As Organizações Não Governamentais: o novo modelo de Gestão Organizacional?
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As Organizações Não Governamentais - Miréia Maria Joau de Carvalho
1. AS ORGANIZAÇÕES: NA BUSCA DAS DIMENSÕESESQUECIDAS
O verniz não esconde o matiz.
Charlez Dickens
O final do século XX foi palco de grandes realizações em todos os campos do saber. Presenciamos o crescimento determinadas configurações materiais e tecnológicas no seio da sociedade. O progresso da industrialização e o desenvolvimento técnico-científico vêm proporcionando um avanço do conhecimento sobre a natureza, a qual o homem tem tentado, por muitas vias, transformar e moldar para satisfazer as suas necessidades.
O processo de abertura global, cada vez mais presente, vem sendo facilitado pelo novo sistema de telecomunicação via satélite, pela microeletrônica e pelas novas tecnologias de processamento de informações. Estes meios de comunicação, monitoramento e controle permitem a expansão da propensão à mobilidade do capital, maximizando a capacidade de investir, empregar e contratar, assim como de desinvestir, desempregar e descontratar. Observamos que o avanço tecnológico e a revolução da informação prometeram e cumpriram mudanças profundas na esfera da vida humana, deixando claros sinais de um mundo integrado pela comunicação tecnológica, interligando facilmente pessoas e grupos que vivem em partes distantes do mundo.
Graças ao desenvolvimento das forças produtivas, propiciado pela globalização, os bens e serviços, em número cada vez mais variado, têm se tornado tecnologicamente mais sofisticados, tendo como consequência a produção em escala de vários produtos e a diversificação dos serviços que carregam uma propensão de redução de seus preços, possibilitando o acesso às camadas mais baixas da sociedade. Entretanto, em contraste com este lado positivo da globalização, verificamos que a maior abrangência e predomínio do sistema econômico têm tornado mais visível as manifestações de uma exclusão social. Quanto mais abundante é a oferta de alimentos, mais incompreensível se torna a existência de tantos milhões de famintos. Quanto mais se fala de paz na era pós-guerra fria, tanto mais se multiplicam os conflitos pelo mundo afora. Estes problemas têm sido responsáveis pela grave crise que não encontra precedentes na história da humanidade.
O espectro dessa crise é suficientemente amplo, como indicam os graves problemas surgidos no mundo, representados pelo desequilíbrio ecológico, a crescente desigualdade entre as nações ricas e pobres, as desigualdades sociais também crescentes no interior das nações, sejam pobres ou ricas, o desemprego crônico e os padrões de controle social impostos pelas organizações, sejam de ordem pública ou privada, obrigando os indivíduos a um trabalho exaurível e enclausurado sob novos e inusitados grilhões, que impedem a sua emancipação.
Se por um lado o progresso do conhecimento trouxe riqueza e bem-estar material, por outro lado este mesmo progresso provocou e continua provocando mais desajuste ao ser humano. As necessidades humanas que orientaram o desenvolvimento do conhecimento não representaram o progresso concomitante da emancipação humana; ao contrário, transformaram-se em verdadeiras fontes de patologias sociais.
Mais complexa também é a relação que mantém todos estes elementos. Esta inter-relação do econômico sobre o social e da máquina sobre o pensamento humano, vem ratificar na sociedade e nas organizações as dimensões implícitas e desordenadas que levam o indivíduo a ser esquecido e ignorado.
Neste capítulo, nosso objetivo é discutir as dimensões que não são visíveis nas organizações, direcionando para o entendimento do que subjaz ao aparente, ajudando a refletir sobre a dialética entre o pensar, o sentir e o agir das pessoas envolvidas no dia-a-dia das organizações, principalmente os dirigentes.
1.1 AS DIMENSÕES INVISÍVEIS DAS ORGANIZAÇÕES
A palavra organização vem do grego organon, que significa instrumento. Organização é uma forma de associação humana destinada a viabilizar a consecução de objetivos determinados. Amitai Etzione (1989, p. 3) assim conceitua as organizações: [...] unidades sociais que procuram atingir objetivos específicos; sua razão de ser é servir a esses objetivos. Todavia depois de formadas, as organizações adquirem necessidades, e estas às vezes se apoderam da organização.
Neste contexto, as organizações como unidades sociais esquecem de exercer seu papel de socialização dos indivíduos na sua dimensão maior, voltando-se para atender apenas às necessidades econômicas e administrativas. Estas organizações, chamadas de produtivas por Etzione (1989), são percebidas em seu conceito ampliado como agentes sociais, mas consideradas ambíguas por privilegiarem o desenvolvimento material e tecnológico e, em paralelo, impedirem a emancipação do ser humano.
As organizações, ainda consideradas como parte das instituições sociais, não podem ser excluídas quando se trata de agravamentos sociais. Sua responsabilidade é proporcional ao seu poder, pois, além de possuírem poder econômico, elas também possuem competência técnica e grande influência nas decisões e nos destinos da sociedade (VERGARA, 2001).
Elizete Passos (2000, p. 53, grifos da autora) assim define as organizações:
De maneira geral, entende-se organização como associação ou instituição com objetivos específicos. Elas podem ser como o stress, a lesão do esforço repetitivo, a inflamação no estômago e as cefaléias periódicas (DEJOURS, 1994).
esportivas, filantrópicas, comerciais. No plano específico, uma organização constitui-se em uma micro-estrutura social, baseada na objetividade e na produtividade, onde existe divisão e organização do trabalho, que também pode ser identificada como uma empresa. Quase sempre, este tipo de organização tem uma finalidade lucrativa, podendo ser particular, de economia mista, assim como governamental, voltada para prestação de um serviço social [...]
Buscando compreender e definir as organizações, muitos autores, a exemplo de Omar Aktouf (1996) e Chanlat e Dufour (1985), têm direcionado suas pesquisas para a análise das conquistas da eficiência, eficácia e efetividade
da produtividade. Outros estudiosos, como Guerreiro Ramos (1981) e Jüergen Habermas (1975), têm sugerido um estudo à luz do conceito de organizações substantivas
e do agir comunicativo
, que extrapole o modelo organizacional, no qual impera a tendência à uma estrutura rígida, que se preocupa apenas com a análise de resultados, característica da cultura burocrática tradicional, e seja embasada na espontaneidade, no improviso, na sinceridade e na transparência, peças de fundamental importância para os dirigentes no alcance de objetivos imediatos. Que suas ações busquem alcançar os objetivos através do desenvolvimento pleno das potencialidades (produtividade) e da satisfação humana (valorização do ser humano), e se dê através da conciliação de valores típicos materiais, fundados no cálculo utilitário das consequências dos atos humanos, em que os meios são subordinados aos fins. Entretanto, que sejam envolvidos por valores humanísticos, preocupados sempre com a reflexão e modificação da cultura, se necessário, para não caírem no esquecimento.
Gareth Morgan (1996, p 116-131) afirma:
[...] as organizações são realidades socialmente construídas [...] A cultura delineia o caráter da organização [...] existem freqüentemente sistemas de valores diferentes que competem entre si e que criam um mosaico de realidades organizacionais em lugar de uma cultura corporativa uniforme. Elas são vistas como uma construção social que se articula com a cultura a partir do que define a forma de ser e agir dos seus membros, suas relações interpessoais e empresariais, seus objetivos, compromissos e formato administrativo.
Elizete Passos (2000, p. 57, grifos da autora) complementa:
Dentro da cultura de uma organização que, por sua vez, reflete a cultura da sociedade, podem existir subculturas, decorrentes das divergências dos interesses dos seus membros, de estilos diferentes de liderança e do jogo de forças existente, fazendo das empresas campos de luta e de conflitos e não espaços homogêneos e harmoniosos, como elas próprias querem se apresentar. Isto nos faz admitir que as organizações são sistemas políticos, perpassados por relações de poder, quase sempre colocado em lados opostos quem faz as regras e quem as segue.
Quando dirigimos o olhar despretensiosamente para a condição humana no interior da maioria das organizações produtivas, facilmente constatamos que a vida nessas organizações não parece espelhar o brilho e o fascínio apresentados por boa parte dos estudos administrativo, tais como os desenvolvidos por Peters e Waterman (1982; e ARCHIER e SÉRIEYX, 1984 apud AKTOUF, 1996). Ao contrário, a vida nas organizações tornou-se um empecilho a autorrealização individual, como afirma Guerreiro Ramos (1981).
Este fato foi identificado desde o início do século XX por Sampson (1997), ao destacar que o ambiente organizacional era considerado frio e as relações bem distanciadas. As pessoas se sentiam presas a um sistema econômico sem coração, no qual elas não tinham nenhum valor, fossem escriturários, estenógrafos, balconistas ou trabalhadores de inúmeras categorias.
Maurício Serva (1996) afirma que a consulta a diversos autores propicia a localização de uma literatura consistente, que nos faz ciente do colapso da emancipação do homem no âmbito do trabalho. As correntes são inúmeras, tal é a diversidade de aspectos e temas que compõem esta complexa questão. Embora nem todos os autores utilizem o termo emancipação, o que emerge do conjunto dessas obras é, de fato, a preocupação com os seres humanos, que não conseguem a sua auto realização, a felicidade, a libertação, a satisfação, a autonomia, a igualdade, e ideias correlatas que revelam, no fundo, um humanismo voltado para a emancipação.
Quando falamos em organizações, habitualmente procuramos imaginar um estado de relações ordenadas entre partes, claramente definidas, que possuam alguma ordem determinada. Embora a imagem possa não ser explícita, pensamos em um conjunto de relações mecânicas e eficientes. Falamos de organizações como se fossem máquinas e, consequentemente, com uma tendência em esperar que os seres humanos operem como tal, de maneira rotinizada, eficiente, confiável e previsível. Se o trabalho é embasado em rotinas e direcionado à produção, o trabalhador é subordinado e transformado rapidamente pela lógica da dominação, passando a ser controlado pela dimensão do poder.
Segundo Elizete Passos (2002, p. 29):
A preocupação de padronizar os comportamentos humanos a fim de garantir a máxima eficiência, se por um lado é benéfico, no caso para as empresas, que podem auferir maiores lucros, no que se refere ao ser humano não deixa de ser uma maneira de matar sua criatividade e retirar dele a autonomia de sujeito livre e consciente. As conseqüências são enormes para o ser humano em especial. A exigência de padronização para seres que não são iguais cria disfunções
, como a despersonalização dos relacionamentos, a supervalorização dos cargos em detrimento das pessoas e das regras sobre o trabalho.
Quando, no trabalho, são retirados todos os elementos desafiadores e prazerosos, impedindo o indivíduo de deliberar sobre o seu próprio desempenho, é suprimida a parte humana do trabalhador; com isso, é também extraída a possibilidade de se tornar digno, saudável, alegre, criativo, responsável. Desta forma, o indivíduo é equiparado aos demais recursos de produção e passa a ter um valor correspondente à importância de seu emprego ou da sua capacidade produtiva (MOTTA, 1992).
De acordo com Aktouf (1996), autores como Dejours (1990), Chanlat e Bédard (1990), Aubert e Gaulejac (1992) concentraram-se nos efeitos da opressão que as organizações impõem aos indivíduos, principalmente os efeitos desastrosos ao nível de saúde mental, stress e patologias psíquicas no trabalho. Enriquez (1997b) alerta para o fato de que as organizações manifestam claramente nos seus conflitos os jogos de poder; dirigentes jogando
uns contra os outros, gerando desconfiança e medo, ocupando os centros das atenções, das incontáveis intrigas interpessoais, de forma a vigiar, punir e controlar, com uma política voltada para tornar invisíveis estes conflitos, exceto para os diretamente envolvidos, forçando os indivíduos ao uso das máscaras, da mentira e da cizânia.
Para Dejours (1994), a preocupação está voltada para os resultados perversos do sofrimento no trabalho. A gestão tem mais um tipo de responsabilidade perante a sociedade civil, assegurando a manutenção do espaço público no uso da palavra e no poder de decisão nas organizações. Estas precisam assegurar a existência de confrontos de opiniões em todos os segmentos, seja em relação a questões ligadas à produtividade, seja em relação ao sofrimento humano no trabalho, de modo a possibilitar o emergir de uma outra dimensão: a psicopatologia do trabalho.
A dimensão valores tem preocupação com os valores organizacionais. As questões que envolvem as vivências de prazer-sofrimento no trabalho, levaram autores como Ravlin e Meglino (1989), Meglino; Ravlin; Adkins (1989), Judge e Bretz (1992), citados por Mendes e Tamayo ([1998]), a estudarem valores sociais dos indivíduos – como realização, tolerância e honestidade – enquanto influenciadores das relações no trabalho, indicando a importância da compatibilidade entre estes valores individuais e os valores da organização para a autoestima e satisfação no trabalho. No contexto organizacional, os valores têm sido estudados tanto nas suas relações com o trabalho propriamente dito, quanto com a cultura organizacional.
Schwartz (1999), Ros; Schwartz; Surbiss (1999) e Elizete Passos (2000) também identificaram, em seus estudos, relações conceituais entre os valores individuais e os valores atribuídos ao trabalho. A partir dessas contribuições teóricas, assumimos como pressuposto que os valores se constituem em um dos importantes instrumentos para entender a cultura organizacional e que as organizações não são neutras. Assim sendo, os valores têm o papel de atender aos objetivos organizacionais, e também às necessidades dos indivíduos. Discorrendo sobre os valores morais, Elizete Passos (2002, p. 70) enuncia:
[...] de fato, eles estão presentes em todas as relações humanas, e mesmo que nossa tendência seja acreditar que eles são sempre positivos, isto nem sempre acontece. É comum vermos os seres humanos comportarem-se de forma mesquinha e desumana, em nome de uma ética vigente. A prática moral em sociedades capitalistas como a nossa, não pode ser vista, de forma geral, como orientada por valores positivos e sim negativos, na medida em que se pauta na exploração do mais fraco, na discriminação e no preconceito.
Os valores organizacionais podem passar mensagens e comportamentos convenientes, levando à naturalização do conteúdo e ao repasse espontâneo para os demais membros, fazendo com que a adesão e a reprodução permitam a liberdade dos indivíduos em aceitar ou não determinados conteúdos ou a eficiência do controle dessa liberdade.
A situação em que o profissional não toma consciência da invasão de sua privacidade, onde deixa de saber quem ele é e o que é o trabalho em sua vida, caracteriza-se como uma forma de alienação, onde ele não tem uma verdadeira compreensão do que se passa por trás do aparente, ou seja, impede que compreendam a dialética entre o pensar e o agir
(LUCKESI; PASSOS, 1995, p.63 apud PASSOS, 2000, p. 72, grifos da autora).
Uma outra dimensão organizacional a ser estudada, está relacionada ao processo discriminatório contra a mulher no âmbito das organizações. Autores como Betiol e Tonelli (1991), Mauricio Serva (1996) e Elizete Passos (1999), dentre outros, afirmam que os preceitos e preconceitos existentes no meio social mais amplo são transferidos e confirmados no ambiente micro social da organização. As barreiras de acesso das mulheres às posições de poder nas empresas, os preconceitos contra a mulher no ambiente de trabalho, a desvalorização das profissões majoritariamente femininas, os mitos sobre a atuação e o desempenho que, juntos, estabelecem expectativas diferenciadas para a mulher face ao trabalhador masculino, os problemas das diferenças de remuneração entre os sexos e a dualidade de papéis severamente exigidos para a mulher que é dona de casa e trabalhadora constituem-se em marcas da discriminação contra a