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Coisas do destino & outras histórias
Coisas do destino & outras histórias
Coisas do destino & outras histórias
E-book130 páginas1 hora

Coisas do destino & outras histórias

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Sobre este e-book

Há quem acredite que, ao nascer, cada pessoa traz seu destino definido. Quando muito, no correr da vida surgem algumas estradas vicinais, e esses percursos menores é possível escolher. Mas a estrada principal, do início ao fim, já vem carimbada como em passaporte para o estrangeiro- entrada, saída. (Do conto Coisas do destino ) Mimi era cheirosa, viçosa, bonita, dentes muito alvos, peitos redondos e cheios sempre borrifados com perfume francês, quase pulando do decote exagerado. Juvêncio a conhecera em um puteiro de classe na capital do estado, tão diferente daqueles baratos de sua cidade. (Do conto Amor de coronéis ).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9788594861184
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    Coisas do destino & outras histórias - Maria Helena Whately

    cover_epubfolha

    Copyright© 2010 Maria Helena Whately

    Título Original: Coisas do Destino e outras histórias

    Editor-chefe: Tomaz Adour

    Revisão: Sonia Camara, Barbara Benedettini e Talita Guimarães Corrêa

    Editoração Eletrônica: Janaína Salgueiro

    Capa: Eduardo Nunes

    Conselho editorial:

    Tomaz Adour

    Barbara Cassará

    Waldomiro Guimarães Jr.

    USINA DE LETRAS

    Rio de Janeiro – Departamento Editorial:

    Rua Conde de Irajá, 90 – Humaitá – Rio de Janeiro

    CEP: 22271-020

    Brasília – Sede:

    SCS Quadra 01 Bloco E – Ed. Ceará sala 809 –

    Brasília – DF

    CEP: 70303-900

    www.usinadeletras.com.br

    front

    Para a minha Bia, sempre

    O destino embaralha as cartas, e nós jogamos.

    Arthur Schopenhauer

    Para

    Adamarina da Silva – (em memória)

    e

    Zélia Grillo

    Que me ajudaram a voltar à vida

    Sumário

    Romeu e Julieta Adormecidos

    Pureza

    Freirinha

    Cavalgada

    O Estranho

    As Confissões de Ester

    Fim de Verão

    O Caso dos Três Erres

    Coisas do Destino

    Arranjo Doméstico

    Segredos do Mar

    Que os Anjos Digam Amém

    Questão de Pés

    Perfume de Flores

    Aquele Sinal Luminoso

    O Beijo do Palhaço

    Uma História Banal

    Amor de Coronéis

    Romeu e Julieta Adormecidos

    Juvenal era auxiliar de retireiro mas não havia nascido para ser pobre, passar fome. Aos 15 anos abandonou a família, fugiu para São Paulo, onde viveu aos trancos e barrancos. Matreiro, acabou por se dar bem na vida, juntou dinheiro e adquiriu uma terrinha. Com paciência de mineiro, privou-se de tudo para aumentar sua propriedade, comprar uma a uma suas vaquinhas e um belo touro reprodutor. Aos 50 e poucos, embora quase ignorante, era dono de fazenda imensa, rebanho invejável, e o selo de seus queijos e leite era procurado em todo o Sudeste. Aos 60 se casou com a beleza e os vinte anos de Antônia, filha de fazendeiro rico, metido em política.

    Como todo homem, desejava que a criança que a mulher trazia na barriga fosse um varão. Mas o destino não respeita os desejos, e ela pariu uma menina. Ao saber, Juvenal soltou um berro de revolta tão alto e violento que, se possível fosse, teria ecoado em cada milímetro de suas terras. Ele não aprendera o amor, o carinho, a solidariedade, uma gota que fosse desses sentimentos, passara a juventude brigando contra a pobreza. Negou-se então a conhecer a filha que acabava de sair para o mundo. Trancou-se no seu quarto, esmurrou o que foi possível, se olhou no espelho e se perguntou que mal fizera àquele deus bom e protetor de quem falavam, que em tempo nenhum com ele se encontrou, e que agora se voltava de graça contra ele. Fechado no quarto, pouco lhe importou a súplica de Antônia, e o pedido do sogro.

    Como o tempo muitas vezes minora as asperezas, modifica o modo de ver do ser humano, certo dia Juvenal decidiu conhecer a filha. Num impulso que não entendeu, tomou nos braços aquela coisa pequenina e se apaixonou perdidamente por ela. A ponto de desistir de gerar outro filho, mesmo o varão que o sucedesse e por quem tanto ansiara.

    Esta história aconteceu há quase 60 anos, e me foi contada por alguém que conheceu Juvenal. E ele lhe garantiu que naquele dia, daquele mês, daquele ano, no momento em que tomou a filha nos braços, o céu da fazenda, cinzento da chuva, se fez num repente de um azul esplendoroso, a mata e as plantações verdejaram e as flores se abriram antes da época. E que número inacreditável de vacas pariu antes da hora, gerando 99% de fêmeas, o que representava imenso lucro para a fazenda voltada para leite e derivados. Mais ainda, Luca, de três anos, filho único de Jonas, seu retireiro de confiança, que até então não ensaiara um passo ou emitira um som sequer por mais primitivo que fosse, levantou-se do chão de cimento da casa dos pais, caminhou até a porta, olhou o céu e disse alto: - O dia está lindo e o seu cheiro é de uma gostosura só!

    Como a história me foi contada por alguém de respeito, acreditei e cheguei à conclusão de que os acontecimentos extraordinários que ocorreram na fazenda de Juvenal foram espantosamente verdadeiros. O ser humano construiu no correr dos tempos mitos indispensáveis às suas necessidades, criou crenças para viver e sobreviver.

    Portanto, naquele dia em que Juvenal segurou Direne e se apaixonou por ela, um mundo novo de beleza, de esperança e de sonho transformou o seu entender e a sua vontade. Naquela hora, daquele dia, daquele ano, ele sentiu que um pedaço seu estava plantado naquela criança, sua filha. E nela viu tudo o que desejou que a vida fosse desde que se entendeu como gente.

    Acredito que tenha sido este enfoque mítico que fez com que Juvenal visse o azul substituir o cinzento da chuva, a mata e as plantações verdejarem e florescerem antes da hora, e as vacas parirem fêmeas. E pela primeira vez ele acreditou no milagre daquele deus que o maltratara tanto e que se fizera ausente sempre que dele precisou.

    Quanto a Luca falar e andar de repente, atribuo o fato à alegria fascinada de Juvenal, que pela magia em que se encontrava haja transmudado ou maximizado o relato de Jonas, pai do menino.

    Os anos vieram, a fazenda continuou a progredir, Juvenal se fez mais rico e poderoso. E Direne completou 14 anos. Foi nessa época que em certo dia, cedo da manhã, como sempre indo ao curral beber leite tirado de Mimosa, vaca holandesa presente do pai, aconteceu. Ela olhou para Luca como sempre olhava cada manhã, mas pela primeira vez, sem nenhum motivo específico (nada existe de mais misterioso, inexplicável e imprevisto que o desejo), se encantou pelos olhos muito negros dele, por suas mãos calosas de tanto ordenhar as vacas, e sorriu-lhe de forma diversa da que há anos lhe sorria e agradecia o copo cheio de leite morno e espumante que ele lhe entregava. Luca sorriu de volta, os dentes muito brancos. E as manhãs no curral passaram a ter um sabor distinto para os dois. Ela dormia pensando nele, acordava pensando nele, e ansiosa esperava a descida para o curral. Luca, o sexo em ebulição, virava-se e revirava-se na cama pensando nela, e sua mão o levava ao cheiro, ao corpo de Direne.

    Os meses se passavam e eles encantados cada dia mais. Direne se deliciava com a brincadeira de Luca ao mamar nas tetas de Mimosa. Ele dizia sério, olhando para a vaca: - Te cuida, Mimosa, primeiro a Direne, depois eu, depois o bezerro, se o leite sobrar. - Caía na gargalhada, afagava a vaca e mamava nas suas tetas. - Me ensina a tirar leite - pediu Direne certa manhã. - De verdade? - Ela fez sim com a cabeça. Ele se levantou do banquinho de onde ordenhava a vaca. - Vem cá e senta no meu lugar. - Ela foi e ele acocorou-se ao seu lado. Estavam agora muito próximos um do outro, Direne sentia o cheiro de leite e de curral que vinha dele; Luca, o aroma do corpo, dos cabelos soltos dela. Não se olharam, mas os corpos se tocaram de leve e as mãos se encontraram nas tetas de Mimosa. Então ele virou-se para ela, envolveu seu rosto com as mãos calejadas e beijou a sua boca com uma delicadeza incompatível com o rapaz bruto e ignorante que era.

    Há quem diga que Deus e Satanás têm o mesmo poder, as mesmas astúcias e o mesmo desejo de posse. Embora não querendo e não devendo entrar em campo tão complexo e delicado, o certo é que estando Direne e Luca absortos um com o outro em canto quase escondido do curral, por onde cedinho pela manhã apenas circulavam ele e o pai, foram vistos por alguém no exato momento em que se beijavam. E a história do beijo na boca correu célere para a sede da fazenda.

    Direne nada conhecia das malícias da vida. Não frequentava escola, os professores particulares eram pagos a peso de ouro para ir à fazenda, de segunda à sexta, ministrar-lhe as aulas. Quase nunca saía e podia contar nos dedos as vezes em que foi a Belo Horizonte e a São Paulo. Conhecia somente uma autoridade: a paterna. Sua mãe apenas comandava os serviços da casa, sentava-se humilde à mesa em frente ao marido, e só quando longe dele lhe acarinhava e penteava os cabelos louros e cacheados. Mãe tudo percebe, e há tempos sentia o encantamento da filha por Luca. Mas sonhava para Direne um casamento com homem rico, e alertou o marido: - Acho bom substituir o Luca. Direne está com 14 anos e, embora você não perceba, já é uma mulherzinha. O Luca é um rapaz bonito. E se de repente se encantam um com o outro? Não seria bom mandar Jonas e a família embora antes que alguma coisa aconteça? - Não teve coragem de contar a história do beijo, o marido era violento. Juvenal se impressionou com a sabedoria da mulher, matutou e achou que ela estava repleta de razão. E no dia seguinte conversou com Jonas, abriu o jogo. Foi difícil mandar Jonas embora. O retireiro era uma das poucas pessoas em quem Juvenal confiava integralmente. Estava com ele desde o início da fazenda, lhe ajudara nos momentos difíceis. Com ele, Juvenal sentia a liberdade de falar como matuto que era. Despediram-se com um abraço, Jonas foi trabalhar em fazenda vizinha.

    Outro retireiro e outro

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