Revolta e melancolia em María, de Jorge Isaacs
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Revolta e melancolia em María, de Jorge Isaacs - Evelyn França
CAPÍTULO I: A ESCRITA DE MARÍA, O HOMEM POR TRÁS DA PENA
Jorge Ricardo Isaacs nasceu em Cali, em primeiro de abril de 1837. Isaacs foi um dos quinze filhos de George Henry Isaacs e Manuela Ferrer Scarpetta. O pai de Isaacs, nativo da Jamaica e de origem judaica, emigrou para a província colombiana de Chocó para explorar minas de ouro. Em 1828, converteu-se ao catolicismo para casar-se com Manuela, filha de um soldado espanhol e da colombiana María Scarpetta. Donald McGrady (1935-2011), escritor e pesquisador de literatura hispano-americana, especialmente de Isaacs, salienta que George Isaacs era abastadamente rico no momento em que se casa e, estabelecendo-se em Cali pouco depois de casar-se, abre um negócio local e começa a participar na política.²
Curiosamente, George Isaacs, apesar de sua condição estável financeiramente, acaba deteriorando sua situação com o passar dos anos devido ao vício em jogos de azar, fato que é amparado por alguns documentos notariais da época. Em junho de 1854, George comprou uma fazenda chamada El Paraíso
, localizada próximo à Cordilheira, nos arredores de Cali.
Em 1848, aos onze anos, Isaacs foi mandado a Bogotá para iniciar seus estudos secundários, o que o afastou de sua casa paterna e de sua família. Sobre seus estudos, McGrady aponta:
De acuerdo con una carta que escribió muchos años después, Isaacs quería estudiar medicina. Es posible que su familia haya planeado enviarlo a Londres con este propósito, así como lo hizo la familia de Efraín en la novela altamente autobiográfica de Isaacs. Pero circunstancias adversas […] impidieron el cumplimiento de esa meta. (MCGRADY, 2006, p. 21)
Como mencionado na citação acima, o romance María tem alto teor autobiográfico e, embora esse não seja o foco do presente trabalho, é interessante salientar alguns desses aspectos biográficos para melhor entendimento da posição política da forma da narrativa, bem como os caminhos que tomam o enredo, assuntos que serão abordados mais adiante. Sobre isso, faz-se necessário aludir ao conceito de autoficção.
Um dia escrevi que tudo é autobiografia, que a vida de cada um de nós a estamos contando em tudo quanto fazemos e dizemos, nos gestos, na maneira como nos sentamos, como andamos e olhamos, como viramos a cabeça ou apanhamos um objeto no chão. Queria eu dizer então que, vivendo rodeados de sinais, nós próprios somos um sistema de sinais. (SARAMAGO, 1997)
O escritor português, na citação acima, chama atenção para o fato de que cada gesto de nossas vidas é uma parte de nossa autobiografia. Brincando com o termo tão avidamente estudado por Philippe Lejeune, cofundador da APA (Association pour l’autobiographie et le patrimoine autobiographique) e autor de L ‘autobiographie en France (1971), o autor não só matiza um aspecto importante da vida cotidiana, mas também da escrita literária e do fazer literário em si.
Partindo do princípio de que cada fazer e cada escrever trazem aspectos autobiográficos e do princípio de que em la literatura lo real no va por un lado y lo ficticio por outro
(ALBERCA, 2013, p. 22), é possível afirmar que cada escritor, no momento de sua produção escrita, levará consigo marcas autobiográficas, seja de sua história, de suas paixões ou de suas influências literárias - aspectos que também formam parte de suas personalidades. Contudo, naturalmente, não se pode afirmar, em se tratando do gênero autobiografia, que toda produção literária lhe pertence, principalmente porque o próprio gênero não é homogêneo e claramente delimitado.
A partir da publicação de L’autobiographie en France (1971), Lejeune procurou, pela primeira vez, estabelecer um estudo acadêmico do gênero, seu aspecto normativo e dogmático se explica justamente por sua intenção política em teorizar um gênero até então banido do cânone, uma vez que anteriormente era considerado apenas uma subcategoria do discurso histórico. Através desse estudo, estabeleceu-se um compromisso entre obra e leitor, o qual foi nomeado pacto autobiográfico.
Sua obra, apesar de extremamente bem-organizada e de cunho acadêmico elogiável, não foi tão bem recebida no que diz respeito à normatividade de suas teorizações, o que resultou ser bastante positivo, visto que outros estudiosos e escritores puderam complementar seu estudo através de críticas e novas formulações. A partir disso, cunharam-se novos termos e novos matizes do gênero foram apontados. Um deles foi o conceito de autoficção, usado pela primeira vez pelo escritor e crítico literário francês Serge Doubrovsky (1928-2017), a partir de Fils (1977), que permitiu a quebra parcial desse pacto, possibilitando novos olhares a respeito de obras que, até então, simplesmente seriam descartadas do gênero autobiográfico e analisadas integralmente como romances.
Ao abordar o tema da autoficção, naturalmente, é necessário voltar o olhar para os conceitos autobiográficos referenciados, como dito acima, pelo pesquisador Philippe Lejeune. Como se sabe, as escritas do eu podem assumir diversas formas sem que, necessariamente, sejam enquadradas no gênero autobiografia, principalmente nas narrativas contemporâneas. Porém, mesmo nos escritos do século XIX, é possível encontrar leituras que se aproximam e se afastam, a partir de um ponto comum – escritas de si –, das normas estabelecidas por Lejeune. São romances que contém recortes da experiência vivida, nos quais a biografia e o fictício se intercalam ou se misturam para formar algo novo, sem que haja a relação onomástica tão essencial para o pesquisador francês.
Como se poderia prever, em estudos posteriores, já amadurecidos com o tempo e as novas reflexões sobre o gênero, Lejeune, em Pour l’autobiographie (1998), salienta que o conceito de verdade não pode ser alcançado em uma escrita de si. Desde já, o que se diz sobre si e o compromisso com a verdade passam a ser relativizados, ainda que o compromisso com a identidade permaneça. Não obstante, há ainda os casos em que nem mesmo essa relação onomástica é mantida ou, pelo menos, não é mantida integralmente. Para estes casos, surge a autoficção, que por si só se localiza no entre, num continuum em que a ficção e o real se mesclam.
O romance María (1867) jamais foi analisado como obra de autoficção, o que tampouco é a intenção deste estudo. Entretanto, estudos anteriores sobre a narrativa apontaram para traços de autobiografia na obra de Isaacs, tanto em seus poemas quanto em seu romance, mas sem delinear o aspecto de autoficção que pode ser percebido na maneira como seu único romance é construído e como seu suposto alter ego e personagem protagonista, Efraín, é parte primordial desse fenômeno.
Jorge Isaacs usó dos importantes fuentes de inspiración para componer su novela: las reminiscencias literarias y su propia vida. Se puede decir que Isaacs creó el personaje de María principalmente a partir de precedentes literarios, mientras que se inspiró principalmente en sus experiencias personales para la descripción de Efraín. Así mismo, la acción se toma en parte de la literatura romántica anterior y en parte de la vida de Isaacs. El escenario del Valle del Cauca refleja, por supuesto, la historia de la vida del autor. (MCGRADY, 2006, p. 79)
Os pontos de coincidência são muitos, desde a descrição da fazenda do protagonista a similaridades entre o passado do pai de Efraín e do pai de Isaacs. Tal como na sua criação, Isaacs também se afastou da casa paterna para estudar em Bogotá e assistiu, já adulto, à ruína das propriedades do pai. A partir dessa constatação, o sentimento de nostalgia e melancolia, comum aos românticos, se materializa na narrativa, através da exaltação da harmonia aparente na fazenda do pai de Efraín e na revolta frente ao fim dessa organização social, representada pela morte da personagem que dá nome ao romance. Ao escrever María, Isaacs consegue plasmar em literatura um desfecho coerente para seu mundo, coerência que nem sempre se tem na realidade.
Além disso, o artifício de narrar a si mesmo sem assumir fazê-lo, no caso de Isaacs, encontra perfeito sentido se pensarmos em sua vida política e na relação conflituosa com o pai, visto que divergiam em relação ao tema da escravidão, tema que compõe parte importante em seu único romance. Sobre isso, Manuel Alberca (2013) sugere:
El handicap del novelista autobiográfico se acrecentaba en el pasado por razones sociales o por prescripción religiosa, pues surgía de un ambiente que censuraba su apuesta. El camuflaje tras una fórmula de ficción indicaba que el autor no podía, por el contexto señalado, o no quería, por pudor, arrostrar los inconvenientes y molestias que la apuesta autobiográfica lleva consigo. Así pues, esconder y mostrar, al mismo tiempo, el yo íntimo fueron las dos razones aparentemente contradictorias de la novela autobiográfica en sus orígenes decimonónicos. (ALBERCA, 2013, p.