Haptonomia: uma alternativa precoce para evitar futuros bloqueios emocionais e o analfabetismo social
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Haptonomia - IGNÊZ MARTINS DOS SANTOS RODRIGUES
1. INTRODUÇÃO
Este livro se trata de uma pesquisa qualitativa de abordagem descritiva, que discute a percepção da equipe de enfermagem sobre a humanização do parto e nascimento. Proponho apresentar aqui é uma releitura do conceito de Haptonomia
uma busca psicanalítica, procurando descolá-la do seu sentido original e tentar compreendê-la de outro modo. Para facilitar a minha análise e sua apresentação, utilizei algumas pesquisas a fim de ilustrar meus comentários. Participaram como depoentes do estudo profissionais da área de enfermagem que atuam em sala de parto de duas instituições públicas da cidade de Vitória e as parturientes que concordaram em participar. Da análise dos dados construída a partir dos depoimentos das participantes da pesquisa, originou o estudo dos seguintes itens: Vínculo afetivo, importância do ambiente, psiquismo. Trata-se de uma revisão bibliográfica que tece considerações reflexivas segundo a ótica de diversos autores acerca da assistência humanizada ao parto e nascimento. É sabido que as condições básicas em que o ser humano se constitui (humanas, emocionais, sociais) desde a concepção até os primeiros meses de vida, instauram marcas nas demais etapas de sua vida. Igualmente, são decisivos à formação do cidadão, todos os cuidados voltados às suas condições biológicas. Espera-se que o conjunto de dimensões que envolvem tal processo nesta fase inicial de sua vida, instaure-se a partir de relações baseadas no envolvimento em reciprocidades. Quando uma vida se desenvolve no ventre de uma mulher, inicia-se a comunicação. O bebê não vive isolado num ventre hermético. Protegido no seu seguro mundo sente as mensagens que a mãe lhe transmite. Durante a gravidez, o bebê está ligado a tudo o que a mãe pensa, sente e fala. Eles estão em comunicação direta e permanente. A comunicação intrauterina ocorre através da troca de estímulos entre o meio exterior e o meio intra-uterino, e uma das formas de ser feita é através do toque – Haptonomia. Esse processo de formação do cidadão supõe uma postura interessada no acolhimento, no cuidado e no respeito mútuo pelo ser vivo humano, desde o período pré-natal que se inicia mesmo antes da concepção, pois todas as suas experiências biológicas ficam registradas através de inscrições, positivas e negativas, que se manifestam, em suas práticas no decorrer de sua existência, através de sentimentos e emoções. Registros positivos que se inscrevem e fixam-se na memória, tanto ao feto quanto ao embrião pressupõem a existência de condições favoráveis, que lhe permitam apreender e discernir situações de perigo e de prazer. Essas condições vêm sendo pesquisadas nas últimas três décadas, revelando dados importantes sobre a experiência relativa aos períodos pré e Peri natal, no que se refere às competências do bebê com repercussões marcantes em toda a sua vida de cidadão. Nas considerações finais, ficou evidenciada a diferença perceptiva das depoentes, necessidade de mudança de atitude e postura dos profissionais de enfermagem diante da assistência ao parto e nascimento, reconhecendo sua importância como membro da equipe de saúde na assistência à mulher e ao neonato.
2. PSICANÁLISE E OS LAÇOS AFETIVOS
Para a Psicanálise, os primeiros laços afetivos constituem uma espécie de herança sentimental, no interior da qual se processa o desenvolvimento psíquico do sujeito e a partir da qual se constroem as ferramentas internas onde se filiam os modos dominantes de aprendizagem e as modalidades de relacionamento ao longo da vida. O que proponho apresentar neste trabalho é uma nova leitura do conceito de Haptonomia
, uma busca psicanalítica, procurando descolá-la do seu sentido original e tentar compreendê-la de outro modo. Para facilitar a minha análise e sua apresentação, utilizarei algumas pesquisas a fim de ilustrar meus comentários, tecendo considerações reflexivas segundo a ótica de diversos autores acerca da assistência humanizada ao parto e nascimento. Neste enfoque, analiso também, a visão dos autores sobre a abordagem biomédica ainda desenvolvida em várias instituições hospitalares brasileiras onde se prestam assistência às mulheres no período gravídico-puerperal.
A formação do cidadão, na condição de processo é transdisciplinar por natureza. Nessa perspectiva, estudos e pesquisas de múltiplas áreas que gravitem em torno de questões relacionadas a esse fenômeno são cada vez mais imprescindíveis ao construir tal objeto de investigação. Pretende-se, então, investigar como se vêm instaurando práticas de acolhimento do cidadão desde o período pré-natal até os seus primeiros dias de vida, visando à superação da alfabetização relacional no decorrer de sua vida.
SUPÕE-SE QUE:
- A descontinuidade verificada na formação do cidadão está associada ao tipo de percepção referente a tal fenômeno que não o concebe na perspectiva da complexidade (MORIN, 1999).
Nesta abordagem, o vetor epistemológico é o cuidado dedicado ao cidadão baseado no envolvimento em reciprocidades
desde a concepção, considerando as suas necessidades biológicas devidamente associadas à instauração de competências humanas, sociais e emocionais. (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 316 e 320).
O acolhimento do ser vivo, humano, que lhe possibilita virar gente transformando-o em ser social, fundado no ‘envolvimento em reciprocidades’, é um processo complexo (MORIN, 1999).
Pressupõe respeito mútuo e igualdade nas relações que estabelece com o outro, não sendo do tipo de relação em que um é subestimado ou anulado¹. Competências sociais associam-se, igualmente, às condições de acolhimento que o cidadão encontra para interagir, desde a concepção até, em especial, à sua 1ª infância. A qualidade das relações sociais futuras da criança, no que se refere a capacidades ligadas à sensibilidade solidária que se associam à sua alfabetização relacional, depende do tipo de registros referente às relações que estabeleceu com o outro nesse período de sua vida.
A intensidade da pulsão que move as interfaces desejantes das pessoas
(ASSMANN, 2000) instigando-lhe a viver e realizar a sua condição de ser social infinitamente superior à sua condição de ser vivo humano (MATURANA, 2001)
A possibilidade de superação do analfabetismo relacional está diretamente associada à implementação de novas práticas e políticas sociais voltadas à superação de falhas no acolhimento do cidadão, desde o período pré-natal - que se pode iniciar mesmo antes da concepção até os seus primeiros dias de vida.
Desse modo, ao aprimorar as mediações para o cidadão virar gente, amplia-se as possibilidades de superação do analfabetismo relacional, assim como as expectativas de aprofundar a sensibilidade solidária em sociedade em que se fortalecem as individualidades e o respeito mútuo no convívio social.
As neurociências, dotadas de sofisticados equipamentos que estudam o cérebro em funcionamento, revelando cada vez mais os processos físico-químicos do sistema nervoso e sua relação com o comportamento humano nas diferentes fases da vida, demonstram que o sistema nervoso é formado nos três primeiros meses de gestação, inclusive os cerca de 20 bilhões de neurônios que possuímos ao nascer. Tudo o que atinge a gravidez nos primeiros meses pode afetar a formação do tecido cerebral, porque depois não se fabricam mais células nervosas. Quando a pessoa nasce, estas células começam a se interligar. As células nervosas têm corpo, os chamados axônios e dentritos e, por meio de seus filamentos, vão se ligando umas às outras, por um processo chamado sinapse.
Nesta conexão há um processo físico-químico: o impulso nervoso vem de uma célula e passa para outra. A formação das sinapses acaba construindo circuitos cerebrais, por meio dos quais é transmitido tudo o que aprendemos. Cada acontecimento do qual a pessoa participa, por meio de seu sistema – visão, audição, tato, olfato, paladar – criará circuitos no cérebro. A formação desses circuitos prepara o cérebro para responder, no futuro, aos estímulos externos. É o chamado fenômeno da plasticidade neuronal, é o principal e mais fantástico fenômeno do cérebro.
1 Quando o acolhimento do cidadão não se caracteriza por um envolvimento em reciprocidades
(ASSMANN, 2000, p. 319), tende-se a obstruir o pleno desenvolvimento de suas competências humanas e emocionais (virar gente), bem como as suas competências sociais (sentimento de pertença).
3. FUNDAMENTO EMOCIONAL DO SOCIAL
A interação do ser humano com o mundo existe em função da capacidade do cérebro de criar circuitos que vão adequá-lo a responder as solicitações das situações que o cercam. Esses circuitos são criados através das vias nervosas, para que o indivíduo possa ter consciência auto reflexiva, memória, atenção, raciocínio, impulsos, ação, em suma, para que possa interagir com o mundo.
Humberto constitui um referencial importante ao abordar o fundamento emocional do social, assinala que a a emoção fundamental que torna possível a história da humanização é o amor
e, O amor é constitutivo da vida humana, mas não é nada especial. O amor é o fundamento do social, mas nem toda convivência é social
(MATURANA, 2002, 23-4).
Vivemos mais do que nunca na incerteza, e ninguém sabe qual o destino do Cosmos. Isso impõe uma visão mais complexa da História materializada em práticas que passam a se construir no âmbito da incerteza - o ingrediente básico do nosso tempo. Assim, incorpora-se o múltiplo, o diferente, o novo, procurando completar o pensamento que separa com outro que une, pois, o pensamento complexo busca distinguir (mas não separar) e ligar. (MORIN, 1999, p.27, p. 31).
Verifica-se, assim, a possibilidade de se materializarem os pressupostos da epistemologia que configura o novo espírito científico fundado na complexidade, na hipertextualidade, virtualidade, auto-eco-organização. Isso implica a incorporação de uma postura pedagógica em que todos sabem, aprendem e ensinam
, a aprendizagem se constrói em torno de situações-problema; os resultados obtidos em tal processo constituem produtos finais transferíveis; a produção científica se baseia na perspectiva da ciência que se faz
, estreitamente associada às demandas sociais emergentes. Nessa perspectiva, acordo com Martuccelli, o indivíduo encontra-se projetado à frente da cena sociológica
, mesmo se tal novidade tenha suas origens numa profunda continuidade histórica
na atualidade, o interesse enquanto objeto de pesquisa se volta cada vez mais para o indivíduo em si, cuja relação com a sociedade não se opõe (MARTUCCELLI).
A sensibilidade solidária constrói-se a partir da dinâmica do desejo das pessoas. Há autores que apostam numa educação capaz de desenvolver as competências, voltadas ao saber cuidar
carinhosamente das formas de aprender e do conhecimento. Como essa possibilidade pode se tornar realidade, de acordo com Assmann e Mo Sung?
Os autores destacam o poder das energias humanas disponíveis que, associadas às necessidades sociais, são capazes de se transformar em objetos de desejos coletivos. E, nessa dinâmica desejante, envolvendo identidades pessoais e convergências coletivas, tudo o que parecia impensável e impossível se torna projetável e possível.
Competências sociais básicas incorporadas possibilitam novas conquistas fundamentadas, cada vez mais, em competências associadas à sensibilidade solidária que se vincula ao nosso desejo pessoal de responder a, e ser responsável por mundos dos sentidos partilhados por outros, com quem nos encontramos em processo de interlocução
. Nesse contexto de relações sociais complexas, o aprendente já não precisa se considerar vítima potencial e o ensinante, podendo se transformar em parceiro, numa construção comum de mundos do sentido
(ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 256-7).
Enfim, a humanidade avança, aprimora-se somente a partir e através das transformações que cada agente social instaura em seu próprio ser social que se constrói na relação com o outro.
4. O QUE SERIA ENTÃO HUMANIZAR?
Hominizar, hominização, o processo de surgimento do gênero humano que não terminou, mas acelera-se de maneira brutal
nesta era das novas tecnologias da informação e da comunicação, com a possibilidade agora de nos inventar coletivamente como espécie
(LÉVY, 1998, 15-7).
Expressão associada ao termo emoções, entendida pelo referido autor como dinâmicas corporais que especificam as classes de ações que um ser pode realizar em cada instante em seu âmbito relacional
. In MATURANA, H. & REZEPKA, SIMA NISIS. Formação humana e capacitação. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p. 14.
Então, de acordo com MATURANA, necessitamos desenvolver cada vez mais nossa consciência associada às nossas emoções para, efetivamente, instaurarmos mudanças em nosso viver. Para humanizar a assistência ao recém-nascido é importante estar atento para que não ocorram traumas, nem sequelas físicas ou nem emocionais, para a mãe, o filho e a família. Os fatores ambientais, desde a concepção, partos e nascimento têm implicações importantes para o crescimento, desenvolvimento e aprendizagem do recém-nascido enquanto ser cidadão. A presença de um acompanhante proporciona à parturiente bem-estar físico e emocional e ainda favorece uma boa evolução no processo do parto, o que leva à diminuição das complicações nessa fase.
Fig. 2- O mundo da reprodução humana
Para que haja a humanização, é necessária a aquisição de profissionais qualificados e comprometidos de forma pessoal e profissional, faz-se necessário também que a mulher seja recebida com respeito, ética e dignidade e também que seja incentivada a exercer sua autonomia no resgate do papel ativo da mulher no processo parturitivo e, além disso, ela deve ser protagonista de sua vida e, não deve sofrer nenhum tipo de discriminação ou violência que possa comprometer seus direitos. O conceito de humanização do parto é muito diversificado, mas todos concluem que isso diz respeito à individualidade da mulher, colocando-a como protagonista do processo, e buscando uma adequação no que diz respeito à cultura, valores, crenças e diversidades de opiniões das futuras mamães.
Na opinião de DAVIM & MENEZES (2001, p. 63), ser humanizado significa ser consciente das características únicas de ser humano, onde humanizar é tornar-se humano como também é dar condição humana
.
Para SOUZA (2005), humanizar a assistência implica em mudanças na atitude, na filosofia de vida e na percepção de si e do outro como ser humano. No processo de humanização, a sensibilidade, a informação, a comunicação, a decisão e a responsabilidade devem ser compartilhadas entre mãe-mulher, família e profissionais de saúde. O cuidado é mais que um ato, representa um momento de atuação com zelo e uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização, envolvimento afetivo e empatia com o outro. Esse processo desencadeia uma dinâmica de troca e interação da pessoa que cuida e do indivíduo a ser cuidado.
HAPTONOMIA, para que dar um nome a coisas simples da vida? Esta palavra foi criada há mais de meio século por Frans Veldman, para designar a ciência das interações e das relações afetivas humanas. Praticada legalmente em países como a Holanda, ela confirma que a presença afetiva e o toque ajudam no desenvolvimento de um estado de segurança de base à uma pessoa que pode estar triste, doente, morrendo ou mesmo, no ventre.
A partir desta definição, hoje em dia muitos países fazem uso da haptonomia dentro da área médica, no desenvolvimento das relações entre médico-paciente (O Médico do Futuro, para uma nova lógica médica – coleção Medicina e Saúde, edição do Instituto Piaget). Segundo o autor do livro, Jean-Paul Gaillard, "trata-se apenas de presença no olhar e de sinceridade no