A Umidade relativa das palavras
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Sobre este e-book
Adriano de Andrade
Adriano de Andrade Barbosa nasceu em Juiz de Fora/MG, tem 44 anos e é formado em Engenharia Elétrica, com mestrado pela COPPE/UFRJ. Trabalha atualmente no Rio de Janeiro e reside em Niterói. Casado, pai de dois filhos, acredita que a união entre a literatura e a engenharia resulta em transformação: “Agora, sou letras e números”. Autor de O inverno que não acabou e outros contos (Editora Novo Século), Contágios (Editora Oito e Meio), É duro ser cabra na Etiópia – Maitê Proença (Editora Agir), Contos de Todos Nós (Editora Hama), Livro de Ouro da Poesia Brasileira Contemporânea (Câmara Brasileira de Jovens Escritores) e Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos (Câmara Brasileira de Jovens Escritores).
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A Umidade relativa das palavras - Adriano de Andrade
adriano de andrade
A umidade relativa
das palavras
jaguatirica
© Jaguatirica, 2019
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editora Paula Cajaty
revisão Hanny Saraiva
imagem de capa Shutterstock
projeto gráfico e diagramação 54
d
esign
isbn
978-85-5662-191-7
Jaguatirica
av. Rio Branco, 185, sala 1012, Centro
20040-007 Rio de Janeiro
rj
tel. [21] 4141 5145 [21] 3500 1390
jaguatiricadigital@gmail.com
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Troque suas folhas,
mas não perca suas raízes.
Victor Hugo
O presente é instantâneo.
O futuro, pensamos escolher.
Somos todos passado.
Adriano de Andrade
Ao meu pai (in memorian),
pela partida prematura.
À minha avó (in memorian),
pela referência na família
À minha mãe,
pelo alicerce que nos abraça e conforta.
Aos meus irmãos,
pela cumplicidade.
À minha esposa,
pelo amor inabalável.
Aos meus filhos,
pelo sentido da vida.
Sumário
Prefácio
A ordem natural
Perfuração
Umidade relativa
Longas tardes
Em pequenos frascos
Não precisa me dizer quem sou
Notícias que sua mãe não quer saber
Ah, as meninas
Lá pelas quatro
No ponto
Sobre gatos e humanos, ou apenas uma questão de sobrevivência
Mais que cinco
DDD
O que resta entre nós jamais será sobra
Só me acorde quando setembro acabar
Nesta data querida
Prefácio
Esse é um prefácio arriscado.
Um prefácio em que precisarei me policiar. Porque se há algo que eu gostaria de fazer agora é contar do início ao fim a você, leitor, feito um amigo espantado em busca de cúmplice, as histórias que acabei de conhecer. Elas são boas demais, humanas demais. E escritas com rara precisão. Adriano de Andrade trabalha cada frase com segurança e sabe onde quer chegar com cada uma das dezesseis narrativas presentes neste livro. Não há gratuidade. Ele leva cada conto para onde quer, sem improviso, num trabalho sólido que maneja de forma invejável o alívio e a tensão, e essa é a nossa sorte.
Preciso me conter pois não quero deixar muito escapar e acabar privando o leitor do estranho prazer de percorrer essas histórias por si mesmo. É quando o leitor se verá envolvido desde a primeira linha do primeiro conto e, ao longo de cada um deles, sentirá a aflição tomando-o lentamente, ou o regozijo diante de uma pequena vingança, e, ainda, o desgosto inventando um sabor amargo na boca – ao mesmo tempo em que simpatiza com as personagens. Essa é uma das chaves de Adriano: ele nos faz simpatizar com personagens que, se as encontrássemos fora das suas histórias, provavelmente as repeliríamos. Somos ganhados pelo tom sedutor de seus narradores e pela rigorosa lapidação das suas frases. Pois não são histórias ensolaradas as que você encontrará aqui. Há muito suspense e crueldade. A bem da verdade, até que algumas trazem um quê de céu claro, uma promessa de brisa, o doce sabor de uma saudade bonita, mas há sempre a ameaça de chuva a qualquer instante ou, ainda, uma tempestade, que deixa a manhã seguinte tão úmida e escorregadia quanto pode.
É que os contos de Adriano são sobre isso: o espaço entre o agrado e o repúdio, o tempo entre a brisa e a tempestade, e, mais do que isso, sobre o risco de não nos encontrarmos a uma distância segura para evitarmos qualquer um dos dois. O risco de não estarmos numa posição em que a salvação ainda seria possível. Afinal, qual é a medida certa a se manter em relação ao outro? O quanto ele pode me tocar? E o quanto eu posso me aproximar dele? Se vim até aqui, ainda posso recuar? O quanto a aproximação do outro me ameaça? A violência, mesmo quando apenas sugerida, mesmo que simbólica, está sempre à espreita.
Como se verá, nem sempre o risco se deve ao lugar em que eles estão e ou às pessoas que cercam os protagonistas de Adriano. Muitas vezes, são os próprios personagens que, em conflito, sem entender o próprio desejo, ou obrigados a presenciar determinada situação, calculam diferentes destinos, e como não têm o controle do que pode acontecer, vez ou outra viverão o imprevisto e o encontro como pequenos ou grandes desastres. Esse desastre pode estar na ponta de uma agulha em uma clínica de saúde, na descoberta de que uma pessoa amada já lhe esqueceu e segue a vida, no asco que o garoto sente pelo novo colega de prédio que tem seis dedos, ou ainda, numa bem-humorada inconsciência sobre as próprias manias e loucuras, a qual, apesar da sua leveza, terá como efeito prático somente a continuidade do afastamento. Pois o contato com o outro e consigo mesmo é sempre perigoso.
Um senhor acabara de entrar distraído e se aproximou. Balbuciou palavras como se quisesse conversar e quase roçou o braço em mim. A repulsa veio não apenas pelo fato de ter um sujeito na iminência de um contato físico, mas seu cheiro era enjoativo, a roupa tinha fedor de tempo
, diz o narrador de Perfuração
, acuado numa sala de espera que, pelas diversas possibilidades de aproximação – doentes, enfermeiras, seringas – o aflige. Ou melhor, nos aflige. A escrita de Adriano é muita próxima ao corpo, às sensações corporais e também à fisicalidade dos cenários e objetos. Suores, choros, painéis luminosos que atraem os olhos, o ruído das pás de um ventilador frenético, o cheiro de um perfume encantador, a diferença de minutos com que o corpo feminino dá à luz a uma ou outra irmã gêmea, e como essa diferença marca as duas vidas que se desenvolvem entre atos de cinismo e outros ainda mais cruéis. Qual seria a distância justa de uma vida para a outra, a fim de que não se entrelacem da pior maneira? Se na barriga da mãe já há disputa, uma disputa de quem se alimentava mais da placenta, de quem sugava a maior quantidade de nutrientes, um ensaio de selvageria pela sobrevivência
… É possível a paz depois disso?
Adriano é mestre em criar momentos em que algo importante está para acontecer e a personagem, ciente disso, se vê, como no conto Umidade relativa
, em agonia, como que protegendo-se da anunciação, isolado dentro de um carro onde lança toda a sua atenção ao simples movimento do limpador do para-brisa, aquele par de hastes emborrachadas que descreviam dois arcos que comprimiam a visão embaçada do carro à frente
, enquanto repara nas gotas de chuva que começam a cair e no atrito do para-brisas com a poeira no vidro, um barulho irritante que lembrava o risco de um giz arranhando quadro negro
. É o momento de concentração em que nos isolamos e ao mesmo tempo reunimos forças para encarar algo. A câmera sensível e milimétrica de Adriano nos joga sem pudor nesses instantes quando sentimos a vida ressaltada, com seus cheiros, sua aparência e seus sons – nem sempre agradáveis.
É claro que, por