Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha
Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha
Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha
E-book419 páginas3 horas

Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

"Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha" (1877) será, possivelmente, o primeiro romance da literatura portuguesa que aborda a temática da identidade de género. Joaninha, a personagem principal, é uma freira do convento de Barrô, por todas considerada muito bela, mas de uma beleza máscula, que a torna irresistível para as suas companheiras de clausura. Tomando consciência de que não é uma mulher, Joaninha consegue escapar-se do convento, veste roupas de homem e alista-se no exército. Agora já sob o nome de João Sem Terra, luta na guerra civil ao lado das forças liberais. A sua coragem e heroísmo ímpares, serão recompensados pelo próprio rei no dia em que finalmente celebra matrimónio com a sua apaixonada.

Fernando Curopos considera que Arsénio de Chatenay está a par de tudo o que se faz a nível da "scientia sexualis" da época, mas discorda dela. Enquanto os médicos escrevem para condenar os atos contranatura das lésbicas (e dos homossexuais), ele demonstra a naturalidade da sexualidade humana, liberta de qualquer constrangimento. Logo, na "periférica praia lusitana", aparece um homem a escrever sobre sexo, servindo-se do discurso vindo lá de fora (Paris-Berlim), mas para escrever contra ele. E essa desconstrução só será feita um século mais tarde, a partir de Foucault... Na literatura finissecular (no naturalismo, como em Botelho, no decadentismo, como em Vila-Moura), o que sobressai é o patológico e a condenação dos atos contranatura, nunca o narrador aparece a defender os "perversos". Têm que morrer, como o Barão de Lavos, personagem do romance epónimo de Botelho, ou a Maria Peregrina, heroína do romance "Nova Safo", de Vila-Moura, por serem seres abjetos. Joaninha, Raquel, Maria das Dores, e as outras "ribaldas" de "Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha", acabam bem, e isso é que faz com que o romance, além de anticlerical, seja um texto eminentemente queer, o primeiro no que diz respeito à literatura em língua portuguesa.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mai. de 2022
ISBN9781005823764
Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha

Relacionado a Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha

Ebooks relacionados

Romance LGBTQIA+ para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha - Arsénio de Chatenay

    Os Jogos Lésbios

    ou

    Os Amores de Joaninha

    Leitura e recursos para velhos

    Arsénio de Chatenay

    Nova edição integral, revista e anotada,

    A partir da 2.ª edição correta e muito aumentada de 1882, da Tipografia Aliança, Porto.

    Introdução de Fernando Curopos.

    INDEX ebooks

    2022

    Ficha técnica

    Título: Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha: Leitura e Recursos para Velhos.

    Autor: Arsénio de Chatenay (António da Cunha Lemos de Azevedo Castelo Branco).

    Introdução: Fernando Curopos.

    Original: Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha (Leitura e Recursos para Velhos), por Arsénio de Chatenay; 2.ª edição, correcta e muito augmentada; Porto, Typographia Aliança; Travessa da Cedofeita, 57; 1882.

    Capa: adaptação de São João Batista, de Josefa de Óbidos (c. 1670-1675), coleção particular, em domínio público (fonte: Wikipédia).

    Transcrição, revisão e anotações: Fernando Curopos, João Máximo, Luís Chainho e Patrícia Relvas.

    Data de publicação: 23 de maio de 2022

    Edição 1.00 de 23 de maio de 2022

    Copyright © Fernando Curopos, João Máximo e Luís Chainho, 2022

    Todos os direitos reservados.

    Esta publicação não poderá ser reproduzida nem transmitida, parcial ou totalmente, de nenhuma forma e por nenhuns meios, eletrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, digitalização, gravação ou qualquer outro suporte de informação ou sistema de reprodução, sem o consentimento escrito prévio dos editores, exceto no caso de citações breves para inclusão em artigos críticos ou estudos.

    INDEX ebooks

    www.indexebooks.com

    indexebooks.com@gmail.com

    www.facebook.com/indexebooks

    Lisboa, Portugal

    ISBN: 978-1005823764 (ebook)

    INTRODUÇÃO

    Arsénio de Chatenay: o queer avant la lettre

    Fernando Curopos

    ¹

    Apesar da vigilância ferrenha da Inquisição e da Real Mesa Censória, os grandes êxitos da literatura licenciosa e libertina francesa também circularam em sincronia por terras de Portugal. Com efeito, se atentarmos ao rol dos livros censurados e apreendidos pela Real Mesa Censória entre 1768 e 1814, a nobreza portuguesa, a burguesia endinheirada e o alto clero podiam adquirir clandestinamente os maiores sucessos da literatura erótica, pornográfica ou libertina, editados tanto em Paris quanto em Londres, Bruxelas, Amsterdão, Genebra, Haia ou Viena. Ademais, durante o período inquisitorial – e mesmo depois – algumas obras licenciosas vernáculas ou traduzidas foram impressas fora do país, em Paris ou Londres – mas nem só² – com destino ao mercado português e brasileiro.³

    No entanto, o Catálogo de livros defesos neste Reino, desde o dia da Criação da Real Mesa Censória até o Presente⁴ peca por defeito quanto à circulação das obras licenciosas em Portugal durante o período, e algumas escaparam às garras dos censores. É o caso, por exemplo, de Le Barbet mignon⁵ ([Jean Galli de Bibiena], 1749), uma raridade bibliográfica que circulou em Portugal nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.⁶ Quanto à novela Les Progrès du libertinage, historiette trouvée dans le portefeuille d’un carme réformé. Publiée par un novice du même ordre ([Nougaret] 1788), que também não consta do rol dos livros censurados, foi vertida para português (A Putaria Conventual. Correspondência libidinosa Achada na Carteira de um Carmelita por um Noviço da Mesma Ordem) e dada à estampa em Portugal, embora indicasse Londres como lugar de impressão.⁷ Logo, temos que o tradutor teve acesso à primeira edição, deveras impressa na capital inglesa em 1788, sendo que as seguintes foram publicadas em Paris (1790, 1792).

    Essa tradução mostra todo o interesse dos leitores portugueses do início do século XIX, como já era o caso no século anterior, por uma literatura erótica e pornográfica de teor anticlerical, como comprovam os múltiplos romances, livros de poesia obscena e peças de teatro sobre o tema censurados pela Real Mesa Censória: Ragionamenti (Pietro Aretino, 1534-1536), Le Pape malade (Conrad Badius, 1561), La Vénus dans le cloître ou la religieuse en chemise (Abbé du Prat, 1672), Histoire de Dom Bougre portier des chartreux (Gervaise de Latouche, 1741), Les Lauriers ecclésiastiques (Jacques Rochette de la Morlière, 1748), Thérèse philosophe (Boyer d’Argens, 1748), Histoire galante de la tourière des carmélites (Meusnier de Querlon, 1774), Élection du général des cordeliers (Alexis Piron, 1796), entre outros.

    Refira-se que a primeira parte da obra do divino Aretino, Vitta della monacha (A vida da freira), e La Vénus dans le cloître (A Vénus no Claustro) abriram caminho ao safismo monacal,tópos tanto da literatura libertina do século XVIII quanto da literatura erótica e pornográfica posterior. Com efeito, a freira passou a ser uma especialidade erótica,¹⁰ mais ainda se fosse dada ao tribadismo, para o maior prazer e deleite do leitor heterossexual. Conquanto essas relações infrinjam a heterossexualidade como norma sexual, não têm nenhum poder disruptivo. Pois, tendo em conta a subalternidade da mulher naquela época, o regime heteropatriarcal continua inabalável e essas imagens só vêm apimentar as cenas eróticas dos relatos. Todavia, não deixam de ter uma vertente política já que a encenação da licenciosidade das freiras e da devassidão do clero serve para atacar o poder da Igreja, já em si enfraquecido no seguimento do decreto de Extinção das Ordens Religiosas, promulgado a 30 de maio de 1832 por Joaquim António de Aguiar, o Mata Frades.

    Ao que tudo indica, o primeiro romance em língua portuguesa a encenar amores conventuais no feminino – já figuravam na poesia satírica e licenciosa pelo menos desde o século XVIII – é Os Serões do Convento (1862),¹¹ escrito sob o maior sigilo pelo poeta ultrarromântico António Feliciano de Castilho. Esse romance, que condensa todos os chavões da literatura libertina francesa, sendo que retoma a estrutura do Decamerão, de Boccaccio,¹² foi o primeiro de uma longa série de obras licenciosas escritas e publicadas em Portugal a encenar amores freiráticos no convento, espaço que, por deslize semântico, passou a ser sinónimo de outra clausura feminina:

    Recebia todos os dias no seu convento uma sociedade particular, cujo culto não se assemelhava em tudo ao que se professa noutras igrejas, diferia ele nas cerimónias exteriores, mas esta pequena diferença não alterava a dedicação que os seus numerosos frequentadores consagravam à superiora. Sabiam eles que em matéria de cultos há muitos caminhos que conduzem ao mesmo fim.

    A senhora L… há muito tempo que abandonara às suas sacerdotisas o serviço do altar, isto é, da cama, reservando para si a cobrança dos dízimos, tributos e ofertas.

    Esta digna superiora de um convento […] vivia alegre e satisfeita entre as suas discípulas e os seus amigos.¹³

    A produção de obras licenciosas vernáculas e a tradução de sucessos do género ganham força no momento exato em que os ataques dos republicanos contra a Igreja católica se intensificam. Embora O Crime do Padre Amaro (1875), de Eça de Queirós, seja a mais célebre das obras anticlericais da época, outras vertendo sobre o mesmo tema foram votadas ao olvido e os seus autores desconsiderados tanto pela crítica literária quanto pelos historiadores da literatura. Tal foi o caso de Arsénio de Chatenay,¹⁴ exato contemporâneo de Eça de Queirós, escritor que, até a data, não figura em nenhuma história da literatura portuguesa, nem sequer em nota de rodapé. Porém, como temos vindo a comprovar, Chatenay produziu uma obra extremamente singular no panorama da literatura europeia,¹⁵ e o seu apagamento só vem atestar a amnésia e o pouco interesse da crítica portuguesa no que diz respeito à literatura licenciosa¹⁶ e ao poder disruptivo da mesma. Aliás, é com ele que as Leituras para homens saem da clandestinidade para entrar na luz plena. Pois, até à publicação dos romances do autor, as obras de teor erótico ou pornográfico eram dadas à estampa e vendidas à socapa, sendo que o editor, tanto quanto o autor, permaneciam no anonimato. A publicação de Os Jogos Lésbios (1877)¹⁷ na editora portuense Typographia Nacional, Rua de Santa Thereza, 18, como indicado na capa do romance, rompe com esse paradigma. Mas, ainda que os outros romances do autor viessem anunciados nos jornais mais populares da época (Diário de Notícias, Diário Illustrado, Commércio do Porto, O António Maria), Os Jogos Lésbios não foi publicitado¹⁸ nem consta das listas de obras à venda publicadas nos jornais satíricos e humorísticos, mais propensos à divulgação das Leituras para homens, nem nos catálogos de livreiros apensos a obras coevas.¹⁹ Tal ausência, mais ainda por o livro ter sido reeditado em vida do autor, só pode indicar o constrangimento e estranhamento provocados pelo conteúdo, invulgar e demasiado iconoclasta para a época. Por isso, não é de admirar que o romance não conste em nenhuma biblioteca portuguesa ou brasileira.²⁰

    Arsénio de Chatenay: o pornógrafo iconoclasta

    Chatenay, no seu >Os Jogos Lésbios (1877), cruza vários imaginários e correntes literárias, como veremos, retomando logo à partida o tópos libertino do safismo monacal para leitor-voyeur, já aclimatado por Castilho. Todavia, a sua heroína, Joaninha, prefigura os personagens fora da natureza²¹ da literatura decadentista. Por conseguinte, Chatenay antecipa essa corrente literária que coincide com os primeiros estudos sistemáticos levados a cabo no domínio da psicopatologia sexual,²² nomeadamente os de Krafft-Ebing, Havelock Ellis e de Charcot.

    Com efeito, os autores decadentes privilegiam personagens considerados pela doxa como anormais, seres desviantes ou sexualmente heterodoxos que, como a figura do andrógino, incorporam em si um certo "gender trouble (Butler). Os binarismos homem/mulher, masculino/feminino, que a sociedade heteropatriarcal acreditava serem de ordem natural, e por isso imutáveis, passam a ser questionados, pelo menos no campo literário. O mito do andrógino, que renasce com fulgor, fascina e seduz os artistas finisseculares pela sua própria condição, não por ser «sobrenatural», mas por ser «contranatura»".²³ Daí, no final do século XIX, a figura do andrógino passar a estar associada à esterilidade por excelência, a homossexualidade recém-inventada pela medicina psiquiátrica.²⁴ Essa degradação do mito, que se generaliza na viragem do século, é apontada por Barthes: Como sempre, as coisas importantes […] têm a sua versão-farsa. O andrógino tem a sua versão-farsa: o hermafrodita universalmente descreditado. O monstro: não assustador, mas pior: inquietante.²⁵

    Arsénio de Chatenay, longe de imaginar um hermafrodita monstruoso, vai, neste caso, criar um personagem positivo, não inquietante, mas subversivo. Ainda que a sua versão-farsa do andrógino possa ser hilariante, tendo em conta o cenário no qual a heroína evolui, pelo tom complacente do narrador e pelas situações descritas, não deixa de ser radicalmente queer. É assim que o narrador nos convida, logo no incipit, a seguir o percurso de vida de Joaninha, órfã recolhida num Mosteiro de freiras Capuchas, em Barrô, freguesia de S. Martinho de Mouros²⁶:

    [...] nunca, em tempo algum, aquele sacro viveiro de Barrô encerrou tão lindas mulheres. Entre estas, Joaninha, a última das professas, era uma diabólica tentação, porque nunca o capuz de burel do padre S. Francisco abrigou olhos mais pretos, mais aveludados, mais ardentes, mais lúbricos, nem mais formosamente maliciosos. Era o enlevo das freiras garridas, a cobiça das recolhidas e a rival das mais formosas educandas;

    ...

    Que razões determinavam em volta de Joaninha uma tão estranha atração?...

    Seria por ter ela, mais do que as outras, o sistema piloso abundante, o lábio superior coberto de pelo, a voz impregnada de ternura, meneios acentuadamente viris e o olhar deliciosamente provocador?

    O seu retrato, conquanto melhorativo, comporta alguns elementos dissonantes se tivermos em conta o sexo do personagem, tido à partida como sendo de sexo feminino, como o nome indica. De facto, o seu sistema piloso abundante, o lábio superior coberto de pelo e os meneios acentuadamente viris não fazem de Joaninha um modelo de beleza convencional. Além disso, como aponta a madre boticária à abadessa do convento: a bacia de Joaninha é de escasso diâmetro, e mais própria de homem do que de mulher. [...] Depois, que seios tão pouco desenvolvidos. A natureza [...] iludiu-se com Joaninha, talhando-a para mulher!. Porém, são esses mesmos traços masculinos e as formas bizarras de Joaninha que atraem os olhares concupiscentes das outras recolhidas, em particular o da meiga e loira Judite, cuja feminilidade e traços físicos são mais conformes às expectativas sociais:

    Entre as freiras que mais doce predileção votavam a Joaninha, havia uma que, sem possuir as suas formas bizarras, era, no entanto, uma formosa mulher; e talvez que se a questão de preferência fosse ventilada entre homens, optassem estes pelas formas franzinas, mas corretamente cinzeladas, da travessa e loura Judite, a quem Joaninha distinguia também.

    ...

    E se uma ou outra vez a ocasião lho permitia, uniam-se tão estreitamente que alguns gemidos a susto ecoavam naquelas paredes.

    Desde o início do romance, não existe nenhum mistério quanto à sua temática licenciosa, explícita logo no paratexto editorial²⁷ e no título. Aliás, já não se trata de uma Leitura para homens, mas de uma "(Leitura e recursos para velhos)" (cf. imagem n.º 1).

    Imagem n.° 1: capa da edição de 1882.

    Estamos, portanto, perante um desses livros que, na expressão de Jean-Marie Goulemot, se leem com uma só mão.²⁸ Ainda assim, muitos desses romances ambientados em conventos, e apesar da sua dimensão licenciosa, não deixam de ter uma vertente ideológica e política, a de denunciar os vícios e a hipocrisia da Igreja católica. La Religieuse²⁹ (1796), de Denis Diderot (1713-1784), é com certeza o mais célebre de todos e o mais divulgado. Pelos vistos, Chatenay, na primeira parte de Os Jogos Lésbios, parodia alguns elementos do romance de Diderot, que lhe serve de hipotexto. Com efeito, como poderá conferir o leitor, a abadessa do convento de Barrô é tão gananciosa, hipócrita e matreira quanto as suas congéneres francesas:

    Essas mulheres sabem vingar-se dos aborrecimentos que lhes causamos: não pense que se divertem com o papel hipócrita que representam e com as tolices que são forçadas a repetir-nos; […] mas cumprem-no à risca, e tudo por mil escudos que entram para o convento. Eis o importante objeto pelo qual mentem a vida inteira.³⁰

    No entanto, apesar do seu olhar crítico, a inocente e ingénua Suzanne não entende que o convento de Saint-Eutrope, o terceiro para onde é enviada, é na realidade uma Mitilene povoada de Safos em hábito de burel. A heroína de Chatenay é muito mais esperta e a própria há de participar ativamente a implantar no convento "os jogos lésbios e todas essas cenas lúbricas da maldita ilha do mar Egeu, digna da sorte das amaldiçoadas cidades de Pentápole".

    Não obstante, a cobiçada Joaninha não é a única a trincar em frutos proibidos. Pois, a fogosa irmã Raquel, que prefere a carne de franga à galinha, tem um apetite descomunal, o que pode ser explicado pelo invulgar desenvolvimento do seu clitóris, como indicado pela boticária do convento:

    [...] conquanto mulher de suma perfeição em seus órgãos genitais, tem o clitóris extremamente pronunciado, e até com tendência, pelo exercício, para maior desenvolvimento. O clitóris, como a respeitável prelada muito bem sabe, é o órgão da volúpia na mulher e a miniatura do membro viril — com os mesmos elementos e com a mesma forma, com a única diferença de lhe faltar o canal uretral. O seu comprimento, é, em geral, de alguns centímetros, variando a grossura; em Raquel, porém, tem o clitóris cinco polegadas e quatro linhas e proporcionada grossura; e, titilado, imita perfeitamente o órgão masculino, a cuja ereção não é inferior.

    Segundo os médicos contemporâneos do autor, as tríbades³¹ teriam um sexo desproporcionado, sinal da sua identidade sexual não normativa e das suas práticas eróticas vícios[a]s: […] pode-se considerar o seu exagerado desenvolvimento [do clitóris] como uma presunção de contactos e hábitos viciosos.³² Mutatis mutandis, Chatenay junta esse comentário do afamado médico francês Ambroise Tardieu à descrição anatómica do clitóris de Raquel – "tem o clitóris extremamente pronunciado, e até com tendência, pelo exercício, para maior desenvolvimento" – parecer que não consta da descrição do médico francês Auguste Debay retomada pelo autor:

    Do clitóris. – Órgão da volúpia na mulher, o clitóris é a miniatura do membro viril; tem os mesmos elementos, a mesma forma. Só difere por lhe faltar o canal uretral. O seu comprimento é, em geral, de uma polegada e algumas linhas, sendo a sua grossura variável […]. Titilado, entra logo em ereção. É o clitóris que procura o prazer venéreo aquando do coito.³³

    Depois de ter seduzido a jovem educanda Terezinha, a irmã Raquel das Cinco Chagas é descoberta e denunciada à abadessa por ter praticado uma real e verdadeira defloração com o seu descomunal clitóris, algo que alguns médicos imaginavam ser possível para as tríbades.³⁴ É imediatamente julgada por um tribunal ad hoc e condenada: [...] punição para o execrando virago [...], digna da sorte das amaldiçoadas cidades de Pentápole; severidade com a desenfreada Safo, que pretende converter em harém o sacro viveiro, deflorando freiras, recolhidas e educandas!... Aquando do julgamento, teremos um relato detalhado dos atos perpetrados pela diabólica freira, verdadeiro pastiche de um registo de julgamento inquisitorial, sendo Raquel implicitamente condenada por ter cometido um ato nefando

    Achando-se plenamente provado que a madre Raquel das Cinco Chagas, recorrendo às diabólicas artes da sedução, logrou fascinar a educanda Teresa dos Prazeres Gouveia, a ponto de conseguir que esta se prestasse à prática de exercícios libidinosos por uma, duas e mais vezes; tendo-se igualmente provado que a referida Raquel, valendo-se da desmedida grossura e comprimento da sua glande secreta, deflorara plena e cabalmente a aludida educanda, jovem inexperiente [...].

    Considerando que a ré Raquel, olvidando o voto, é duplicadamente criminosa, [...] por

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1