Corpomovimento: Vivências em arteterapia
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Corpomovimento - Joselita Santos
PREFACIANDO...
A travessia é simples, quando se possui o símbolo!
Frase atribuída ao filósofo grego Jâmblico
Narra uma antiga lenda ancestral que os seres humanos ao serem expulsos do paraíso, saíram apenas em corpo, lá deixando suas almas, num misto de tristeza e recusa pela expulsão. Algo de si deveria ficar no lugar da criação, sob a copa frondosa da árvore da vida. O criador, ciente de mais uma desobediência, teria feito vista grossa, por ver neste ato, a vontade de voltar para a casa da vida plena.
Tempo se passou. Muito tempo. Com corpo e alma desunidos, os seres incompletos vagavam pelos cantos do mundo, em busca de algo para o qual nem mesmo se lembravam do nome, tal era a distância do momento da separação. Distância traz esquecimento, dizem. Quase...
Teve uma vez que uma criança chegou perto dos portões do paraíso, mas tão perto que deu para avistar a árvore da vida. Ela passou seu corpinho minúsculo pelas grades, encolheu a barriga, esticou-se inteira que nem felino, e passou. Pronto. Lá estava ela, sozinha no paraíso abandonado. Que lindo! Que ar gostoso de respirar! É daqui que a gente vem? Eu não vou mais voltar!, pensou a criança, e por lá ficou dançarolando pelo jardim, feliz da vida. Horas se passaram, até que ela chegou a um dos limites do jardim, e ficou ali olhando pelas grades o outro mundo, o dos excluídos. Lembrou-se então do que estava se esforçando para esquecer: a vida do lado de fora do paraíso. Lá estavam os corpos, correndo atrás da vida, e ela ali, naquele mundo anímico, completo. Aí, veio a ideia. Ideias são raios de plenitude que se condensam, perpassando nossas mentes empedernidas de certezas sobre tudo. Veio a ideia: Não posso ficar aqui, vendo as pessoas ali. Vou abrir as portas do paraíso para todo mundo. A criança foi até o portão, mas logo viu que nunca, mas nunquinha mesmo, conseguiria quebrar aquele cadeado. Pensamentos... pensamentos... pensamentos... outra ideia!!! Ela foi até o centro do paraíso, e diante da árvore da vida, pediu-lhe que lhe desse algo de si, para que ela levasse para a humanidade, algo que simbolizasse a união que nunca deveria ter sido desfeita. A árvore lhe disse que chegasse perto. Ela chegou. Agora, me abrace. Ela abraçou. Veja como somos iguais: seus pés são raízes, seu corpo, tronco, seus braços, meus galhos, sua cabeça, minha copa, suas ideias, meus frutos. Viu? Você é a árvore da vida! Apenas a consciência disto serve para que cada um viva como expressão máxima da vida em si. É a ignorância de si que expulsa cada ser humano de seu paraíso. Agora vai. Vai para o outro lado do portão e conte para todo mundo essa história.
A criança foi e contou sua aventura para quem quisesse ouvir. Ela cresceu. Num dado momento ela olhou para trás, tentando ver de novo a visão magnífica do paraíso. Nunca mais conseguiu vê-lo. Nem grade, nem portão, jardim ou árvore anímica. Foi então que ela se deu conta de que não precisava olhar para trás. Tudo está presente nela, e ela é a expressão do todo. Até hoje, já bem velha, a criança se deleita e compraz neste mistério.
CORPOMOVIMENTO. Corpo, símbolo. Movimento, expressão. Poderia ser também: Corpo, expressão de movimentos simbólicos, movimento, expressão da singularidade humana. Estamos agora no mundo da psique, onde a ordem das ideias não altera suas vivências.
Precisamos de nossos símbolos. A alma tem sede do simbólico, eles escapam à compressão da caixinha apertada onde vivemos, abarrotada de imperativos do cotidiano funcionante
, contábil, maçante, ocupado demais com o fazer para fora
. Aí, expressão anímica definha.
A travessia é simples, quando se possui o símbolo, diz o antigo filósofo.
Quando é que possuo o símbolo? Meu corpo é símbolo de que? Quando sei que vivo a minha singularidade? Quem sou eu, quando vivo meu símbolo?
Este livro responde perguntando, instigando, inspirando a vivência das questões.
Ao me tornar consciente de que há uma existência simbólica, de que ela está viva em mim, é pessoal e intransferível, eu me declaro protagonista de minha vida. Esta é a marca pessoal da qual fala Joselita de Jesus Santos, neste livro, CORPOMOVIMENTO: vivências em arteterapia.
Que histórias nosso corpo conta? Corpo é memória, segue ela com sua fala conscientizadora. Elas se contam por meio de nosso simples estar no mundo, nossos movimentos, ritmos, posturas, olhares, cicatrizes, psicossomatizações. Nosso corpo nos conta. O corpo É!
À medida que imergimos na proposta de Joselita e nas ações que ela sugere, abrimos a porta para o eu simbólico, uma casa imensa e misteriosa, que apenas me aguarda habitá-la plenamente. E, a melhor das notícias: o corpo como o símbolo de mim mesmo
, é porta, casa, morada de minha singularidade, e veículo mágico de estar vivo.
A mágica do corpo que se movimenta para ser consciente de si... CORPOMOVIMENTO propõe ampliar níveis de percepção e consciência, autoconhecimento e autoexpressão, por meio de movimentos inspirados em temas específicos, utilizados como uma provocação. Provocação para quê? Para abrir a caixa apertada em que aprendemos a nos enfurnar. Os temas podem vir das mais diversas fontes, tais como poemas, contos, músicas, pinturas etc. E, partindo dos temas específicos, Joselita propõe improvisações livres que propiciam descobertas de aspectos interiores, expansão de consciência, funcionando como uma meditação em movimento.
Viver o corpo experimentando sua intimidade, revisitando, ressignificando suas histórias, ampliando sua simbologia para além de suas funções e estereótipos, esta é a proposta deste livro.
Um dos primeiros passos é trazer a pessoa para dentro de si mesma, diz Joselita, e continua: Corpo como âncora, raiz, paraíso perdido e recuperado pela consciência de si, pelo contato com a memória de si que habita em cada corpo, a história, a mitobiografia que deixou rastro no corpo. Corpo como palimpsesto? Quantas e quantas vezes eu me reescrevo, na trajetória de uma vida? De quantas eus
minha vida se compõe? Quantos corpos já tive?
Este livro é um convite ao automergulho
e à descoberta dos tesouros singulares escondidos em cada um. O convite urgente e gentil a um só tempo que Joselita nos faz, é o de fazer face ao próprio labirinto, entrar e sair, entrar e sair quantas vezes for preciso, fazendo desta uma aventura de descoberta de mitologias singulares, da beleza do abraço à sombra... um convite à inteireza para heroínas e heróis de sua própria jornada.
Adriana Kortlandt
Novembro de 2018.
OS ANOS INICIAIS...
Nasci em Ilhéus, na Bahia, cursei o ensino fundamental no Instituto Nossa Senhora da Piedade, onde me encantei com Literatura e História Geral (os Contos da Humanidade). Fiz Faculdade de Administração na Universidade Federal da Bahia (UFBA), tendo participado de um grupo de teatro amador quando, sob a direção de Luiz Marfuz, a partir de Augusto Boal¹, elaborávamos peças em processos de criação coletiva.
No ano de 1974, em Salvador, comecei a fazer aulas de Movimentação Espontânea e Criativa, conjuntamente com Concentração e Interiorização, na Casa Sri Aurobindo², idealizada por Rolf Gelewski, um dos fundadores da Faculdade de Dança da UFBA. Rolf, durante um recital promovido pelo Instituto Goethe na Índia, conheceu a filosofia do Ioga Integral, idealizada por Sri Aurobindo, e a partir daí, adoto estes princípios como norteadores de sua prática artística. Integrando o grupo da Casa, tive doze anos de formação direta com Rolf Gelewski.
Minha trajetória se consolidou em cursos de formação de professores, na Casa Sri Aurobindo, atuando como docente durante 14 anos (1980-1994) e escrevendo em coautoria o livro Crescer, Dançando, Agindo II (1981). Tal material, direcionado para educadores, consta de uma proposta educativa de exercícios e brinquedos de movimentação para crianças. Nessa proposta, o trabalho no corpo está no centro e é o começo, o fio condutor e o fim.
Nesse período, ministrei também o curso Auto-Educação Através da Arte
, num convênio da Casa Sri Aurobindo com a Universidade Estadual de Feira de Santana/BA (1985). Já nessa época, o movimento, as artes e a formação docente marcavam meu percurso.
Na cidade de Brasília, entre 2001 e 2005, atuei num convênio da Secretaria de Educação com a Universidade da Paz (Unipaz), para a formação de professores da rede pública de ensino do DF. Ministrei aulas no projeto Trabalhando com ética e cidadania em prol da paz nas escolas
.
Continuei minha atuação em cursos de formação de professores pelo Instituto Caliandra de Educação Integral e Ambiental (Iceia), com docentes da Escola da Natureza. Além disso, numa parceria do Instituto Caliandra com a Universidade de Brasília (UnB) atuei no Fórum Permanente de Professores, com o projeto Corporeidade como Recurso Pedagógico em Educação Ambiental
, no ano de 2007. E, também, no projeto de extensão Água, Saúde e Transdisciplinaridade
, como Coordenadora e Instrutora, no ano de 2014, escrevendo nesse contexto, em coautoria, o livro Roteiros de um curso da’água – água como matriz ecopedagógica: Educação e Gestão Sustentável das Águas do Cerrado – Universidade de Brasília/Unesco (2008).
Concluí, no ano de 2001, a formação na primeira turma da Dinâmica Energética do Psiquismo – DEP³, fazendo até hoje parte da equipe de focalizadores dessa escola. Fiz também a formação em Pedagogia Waldorf⁴, tendo atuado como Coordenadora Pedagógica da Creche Casa do Sol (Universidade da Paz – Unipaz/DF).
Além disso, sou pós-graduada em Psicopedagogia, pelas Faculdades Integradas Icesp (2005 e 2006) e Arteterapia (2014 a 2016), pelo Instituto Junguiano da Bahia, em convênio com a Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, da Fundação Baiana para o Desenvolvimento das Ciências.
Estas formações e experiências me proporcionaram construir as ideias e estratégias metodológicas que estão aqui inseridas e, para além de funcionarem como receitas, o que se pretende basicamente é promover o desenvolvimento e evolução humana, por meio do autoconhecimento e da autoexpressão das pessoas, através da arteterapia e corpomovimento (abordagem que será explicitada nesse livro).
Mas, para além de cada um se descobrir como ser individual e singular em sua trajetória de individuação tal como discutido por Jung, a crença é que por meio desses processos cada ser humano, a partir da consciência do pertencimento ao planeta e à natureza, possa harmonizar-se e ver-se como um ser único que integra, de modo saudável, o Todo.
Notas
1. Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro/RJ 1931-2009). Diretor, autor e teórico. Por ser um dos homens pioneiros de teatro a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, tornou-se uma referência do teatro brasileiro. Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do teatro do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro a ação social (Disponível em: http://bit.ly/2IvBrHv. Acesso em: 10 jun. 2019).
2. Sri Aurobindo foi um nacionalista, lutador pela liberdade, filósofo, escritor, poeta, yogue e guru indiano. Ele se uniu ao movimento pela independência da Índia do controle