Juventude, alegria
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Sobre este e-book
Na apresentação, Davi e Manoel lembram do comentário de Roberto Bolaño, em agosto de 1999, de que seus amigos entregaram toda a juventude "a uma causa que acreditavam ser a causa mais generosa do mundo, mas que em realidade não era", e lembra que toda a América Latina carrega a sombra de muitos jovens esquecidos, na miséria e por negligência ou mortos na Bolívia, Argentina, Peru, Chile, Nicarágua, El Salvador, Colômbia, México etc. E relembram que 30 anos antes, em agosto de 1969, Pasolini escrevia que os jovens jamais fazem humor – "eles levam tudo de peito aberto e a sério. Que o humorismo implica uma desconfiança um tanto ascética sobre as ações humanas: ou pelo menos um descolamento dela, devido a uma série de decepções. O humor permite viver, apesar de tudo: seguir adiante apenas para findar a vida. Não é incomum que tal humor adquirido à força, à medida que envelhecemos, tenha um outro rosto, a utopia: que é, portanto, a fossilização da esperança e da seriedade juvenil".
Portanto, apontam os organizadores, a juventude se mobiliza entre estupidez e generosidade, entre alegria e seriedade, e tais polos, mesmo contraditórios, não se autoexcluem, quando a vida é traçada sem imperativos binários e autoritários. O estúpido é movido por um estupor que se apresenta, generosamente, com alegria e seriedade, e, assim, rearma outra utopia, que não é jamais fossilizada à espera do futuro, tendo em vista que a força da juventude é uma inscrição no presente.
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Juventude, alegria - Manoel Ricardo de Lima
SUMÁRIO
[ CAPA ]
[ FOLHA DE ROSTO ]
Uma ideia de alegria, uma ideia de juventude
DAVI PESSOA · MANOEL RICARDO DE LIMA
Humor e jogos com os impossíveis
ANNITA COSTA MALUFE
Alegria dos que não sabem e descobrem: algumas cartas a jovens
BRUNA CAROLINA CARVALHO
A vida é um rebus
DAVI PESSOA
A vida entre o sonho e a revolta
EDSON LUIZ ANDRÉ DE SOUSA
Cafioto
EDUARDO STERZI
Alegria e a altura certa para se sonhar que se voa
JÚLIA STUDART
Astronomia alegre, chão de astronauta
MANOEL RICARDO DE LIMA
Anak Krakatoa
VERONICA STIGGER
[ CRÉDITOS ]
Uma ideia de alegria,
uma ideia de juventude
DAVI PESSOA
MANOEL RICARDO DE LIMA
Importante dizer da importância que é, nestes tempos, a todos os lados, conseguir juntar forças de pensamento para elaborar alguma possibilidade de conversa que nos faça engendrar outros gestos políticos com a imaginação. Assim, pensar algo entre a alegria e a juventude, neste momento perverso em que estamos, entre os anos de 2020 e 2021, tem a ver com um lance inespecífico para que se possa mover um pouco, um palmo pro lado, que seja, essas duas imprecisões de força. Movidos por esse desejo convidamos alguns amigos e amigas que gostamos muito de ter perto, de escutar, que respeitamos imensamente o pensamento e as tomadas de posição para que nos dias 04 e 11 de novembro, 2020, cada um e cada uma onde estivessem, pudessem livremente pôr em movimento essas duas ideias. No mínimo para, de algum modo, como anota Horácio Dídimo, tomar alguma satisfação
e, seguindo Walter Benjamin, romper, arejar, abrir caminhos, remoçar
.
E importante lembrar 3 cenas ou imagens:
1|
A primeira está no texto Rama y la modernidad secuestrada, publicado em Imágenes de América Latina, quando Raúl Antelo [l’enfant terrible] lembra um encontro de Angél Rama com Antonio Candido durante uma sessão de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, em 1971, em Gênova, durante a 5ª Mostra de Cinema Latino-americano. Sentavam-se lado a lado. Raúl projeta o sentido das tensões que montam a modernidade latino-americana entre capitalismo, democracia e secularização, a partir da oscilação entre jogo e trabalho, de um lado, e soberania e servidão, do outro. Aponta que no pensamento do crítico uruguaio, há uma absoluta preponderância do primeiro appunti e um desdém quanto ao segundo. E que, basicamente, isto se deve ao sequestro que produz do valor cultural do jovem. Grosso modo, ao dizer sobre Glauber uma ideia que está em Benjamin no Fragmento político-teológico, Raúl afirma que só há transgressão quando o profano se projeta sobre a noção de felicidade no ritmo da inclusão-excludente para dizer um modo contrário a Rama. À deriva, em alguma medida, para além de uma modernidade letrada e pedagógica, entre modelos e antimodelos, está a alegria e a força a sério da juventude.
2|
Em agosto de 1999, numa conferência em Caracas, Roberto Bolaño comenta acerca de Cervantes: diz que este projeta sobre a própria juventude [o fantasma de sua juventude perdida] a realidade de seu exercício com o poema e a prosa, textos que ainda eram muito adversos. E afirma isso a partir do empenho que imagina ter em direção às suas circunstâncias geracionais: que seus amigos entregaram toda a juventude, este pouco que se tem, a uma causa que acreditavam ser a causa mais generosa do mundo, mas que em realidade não era
, uma tarefa de militância política, uma luta a braço partido. Eram trotskistas, mesmo muitas vezes sem ter lido Trótski, estúpidos e generosos, como são os jovens, que tudo entregam e nada pedem em troca
. E lembra que toda a América Latina carrega a sombra de muitos jovens esquecidos, na miséria e por negligência ou mortos na Bolívia, Argentina, Peru, Chile, Nicarágua, El Salvador, Colômbia, México etc. A escolha, diz Bolaño, sempre díspar, tal como fez Cervantes, que era soldado, foi pela juventude entre os que nada tinham e já estavam derrotados, a militância [esta alegria de jovens] contra o descrédito da poesia.
3|
Exatos 30 anos antes, em agosto de 1969, Pasolini escreve, em sua coluna O Caos, no semanário Tempo, a respeito de uma falha dos velhos
, quando,
a partir de certa idade, como se costuma dizer em discussões respeitáveis, nos tornamos humoristas, fatalmente. É uma falha grave dos velhos. Os jovens — aqueles que importam ou importarão — jamais fazem humor. Eles levam tudo de peito aberto e a sério. O humorismo implica uma desconfiança um tanto ascética sobre as ações humanas: ou pelo menos um descolamento dela, devido a uma série de decepções. O humor permite viver, apesar de tudo: seguir adiante apenas para findar a vida. Não é incomum que tal humor adquirido à força, à medida que envelhecemos, tenha um outro rosto, a utopia: que é, portanto, a fossilização da esperança e da seriedade juvenil.
A juventude se mobiliza, portanto, entre estupidez e generosidade, entre alegria e seriedade, e tais polos, mesmo contraditórios, não se autoexcluem, quando a vida é traçada sem imperativos binários e autoritários. O estúpido — um estudante — é movido por um estupor que se apresenta, generosamente, com alegria e seriedade, e, assim, rearma outra utopia, que não é jamais fossilizada à espera do futuro, tendo em vista que a força da juventude é uma inscrição no presente.
As conferências foram transmitidas e gravadas no canal do nosso grupo de pesquisa UNIRIO/CNPq, Linguagem, Artes e Política. Depois, decidimos compor um livro com os textos. Muito obrigado o tempo inteiro a cada uma e cada um dessas amigas e amigos que se juntam a nós — Annita Costa Malufe, Bruna Carolina Carvalho, Edson Luiz André de Sousa, Eduardo Sterzi, Júlia Studart e Veronica Stigger —, ao Vitor Castro, da Mórula Editorial, amigo imenso e sempre perto e pronto para acolher nossos riscos, à Carolina Machado, pela parceria de ajuste e revisão dos textos. Definitivamente, a gente não faz nada nessa vida e nesse mundo sozinha.
Humor e jogos com os impossíveis
ANNITA COSTA MALUFE
Começo relendo um dos trechos da proposta do nosso seminário. Pier Paolo Pasolini escreve que:
[...] a partir de certa idade, como se costuma dizer em discussões respeitáveis, nos tornamos humoristas, fatalmente. É uma falha grave dos velhos. Os jovens — aqueles que importam ou importarão — jamais fazem humor. Eles levam tudo de peito aberto e a sério. O humorismo implica uma desconfiança um tanto ascética sobre as ações humanas: ou pelo menos um descolamento dela, devido a uma série de decepções. O humor permite viver, apesar de tudo: seguir adiante apenas para findar a vida. Não é incomum que tal humor adquirido à força, à medida que envelhecemos, tenha um outro rosto, a utopia: que é, portanto, a fossilização da esperança e da seriedade juvenil (Pasolini, 1969).
Começo com essa citação do Pasolini pois a tomei como uma provocação para a minha fala. Fui provocada por ela a pensar em um contraponto à sua defesa dessa seriedade
da juventude, na contramão de uma visão que condenaria o humor como sendo algo leviano, alienado, ou mesmo a única coisa que resta quando tudo já se foi — o humor como essa falha dos velhos
que, imersos em suas desilusões e desistências, parecem olhar a vida do lado de fora dela, rindo daqueles que a levam a sério demais, os jovens... Compreendo totalmente a que tipo de cômico Pasolini se refere, e também o contexto em que a crítica a esse tipo de riso fazia de fato sentido. Mas fui instigada, a partir daí, a pensar em uma potência que acredito haver em um outro tipo de humor, ou talvez ainda a partir de um outro uso dele, que é uma potência crítica e necessária hoje; buscando talvez também contextualizar para nossos dias o pensamento sobre o humor. E voltar o olhar, ainda, a uma potência também clínica do humor, talvez urgente para nós.
Minha proposta será pensar o humor em sua afirmatividade, a partir de algumas formulações de Gilles Deleuze. O humor enquanto disparador do novo, das impossibilidades, do jogo infinito dos inesperados que é a própria vida. Quero dedicar essa fala a uma amiga e ex-orientanda, a Renata Vaz Shimbo, que me fez olhar com mais atenção à potência do humor; no caso específico de sua pesquisa de doutorado, a partir da presença do humor na obra de Samuel Beckett, mas eu diria que não só, pois nas conversas com a Renata o humor não é só uma teoria, mas uma prática de vida. Passei a levar cada vez mais a sério essa potência crítica e clínica do humor, sobretudo na medida em que nossas vidas se complicavam no país e ficavam mais tristes: em especial depois das eleições de 2018, no terrorismo que passamos a viver na arte, na pesquisa e na educação neste país e se chegando ao ano de 2020 a esta situação insólita da pandemia, a necropolítica explícita, generalizada e normalizada.
Mais e mais, assim, foi na prática que fui me dando conta da seriedade do humor para aquilo que podemos, com Gilles Deleuze, chamar de vida: vida como essa potência não pessoal e não humana, que nos atravessa,