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O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos
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O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos
E-book169 páginas3 horas

O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos

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Sobre este e-book

O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos (11 Editora) é uma coletânea com 14 contos do autor norte-americano Ambrose Bierce (1842-1914), conhecido por suas narrativas góticas e de horror, que o colocaram ao lado de Edgar A. Poe e H.P. Lovecraft.
Organizado pela editora Léa Prado e traduzido por Ana Paula Doherty, o livro conta com prefácio de Craig A. Warren, professor de inglês da Penn State Behrend e editor do The Ambrose Bierce Project. O posfácio é de Carla Ferreira, professora associada do Departamento de Letras — Área de Língua Inglesa e suas Literaturas — da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Os contos selecionados para publicação incluem histórias fantasmagóricas, como "O relógio de John Bartine" (1893), "O estranho" (1909) e "A estrada ao luar" (1907), e também histórias de animais abomináveis, como "O funeral de John Mortonson" (1906). Alguns trabalhos antecipam a ficção científica do final do século XX. "O mestre de Moxon" (1899) explora os perigos da inteligência artificial, e "A coisa maldita" (1893) considera criativamente o espectro de cores e os limites da percepção humana.
Há histórias que também fazem experimentação com a narrativa não cronológica como "O dedo médio do pé direito" (1890), que dá nome à coletânea, e "Um vigilante junto ao morto" (1889). O livro inclui ainda alguns dos contos mais conhecidos da carreira de Bierce, fazendo a ponte entre dois séculos. "Incidente na ponte de Owl Creek" está entre as histórias mais compiladas da literatura americana do século XIX.
IdiomaPortuguês
Editora11 Editora
Data de lançamento19 de jan. de 2022
ISBN9786588141038
O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos
Autor

Ambrose Bierce

Ambrose Bierce was an American writer, critic and war veteran. Bierce fought for the Union Army during the American Civil War, eventually rising to the rank of brevet major before resigning from the Army following an 1866 expedition across the Great Plains. Bierce’s harrowing experiences during the Civil War, particularly those at the Battle of Shiloh, shaped a writing career that included editorials, novels, short stories and poetry. Among his most famous works are “An Occurrence at Owl Creek Bridge,” “The Boarded Window,” “Chickamauga,” and What I Saw of Shiloh. While on a tour of Civil-War battlefields in 1913, Bierce is believed to have joined Pancho Villa’s army before disappearing in the chaos of the Mexican Revolution.

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    O Dedo Médio do Pé Direito e Outros Contos - Ambrose Bierce

    AMBROSE BIERCE E A IMAGINAÇÃO GÓTICA

    Poucos artistas literários passam pessoalmente pela maioria dos eventos dramáticos sobre os quais escrevem. Em contraste, Ambrose Bierce viveu uma vida tocada pelo mesmo pathos e mistério geralmente encontrados nas páginas de seus contos macabros, seus poemas e seus artigos jornalísticos. Nascido em Ohio em 1842, Bierce atingiu a maioridade exatamente a tempo de participar de um dos episódios mais terríveis da história dos Estados Unidos, a Guerra Civil (1861-1865). Alistando-se na 9a Infantaria de Indiana, Bierce lutou em algumas das batalhas mais sangrentas do conflito, incluindo Shiloh, Corinth, Stone River, Chickamauga, Missionary Ridge e Franklin. Traumatizado com as cenas de brutalidade e morte em massa, a visão de humanidade do jovem tenente obscureceu-se ainda mais quando uma bala atravessou seu crânio na batalha de Kennesaw Mountain, em 1864. Bierce recuperou-se do ferimento, mas passou por dores de cabeça terríveis que o forçaram a deixar o exército e o assombraram durante décadas depois da guerra.

    Perspectivas de emprego e o clima seco levaram o veterano asmático para o Oeste, e, em São Francisco, ele emergiu como um editor talentoso e crítico social de um jornal local. Desenvolvendo-se aos poucos como um mestre da língua inglesa, Bierce cunhou termos satíricos com o objetivo de atingir os biltres, os políticos e até mesmo o clérigo de seu lar adotivo. Suas colunas renderam-lhe o apelido de O homem mais ferino de São Francisco, não por ele mesmo se entregar aos próprios ímpetos, mas por ridicularizar incansavelmente a hipocrisia e a estupidez de seus companheiros. Durante esse período, Bierce também se casou e tornou-se pai de três filhos, mas a felicidade duradoura da vida familiar o ludibriou. Em 1888, separou-se da esposa, e viveu para ver seus dois filhos morrerem ainda jovens: um depois de um tiroteio, o outro levado pela pneumonia.

    Embora a dor física e emocional fosse um fardo sobre Bierce, isso não comprometeu o crescimento de sua força literária. Após uma visita de três anos à Inglaterra (1872-1875), retornou aos Estados Unidos e, depois de algum tempo, tornou-se colunista por um longo período do San Francisco Examiner. Ao longo dos anos, Bierce criou definições satíricas de palavras comuns que compuseram seu infame Dicionário do Diabo, cuja primeira versão foi publicada em 1906. O dicionário completo é frequentemente celebrado como uma das maiores produções literárias de ironia e sarcasmo do mundo, com definições universalmente adaptadas, tais como: Desculpar(-se), v.i. — lançar as bases de uma futura ofensa, e Santo, s. — um pecador morto, revisto e editado.

    Enquanto mantinha sua carreira como jornalista, Bierce passou a publicar contos que instigavam a imaginação dos leitores. Além de suas ficções, às vezes horripilantes, da Guerra Civil, inovadoras em seu realismo e cinismo, o escritor também foi o pioneiro do gênero de ficção especulativa americana. Começando com O vale assombrado, em 1871, ele passou a escrever histórias góticas retratando loucura, assassinato, fantasmas, viagens no tempo, desaparecimentos inexplicáveis e vozes do além. Assim como em Incidente na ponte de Owl Creek (1890), muitos desses trabalhos terminam com um final surpreendente, um traço que se tornaria a marca registrada das histórias estranhas pelo mundo. Embora Bierce nunca tenha se tornado tão famoso quanto seus contemporâneos Mark Twain e Stephen Crane, ele estabeleceu uma reputação nacional crescente no início do século XX. Sua última passagem por Washington D.C., como um repórter de escândalos para o editor de jornal William Randolph Hearst, ajudou a popularizar seu nome e seu estilo literário entre os leitores do Leste.

    Com uma longa carreira literária e seu Collected Works publicado entre 1909 e 1912, Bierce, aos 72 anos, encarou sua última aventura em 1913. Ao final do outono, atravessou a fronteira e entrou no México revolucionário, aparentemente buscando um final violento como alternativa para a velhice. Quanto a mim, sua última carta em 26 de dezembro concluía, vou-me embora amanhã para um destino desconhecido. O escritor, então, desapareceu absoluta e permanentemente. Várias teorias diferentes surgiram para explicar seu desaparecimento, no entanto nenhum corpo jamais foi encontrado e seu destino permanece um completo enigma até hoje. O capítulo final da vida de Bierce — como reflete o ponto de interrogação assinalado à data presumida de sua morte em 1914 — criou um mistério eterno tão fascinante quanto os encontrados em suas histórias góticas.

    Os contos publicados neste volume incluem histórias fantasmagóricas, tais como O relógio de John Bartine (1893) e O estranho (1909), e também histórias de animais abomináveis, como O funeral de John Mortonson (1906). Alguns trabalhos antecipam a ficção científica do final do século XX. O mestre de Moxon (1899) explora os perigos da inteligência artificial, e A coisa maldita (1893) considera criativamente o espectro de cores e os limites da percepção humana. Bierce, durante toda a vida, nutriu uma fascinação pela linha tênue entre a morte e a vida, e muitas dessas histórias apresentam personagens que simplesmente caem mortos de medo, culpa ou influência sobrenatural. Muitos trabalhos também fazem experimentação com a narrativa não cronológica de histórias, incluindo O dedo médio do pé direito (1890) e Um vigilante junto ao morto (1889). Este volume também inclui alguns dos contos mais conhecidos da carreira de Bierce, fazendo a ponte entre dois séculos. Incidente na ponte de Owl Creek está entre as histórias mais compiladas da literatura americana do século XIX, um trabalho ilustrando a psicologia humana e nossa capacidade de enganarmos a nós mesmos: elementos do naturalismo literário. Por sua vez, a estrutura narrativa e os relacionamentos fragmentados em A estrada ao luar (1907) mostram nuances da literatura moderna do início do século XX.

    As diversas maneiras com as quais Bierce experimentou com a forma, a sequência e a narrativa falam por si sós de seu talento artístico e inovador. Todavia, o humor negro e a visão cínica são o que de mais importante os leitores tiram das histórias compiladas aqui. Na verdade, as sombras e as crueldades que recobrem os cenários góticos parecem inseparáveis da vida de Bierce, e não apenas a persona maior do que a própria vida com a qual ele escrevia suas colunas jornalísticas. Bierce, o homem, vivenciou muitas das profundezas da experiência humana, começando como um soldado ensopado em sangue e, mais tarde, como um pai enlutado e um doente sofrendo de dor crônica. Ele também foi moldado pelo comportamento repreensível que observou na Era Dourada americana, desde corrupção política até fraquezas pessoais, como ciúmes, orgulho e infidelidade. Podemos, assim, valorizar sua escrita como o trabalho de um homem moral que olhava rigidamente para os pecados, indecências e desonestidades da humanidade. De fato, a honestidade absoluta da escrita de Bierce pode ter sido sua contribuição mais duradora para a literatura norte-americana e mundial.

    Craig A. Warren

    Professor de inglês, Penn State Behrend

    Editor, The Ambrose Bierce Project

    MENSAGEM SEM FIO

    No verão de 1896, o Sr. William Holt, um rico industrial de Chicago, estava vivendo temporariamente em uma cidadezinha no centro de Nova Iorque, cujo nome a memória do escritor já não recorda. O Sr. Holt tivera problemas com a esposa, de quem se separara um ano antes. Se o problema fora mais sério do que incompatibilidade de gênios, provavelmente ele era a única pessoa viva que sabia disso: o Sr. Holt não era muito afeito a confidências. De qualquer forma, relatara o incidente a pelo menos uma pessoa, e não lhe pedira que mantivesse segredo. Ele agora vivia na Europa.

    Uma noite, saíra da casa de um irmão a quem estivera visitando e fora andar a pé pelo campo. Supõe-se — qualquer que seja o valor da suposição com relação ao que disseram ter ocorrido — que seus pensamentos estivessem ocupados com reflexões sobre suas infelicidades domésticas e as mudanças perturbadoras que estas haviam provocado em sua vida.

    Quaisquer que tenham sido seus pensamentos, estes o possuíram de tal forma que o Sr. Holt não notou nem a passagem do tempo, nem para onde seus pés o levavam; sabia apenas que tinha ido muito além dos limites da cidade e que estava atravessando uma região deserta próxima a uma estrada que não se parecia em nada com a que percorrera ao sair da cidade. Resumindo, estava perdido.

    Apercebendo-se de sua má sorte, sorriu; o centro de Nova Iorque não é uma região de grandes perigos, nem um lugar onde se fica perdido por muito tempo. Ele virou-se e voltou pelo caminho pelo qual viera. Antes de ter ido muito longe, observou que a paisagem estava ficando cada vez mais distinta, cada vez mais reluzente. Tudo estava envolto em um brilho suave e avermelhado, no qual via sua sombra projetada no caminho à sua frente. A lua está nascendo, disse a si mesmo. E então se lembrou de que estava na época da lua nova, e se aquele astro ardiloso estivesse em um de seus estágios de visibilidade, já teria, há muito, desaparecido. Ele parou e observou ao redor, procurando a fonte da luz cada vez mais forte. Ao fazê-lo, sua sombra virou-se e estendeu-se na estrada à sua frente, como antes. A luz continuava atrás dele. Era surpreendente, não conseguia entender. Mais uma vez ele se virou, olhando novamente para cada ponto do horizonte. A sombra sempre estava à frente, a luz sempre estava atrás, um vermelho silencioso e assustador.

    Holt estava perplexo — bestificado é a palavra que usou ao relatar o incidente; mesmo assim, parecia manter sobre o fato uma curiosidade racional. Para testar a intensidade da luz cuja natureza e causa não era capaz de determinar, tirou o relógio para ver se conseguia enxergar as horas no mostrador. Estavam absolutamente visíveis, e os ponteiros indicavam 11h25. Nesse exato momento, de forma repentina, a luz misteriosa explodiu em um brilho intenso, quase cegante, iluminando todo o céu, extinguindo as estrelas e refletindo a gigantesca sombra dele mesmo na paisagem. Naquela luz sobrenatural, viu perto de si, mas aparentemente suspensa a uma elevação considerável, a figura de sua esposa, vestida em suas roupas de dormir e segurando no peito a figura de seu filho. Os olhos dela estavam fixos nele com uma expressão à qual, mais tarde, ele se declarou incapaz de nomear ou descrever, além de que não era deste mundo.

    O clarão foi momentâneo, seguido pela escuridão, onde, todavia, a aparição ainda era visível, branca e imóvel; então ela foi se esvaindo aos poucos e desapareceu, como uma imagem brilhante na retina depois que se fecha os olhos. Uma peculiaridade da aparição, quase despercebida na época, mas notada depois, era que mostrava somente a parte de cima do corpo da mulher: não havia nada abaixo da cintura.

    A escuridão profunda era relativa, não absoluta, pois aos poucos os objetos ao redor passaram a ser visíveis de novo.

    Na madrugada seguinte, Holt pegou-se entrando no vilarejo no ponto oposto ao que saíra. Logo chegou à casa de seu irmão, que não o reconheceu. Tinha os olhos arregalados, tresloucados, e estava cinza como um rato. De maneira quase incoerente, relatou a experiência da noite anterior.

    — Vá para a cama, meu rapaz. E espere. Teremos mais notícias sobre isso — disse-lhe o irmão.

    Uma hora depois, chegou o malfadado telegrama. A casa de Holt, em um dos subúrbios de Chicago, fora destruída pelo fogo. Acuada pelas chamas, sua esposa aparecera na janela superior, com o filho deles nos braços. Ela permanecera ali, imóvel, aparentemente entorpecida. No momento em que os bombeiros haviam chegado com a escada, o chão cedera e ela não fora mais vista.

    O momento culminante desse horror se dera às 11h25.

    Publicado na Cosmopolitan (Nova Iorque)

    em outubro de 1905.

    TERROR SAGRADO

    I

    Houve uma absoluta falta de interesse no último visitante que chegou a Hurdy-Gurdy. Não fora nem mesmo batizado com um apelido pitorescamente descritivo, uma maneira bem frequente de os mineiros darem as boas-vindas ao recém-chegado. Em qualquer outro acampamento nas redondezas esse episódio por si só teria lhe garantido alguns apelidos como Enigma de Cabeça Branca ou Sem ideia — expressão usada ingenuamente que tem correspondência com o Quién sabe? espanhol. Ele apareceu sem provocar nenhum tipo de preocupação à sociedade de Hurdy-Gurdy, um lugar no qual o desprezo californiano com relação à história pessoal dos homens sobrepunha-se à indiferença de sua própria cidade. Havia muito tempo não se importavam com quem aparecia ali, se é que alguém aparecia. Ninguém vivia em Hurdy-Gurdy.

    Dois anos antes, o acampamento vibrara com uma

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