uma perícia que surpreenderia qualquer um.
A mulher que o olhava não fez nenhum movimento para cobrir a nudez. Lady Hester Standish sabia muito bem— já lhe haviam dito inúmeras vezes— que seu corpo era perfeito.
Realmente, estava linda, com a cabeça apoiada nos travesseiros de seda, usando apenas um colar de duas voltas de pérolas negras.
Naquele momento, não pensava em si própria, como era seu hábito, mas no Marquês de Merlyn, de costas para ela, olhando-se no espelho. Apreciava a largura de seus ombros, o tronco musculoso estreitando até a cintura e os quadris estreitos. Tinha um corpo atlético, sem uma grama de gordura a mais, e uma maneira de ser tão indolente que todos os que o conheciam estranhavam que conseguisse manter aquela aparência sem fazer nenhum exercício.
Havia qualquer coisa nele que o tornava irresistível a todas as mulheres. Talvez fosse o ar desinteressado com que as olhava, pensou Hester. Seu olhar dengoso, o jeito de falar preguiçosamente e, principalmente, a maneira como dizia as coisas, deixando sempre uma dúvida se era a sério ou de brincadeira, cativavam as mulheres.
Mas enquanto tudo isso apenas o tornava desejável, era realmente sua independência que fazia com que todas andassem atrás dele.
—Quando é que vejo você de novo?
—Certamente, devemos nos encontrar esta noite em Carlton House— respondeu o Marquês—, vai estar um calor insuportável e gente demais. Não entendo por que Prinny se expõe à crítica do público dando recepções tão ostensivas num período de guerra.
—Sua Alteza está farto de guerra. E eu também.
—Acredito, mas este país luta desesperadamente para sobreviver, e ainda passarão muitos anos, antes que venha de novo a paz.
Ela encolheu os ombros, com indiferença. Desde o ano anterior, quando acabou o armistício com Napoleão, a Inglaterra tinha declarado guerra à França, e Lady Hester achou inconcebível que os homens que até então a adoravam de joelhos, de repente, ficassem muito mais interessados em servir o país.
O armistício de 1801, que tinha dado tempo a Napoleão para rearmar seu exército e planejar a invasão, foi interpretado pelos ingleses como uma oportunidade para desativar metade do exército e diminuir o número de navios da armada.
O recomeço das hostilidades, no entanto, fez com que toda a nação fervilhasse de atividade. Mais de trezentos mil homens se ofereceram para o corpo de voluntários. Desde o Duque de Clarence, que comandava uma corporação em Bushey, até o mais humilde lavrador, todos estavam determinados a expulsar os franceses, se eles desembarcassem na costa sul.
Embora o Marquês tivesse pedido autorização para se alistar novamente no regimento do qual havia saído quando o pai morreu, logo depois da assinatura do armistício, o Príncipe de Gales não autorizou.
Contudo, havia outras formas de ele participar do esforço de guerra, e ela não entendia por que, com tudo que possuía, ele ansiava tanto pelo Exército.
—Você nunca está satisfeito, Aléxis?
—Satisfeito com o quê?
—Comigo, por exemplo.
O Marquês, virou-se para olhá-la. Era difícil imaginar que outra mulher pudesse ser mais desejável ou mais sedutora.
—Venha me dar um beijo— sussurrou ela.
Ele sacudiu a cabeça, pegou o casaco e vestiu.
—Eu quero que você me beije, Aléxis.
—Já fui apanhado nessa ratoeira antes— respondeu, com um sorriso divertido.
Sabia, por experiência própria, que, quando um homem se debruça sobre uma mulher deitada, ela o envolve nos braços e é muito difícil fugir!
—Até logo, Hester.
Ela deu um gritinho.
—Por que tem que me deixar? George ficará em Watiers a tarde inteira. Quando foi embora na hora do almoço, ia com os dedos ansiosos para pegar as cartas.
Fez uma pausa e acrescentou, suplicante:
—Quero que você fique.
—É muito persuasiva, mas tenho um compromisso.
—Um compromisso? E com quem? Se é com outra mulher, juro que lhe arranco os olhos!
—Não precisa ter ciúme, porque é com a minha irmã que vou me encontrar.
—E o que Caroline quer, que não possa esperar um pouco?
—Isso é o que pretendo descobrir. Portanto, tenho que me despedir de você, Hester, e obrigado por sua gentileza.
Dirigiu-se para a porta. Lady Hester levantou depressa e foi ter com ele. Os raios de sol que entravam pelas janelas que davam para Berkeley Square, formavam manchas douradas em seu corpo branco e realçavam ainda mais a cor de ouro dos cabelos. Estava deslumbrante.
—Eu o amo Aléxis! Eu o amo tanto, e você parece que nem se importa. Será que não sente nenhuma ternura por mim?
—Já lhe disse que você é a mulher mais atraente que conheço.
Não era essa a resposta que ela queria ouvir, mas, como sabia que não adiantava forçá-lo a fazer declarações de amor, tinha de se contentar com o que estava disposto a dar.
Seus lábios estavam quase encostando… os dele, desejosos.
— Beije-me… beije-me.
O Marquês beijou-a, sem paixão. Depois, pegou-a no colo e levou-a para a cama. Colocou sua cabeça com cuidado nos travesseiros, dizendo, com um sorriso zombeteiro:
—Tente se comportar com juízo, Hester! Se não falar com você amanhã à tarde, prometo que virei quinta-feira, a não ser que George esteja em casa.
—Acho que não vou conseguir sobreviver tanto tempo sem você.
O Marquês limitou-se a sorrir novamente e saiu, fechando a porta.
Lady Hester fez um muxoxo em direção da porta e, furiosa, enfiou a cabeça no travesseiro.
Era sempre a mesma coisa: quando o Marquês ia embora, tinha receio de que não voltasse mais. Nunca podia ter certeza de nada com ele. Não conseguia perceber se a achava suficientemente sedutora.
Lady Hester, no entanto, teria ficado mais tranquila, se pudesse ler os pensamentos do Marquês, enquanto dirigia seu faetonte de Berkeley Square até Merlyn House, em Park Lane. Ia pensando nela, pensando que era divertida e que o fato de ter deixado todos os outros amantes por causa dele o envaidecia. Hester Standish enganava o marido desde o terceiro ano de casamento.
Casou praticamente ao sair da escola, com um par do reino, de boa índole, mas que cedo descobriu que as emoções do jogo eram muito mais agradáveis que os caprichos da esposa.
Hester tinha se tornado uma beldade a partir dos vinte e cinco anos, e agora, aos vinte e oito era realmente sensacional e insaciável. Tinha provocado inúmeros escândalos, até perceber que não ganhava nada em exibir seus amantes. Na sociedade em que vivia, era um erro ser marginalizada pelas outras mulheres.
Foi sem dúvida esta nova atitude de decoro em público que lhe permitiu conquistar o Marquês, que ela desejava há mais de três anos, desde que acabou a guerra e ele deixou o Exército, participando intensamente da vida social. Não só era um dos homens mais bonitos da alta sociedade, mas tinha também um dos títulos mais importantes e muitas propriedades, apesar das dívidas do pai.
O antigo Marquês era um jogador. Frequentava os clubes de St. James na companhia de Charles James Fox e outros jogadores inveterados, fazendo com que a família, às vezes, temesse por sua fortuna. Sua morte prematura deu o título ao filho e salvou a maioria dos tesouros.
Mas, mesmo que não tivesse dinheiro, o Marquês continuaria sendo perseguido pelas mulheres bonitas, e seria um louco se não aproveitasse. Percebeu muito bem o cerco que Hester Staridish tentava fechar à sua volta, mas conseguia fugir a qualquer compromisso, com uma astúcia que a deixava louca. Finalmente, sucumbiu aos encantos dela, porque se sentia verdadeiramente atraído e também porque queria verificar se todas as maravilhas que diziam a seu respeito eram verdadeiras.
Agora, sabia que Hester era talvez a mulher mais ardente que já tinha encontrado, quase tão insaciável como ele.
Mas não estava apaixonado. Sentia-se atraído, desejava-a. Porém, tinha certeza de que, por mais ardentes que fossem seus encontros, não tinha nada a ver com amor.
«O que será que estou procurando?», perguntou a si próprio.
Lembrou que outra mulher quase tão bonita como Lady Hester já lhe havia feito a mesma pergunta. Estava deitada em seus braços, num quarto misteriosamente iluminado pelo fogo da lareira, a cabeça no ombro dele.
—O que está procurando, Aléxis?
—O que quer dizer com isso?— perguntou, surpreso.
—Sei que, por mais que o ame, vai haver sempre uma parte de você onde não consigo penetrar. Sinto que não sou o ideal, se é isso que você procura em seu coração.
—Mas que absurdo! Você é tudo que quero, tem tudo que eu poderia querer encontrar numa mulher.
Sabia muito bem que estava mentindo. Amorosa, simpática, desejável, perfeita ao fazer amor, mas tinha razão: faltava qualquer coisa.
Com Hester Standish passava-se a mesma coisa. Nenhuma mulher podia dar mais de si mesma do que ela, e ele sabia que a excitava mais do que qualquer outro homem. Bastava que seus olhares se encontrassem num salão cheio de gente, para que sentisse um desejo enorme. Esse desejo aumentava mais ainda quando se tocavam, fazendo com que ambos se comunicassem numa paixão descontrolada. E como era bonita!
O Marquês sorriu ao recordar as artimanhas que ela usava para chamar a atenção para seu corpo. Pérolas negras contrastando com a pele muito branca, as ligas azuis com suas iniciais bordadas em diamantes. A maneira como às vezes o recebia, usando apenas uns chinelos muito bonitos, de cor viva, ou dois enormes brincos de brilhantes que caíam até os ombros.
Não havia nada que Lady Hester não fizesse para despertar o desejo de um homem e não havia dúvida de que, com a obsessão que sentia por ele, tudo isso era muito agradável. Mesmo assim, decidiu, ao chegar em casa, em Park Lane, que não a procuraria no dia seguinte!
Entrou no hall de mármore, reparando, satisfeito, como os Van Dyck, que tinha conseguido recuperar depois da morte do pai, ficavam lindos à luz do entardecer.
—Sua Senhoria está?— perguntou ao mordomo.
—Sim, senhor. Sua Senhoria está esperando pelo senhor no Salão Azul.
O Marquês subiu ao primeiro andar. O Salão Azul era impressionante, um cenário perfeito para a coleção de obras-primas de pintores franceses. Faltavam alguns, o que o entristecia sempre que olhava para os espaços vazios, mas naquele momento olhava apenas para sua irmã, em pé junto da janela.
—Aléxis! Pensei que tinha esquecido de mim.
—Desculpe se estou atrasado, Caroline, mas houve um imprevisto e não consegui chegar mais cedo.
—Posso imaginar o que o atrasou— disse a Condessa de Brora, com um sorriso.
Era cinco anos mais velha do que o irmão, e, embora fosse bonita, não tinha o charme do Marquês.
—Estava pensando— disse, enquanto se dirigia para o sofá—, que os defodils devem estar florescendo em Merlyncourt. Sabe como ficam lindos na primavera, e está fazendo tanto calor para esta época do ano, que devem estar formando um maravilhoso tapete dourado ao lado da alameda.
O irmão olhou para ela com uma expressão divertida. Embora parecesse sempre distraído, era tremendamente perspicaz.
—Tenho a impressão, Caroline, de que você quer me falar de Merlyncourt.
—Realmente, como é que adivinhou?
—Você é transparente, minha querida. E eu que pensei que estava com saudade de mim!
—O assunto que quero tratar com você também lhe diz respeito. Tem alguma ideia do que está acontecendo, Aléxis?
—Como assim?
—Do que Jeremy está fazendo.
—Jeremy!— havia um tom de surpresa na voz do Marquês—, paguei suas dívidas há apenas um mês. Não me diga que já gastou tudo que lhe dei! Se gastou, desta vez não pago mais nada.
—Não é dinheiro. Pelo menos, diretamente.
—Pare de falar por enigmas, Caroline, e vá direto ao assunto. O que Jeremy fez que a perturbou?
A Condessa de Brora deu um suspiro.
—Ele está com mania de grandeza, e talvez com uma certa razão, porque tenciona casar com Lucretia Hedley.
O Marquês tentando lembrar quem era.
—Hedley? Você quer dizer...
—Quero dizer a moça que mora com o pai em Dower House, que agora é dona, não só da casa que nos pertenceu por muitas gerações, como também de quinhentos acres de terra no centro da propriedade.
Fez uma pausa, respirou fundo e continuou:
—Entende o que isso quer dizer, Aléxis? Você vai ter Jeremy à porta de casa. Vai se gabar que é proprietário de uma parte de Merlyncourt. Ele já pensa que é! Se casa com essa moça, então, se tornará um espinho permanente em sua carne, não tenha a menor dúvida.
—Tem razão. Por que não me disseram nada antes?
—Porque você nunca se interessa por nada que se passa no condado e eu tenho estado no