Separados pelo casamento numa solidão a dois: Relacionamento
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Sobre este e-book
João de Melo Alves
Nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará. Aos 14 nos, abandonou os estudos para trabalhar e ajudar na renda familiar. Aos 21 anos, retornou aos estudos na 5ª série (atual EJA). Aos 36 anos graduou-se em Ciências Biológicas e Biologia pela FAHUPE (Faculdade de Humanidade Pedro II).Lecionou nos melhores colégios da zona sul e baixada fluminense, aposentando-se em 2004. Atualmente leciona por prazer no Colégio Estadual Júlia Kubitschek, no centro do Rio de Janeiro. A ideia de escrever um livro sobre sexualidade surgiu de forma espontânea e simultânea com um projeto, A gravidez precoce entre adolescentes, desenvolvido por ele junto à instituição de ensino.Seu projeto o levou à indicação de Personalidade do Ano em 2012 pelo jornal O GLOBO, sendo inclusive convidado pelo programa Encontro com Fátima Bernardes em 2013.O livro Separados pelo casamento numa solidão à dois faz parte de uma trilogia que se destina a discutir os papéis do amor, do sexo e do relacionamento na ótica da ciência e da rel
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Separados pelo casamento numa solidão a dois - João de Melo Alves
Fases de uma relação
(sexo – paixão – amor & traição)
Após a festa de confraternização do matrimônio, a meta seguinte do casal recém-casado será constituir o núcleo familiar, por vezes acrescido de filhos. Os primeiros anos são mágicos, românticos e alegres, e neles o casal apresenta uma simetria em relação à magia do amor e também do sexo e prazer. No entanto, o tempo sutil, silenciosamente na rotina do dia a dia, vai aos poucos retirando do casal o interesse da libido sexual, em que um ou ambos passam a aceitar de forma passiva a abstinência sexual. O fantasma da rotina passa a se expressar em iniciativas eróticas em um dos cônjuges, com possibilidade de bloqueio no outro. Num quadro sombrio e num futuro muito próximo, os cônjuges entrarão num grande dilema, escolher entre a solidão sexual ou a traição, em que, na lei natural das coisas, temos a seguinte verdade:
"Na natureza nada se perde,
nada se cria, tudo se transforma."
Antoine Lavoisier
Por medo da solidão, o casal fica subordinado a uma situação quase que insuportável, procurando manter a estabilidade do vínculo assumido perante a sociedade, e não muito raro, tornam-se estranhos convivendo em um mesmo espaço físico. Conta uma fábula que: Se um sapo estiver numa panela de água fria e a temperatura da água for se elevando de maneira suave e lentamente, ele jamais saltará da panela. Será cozido!
Aqueles que se subordinaram a viver como um sapo em uma panela, ou seja, a viver uma vida a dois apenas em imagens, passaram a aumentar a estatística de separação e divórcio em nossa sociedade.
Na primeira metade do século XX, não havia muitos casamentos por amor, pois as famílias, por conveniências e comodidade, escolhiam os cônjuges dos filhos, em que a mulher se sentia feliz em seu casamento pelo fato de seu esposo ser um bom chefe de família, por ser ele um excelente provedor e protetor do clã. O homem, por sua vez, considerava a mulher uma boa esposa pelo fato dela cuidar bem da casa e dos filhos. Portanto, o casal perfeito era representado pelo homem provedor e a mulher respeitável. Nesse cenário, a falta de opções fora do convívio familiar, tanto para as mulheres quanto para os homens, permitia um alto grau de conformismo.
A partir dos anos 40, quando o amor passou a entrar no contexto dos casamentos, as expectativas mudaram, levando homens e mulheres a buscarem, além da realização afetiva, o prazer sexual, diminuindo assim a disposição para qualquer forma de sacrifício desnecessário. Hoje a maioria dos casais se dispõe a desenvolver ao máximo suas potencialidades e individualidades, entendendo que há muito a ser vivido e conquistado tanto no plano individual quanto no coletivo; embora o grande dilema esteja centrado entre o desejo de permanecer fechado em uma relação e o desejo de liberdade irrestrita.
Os anos 60 e 70 trouxeram os movimentos de emancipação da mulher e da liberdade sexual permitindo mudanças significativas quanto à expectativa nas relações conjugais. Hoje, as inúmeras opções de lazer, associadas à diversidade em conhecer novas amizades através da rede de bate-papo pela internet, a diversidade de lugares, tribos e pessoas, sem falar na grande permissividade para novas experimentações nunca ousadas, permitem-nos buscar novas experiências, mergulhar no desconhecido mundo novo. Possivelmente, essa é uma das razões que está proporcionando a menor duração dos casamentos. Dessa forma, fica patente que a união de pessoas solitárias e exiladas, que se propõem a constituir uma família supostamente segura e autossuficiente, deixou de ser uma forma satisfatória de felicidade.
Como o sexo é parte integrante da natureza humana e responsável pela autoestima do indivíduo, para ser praticado com prazer necessita de estímulos, cabendo ao casal descobrir os motivos da perda do desejo em seus aspectos, uni ou bilateral. Podemos destacar dentre tantos fatores para a queda da libido sexual: a repetição contínua da prática sexual, a rotina do dia a dia, a monotonia dos hábitos vividos sem motivação, a estagnação da vida social, a falta de uma atividade física etc. Todos os fatores que atacam a natureza da imaginação com certeza irão anular a virtualidade da fantasia sexual, ingrediente essencial na transformação da vida de um casal que se ama.
Sem fantasia, o sexo se resume numa manifestação puramente fisiológica, sem nenhum atrativo para sua realização. Nos pântanos sóbrios do novo, o desejo circula livre e intensamente, justificando que nos mistérios e aventuras clandestinas reina e sobra a libido sexual. Nos relacionamentos duradouros e estáveis, tais emoções são ínfimas, emergindo somente quando surgem as crises conjugais, uma vez que, na aquiescência das crises amorosas, os personagens passam a ganhar vida própria, descolando-se da paisagem sombria da rotina, impondo-se como algo único com capacidade de manifestarem-se nos sentimentos de amor e paixão, amor e ódio. Abre-se, nesse momento, duas possibilidades para o casal.
Se imaginarmos que há duas vertentes quanto à visão de valores no mundo, teremos os seguintes cenários dentro da realidade vivida pelo casal: um cônjuge conservador e o outro revolucionário. Na visão do primeiro, a imagem atual ficará congelada para não ameaçar os dogmas da instituição do casamento, cabendo ao visionário conservador permanecer submisso, abstendo-se à indiferença do outro. No entanto, há que se ressaltar que o prazer bloqueado não se renderá sem uma reivindicação no próprio indivíduo, ou seja, queda na imunidade orgânica, alterações em sua massa corporal, o descuido com sua aparência física, o desleixo com o bem-estar da casa etc. Obviamente, continuando casados, ficarão um tanto entediados e, de mãos dadas, ficarão à espera de alguma novidade. No caso do segundo visionário, com postura revolucionária, o cenário será mais agitado e turbulento, uma vez que buscará alguma empolgação fora do casamento, entendendo que uma amante poderá lhe proporcionar um maior prazer sexual. Essa realidade irá durar até ocorrer novas crises em seu casamento, com reclamações, brigas e até tribunais de justiça. Nesse estágio poderá acontecer um rompimento com litígio ou até mesmo uma reaproximação dentro da relação, mas a certeza de novos desdobramentos, com ciúme, taquicardia, prazeres, dores e mistério, muito mistério. Nessa situação fica um aprendizado: Nem todo entusiasmo é revolucionário, assim como nem toda calma é conservadora.
A pessoa que se sente traída, além da tristeza, tem que tomar uma decisão: perdoar ou revidar? Embora trágico, diante da traição é necessário que se faça uma reflexão sobre o contexto em que se deu a infidelidade. Assim como o motivo de sua ocorrência. Não basta o cônjuge traído sentir-se vítima ou olhar a traição sob um único ponto de vista, como se a infidelidade fosse um ato isolado sem contextualização e sem conexão com os problemas vividos pelo casal. No contexto de uma relação, desempenhamos diversos papéis: somos esposas, maridos, filhos, amantes, pais e mães. Para cada papel desempenhado existe um complemento, isto é, somente poderei ser mãe se alguém me identificar como sua mãe. Necessito, portanto, de um filho, ou alguém que me encaixe emocionalmente nessa função. Alguém a quem possa cuidar, amar, controlar. O espírito de maternidade de uma mulher está relacionado com o que aprendeu com sua mãe para ser mãe. Isso também vale para a questão da infidelidade.
Para alguém ser ‘infiel’ deverá haver quem aceite ser amante e outra pessoa que seja a ‘vítima enganada’.
Entretanto, nem sempre o casal tem consciência dessa verdade e seu comportamento sexual e afetivo acaba reforçando esses papéis estereotipados. Para que um padrão comportamental nocivo seja quebrado, é fundamental que as pessoas tomem consciência dele e assumam o compromisso de modificá-lo. Muitos insistem em continuar no papel de vítima, acusando o outro por todas as coisas ruins no relacionamento. Por exemplo, um homem que assimila que sua esposa não deve fazer sexo de uma determinada maneira, sente-se vítima, e para compensar, busca uma amante ou até uma garota de programa para poder usufruir das sensações que jamais se permitiria fazer com sua esposa. Esse padrão de comportamento é nocivo, pois se a mulher tiver pensamentos diferentes, e ele não perguntar se ela também deseja ou tem coragem para experimentar novas experiências sexuais, estará apenas pensando em si mesmo e esfriando a vida sexual do casal. Nos casos em que a mulher rejeita de maneira convicta, por questões culturais e religiosas, o sexo como função natural, desejando apenas ser mãe, haverá sempre um ar de infidelidade em torno do ato sexual, por parte do cônjuge. Aqui há um agravante: o fato de ela não se permitir descobrir o próprio corpo e o desejo indômito que nela habita. Esse tipo de comportamento leva a pessoa a viver um terrível paradoxo. Ao mesmo tempo em que não deseja usufruir os prazeres do sexo, sentindo-se aliviada por não ter o cônjuge a procurando, no íntimo sofre com a humilhação provocada pelo sentimento de traição. O mesmo conflito pode-se atribuir ao homem com impotência eretiva.
Para alguns antropólogos as mulheres modernas traem por simples desejo, procurando responsabilizar os parceiros. Elas já não buscam apenas a liberdade afetiva e sexual, mas a aceitação de sua identidade e a realização plena de sua libido junto ao parceiro. As características de homens e mulheres estão se misturando. Alguns homens já não demonstram vergonha de se mostrarem fiéis ou serem apontados pelos parentes ou amigos próximos como indivíduos passivos, pelo fato de estarem vivendo essa nova realidade no campo da sexualidade. Muitas mulheres conseguem com facilidade separar o desejo do amor. As crises conjugais traduzem a dificuldade da sociedade em conviver nessa confusa guerra dos sexos e dos valores no mundo real. Homens justificam não resistir ao instinto à aventura. As mulheres dizem que traem por insatisfação com o parceiro e autoestima baixa. Em sua justificativa, elas procuram culpar os parceiros, não assumindo seus próprios desejos e responsabilidades. O universo feminino está se tornando mais caçador e menos caça.
"A harmonia conjugal e o amor
não asseguram a normalidade sexual."
Casais que se amam também passam por dificuldades sexuais. O sexo muitas vezes é usado como moeda de troca em negociações – sutis ou não – em torno da manutenção do controle e manutenção da relação. Podemos ou não usar o sexo para alcançar diversos objetivos: dar e receber simplesmente prazer, apaziguar um mal-entendido, reverter o mal humor, como também usá-lo para humilhar e controlar o outro. Além da função reprodutiva, as relações sexuais, dentro das relações humanas, propiciam do mais simples e concreto prazer aos mais elevados sentimentos de integração entre os seres humanos, completando-os e legitimando sua existência. Parte da sociedade atual objetivamente está exigindo do homem priorizar na relação, o prazer na atividade sexual, como forma de assegurar a harmonia do casal.
Na contramão, o clero declara que essa porção da sociedade está afastando o homem de Deus, através da propagação do pecado na carne, tornando o sexo como algo não natural. Numa relação longa aparentemente estável, a traição geralmente ocorre por um desgaste natural do casamento. Em um casamento recente, no qual o casal é jovem, poderia ainda estar associada a uma crise existencial e pessoal em razão da pouca idade dos cônjuges. A traição provavelmente ocorre por estar associada à essência nata da fisiologia animal. Um homem ao trair não o faz porque tenha deixado de amar sua companheira. No caso da mulher, além de ser também uma manifestação fisiológica nata, é um pouco mais complexa, podendo ser causada por ela não se sentir