Cartas a um jovem poeta
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Sobre este e-book
Durante os cerca de cinco anos em que trocaram cartas, Rilke acompanhou toda a angústia da juventude de Kappus, sempre lhe oferecendo conselhos um tanto fora do comum:
'Descubra a razão que lhe comanda a escrever, veja se ela já espalhou suas raízes pelas profundezas do seu coração, confesse a si mesmo se você preferiria morrer caso lhe fosse proibida a escrita.'
'Ser um artista significa não contar ou dar número às coisas, mas amadurecer como uma árvore, que não exaure sua seiva, e se mantém confiante nas tempestades da primavera, sem jamais temer que o verão não chegue. Ele chega.'
'Não procure pelas respostas definitivas, respostas que não lhe poderiam ser dadas, pois você seria incapaz de viver com elas. E, portanto, é este o ponto: viver tudo, viver através de tudo. Viver suas dúvidas, agora mesmo.'
'No fim das contas, isto é tudo o que se faz necessário: solidão, solidão íntima, vastidão adentro. Caminhar dentro de si mesmo sem cruzar com ninguém, por horas e horas – é isto que você precisa ser capaz de conquistar.'
(e há muitos outros exemplos aguardando a sua leitura...)
Após a morte de Rilke, o próprio Kappus tratou de editar suas cartas; e, na Introdução desta obra, nos deixou uma recomendação: 'Quando se manifesta um dos grandes, que só tão raramente aparecem pelo mundo, os pequenos devem se calar, e escutar.'
O tradutor.
***
Traduzido por Rafael Arrais, que também já traduziu obras de grandes poetas, como o “Gitanjali” de Tagore e “O Profeta” de Gibran.
***
[número de páginas]
Equivalente a aproximadamente 54 págs. de um livro impresso (tamanho A5).
[sumário, com índice ativo]
- Introdução
- Primeira carta
- Segunda carta
- Terceira carta
- Quarta carta
- Quinta carta
- Sexta carta
- Sétima carta
- Oitava carta
- Nona carta
- Décima carta
- Epílogo (com a Nona Elegia de Duíno)
[ uma edição Textos para Reflexão distribuída em parceria com a Bibliomundi - saiba mais em raph.com.br/tpr ]
Rainer Maria Rilke
Rainer Maria Rilke (1875 — 1926) foi um poeta de língua alemã do século XX. Rilke possui uma obra original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de 'espaço cósmico interior'.
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Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke
Introdução
Era lá pelo fim do outono de 1902. Sentado sob os antigos castanheiros do parque da academia militar de Wiener-Neustadt, eu estava lendo um livro. Tão absorvido fiquei pela leitura que mal notei quando o único civil dentre nossos professores, e erudito e bom capelão Horacek, se juntou a mim. Tomou o livro das minhas mãos e, após examinar brevemente a sua capa, balançou a cabeça:
Poesias de Rainer Maria Rilke?
– pensou em voz alta. Folheou o volume, passou por alguns versos e depois ficou encarando a paisagem distante, até finalmente me dizer, acenando com a cabeça: Então o aluno René Rilke tornou-se mesmo poeta
.
E então passou a falar do rapaz pálido e magricela que os pais tinham matriculado havia mais de quinze anos no curso inferior do colégio militar de Sainkt-Polten para fazerem dele um oficial. Horacek, naquela altura capelão desse estabelecimento, ainda se lembrava muito bem do ex-aluno. Ele me descreveu um jovem calado, inteligente e sério que gostava de ficar só, e suportava de forma estoica o constrangimento da vida no internato. Depois do quarto ano, passou como os colegas para o curso superior, que residia em Mährisch-Weiszkirchen. Lá ficou naturalmente evidente que lhe faltava a resistência física necessária para a carreira militar.
Foi por este motivo que seus pais o retiraram do colégio e o fizeram estudar perto deles, em Praga. Sobre o rumo da vida do poeta, depois disso, Horacek nada mais soube me dizer.
***
Creio ser facilmente compreensível o motivo de eu, na mesma hora, ter resolvido enviar a Rainer Maria Rilke às minhas tentativas de poemas, lhe pedindo uma honesta avaliação.
Com menos de vinte anos, no limiar de uma carreira que me parecia exatamente oposta a minha vocação poética, esperava encontrar compreensão, caso devesse de fato encontrá-la nalguma parte, no poeta de Praga. Assim, quase sem querer, acabei redigindo uma carta para acompanhar meus poemas, na qual me manifestei com pouca reserva, como nunca antes ou depois haveria de fazer para com qualquer outro homem.
Passaram-se muitas semanas antes que a resposta chegasse...
Então, enfim, chegou à resposta. A carta, lacrada de azul, ostentava o carimbo de Paris. Ela era pesada e exibia no envelope os mesmos traços claros, belos e seguros em que estava redigido o texto em si, da primeira à última linha.
Foi assim que começou a minha correspondência regular com Rainer Maria Rilke. Ela durou até 1908 e foi se espaçando aos poucos, pelo fato da vida ter me empurrado justamente para as regiões de onde a calorosa, terna e comovente sabedoria do poeta quisera me afastar.
Mas isso agora pouco importa. Importam apenas as dez cartas que se seguem, para que todos possam conhecer o mundo em que vivia e agia Rainer Maria Rilke. Elas têm grande importância para muitos jovens de hoje e de amanhã. Quando se manifesta um dos grandes, que só tão raramente aparecem pelo mundo, os pequenos devem se calar, e escutar.
Franz Xavier Kappus
Berlim, junho de 1929
1.
Paris
17 de fevereiro de 1903
Caro Senhor,
Sua carta me encontrou apenas alguns dias atrás. Eu quero lhe agradecer pela grande confiança que depositou em mim. Isto é tudo o que eu posso fazer. Eu não posso debater acerca dos seus versos; pois que qualquer tentativa de crítica à poesia alheia seria algo estranho para mim. Nada está mais afastado de uma obra de arte do que as palavras de uma crítica: elas sempre terminam em desentendimentos mais ou menos desafortunados. As coisas não são todas tão tangíveis e exprimíveis em palavras quanto às pessoas usualmente nos fazem crer; muitas experiências estão além das descrições, elas se passam num espaço onde nenhuma palavra jamais adentrou, e não há nada que esteja mais distante das descrições do que as obras de arte, tais existências misteriosas cujas vidas perduram ao lado da nossa própria vida, pequenina e transitória.
Tendo esta nota como prefácio, devo lhe dizer que os seus versos não têm ainda um estilo próprio, ainda que possuam sementes ocultas e silenciosas de algo mais pessoal. Eu senti isso de forma mais clara no último poema, Minha Alma
. É lá que alguma coisa de sua essência está buscando se tornar palavra e melodia. E no amável poema, Para Leopardi
, uma espécie de parentesco com esta grande e solitária figura também parece se manifestar. Em todo caso, os poemas ainda não são nada em si mesmos, ainda não alcançaram sua independência, até mesmo estes dois que citei. Sua amável carta, essa que acompanhou seus poemas, permitiu que