O Servo entre a luz e as trevas
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O Servo entre a luz e as trevas - Ilda Oliveira
O SERVO
Entre A Luz E as Trevas
Vc seria um anjo das trevas ou um anjo do bem | QuizurIlda Oliveira
RS: Justiça garante que criança tenha no registro nome do pai biológico e do afetivo– Sempre fui um grande cromo meu pai.
– Não Zezito! Sempre fostes um menino que demonstrava felicidade nas brincadeiras e, eu ficava feliz de te ver feliz.
Capítulo I
A promessa
Os dias frios e pequenos do Inverno, davam lugar à tão desejada Primavera, que chegara em todo o seu esplendor à aldeia da Várzea… Uma aldeia do norte de Portugal que como tantas outras, via fugir os seus habitantes para outras paragens com intuito de conseguirem ter melhores condições de sobrevivência.
Alheias a tudo isso, as andorinhas tinham chegado e voavam numa roda-viva à procura de todos os desperdícios possíveis para fazerem os ninhos, que cresciam por baixo das cornijas de madeira apodrecida nas casas, muitas delas há muito tempo sem verem vivalma...
Logo pela manhã os seus cânticos faziam vibrar os vidros das janelas do quarto de Josefina que estava prestes a dar à luz o seu filho. Os sinais de parto já se alongavam por cinco dias e Pedro o marido já penava, imaginando um triste final que pudesse advir de tanto sofrimento da mulher. Temia perdê-la tal como acontecera com o seu tio Leopoldo Aires que viu partir em grande sofrimento a sua mulher Rute, deixando-lhe um filho nos braços e a quem ele nunca deu amor, como se culpasse o filho daquela desgraça. Valeu à pobre criança enjeitada Juvelina, sua avó materna que o criou como filho e a quem dava do bom e do melhor para descontentamento dos tios que sentiam ciúmes por Rodrigo ter melhor tratamento do que eles.
Rodrigo era uns anos mais novo que o primo Pedro e foram grandes amigos na juventude. No entanto depois do casamento de Pedro, Rodrigo emigrou para França, juntando-se a uma jovem viúva com três filhos de quem se tornou pai postiço…
A parteira já tinha estado em casa de Josefina por diversas vezes e sem ver sinais da criança poder ver a luz do dia, ia-se embora voltando no dia seguinte.
– Devias ir para o hospital Josefina isto não está fácil e vais estar aqui a sofrer sem necessidade. – Dizia Maria Zé, entendida naqueles assuntos.
– Ele há-de vir na hora certa dona Maria Zé. Deus não me vai abandonar. – Respondia em contorção por mais uma contração que chegava…
– O canal está ainda muito estreito e em quatro dias não se alterou nada. Eu não me quero responsabilizar Josefina. Uma vez mais dou-te por conselho ires tê-lo ao hospital da cidade. Lá eles tiram-to de barriga aberta. O bebé pode estar em sofrimento também.
– Não me diga tal coisa. Eu vou esperar até logo e se tudo continuar assim, eu prometo-lhe que vou – Respondia contorcendo-se uma vez mais.
– Eu vou embora, mas volto logo à noite para ver como está a evolução do parto.
– Obrigada dona Maria Zé.
Horas mais tarde Josefina já no limite das suas forças e, quase a dar-se por vencida naquela tortuosa tarefa, em total desespero pela sua vida e pela do filho entregou-se nas mãos de Deus: «Aliviai-me deste tormento pelas almas do purgatório Senhor! Trazei meu filho à vida e fazei dele vosso servo se essa for a condição para acabar este meu sofrimento»… Num ápice aquelas dores atrozes, foram banidas do seu corpo e a criança nasceu sem problemas deixando-a convencida que suas preces foram ouvidas e um milagre lhe fora concedido…
Era um filho desejado e que muito demorou a conceber. E, aquele milagre deu origem a um semblante de felicidade no seu rosto por ver seu filho forte e saudável, esquecendo-se rapidamente dos dias de sofrimento que antecederam tão doloroso parto.
Josefina e Pedro estavam muito felizes, foram premiados com um lindo rapazinho a quem chamaram de José Manuel e, olhavam enternecidos o semblante sereno do filho que os fitava como se estivesse agradecido por o terem trazido ao mundo... Pastores de um rebanho com cerca de cinquenta cabeças de gado, estavam habituados a verem nascer cordeiros e cabritos mas, o seu rebento tinha outro sabor: Era o fruto do amor que os unia desde que caíram de amores um pelo outro… Embora conhecidos de aldeias vizinhas, nunca trocaram uma palavra sequer até ao dia do baile da aldeia em que Pedro pediu a Josefina para dançar com ele… E, daí ao casamento, o tempo rapidamente passou com frequentes visitas a casa dela para namorarem na presença dos pais como era prática corrente naquele tempo e por aquelas bandas.
Josué e Felismina Queirós, pais de Josefina muito se agradaram de Pedro por verem que o rapaz se agarrava a tudo e estava sempre com boa vontade para os ajudar. Tinham um pequeno rebanho e uma quinta de onde tiravam o seu sustento. Trabalho não lhes faltava e em casa fome não se passava. O dote da sua única filha podia dizer-se que foi pago em cordeiros e ovelhas que ofereceu para eles começarem o seu próprio negócio.
Josefina tinha mãos habilidosas para o fabrico de queijo e, as ovelhas já levavam os cordeirinhos e a tetas bem cheias de leite para que o casal logo pusesse as mãos na massa... E, apesar de não terem direito à lua-de-mel, estavam garantidos no pão de cada dia.
Os pais de ambos abençoaram o casamento e o casal ficou a morar na aldeia de Josefina numa casinha de dois pisos e de construção modesta, numa pequena quintinha que arrendaram e onde tinham também o curral das ovelhas e um pequeno terreno para guardar a palha para os animais. Tinha três cómodos, dois dos quais eram quartos e uma sala grande além da cozinha e da casa de banho no andar de cima e uma loja ampla para arrumações no andar de baixo.
Pedro Pinheiro era ajudante de pedreiro, arte que estava a aprender com o seu pai e onde juntou uns tostões para as primeiras despesas. Sem grande experiência na arte de criação de gado, depressa se habitou à rotina, especialmente porque eram donos do seu nariz e estavam juntos a maior parte do tempo como convinha a um recém casal que se amava.
Todos os dias, fizesse chuva ou fizesse sol, Pedro levantava-se de madrugada para levar o gado para a montanha para o fartar… E, de uma dúzia de cabeças depressa aumentou para mais de cinquenta. O negócio crescia começando a vender cabritos e cordeiros para o restaurante da Vila e Josefina fazia queijo que vendia na feira mensal da Freguesia com clientes fiéis muito apreciadoras do seu queijo artesanal e, que segundo os entendidos era muito saboroso. Não tinha mãos a medir para tantas encomendas as quais por vezes era difícil dar vazão.
– Quem dera que o dia tivesse mais horas Pedro, conseguia fazer e vender maior quantidade de queijos.
– Ora essa Josefina, ninguém corre atrás de nós. Faz o que puderes. Também precisas de tempo para ti.
– Eu sei e tens razão, mas custa-me dizer não.
Em épocas festivas quando havia maior consumo, para acudir a tantas encomendas contava com ajuda da vizinha Alice, que lhe dava uma mão na ordenha e no fabrico do queijo. Alice era muito pobre e vivia do rendimento do marido que trabalhava ao dia nas terras de quem o contratasse. Uma mão lavava a outra e Josefina ajudava a vizinha, nunca lhe deixando faltar leite e o queijo em casa para os seus quatro filhos e algumas moedas pelo seu tempo, deixando-a desconfortável a maior parte das vezes com a sua generosidade.
– Obrigada mas não precisas de me pagar Josefina! Eu ajudo-te com todo o gosto.
– Eu sei que posso contar sempre contigo, Alice e agradeço-te do fundo do coração, mas leite não falta cá em casa e os teus meninos também precisam.
– Isso podes ter a certeza minha amiga.
Pedro, estava radiante por ser pai de um rapaz e já imaginava a criança feliz a correr pela montanha acima atrás do rebanho ajudando-o na faina e, quem sabe um dia seguir aquela profissão. Embora ele não tivesse seguido a profissão do pai que era pedreiro, acreditava na velha máxima Filho de peixe sabe nadar
… Mas o tempo diria qual a real vocação do seu filho e ele não lhe iria cortar as pernas com certeza, muito pelo contrário estaria ali para que nada lhe faltasse. Essa era a missão dos pais, criar e educar os filhos para se tornarem pessoas de bem, levando na bagagem, todos os valores para transmitirem às gerações seguintes.
Josefina dedicava-se ao filho que lhe tirava muitas noites de sono. Era um bebé muito esfomeado que mamava quase de hora a hora, deixando a mãe exausta e quase sem tempo para se dedicar ao seu trabalho, com as freguesas a reclamarem pela falta do queijo.
– Bom dia Josefina. – Dizia a dona Clarinda a freguesa número um dos seus queijos, que lhe bateu á porta.
– Olá, bom dia dona Clarinda.
– Precisava de uns queijinhos para a semana. Vem a minha Clara cá passar o fim-de-semana e ela quer levar alguns para uns colegas.
– Vou fazer a possível dona Clarinda. E, não se preocupe que o meu Pedro depois leva-os lá a casa.
– Fico a contar com eles Josefina. Olha que lá por Lisboa os teus queijos já tem fama.
– Muito obrigada dona Clarinda. Prometo que não lhe vou falhar.
– Se puderes fazer uma dúzia dos maiores, eu agradeço.
– Assim farei. Fique descansada dona Clarinda. E muito obrigada pela preferência.
– Obrigada eu Josefina.
Josefina comprometera-se a satisfazer o pedido de dona Clarinda e não queria dececioná-la. Pediu ao marido que fosse chamar a vizinha para a ajudar enquanto ele estivesse na montanha. Com o filho pequeno, ela não sabia para onde se virar.
– Bom dia Alice. Obrigada por me vires votar aqui uma mão.
– Ora essa amiga. Então não é para as ocasiões que servem os amigos?
Pedro no dia anterior ordenhara as cabras e ovelhas para deixar matéria-prima suficiente para a mulher trabalhar. O trabalho deles nunca estava feito, depois de fartar o gado, era à tardinha que ordenhava as ovelhas e cortava a lã muitas vezes até altas horas da noite.
Zezito era um bebé muito dependente da mãe, que o habituara ao colo sempre que ele chorava, só se calando das birras quando ela lhe pegava. Deixava-a muitas vezes à beira de um ataque de nervos, por ver que o seu trabalho não tinha rendimento e as suas clientes a ficarem aborrecidas.
– Deixa-o chorar, Josefina. Ele está mal habituado. Já apanhou foi manha.
– Eu sei disso Alice, mas não gosto de o ver chorar.
– Então vais ter muito que aturar. Os meus também eram assim. Mas com o tempo nós acabamos-lhes com as manias. Vais ver daqui a uns tempos.
– Tenho as freguesas a reclamar, mas como vês é impossível. Eu não consigo fazer quase nada. E, os sonos dele são de formiga.
– Deixa-o chorar que ele cansa-se depressa e acaba por adormecer… – Dizia a vizinha que já tinha o certificado do curso intensivo em aturar birras de miúdos mimados.
Josefina e Alice ao som das birras do Zezito que chorava a pedir atenção, conseguiram fazer a quantidade de queijos que a dona Clarinda tinha pedido.
– Obrigada Alice. Sem ti eu não tinha conseguido.
– De nada amiga. Vês como o teu filho se calou?
– Sabe Deus o que me custou deixá-lo aos gritos. Mas deu resultado e até dormiu mais tempo o malandreco.
– Não conheces o ditado, Quem quer ver o filho bem é tirar-lhe a mãe
… As mães sofrem por ver os filhos chorar e eles sentem… por isso fazem esse tipo de chantagem psicológica.
– Achas Alice? Ele é muto pequenino para pensar já assim.
- Isso dizes tu. Eles são tinhosos. Com o tempo vais-te aperceber disso. Eu também passei pelo mesmo e olha que já tenho o doutoramento.
– Ahahah. – Josefina riu-se da forma engraçada que a vizinha se justificou. Olha que cheguei a juntar três berços. Nem que quisesse dar atenção especial a um, não tinha tempo para pegar em todos quando choravam, porque bastava começar um para os outros se juntarem à sinfonia.
– Ahahha. Imagino Alice. Se um dá tanto trabalho, imagina três.
– Eu nunca tive quem me ajudasse. O meu marido sai cedo todos os dias e volta tarde como tu vês. Tudo se cria é certo, mas é preciso um paciência de santo.
– Bem, neste caso de santa.
– Ahahaha. – Riram as duas.
– É a nossa cruz. Como dizia minha mãe quem pariu Mateus que balance
. Ela nunca me votou uma mão. Dizia que tinha muito que fazer e o trabalho dela também ninguém lho fazia. Sempre foi muito carrasca para mim e aos netos nunca ligou. Cá os crio como posso e uns ajudam a criar os outros. Já está na terra dos justos. Felizmente morreu sozinha e não me deu trabalho nenhum.
– Que coração de pedra. Eu não me posso queixar. Os meus ajudam-me no que podem, coitados.
– A minha Isabelinha ajuda-me muito e sabe fazer tudo, mas meteu-se em trabalhos como tu sabes. Não tarda é mais uma boca para sustentar.
– Não te apoquentes. Já estão todos criadinhos e um bebé até vai dar alegria à vossa casa.
– Mais alegria é impossível, porque farra há todos os dias lá em casa. Eu só sossego quando estão na escola mas quando chegam começa a algazarra.
No fim-de-semana, graças à ajuda de Alice, Josefina conseguiu ter a encomenda pronta para a sua freguesa fiel que Pedro entregou, recebendo o valor acordado e os elogios habituais.
– Muito obrigada Pedro. Estes vão direitinhos para Lisboa. A minha filha trabalha numa grande empresa e, por graça começou por levar uns para as amigas e agora já são os chefes que lhe pedem. São grandes apreciadores.
– Ora ainda bem dona Clarinda. É bom para nós e ficamos muito gratos pela preferência.
– Mas diz à Josefina que não se esqueça de fazer o mesmo de sempre para a semana para mim.
– Dar-lhe-ei o recado dona Clarinda. Muito obrigado. Fique bem.
– Obrigada eu Pedro. Vai com Deus.
Capítulo II
O cajado
Nos primeiros anos de vida do seu filho Josefina não fez a feira e muitas vezes, era de noite quando tinha o marido em casa que tentava remediar a situação, ou a ajuda da vizinha especialmente para satisfazer as clientes mais fiéis… Zezito foi crescendo rodeado de animais que via nascer, crescer e desaparecer com obra do Espírito Santo…
– Papá onde estão os