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O Monge Sabasius
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E-book194 páginas2 horas

O Monge Sabasius

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Sobre este e-book

O que você faria se ouvisse a primeira gargalhada do último anticristo antes do apocalipse?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9781526052636
O Monge Sabasius

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    O Monge Sabasius - L P Baçan

    VOLUME 1 - MENSAGENS DO MAL

    VENHA A MIM, AMALDIÇOADO!

    O jantar estava na mesa e mal fora tocado por Felipe de Olivares, apesar de gazpacho e cozido a la madrileña serem seus pratos preferidos. Maria deixara também uma cesta de mesa artisticamente adornada com peras e melões de Aragón, certa de que, com isso, agradaria o patrão. Felipe, no entanto, não tinha apetite. Sentado junto à janela, fitava o mar revolto ao longe e o céu turvo de uma sexta-feira qualquer de maio. Um silêncio perturbador reinava na casa, quebrado pelo assobiar distante do vento e por ruídos que o velho madeirame do teto produzia após um dia ensolarado. Não era isso, porém, que incomodava o espírito de Felipe. Seus temores tinham origem no quarto fechado, com sua grossa porta de carvalho reforçada com chapas de aço e tachas que as mãos habilidosas de Maria mantinham polidas.

    Era um desafio e uma curiosidade antigos, feitos de medo e recomendações, cultivados ao longo de sua vida. Havia algo no quarto, mas jamais alguém da família, desde a morte do distante Baltazar de Olivares, ousara penetrar ali e desvendar o segredo que se tornara parte da família, convivendo à mesa durante as refeições, nos serões noturnos, nas conversas de alcova, no silêncio dos pensamentos que não podiam ser refreados. Se houvera uma chave para aquela fechadura, havia muito fora perdida. Talvez jamais houvesse existido e o aposento encerrasse seu segredo desde sempre.

    Com o copo de sherry na mão, olhou a escada. Lá fora, uma tempestade de avizinhava e o vento tornava-se mais forte. Esse concerto natural desviou-lhe os pensamentos, mas estar a sós na casa era pensar no quarto lacrado e lutar contra um desafio de dezenas de anos. A janela abriu-se de repente e uma lufada agitou as cortinas, criando a impressão de que um bando de espectros penetrava. O cheiro forte da maresia e o trovejar das ondas além do penhasco sobressaltaram-no. Empurrou a janela, fechando o trinco. O silêncio da casa contrastava com o ruído do vento e das ondas, semelhante ao lamento raivoso de um cortejo de almas penadas, debatendo-se em sua prisão infernal. O tétrico som aumentava lá fora, envolvendo a casa, abraçando-a e fazendo-a ranger. Nitidamente, como se da terra viesse uma voz própria, cavernosa e fúnebre, um ruído angustiante ecoou pelas paredes. Sua respiração apressou-se e uma sensação de vazio subiu-lhe pelo estômago, entorpecendo-o. Esboçou um sorriso que não chegou a concretizar-se, pois alguma coisa estalou forte no andar superior da casa e um gemido prolongou-se dentro da noite, fazendo-o arrepiar-se.

    — Danação! — resmungou, mais para ouvir um som conhecido que para manifestar um pensamento definido.

    Permaneceu diante da janela, grudado ao velho tapete cheio de manchas. Uma atmosfera opressiva formara-se dentro da casa. Caminhou até a mesa com passos lentos e medidos, como se deliberadamente evitasse fazer ruídos. Encheu novamente o copo e tomou um gole generoso. A casa lhe parecia trêmula. Deixou-se cair numa das cadeiras junto à mesa. Seus olhos ergueram-se para a escadaria. Seus ouvidos ficaram atentos aos sons confusos que vinham do interior da casa. Argumentou, como tantas vezes fizera antes, que deveria ter-se acostumado àquelas sensações e àqueles ruídos. Eles se repetiam sempre, no dia de folga dos criados. Temia, mas também gostava daquele combate constante contra seus próprios temores e sua própria imaginação, como se a cada quinze dias precisasse lutar contra o sobrenatural e vencê-lo.

    O som da chuva no telhado quebrou o clima tenso que criara ao seu redor, trazendo-lhe prazer, diante da perspectiva de adormecer com aquele bucólico tamborilar. A noite estava ganha. Uma vez mais vencera a casa ou o que quer que exista sepultado nela.

    Atirou-se esfomeado à refeição preparada, saboreando seguidos cálices de sangria. Quando terminou, foi certificar-se de que as portas e janelas estavam trancadas. O vento poderia abrir alguma delas e a chuva acrescentaria novas manchas irreparáveis ao velho tapete.

    Subiu lentamente a escadaria. A chuva aumentara de intensidade e vergastava a casa em lufadas contínuas. A sua frente, estendia-se o corredor. Seu olhar adiantou-se inconscientemente até a última porta, cujas tachas polidas refletiam a luz, num convite. Caminhou até a porta de seu quarto. Empurrou-a e ia entrar. Um ruído inesperado o fez estacar e sentir de novo aquela velha sensação que lhe provocava uma emoção macabra e violenta. Sorriu, como se zombasse do que jamais vira, mas imaginava forte o bastante para dar-lhe um estranho prazer a cada vitória. Fez-se um silêncio incômodo dentro da casa. Dentro dele permaneceu a sensação de sempre, palpável até, como uma ameaça concreta que pairava sobre ele.

    Entrou em seu quarto e acendeu a luz. Fitou sua cama. Ela lhe parecia uma fortaleza inexpugnável contra os temores. Despiu-se rapidamente e meteu-se sob as cobertas. Cruzou as mãos sobre o peito, procurando convencer-se de que aquela era apenas mais uma noite a sós no casarão. O ruído da chuva e do vento, porém, zombavam dele, numa gargalhada escarnecedora que se agigantou em sua mente até tornar-se nítida. Ficou observando os móveis do aposento, certificando-se de que tudo estava como sempre estivera e nada quebrava aquela harmonia visual à qual se habituara.

    Passava um pouco das dez. Estendeu a mãos e abriu uma gaveta. Apanhou um livro. Havia uma página marcada com uma espátula de cobre que comprara em Toledo e que imitava uma cimitarra turca. Começou a ler, concentrando-se e recuperando a calma. O sono chegava mansamente. Adormeceu.

    O vento tornou-se mais forte. Trovões ribombaram pela casa. Felipe de Olivares acordou sobressaltado, com os olhos arregalados fitando o teto. Virou-se para o relógio. Faltava um quarto para as onze. Seu olhar continuou fixo no relógio, tentando decifrar o mistério do lento caminhar dos ponteiros. A palavra meia-noite quis ganhar um significado especial em seus pensamentos.

    — Viejo! — murmurou para si, raivosamente, querendo justificar com isso tudo o que perturbava e, dessa forma, livrá-lo de uma ameaça que se tornava mais próxima a cada momento daquela noite.

    Retornou ao livro. O suor escorria pelo seu pescoço, formava pequenas lagoas em seu peito magro, depois escorria por entre pelos esbranquiçados para pequenos canais nas dobras de seu ventre. Voltou a olhar o relógio, acreditando num novo desafio, num novo confronto. Fixou-se no número doze. Tentou voltar ao livro, num ponto da trama em que uma reunião era realizada para a leitura de um testamento. Lembrou-se do próprio testamento. A família Olivares morreria com ele. Nenhum varão restaria, apenas a sobrinha na América.

    A lembrança do testamento trouxe outra: a da morte. Essa ideia ficou dançando em sua cabeça, de um lado para outro, como um cão vagabundo que teimasse em seguir quem lhe fez um agrado, enroscando-se em suas pernas e lambendo-lhe agradecido as mãos. Felipe procurou enxotá-lo. Gozava de boa saúde. Abusava de sherry e de Maria, reconheceu, com um sorriso lúbrico, mas isso não chegava a prejudicá-lo.

    Cochilou, quando um trovão estremeceu a casa e ficou ecoando pelas paredes de pedra, fazendo vibrar as vidraças e o madeirame do teto. O barulho transformou-se num rugido que foi morrendo lentamente, como um monstro agonizante. Um estalido seco ouviu-se no corredor. Uma janela abriu-se violentamente e ficou batendo num dos aposentos lá embaixo. Um grito de dor e ódio, desumano e animalesco, ressecou a boca de Felipe e tornou hirto seu corpo. O suor escorreu abundante. Olhou o relógio. Onze e trinta de uma noite interminável. Teria ouvido realmente aquele grito? A ideia que se recusara a aceitar, a princípio, ganhou força, vencendo as barreiras de sua vontade e saltando-lhe aos olhos. Deveria estar acordado à meia-noite. O que haveria naquela hora? O confronto final viria naquela noite tão igual e, ao mesmo tempo, tão diferente das outras noites? O que tornava aquele combate especial e lhe incutia a sensação de que estava prestes a ser derrotado? O coração ficou batendo fortemente, esmurrando-lhe internamente o peito como se quisesse feri-lo.

    Velhos temores assaltaram-no mais uma vez na forma de uma porta lacrada que o perseguia desde os primeiros pesadelos da infância. Alertas e ameaças ecoaram em sua mente, nas vozes daqueles que haviam sido vencidos. Ele se ergueu num salto, brandindo pateticamente a espátula de cobre.

    — Venha a mim, amaldiçoado! — gritou.

    O silêncio respondeu ao seu desafio. A chuva jogava-se contra a janela e no telhado. O vento assobiava. Uma janela batia irritante e perturbadora. Não era um pesadelo e Felipe de Olivares convenceu-se disso, enquanto caminhava até a porta de seu quarto. Saiu para o corredor, olhando a porta lacrada. As tachas refletiam a luz. Um som indistinto o fez mover a cabeça de um lado para outro. Parecia vir de algum ponto lá embaixo e subir a escadaria. Poderia ser o mar agitando-se nas cavernas sob o penedo. Poderia ser o vento penetrando por túneis sob a casa. Mas Felipe olhava a porta lacrada e dali sua imaginação fazia vir o som. Ele ficou imóvel um longo tempo, incapaz de mover-se ou de respirar. A porta ao seu lado começou a fechar-se num leve rangido que lhe atraiu a atenção. Seu olhar penetrou no aposento, buscando o relógio: meia-noite! Alguma coisa amarga subiu-lhe pelo peito e travou-se em sua garganta. Arrepios passearam zombeteiramente pelo seu corpo. A porta lacrada pareceu abrir-se.

    — Venha a mim, amaldiçoado! Venha a mim! — gritou esganiçadamente, enquanto corria naquela direção, movido por algo além de seu conhecimento e de suas forças.

    Aos primeiros passos, porém, a certeza de que finalmente seria derrotado abateu-se sobre ele, mas isso não tinha mais importância nenhuma. Aquele momento fora esperado e provocado desde o primeiro pesadelo de sua infância.

    EU NÃO TENHO MEDO DE FANTASMAS!

    Seu nome era Cândida Magalhães e a gravidez tornava-a ainda mais bela e misteriosa. As faces eram magras, onde se destacavam um par de olhos escuros, negros como as noites espanholas, que provocavam em Antônio, seu esposo, uma inquietante sensação de estar sendo virado do avesso. Os lábios eram carnudos, de um vermelho natural e sexy. Quando sorria, fileiras de dentes alvos e simétricos embelezavam-na ainda mais. Quando deixava os longos cabelos também negros caírem diante do rosto, jogando sombras sobre as linhas provocantes da face, um acento de mistério e fascínio fazia Antônio estremecer e desejá-la. Olhando-o, agora, fechar a mala, ela sorria, mordendo marotamente o lábio inferior.

    Cândida Magalhães fora um dia Cândida de Olivares Fragozo, mas mudara ao casar-se. Sua mãe era espanhola e, se ainda estivesse viva, certamente se escandalizaria com aquele procedimento. Cândida, todavia, preferira libertar-se de tudo que a ligava ao passado de filha de imigrantes que jamais chegaram a prosperar. Esse passado retornara, no entanto, algumas semanas atrás, na forma de uma carta remetida por um advogado de Valência, na costa da Espanha. A princípio encararam o fato com descrédito. Aquela herança poderia significar apenas aborrecimentos. Quando tomaram conhecimento da propriedade, vista através de fotos remetidas pelo advogado, convenceram-se de que se tratava, afinal, de uma boa notícia. A ideia inicial de Antônio foi reformar a casa e transformá-la numa espécie de fonte permanente de rendas, principalmente no verão, quando poderiam alugá-la a turistas dispostos a gozar o sol da Espanha. Para isso, precisavam conhecê-la pessoalmente. Havia detalhes legais a serem superados também. Aguardaram até que Antônio pudesse tirar suas férias no jornal onde trabalhava e planejaram com excitação aquela viagem. Julgaram que, acima de tudo, seria interessante o passeio para os dois, pois teriam um tempo precioso para planejarem a chegada do bebê.

    Antônio já havia feito as reservas e tomado todas as providências para a viagem. Iriam de Londrina, no Paraná, a São Paulo e, de lá, para Madri e, depois, Valência. Tencionavam ficar o suficiente para cuidar de todos os detalhes, mas nada fixaram nesse sentido. Havia uma boa soma em dinheiro no testamento, uma casa junto ao mar onde ficar e tempo para providenciar tudo.

    — O que está olhando? — indagou Antônio, perturbado pela maneira ardente e inquietante com que aqueles olhos negros fixavam-se nele.

    — Eu nunca o conheci. Jamais lhe escrevi uma linha. Por que ele me deixou tudo que tinha? — retrucou ela, pensativa, acomodando-se numa poltrona e cruzando as mãos sobre o ventre como se acariciasse o bebê.

    Antônio procurou uma resposta plausível, mas estava mais preocupado com o fecho da mala. Deu de ombros e esqueceu o assunto. Pensou nas finanças e num grande sonho que poderia realizar agora. Uma editora ofereceu-lhe a oportunidade de escrever um livro. O argumento ficava a sua escolha, desde que fosse de impacto. Um adiantamento fora posto a sua disposição e Antônio não o aceitara por absoluta falta de tempo e tranquilidade. Agora, se alguma coisa surgisse durante aquela viagem, poderia mudar de ideia e aceitar aquele desafio. A importância em dinheiro a ser recebida no testamento significava a tranquilidade para fazer um bom trabalho, sem outras preocupações.

    Quando terminou de fechar a mala, ergueu os olhos e Cândida ainda estava na mesma posição. A preocupação franzia delicadamente sua testa. Caminhou até ela e ajoelhou-se a seus pés.

    — Ei! O que foi? — perguntou, depositando suas mãos sobre as dela.

    — Estou pensando no tio Felipe. Não acho justo que...

    — Não pense nisso agora. Você é a última da família, segundo consta. É a única parente que ele tinha. Ele fez o que qualquer homem faria. Eu também agiria da mesma forma que ele. Por que deixar meus bens para o governo, quando há alguém da família capaz de usufruir deles. Foi um bom pensamento de seu tio. Deve ter

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