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Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar
Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar
Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar
E-book106 páginas1 hora

Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar

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Sobre este e-book

Mãe, queria te dizer que estou apaixonado por um homem. Ele me sorriu de maneira única naquela terça-feira, não nos beijamos, não nos acariciamos, conversamos sobre tudo o que você poderia imaginar. Ele me disse sobre seu trabalho, eu lhe falei sobre projeção astral. Disse que seus casos no trabalho lhe perturbavam, auxiliar de juíza, eu mero estudante se formando. Cinco anos nos distanciava de nossas idades, mas não reparei nisso. Reparei em seu cabelo pouco encaracolado, em sua tatuagem de baleia feita com pontilhismo no seu braço direito, estava em um lugar tímido. Reparei em seu sorriso, em suas mãos segurando os talheres e comendo aquele sanduíche de jambon de Paris num lugar que se chamava petit marché, mas abrasileirado, o marchézinho.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de ago. de 2020
ISBN9781526027016
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    Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar - Augusto Sánchez Sánchez

    Cartas de um Homem que não Conseguia Chorar

    (...) Sabe, eu me pergunto até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você; eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas as coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? (...)

    Caio Fernando Abreu [Ovo apunhalado, 1975]

    A todos que queriam amar,

    mas foram proibidos

    Foz do Iguaçu, 10 de Novembro de 2018

    Mãe, queria te dizer que estou apaixonado por um homem. Ele me sorriu de maneira única naquela terça-feira, não nos beijamos, não nos acariciamos, conversamos sobre tudo o que você poderia imaginar. Ele me disse sobre seu trabalho, eu lhe falei sobre projeção astral. Disse que seus casos no trabalho lhe perturbavam, auxiliar de juíza, eu mero estudante se formando. Cinco anos nos distanciava de nossas idades, mas não reparei nisso. Reparei em seu cabelo pouco encaracolado, em sua tatuagem de baleia feita com pontilhismo no seu braço direito, estava em um lugar tímido. Reparei em seu sorriso, em suas mãos segurando os talheres e comendo aquele sanduíche de jambon de Paris num lugar que se chamava petit marché, mas abrasileirado, o marchézinho.

    Pedi torradas com queijo de cabra. Só me lembrava que você amava queijo de cabra, mãe. Era com geléia de frutas vermelhas, algumas gotas de chocolate amargo. Em minha cabeça, você conversava comigo, dizia que eu era fresco demais para comer essas coisas e que você, por outro lado, comeria sem problema algum. Se eu pudesse, teria te convidado a se juntar à mesa. Falaria o que é certo, é um amigo, pelo qual me apaixonei.

    Queria poder acordar cedinho todos os dias e, enquanto tomo café da manhã com você, poder ter te contado como aquela noite de terça-feira foi mágica para mim. Dizer que andamos pelas ruas de Botafogo juntos, eu com medo de sermos agredidos, ele com medo de ser assaltado. Disse que andaria rápido até sua casa, insisti que pudesse levá-lo até a sua rua. Deixei-o na esquina da Muniz de Barreto com a Marquês de Olinda. Ele continuou seu caminho, brotou um sorriso-semente em meu rosto que hoje você me perguntou o que era, respirei fundo e disse que era o alívio do final da graduação.

    Mãe, queria ter te mandado mensagem quando saí de casa naquela terça-feira, queria ter te dito que estava saindo para conhecer um amigo que já tinha visto na tímida festa de sábado a noite. Ficamos até três horas da manhã cruzando olhares tímidos, ficava imóvel naquela festa, escutando meu corpo e meu corpo me sustentando. Meus olhos, que haviam visto ele na fila no começo da noite, olhavam ao meu redor em busca daquele rosto, daquela barba, daqueles olhos que se cruzaram às duas da manhã e rapidamente foram desviados, eu estava tímido. Você sabe como sou tímido, não sabe mãe? Queria ter acordado no domingo de manhã, ligado para você e ter sonhado junto. Você me falaria seus conselhos sábios que nunca sigo, mas poderia entrar em contato com você de forma mais intensa.

    Ele pediu uma cerveja que custava quase vinte reais. Eu não sei pedir cerveja, achei que eu teria que pedir uma só para mim. Entendi que as quinhentas ml daquele líquido – que detesto por sinal – marcariam a minha noite. Ele me serviu das duas vezes. Pediu uma água da casa e eu me apaixonei pela forma que ele disse água e depois sorriu para mim. Ele é só um amigo, estou me convencendo até hoje que é um amigo. Mãe, queria abrir meu Instagram e mostrar todas as fotos dele para você, falar olha, esse é meu amigo Rafael. Mãe, olha a forma que ele sorri! Imagina aquele sorriso para mim durante as duas horas naquela noite de terça-feira!. Queria te mandar bom dia todos os dias seguido de minhas preocupações de ter construído um amor platônico no Rio de Janeiro. Eu olhei para o Pão de Açúcar, no final daquela terça-feira, e ele refletia o alaranjado do Sol. Senti a brisa da orla de Botafogo – ele morava em algum lugar por lá – e percebi que mesmo se não tivesse saído com ele, que aquela terça-feira teria sido um dos dia mais feliz da minha vida.

    Mãe, sabe o Lucas? Ele me levou até Copacabana para comer esfihas. Queria que ele pudesse estar aqui agora e te contar como eu estava bobo naquela praia pensando na possibilidade de sair com o Rafael naquela terça-feira. Tinha passado o número do Lucas para o Rafael, você sabe como meu celular tem bateria viciada. Quando nos despedimos da praia e fomos pegar as bicicletas para ir embora meu celular não ligou. Queria que tivesse sido uma piada quando perguntei ao Lucas se o Rafael tinha me mandado mensagem. Eu sabia que aquele menino não queria sair comigo e que arranjaria outra desculpa. O Lucas disse que ele tinha mandado, eu, curioso como sou, peguei seu celular e li que o Rafael estava perguntando por mim. Corri até o quiosque mais próximo para carregar meu celular e pegar o código de desbloqueio de uma bicicleta, e depois saímos pedalando de Copacabana até Botafogo para que eu pudesse ainda tomar banho e sair com o Rafael.

    Eu estava tão feliz nesse momento que eu achei que alguma coisa daria errado. Não era possível que aquele rapaz tão bonito e tão gentil e tão amoroso sairia comigo. Ele saiu. Tinha comprado dois livros para ele de presente e depois de termos nos desencontrados naquela noite de terça-feira de novembro, começamos a caminhar em busca de algum lugar para comer ou beber. Ele disse que estava com fome. Eu menti, dizendo que também estava, tinha comido seis esfihas na orla de Copacabana. Eu senti que estávamos tímidos, era a primeira vez que conversava com ele propriamente depois daqueles dois minutos no sábado. Ele sabia quem eu era e eu sabia quem ele era.

    Mãe, queria poder dizer tudo isso para você. Queria poder compartilhar que sorrimos muito naquela terça-feira, que eu me apaixonei pela pessoa errada, paixão essa que fazia anos que não sentia. Queria que você me olhasse séria e falasse que eu estava errado por me apaixonar. Queria poder chorar com você o fato de ter me apaixonado por um homem, que me sorriu, naquela mesa do marchézinho e que me fez sonhar. 

    Com Amor,

    Augusto

    Foz do Iguaçu, 17 de Novembro de 2018

    Mãe, deixe-me partir. É necessário, sei que vai sentir muito a minha falta assim como vou sentir falta de te abraçar, sentir o cheiro de seu protetor solar mesclado com creme de corpo. Vou sentir falta de seus cheiros, de seus toques, de suas conversas, de suas risadas, de sua mão coçando a minha cabeça. Preciso partir, sou maturo. Não gosto quando você chega a pensar que sou imaturo para viver no Rio. Vivi tantas coisas mãe. Queria poder te contar tudo o que vivi que me garantiu maturez suficiente para viver o Rio que me aguarda.

    Mãe, por que acordou mais cedo hoje? O aeroporto era logo ali, meu pai disse que me levaria. Fez-me café, esquentou o leite que ferveu ontem e eu pensei que não estava com fome, mas sentei-me na mesa a seu lado. Você começou a olhar a televisão com aquele olhar profundo de saudade, aquele olhar que sempre vejo quando digo no domingo que já me vou e que volto no outro final de semana. Gostei do bolo de cenoura que você me fizera ontem, comi, meio forçado, mas com muito gosto o bolo que me fez enquanto me pedia para ter cuidado. Eu vou ter, prometo mãe.

    Mãe, não precisa se levantar, hoje vou cuidar da casa. Vou contar para você que já tenho idade suficiente para viver minha vida com minhas asas. Você mesmo me disse que você saiu de casa muito nova para se casar, largou de todos os seus sonhos e me construiu como homem. Me desculpas, mas ainda deixei o fogão meio sujo, esse continua sendo meu ponto fraco.

    Mãe, eu não queria ter te escondido tudo, mas tive muito medo de você não conseguir compreender quem eu sou. Eu acho que sei que você desconfia que eu sou quem eu sou, mas não quis arriscar. Sofri calado, um sentimento que aprisionei com todas as minhas forças e que agora não sei por quanto tempo mais vou aguentar segurar. Eu sei que você me aceitaria. Passariamos uns dias nublados juntos, você acordando mais cedo, eu acordando mais tarde, evitando tomar café da manhã juntos, eu demorando para ir almoçar, você almoçando rápido, eu torcendo para não cruzar seu caminho enquanto vou ao banheiro e você olhando nos cantos dos olhos eu saindo do meu quarto.

    Mãe, parei de chorar. Estou com tanta coisa entalada em minha garganta, meus olhos árdem, minhas lágrimas evaporaram, não era a minha intenção. A vida

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