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Mundo Profano
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E-book738 páginas9 horas

Mundo Profano

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Sobre este e-book

O mundo que você conhece se foi, ruiu, desapareceu... E então no lugar o meu surgiu, cresceu e se estabeleceu. Enquanto sua história se iniciou com vida e evolução, a minha vem da morte, invasão e destruição. Dizem que para algo novo surgir, muitas vezes é necessário que se mate o que havia antes...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de fev. de 2022
ISBN9781526055231
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    Mundo Profano - Alessandro Silva

    Mundo Profano

    Prefácio

    O mundo que você conhece se foi, ruiu, desapareceu...

    E então no lugar o meu surgiu, cresceu e se estabeleceu.

    Enquanto sua história se iniciou com vida e evolução, a minha vem da morte, invasão e destruição.

    Dizem que para algo novo surgir, muitas vezes é necessário que se mate o que havia antes...

    Capítulo 1 - A Fuga

    Eu sou PW, no meu mundo não há tempo para se conhecer pessoas por muito tempo, geralmente elas morrem rápido, portanto é mais fácil apenas iniciais, sem intimidade exagerada e sem exposição desnecessária ao perigo. Claro que a maioria não usa apenas iniciais... Mas eu não sou a maioria!40

    Que mundo é esse? A Terra.4

    Mas muito distante do que a humanidade do século XXI estaria preparada para conhecer e enfrentar.4

    Como sei disso? Porque foi quando eles chegaram.

    As pessoas do século XXI idolatravam os vampiros dos filmes da antiga e totalmente destruída Hollywood. O que não esperavam é que eles realmente existissem e viessem parar entre elas.7

    Drácula, o mais famoso vampiro da literatura mundial! Acredite, ele existiu, mas não da forma como as pessoas acreditam, nem na data em que Bram Stoker decidiu sabe-se lá por que. Esqueça essa baboseira ridícula de mortos vivos, humanos transformados por mordida e etc. Não! Drácula na verdade caiu aqui. Sua viagem solo de estudos foi interrompida quando sua nave foi atingida, por um dos inúmeros meteoros que não cansam de cair na Terra, e fez uma aterrisagem de emergência.7

    Passou anos entre os humanos, até conseguir finalmente consertar as avarias da nave com a tecnologia ridícula da era medieval. Sim foi então que ele viveu aqui, por volta do século XIII mais ou menos. E ele se foi.

    Se as pessoas da época fossem um pouquinho menos ignorantes, talvez tivessem relatado esse pequeno detalhe. Isso poderia ter sido a diferença entre a vida e a morte para milhares de pessoas séculos mais tarde. Ou talvez não.

    O fato é que eles vieram. Atrás de um novo lar, o seu fora destruído por um inimigo mais forte. E a Terra era o mais apropriado, além do mais distante que eles conseguiriam chegar. E claro! Também precisariam se alimentar, como Drácula sobreviveu décadas com sangue humano... A conta era fácil demais.6

    Quando as primeiras naves entraram na órbita terrestre o caos reinou! Os humanos brigavam entre si, antes mesmo que os vampiros começassem a atacá-los. Inacreditável! Existiam aqueles que queriam atacar as naves e tentar matar todos, o mais rápido possível, enquanto outros queriam recebê-los de braços abertos, aprender com a nova raça.7

    Se ao menos eles soubessem do que se tratava...

    O primeiro passo deles foi analisar o novo contingente planetário, levantar a tecnologia da qual os humanos dispunham e decidir como seria mais eficaz se estabelecerem. A princípio optaram por não atacar. Mandaram emissários e negociaram um tipo de exílio. Hollywood e os inúmeros livros de ficção escritos sobre vampiros contribuíram bastante para que fossem aceitos e a humanidade começasse a ser dizimada.

    O sangue humano é compatível para sua alimentação, mas um pouco fraco. Nem pensar se alimentar de outro vampiro, o sangue não servia porque o indivíduo doador sofria exatamente da mesma deficiência biológica, portanto inútil.

    Então vieram as guerras, claro que os humanos não queriam ser drenados até a morte e os vampiros por sua vez não queriam morrer de inanição. Mas mesmo em meio à guerra e o caos novas vidas surgiam, em sua maioria, mestiços.2

    E os mestiços... Nós, éramos o ideal. O sangue forte dos vampiros, sem a sua deficiência biológica, corrigida pela mescla com os humanos.

    Não somos muito populares entre os humanos, nem entre os vampiros. Entre os humanos porque na maioria nascemos de estupros e quando temos mães humanas elas morrem ao nos dar luz. Entre os vampiros, porque não somos legítimos, nascemos de sua necessidade básica primordial. São raros os mestiços com nomes vampiros, porque somos bastardos.5

    Vampiros não têm nome e sobrenome como os humanos, são nomes significativos. Guerreiros, geralmente, têm nomes assustadores e de acordo com suas habilidades, sua personalidade, ou algo assim. Civis, no entanto, são os mais variados significados e geralmente as fêmeas recebem nomes com significados doces, gentis e blá, blá, blá, acompanhados do nome de seu pai, após o seu.

    Como sei essas coisas? Como mestiça vivi em seu programa, portanto entre eles. Minha mãe morreu quando nasci, mas sabia o nome do meu pai vampiro, então me deu o primeiro nome humano, ou algo que fosse humano, mas com significado também, e o nome do meu pai como sobrenome. Phoebe WrathUtter. Não acho que ela tenha analisado o significado antes, ou dificilmente teria chamado sua filha de Pura ira absoluta.31

    Mas enfim... Não posso dizer meu nome completo por aí ou marcaria um enorme X bem no meio da testa. Os vampiros já não gostavam dos mestiços, imagine um com a identificação de quem o gerou gravada no nome?6

    Eles apenas nos deixavam viver por sermos úteis. Não morríamos ao alimentar um vampiro, porque nosso sangue era mais forte, portanto não precisavam beber tanto para estarem saciados, pelo menos por algumas semanas.

    Mas temos um limite também, então a taxa de mortalidade mesmo entre nós é alta. Nosso mundo acabou sendo dividido em três. Os humanos se aglomeraram em cidades que fortificaram e tentaram garantir sua maior segurança. Claro que não é cem por cento seguro, mas é melhor do que a alternativa.5

    Os vampiros por sua vez, se estabeleceram em cidades destruídas humanas, que eles reconstruíram, encheram com sua tecnologia e viviam muito bem, obrigado. Com grandes mansões nas áreas nobres e muito verde meticulosamente bem cuidado.7

    O problema éramos nós.

    Os humanos não nos queriam e os vampiros queriam nos colocar no seu programa de controle. Um tipo de instituição ou complexo, como chamávamos, onde crescíamos, aprendíamos a ler e escrever, a sermos dóceis e obedientes, para depois sermos colocados para servir.8

    No mundo que eles idealizavam criar, cada mestiço serviria um vampiro. Seria sua propriedade até morrer. Doaria seu sangue, seu trabalho e seu corpo. Porque a população mestiça precisava de manutenção. Então nos reproduziríamos com um vampiro e nossos filhos seriam incluídos no programa.11

    Claro que um vampiro também não se alimenta de outra forma. Esqueça a antiga ideia dos livros e filmes de que eles mordem e só. Não mesmo! A alimentação gera um frenesi irrefreável e o sexo se torna inevitável. Ou pelo menos era o que nos ensinavam no complexo...

    Assim eles poderiam deixar os humanos em paz e apenas matá-los quando fosse necessário deter sua proliferação exagerada pelo mundo. Porque foi isso que fizeram, diminuíram a população mundial para um número aceitável segundo eles.

    Tudo bem que eles filtraram o ar, despoluíram os rios, recuperaram muito da terra, clonaram os animais em perigo de extinção e os soltaram na natureza, reflorestaram grande parte do planeta e conseguiram reequilibrar o ecossistema em colapso. Porque eles precisavam habitar o planeta também, então fizeram uma reforma na casa logo que entraram e agora faziam a manutenção.6

    Mas seu sistema perfeito idealizado para nós não considerou que não herdamos apenas seu sangue forte, temos também sua força física, sua inteligência, seu temperamento combativo e não sabemos nossa estimativa de vida, porque morremos muito por assassinato. Então o complexo montado para nos abrigar até funciona, mas não da forma como eles esperam. Sem problemas comportamentais. Existem muitas fugas e tentativas de fugas. Planos são arquitetados e executados sem parar.

    Eu fui uma das centenas de crianças bastardas criadas nesse complexo. Até chegar meu momento de servir...

    — O que está fazendo PW? – John me perguntou, interrompendo meus devaneios históricos, tirados de inúmeros arquivos tanto vampiros quanto humanos que hackeei na cara de pau.5

    — Nada. – respondi, jogando na cama do meu alojamento a bolsa de equipamentos para transportar nosso material didático pessoal, que recebemos ao ingressar nos conhecimentos.

    — Então por que a vi colocar roupas na bolsa de equipamentos? Você vai fugir não vai?

    — Cala a boca! – sussurrei um pouco alto, me desesperando, éramos monitorados quase que incessantemente. Eu tinha travado a câmera do meu alojamento, mas não sabia se ainda se mantinha assim.

    — Eu vou com você! – ele sussurrou.

    — Você morreria no primeiro dia. – bufei.2

    — Pra onde vai?

    — O que acha? Primeiro para a área desolada, depois vou me afastar o máximo que conseguir de qualquer cidade vampira que existir.

    — Enlouqueceu? Como acha que vai conseguir algo assim?

    — Hackeei os sistemas de mapas dos vampiros, modifiquei minha tela de estudos e tirei o rastreador dela.

    — E o seu rastreador interno?

    — Arranquei tem dois minutos, portanto tenho quarenta antes que pare de funcionar. Tenho um plano.

    — PW se eu ficar, estarei na idade da servidão em um ano. Você deixaria seu amigo para trás?9

    — John, não sei sequer se eu vou sobreviver à fuga. Deixá-lo para trás é mais fácil do que ter que assistir sua morte. E também... De repente até designam você para uma boa vampira...

    — Isso poderia acontecer com você também, já parou para pensar nisso?

    — Já e dispenso. Não serei propriedade de ninguém! E ser caçada depois de matar meu dono ou antes, por ter fugido do que previram para o meu destino, tanto faz. Estou indo. – rebati pensando em tudo que John não sabia.2

    O sinal de início da noite tocou antes que John pudesse retrucar e meu tempo acabou.

    Nos dirigimos para a saída e para a fila do início das aulas. Me restavam alguns poucos meses antes da formatura, momento em que teoricamente um vampiro deveria me escolher para lhe servir.10

    Não ia acontecer!2

    Mestiços eram leiloados, de acordo com seus atributos, rosto bonito, corpo bem torneado, movimentos atraentes, etc. As fêmeas também precisavam ser hábeis com serviços domésticos e os machos em fazer pequenas manutenções domésticas e etc.

    Os interessados registravam seus lances e o maior levava o mestiço. Era assim que mantinham o complexo. A não ser que alguém da realeza vampira se interessasse pelo mestiço, então ele/ela tinha o primeiro direito. Porque claro que muitos morriam tentando fugir ou se conseguissem, não rendiam o lucro esperado, então a realeza ajudava a manter o lugar, por isso não pagavam pelos mestiços escolhidos e tinham a preferência.

    Nós só sabíamos para quem iríamos depois de escolhidos e já do lado de fora do complexo, eu nem imaginava como isso acontecia, o choque que poderia ser e etc. Mas não fazia diferença porque não seria meu caso de qualquer forma.

    Segundo o que me contaram, como minha mãe morreu no parto no território desolado, seu parto foi feito por uma humana que me entregou aos vampiros em troca de sua própria vida. De algum modo ela conseguiu fazer com que um vampiro da guarda do complexo me contasse mais tarde meu nome de verdade, ao invés de somente PW, como minha ficha dizia, e essa história de nascimento.

    Não que eu tencionasse esquadrinhar o território atrás de saber do meu passado, isso era desnecessariamente arriscado e irrelevante. Minha mãe era uma caminhante e meu pai era um soldado vampiro. Ponto. Não precisava saber mais do que isso. Não que já não soubesse, mas ainda era irrelevante.

    Caminhantes eram humanos ou mestiços sem residência fixa, fugiam sem parar de um lugar para outro em busca de um local seguro para habitar. O problema era que ninguém tinha mapas, portanto a maioria acabava acidentalmente esbarrando em cidades humanas ou esquadrões de vampiros, muitos até davam voltas e acabavam voltando a se aproximar da cidade dos vampiros. Claro que qualquer dessas possibilidades levava à morte. Sem contar os banidos e desertores, humanos e vampiros que não se enquadravam em suas sociedades e vagavam sem destino.

    Mas eu sabia para onde iria. Os mapas hackeados mostravam uma extensão de terra imensa sem qualquer cidade por perto. O sol escaldante nas estações quentes e a neve nas frias, além do terreno montanhoso dificultavam sua habitação, para os vampiros por causa do sol e para os humanos por sua dificuldade de deslocamento e a neve, principalmente nos pontos mais altos das montanhas, onde ela era incessante. Não para um mestiço, no entanto.

    O sol até era um impedimento considerável, porque não enxergávamos tão longe ou tão bem quanto à noite, mas também não tínhamos hipersensibilidade como os vampiros e a neve nunca me incomodou, desde que pudesse achar um lugar razoavelmente fechado e fazer uma fogueira ficaria bem.

    Como éramos proibidos de treinar combate, mas precisávamos ter bons atributos físicos para aumentar os lucros, nos exercitávamos diariamente, então eu estava em forma. E para o caso de minha defesa pessoal, assistira inúmeros vídeos (proibidos), de técnicas de combate e treinara escondida no banheiro do meu alojamento que era o único lugar em que não havia câmeras.

    E cheguei a hoje. O meu dia D... Dar o fora!1

    A fila virou à esquerda no corredor do final da ala de alojamentos e me esgueirei por uma porta à direita que dava no duto de esgoto, setor de manutenção. Cinco metros à frente, desci um lance de escadas de metal, tentando fazer o mínimo de barulho possível, entrei no banheiro daquele corredor, fui para a primeira cabine à minha frente e joguei meu localizador na privada, dei a descarga e corri de volta para o corredor e escadas abaixo.1

    Mais um lance de escadas e coloquei um pequeno dispositivo de bloqueio de sinal em um cantinho da parede, de forma que ficasse escondido. Faltava agora menos de dez minutos para a equipe de manutenção iniciar o expediente, portanto precisava ser rápida.

    — Me espera!

    — Não acredito que você me seguiu John! Seu localizador vai nos entregar.4

    — Não vai não, eu vi você entrando no banheiro e ouvi a descarga, tirei meu rastreador e joguei na privada também, assim que você saiu, absorta demais em correr para me ver ali. – ele disse feliz.3

    — Não tem funcionários a essa hora, não preciso me preocupar com eles, então ainda não estou no modo alerta geral – me defendi, mas decidi avisá-lo – Mas você nunca está no modo alerta geral, vai se matar seu idiota!

    — Talvez, mas é preferível. Vamos?7

    — Deixe-me fechar isso para o cheiro do seu sangue não nos delatar, sua mula. – reclamei, pegando seu braço e colando uma fita adesiva sobre o ferimento que ele abrira para tirar o rastreador pessoal – Pronto! Agora vamos.

    Não podia perder tempo discutindo, desci com ele atrás de mim mais dois lances de escadas de metal e usei um dispositivo, que criei para este fim, para abrir uma porta que continha equipamentos de segurança. Peguei um par de botas para mim e outro para John, casacos impermeáveis e corremos. Estávamos na entrada das grandes tubulações agora.1

    — Coloque as botas, o casaco e me siga. Seja rápido! – Disse a John colocando minhas botas e apertando o pequeno botãozinho no alto do cano delas que as faziam se ajustar ao usuário.

    Usávamos normalmente uma calça justa e flexível para facilitar nossos movimentos e exercícios, uma camisa estilo quimono, as fêmeas por cima de faixas para os seios, e sapatilhas macias, justamente para desestimular fugas.2

    Olhei os três túneis horríveis, ignorando o mau cheiro insuportável do local, enquanto colocava o casaco e esperava John terminar de vestir o dele. Quando o vi fechar o casaco sobre o corpo, entrei no último da direita.

    — Por que escolheu o menor cano? – reclamou John tendo que se abaixar para me seguir.

    — Porque as descargas seguem pelo cano maior, no meio, junto com os detritos da cozinha para a central de tratamento e o da esquerda, de escoamento de água de chuva, vai direto para fora da cidade, para irrigação de plantações.

    — E por que não seguimos por ele?2

    — Porque outros fugitivos fizeram isso e agora existem grades impedindo a saída e um posto de vigia vampiro logo depois dela. Para o caso de alguém conseguir passar pelas grades.+.

    Capítulo 2 - Subterrâneo

    John levou quase duas horas para digerir as informações sobre os outros canos de esgoto, tempo que levamos para mudar de sistemas, pegando desvios e entrando em intersecções. Este duto passava por baixo da cidade, pois era um sistema antigo, eu nem imaginava porque foi mantido da cidade humana existente anteriormente aqui.4

    Mas não tive tempo para continuar minhas teorias mentalmente e logo John estava mais uma vez curioso.6

    — Como você sabe tanto? – ele me perguntou quando peguei o terceiro desvio nos guiando por inúmeros sistemas diferentes de esgoto.

    — Ao contrário de você, eu presto atenção às conversas dos vampiros, hackeio sistemas e estudo mapas de todo lugar. – respondi ainda andando e tomando outro desvio, nos transferindo para o quarto sistema subjacente da cidade.

    — Há quanto tempo planeja fugir?

    — Bastante.

    — Por quê?7

    — Ouvi conversas de que muitos mestiços que saíram para servir morreram, porque foram usados por mais de um vampiro por um tempo.

    — Pensou que podem ser apenas lendas, para nos assustar?7

    — Uma lenda bem plausível. Sabe que nossos preços são altos, não são todas as famílias vampiras que podem pagar por mestiços individuais John. Então consegui acesso às redes de notícias deles e descobri que a taxa de mortalidade é altíssima. Por isso muitos vampiros caçam na área desolada. Desde que descobri isso comecei a baixar mapas: esgoto da cidade, rede elétrica, ruas, localização de todas as cidades vampiras no planeta, etc., também comecei a me aplicar ainda mais em desenvolvimento e construção de hardware e software.5

    — E ia me deixar lá.5

    — Você não sabe lutar John.

    — Nem você.2

    — Pelo menos eu treinei escondida. Nunca lutei com ninguém de verdade, tem razão, mas sei o que fazer.

    — Não faz diferença PW, não temos armas.2

    — Qualquer objeto pontiagudo serve John. – rebati revirando os olhos.

    — Onde estamos indo agora? – John perguntou quando me viu retirar uma grelha da parede, abrindo um buraco por onde mal passaríamos e que nos levaria mais abaixo ainda.13

    — A cidade vampira foi erguida sobre os escombros da cidade humana que existia aqui antes. Eu estudei os mapas antigos e descobri que existem algumas passagens para os antigos sistemas de metrô humano. Acontece que esta é a terceira mais próxima. Claro que evitei as primeiras duas para tornar mais difícil nos seguir. – respondi empurrando ele pelo buraco.2

    — E por que eu tenho que ir primeiro?5

    — Porque não ia se lembrar de fechar a droga da passagem. Agora pula logo!

    Ele pulou, peguei a grelha de novo, passei pelo buraco de costas, me mantendo na borda, fechei a passagem sentei-me me pendurando do outro lado e soltando as mãos para cair no túnel abaixo.

    — Você não disse que aqui era um esgoto. – John reclamou, olhando o lugar desolado à nossa volta e ainda sentindo o mau cheiro do esgoto do qual saímos.6

    — Metrô desativado com o esgoto vampiro passando por cima, que cheiro achou que teria logo na entrada gênio? Isto foi um grande sistema de metrô, séculos atrás, quando existia uma cidade humana aqui.

    — E como sabe que tem saída?4

    — Na verdade não sei. Espero que ainda tenha, por isso não convidei ninguém para me acompanhar na fuga, seu cabeçudo. – respondi andando para a esquerda – se houver a saída que constava no antigo mapa, vamos sair muitos quilômetros longe da cidade vampira, já próximo do final da área desolada, em direção à cidade humana, portanto temos que ter muito cuidado.

    — Por quê? Já estaremos fora da área desolada mesmo.2

    — Porque não teremos cobertura de prédios em ruínas, viadutos e etc., onde nos esconder. Uma vez fora da área desolada, temos grandes trechos de percurso em meio a campos e florestas. Não faço ideia do que podemos encontrar. Sem contar as naves, não podemos ser vistos por elas. Mesmo que não tenham como saber que somos fugitivos mestiços, eu não sei o que fazem ao passarem por caminhantes.

    — Como você consegue essas informações? Eu presto atenção sim às conversas dos vampiros, mas eles nunca deixam escapar nada perto de mim. Caso não saiba, a maioria de nós quer fugir, mas da nossa turma você foi a única que conseguiu um plano completo e ouviu informações confidenciais aos montes ao que parece. – John reclamou enquanto andávamos.6

    — Não basta prestar atenção... Eu meio que me escondo, sei onde está cada câmera do complexo, portanto sei onde estão os pontos cegos e o tempo de mudança de ângulo de cada uma delas. Certa vez fiz uma experiência, andei o dia todo pelos pontos cegos ou atrás de outras pessoas, me esquivando de câmeras e soldados.

    — E o que ganhou com isso?7

    — No final do dia dois seguranças vieram ao alojamento se certificar de que eu ainda estava no complexo e não tinha dado um jeito de fazer o localizador funcionar fora do corpo e colocado ele no bolso de alguém enquanto fugia.

    — E é possível fazer o localizador funcionar assim?

    — Claro que é! Só que é inútil, como eu disse se você desaparece de vista, eles te procuram mesmo assim. Era isso que eu queria saber, se eles não procurassem, eu ia fazer exatamente isso.

    — Como? Funciona fora do corpo quero dizer.

    — John os localizadores são acionados por calor e ritmo. Desde que o mantenha em temperatura corporal e com um sonorizador que imite sua frequência cardíaca ele continua funcionando.

    — Como sabe disso?7

    — Esqueceu que trabalhei no setor de manutenção eletrônica? Foi lá que aprendi a bloquear o sinal das câmeras, que era o dispositivo que coloquei na parede quando me encontrou na central de escoamento e... Aprendi a consertar e manter funcionando localizadores, montar e configurar placas de sistemas e outros dispositivos, além de vários códigos de segurança. Quando se vai trabalhar nesses setores os vampiros acreditam que o domesticaram o suficiente para que não queira fugir. Posso ser bem amigável quando quero, então... – dei de ombros – Não tinham por que suspeitar que eu quisesse dar o fora. Dessa forma consegui tempo para aprimorar o meu plano de fuga, baixar e analisar todos os mapas que possivelmente pudesse precisar, recolher suprimentos, roubar e esconder roupas extras... Enfim, estou pronta para partir há meses.6

    — E não foi antes por quê?2

    — Estava esperando a estação certa. No inverno precisaria de mais roupas e seria mais fácil ser caçada, quase não tem sol. Na primavera e outono falta água pelo caminho, mas no verão o calor e o sol são obstáculos grandes demais, tornando mais seguro fugir e possivelmente mais fácil desaparecer, porque as pancadas de chuvas à tarde varrem os rastros, além de fornecer água potável para os cantis.8

    — Pretende andar à luz do dia, não é?1

    — Certamente.

    — PW, não enxergamos muito bem ao sol, considerou isso espero.

    — John, nós não enxergamos muito bem, mas os vampiros sequer podem andar à luz do sol devido à XP...3

    — O que é isso? – Ele me interrompeu para perguntar.4

    — Xeroderma Pigmentoso, é uma doença rara entre os humanos, mas todos os vampiros têm, em forma agressiva e acelerada. Em outras palavras, hipersensibilidade ao sol. Para nossa sorte isso os impede de nos seguir durante o dia, nesta época do ano, portanto ainda é o mais seguro. E, claro que considerei a nossa miopia diurna, acha que trouxe a bolsa de equipamentos apenas com roupas e comida?4

    — E as naves?

    — Como disse antes, sairemos bem longe da cidade e não vai ser hoje amigo. Temos alguns dias de caminhada nestes túneis até finalmente os deixarmos. Eu disse que não poderíamos ser vistos pelas naves, que por ventura passarem por onde estejamos, porque seremos caminhantes para eles. – disse a ele pegando à direita um túnel de manutenção que nos levaria a outra rede de trilhos.

    — Alguns dias? – ele perguntou incrédulo.6

    — Sim, a Cidade Real foi construída sobre os escombros de uma das maiores cidades humanas que existiu na antiguidade. Nesse tempo seremos considerados mortos, porque mesmo que esquadrinhem seus esgotos não estamos mais neles, já estamos longe e vários túneis diferentes de onde entramos neste sistema antigo. – respondi virando agora à esquerda.

    John desistiu de falar por um tempo e somente andamos pelos túneis que memorizei dos mapas, não queria abrir a tela de estudos onde gravara todos os mapas e localizações enquanto não estivéssemos bem longe, a luz da projeção de tela poderia chamar a atenção por alguma fresta no teto ou de algum ser desconhecido nos arredores.2

    Andamos por dois dias ouvindo apenas o barulho dos roedores e outros animais que rondavam os antigos túneis, o que me dava cada vez mais certeza de que havia saída, de outra forma não haveria gatos e cães vadios pelos túneis, principalmente cães, pois gatos costumam se esgueirar por todos os lugares. Havia alguns no complexo que só os céus sabem como entraram lá.

    — PW está ouvindo isso?3

    — Shiu! Eu ouvi, mas se não fizermos silêncio absoluto não poderemos saber se é uma ameaça. – sussurrei para John.

    Havia sons de passos e risos, vindos do fim do túnel onde estávamos. De acordo com os mapas, tínhamos que passar por ali, havia um túnel alternativo alguns metros antes, mas seria uma volta enorme.4

    Andamos silenciosamente até a beira do túnel e olhei pelo canto da parede para ver o que originava o som. Minha boca abriu.

    — O que está vendo? – John sussurrou em meu ouvido.

    — Existem habitações aqui. – sussurrei de volta.

    — De quê?

    — Não tenho certeza, mas parecem mestiços.

    — E agora?

    — Que tal nos dar a honra de sua visita? – uma voz feminina bem-humorada nos interrompeu, vindo de trás.4

    Imediatamente nos viramos para ela. Era uma mestiça que apesar de não aparentar ser muito mais velha do que nós, seus olhos contavam outra história.

    — Não tenham medo crianças, não somos selvagens. Meu nome é Eva. Venham, chegaram bem na hora do jantar e tenho um ensopado delicioso terminando de cozinhar. – ela continuou quando viu que não sabíamos o que dizer, passando por nós e se dirigindo para o interior da vila. Não tinha como dar outro nome.8

    Era um lugar enorme, então comecei a prestar atenção ao redor e reconheci o lugar de minhas pesquisas históricas. Era uma central de conexão do antigo sistema de metrô. Uma estação subterrânea imensa que interligava vários túneis com trens que antigamente se locomoviam para direções diferentes. As pessoas ali haviam se estabelecido nas inúmeras salas e espaços, tipo antigos estandes de lojas, até nos trens, há séculos parados ali. Aparentemente tornaram esses locais suas habitações permanentes.

    — É sério que vocês vivem aqui? – perguntei cética, seguindo-a para o centro do lugar.

    — Sim. Há décadas.

    — Como não foram descobertos? – John interveio surpreso.

    — Porque somos protegidos. Existem alguns vampiros que sabem deste lugar e nos ajudam a mantê-lo escondido dos demais.12

    — Inacreditável! – John se espantou.

    Preferi me abster de falar. Não conseguia acreditar que vampiros pudessem ajudar mestiços dessa forma. Há algum tempo não éramos mais maltratados no complexo, mas isso? Esconder mestiços de sua própria espécie e de seu próprio rei? Até onde estudara as leis isso era traição! Havia algo muito errado aqui. Esse lugar era uma bomba prestes a explodir.12

    — Não se preocupe Phoebe, seu pai é um desses vampiros. – ela disse vendo minha incredulidade estampada no rosto.6

    — Quem é Phoebe? – John perguntou olhando para os lados.

    — Eu, gênio. – revirei os olhos para ele.

    — Pensei que não soubesse o que significam suas iniciais. – John me olhava meio ofendido.

    — É claro que sei! Só nunca disse isso a ninguém. – esclareci.

    — Então? – ele incitou.

    — Phoebe WrathUtter – bufei.4

    — Isso quer dizer que sabe o nome do seu pai! – ele se espantou.

    — Ela sabe mais do que isso garoto. – Eva interrompeu.3

    John me olhava indeciso entre espantado, ofendido que eu nunca houvesse lhe contado e ansioso para que eu contasse.

    — Ok! Sei exatamente quem é meu pai. E você não sabe John, mas o conheceu quase um ano atrás. – me rendi.

    — Quem? – ele estreitou as sobrancelhas.

    — O vampiro que fez a mais minuciosa inspeção pela qual o complexo já passou. O que inspecionou inclusive nossos alojamentos e mandou os soldados olharem até debaixo das camas. E para facilitar minha vida, duplicou a segurança do lugar.3

    — Aquele enorme e assustador? – os olhos de John só faltavam pular para fora das órbitas – Falou com ele?5

    — Ele me fez perguntas, tive que responder, então sim. – revirei os olhos.

    — Então ele sabe quem você é. Quero dizer... – ele começou.

    — Eu sei o que quer dizer. – interrompi mal-humorada.

    — Então? – ele insistiu.

    — Isso importa pra você? John, ele é WrathUtter. O general das tropas reais, o guerreiro que garantiu a sobrevivência da família real quando deixaram seu planeta, matando dezenas de inimigos, sozinho, e assim abrindo caminho para que os outros chegassem às naves de fuga. O vampiro mais letal e cruel de toda a raça. Tudo isso está registrado nas histórias que cercam seu nome. Claro que reconheceu seu próprio cheiro em mim! Claro que notou que meu rosto é quase uma cópia do dele! Mas acha mesmo que eu seria a única criança gerada por ele? Devo ter dezenas de meios irmãos mestiços e mais alguns vampiros, amigo. – despejei, querendo encerrar o assunto de uma vez.8

    — Então ele não disse nada? – ele não ia desistir!

    — Não. Obviamente eu também não. Ele não se importa! Eu não me importo! Então, voltando ao presente e ao que realmente importa – virei meu olhar para Eva – desculpe se não acredito que este lugar seja tão secreto assim. Com certeza muitos sabem de sua existência e estão esperando apenas as coisas apertarem para entrarem aqui e buscar comida na despensa. Não vou ficar aqui e não acho que ninguém deveria.

    — Primeiro, Phoebe: vai descobrir que seu pai se importa com você sim. E muito. Segundo: os vampiros que mantém este lugar em segredo, têm razões para isso. – Eva rebateu.4

    — Que razões? – ignorei a afirmativa sobre meu pai.

    — Ao contrário do que pensa, eles tem sentimentos, tanto quanto os humanos. De uma forma um pouco diferente, mais crua, mais primitiva, intensa, mas estão lá. O soldado que lhe contou seu nome, por exemplo, Vanklo. Ele tem uma companheira mestiça aqui.

    — Como sabe tanto a respeito da PW? – John perguntou curioso.5

    — Porque fui eu que fiz o parto no qual ela nasceu. – ela nos surpreendeu.

    Arregalei os olhos para ela e não conseguia falar. Isso não batia com a história que o soldado me contou.

    Capítulo 3 - Eva

    — Vanklo, contou-lhe uma história que não a encorajaria a procurar seu pai. Era muito perigoso. Mas não passava disso, sua mãe nunca foi uma caminhante humana. Seu pai a trouxe para mim, quando estava perto de dar luz a você e montou esta habitação para ela. – Eva abriu a porta de uma grande sala que fora dividida e até que bem decorada, com tudo que seria preciso para se viver ali. E viver bem!5

    — Minha mãe viveu aqui? – não resisti perguntar olhando o interior do local.

    — Sim. Eles compraram uma casa localizada sobre uma das passagens que se dirigem para cá. Por essas passagens seu pai montou este lugar e a trouxe. Vinha todos os dias para ficar com ela. Vi pessoalmente o quanto ele a amava Phoebe. E... Ele estava aqui quando você nasceu. – ela contou.13

    — Então por quê... – comecei.

    — Foi entregue ao complexo? Não temos condições aqui para cuidar devidamente de crianças. Somos imunes às doenças dos humanos e até dos vampiros, mas um bebê? É arriscado que seu sistema imunológico seja prejudicado pela exposição à umidade, falta de ar fresco, etc. – Eva me interrompeu, explicando.

    Mas ela não havia terminado.

    — Além de que, no complexo seria instruída, aprenderia a ler, escrever, se exercitar... Enfim, uma escola perfeita. Mas todos já sabíamos que você tentaria fugir. Seu pai reforçou o sistema de segurança, porque sua formatura já fora arranjada. Ele a conhece Phoebe, acompanhou seus relatórios oficiais e extraoficiais sua vida toda.4

    — Phoebe! Isso significa que podemos ficar aqui! Não precisamos viajar e nos arriscar como você havia planejado. – disse John, feliz.4

    — Espero sinceramente que seja feliz aqui amigo. – dei às costas à dita casa da minha mãe, me dirigi para o túnel que me levaria a prosseguir meu caminho para longe. Claro que não ficaria nem um minuto em um lugar tão perto dos vampiros e tão óbvio.2

    — Deveria dar uma chance a seu pai. – Eva sugeriu, alto atrás de mim, mas sem me seguir.

    — Se ele me conhece, sabe que não ficaria aqui ou em qualquer lugar próximo. E certamente não será um problema me encontrar. Adeus Eva. Obrigada por tudo. – rebati sem me virar, entrando no túnel.1

    — PW!

    — Volte para lá John! Viva sua vida, não me siga. – continuei andando.

    — Não vou deixá-la ir sozinha.

    — Eu ia sozinha e ia deixá-lo no complexo, lembra-se? Agora já fugiu, aqui, segundo Eva é seguro e não vai servir quando sua idade chegar.11

    — E você?

    Me virei para ele abruptamente e deixei minha frustração fluir.

    — Eu nunca fui sua responsabilidade John! O que aconteceu não foi culpa sua, entenda isso de uma vez por todas, droga! Foi forçado tanto quanto eu. Não se ponha em risco desnecessário... Porque sou estranha e não confio em ninguém. Fique com eles. – Ralhei. Depois me virei e continuei andando para longe.7

    — Por que não pode ficar comigo? – John segurou meu braço, me virando para ele novamente.

    — Não! – me espantei com o que só agora via em seus olhos.

    — Eu não fui forçado PW. Você nunca percebeu, não é?4

    — Como poderia? Tudo que sempre senti foi medo e raiva John! Nunca me preocupei com esse tipo de sentimento. Foi uma surpresa perceber que conversava com você mais do que com os outros. E... Achei que se mantinha perto porque se sentia culpado...8

    — Não...

    — Não importa, ok? – sacudi a cabeça, negando – Minha vida foi baseada em aproveitar oportunidades de aprendizado e planejamento tático do próximo passo para minha liberdade. Eu nem pensei o que vou fazer caso, por um milagre, consiga chegar onde pretendo e meus planos terminem de se concretizar. Não planejo tão longe, penso no próximo passo e, se der certo, sigo em frente. – não o queria me seguindo, até porque estava cansada de mentir para ele, mas não conseguia confiar em ninguém o suficiente para contar tudo que planejei, ou mesmo tudo pelo que passei. Não estava pronta ainda para que alguém me conhecesse tanto assim.4

    — Você gosta de mim. Sei disso! – ele afirmou convicto.3

    — Acho que todos precisam de companhia em algum momento. – suspirei, tentando explicar e ao mesmo tempo desencorajá-lo – E sempre gostei da sua, de conversar, responder suas perguntas, brigar com você... Acho que, apesar de evitar, acabei considerando você como o único membro de uma família que eu inventei, um irmão que nunca tive.

    — Eu vou com você. – ele decidiu.

    — Não entende não é? – respirei alto.

    — O quê?

    — Prefiro não vê-lo nunca mais, deixando-o aqui, do que arriscar sua vida lá fora. Isso é o quanto gosto de você John. Sou a filha do general, um risco incalculável para qualquer um. Não se arrisque por mim. – pedi.

    — Mas não se preocupa com sua própria vida? – ele retrucou.

    — Não tenho nada a perder, mas não gostaria desse fim para você. – me virei e continuei meu caminho.4

    — Essa decisão não é sua. – ele me seguiu.1

    — Espero que se morrermos, se lembre dessas palavras quando chegarmos no inferno. – avisei, ele gargalhou.6

    Andamos por mais um dia e meio e quando reconheci os sinais que marquei mentalmente que demarcavam o fim dos túneis, parei. Estávamos andando devagar, precisava dar tempo aos vampiros para nos considerarem mortos e sabia que assim que deixasse os túneis não teria mais essa chance, seria corridas e escapadas.4

    — Vamos acampar aqui. Existe uma sala de manutenção desativada que podemos usar de refúgio, caso não tenha ninguém morando nela. Seguimos depois de dormir um pouco. Falta um quilômetro e meio, mais ou menos, para a saída e não é inteligente nos colocar em campo aberto, exaustos. – me dirigi para um túnel lateral pequeno que terminava em uma porta.

    Por sorte não havia ninguém morando ali e o local certamente não era usado há décadas.

    — Acha que seu pai vai te procurar? – John perguntou se deitando em um canto da sala.3

    — Não sei e não me importo. – me deitei ao lado da porta, depois de trancá-la com o mesmo dispositivo que usei no compartimento de manutenção do complexo, e colocar um pedaço de madeira travando a maçaneta para ninguém conseguir abrir chutando.

    — Mas e se o que Eva disse for verdade?

    — Qual a diferença? De qualquer forma agora sou uma fugitiva, teria que ter um perdão real para não amputarem minhas pernas ou não ser acoitada à beira da morte John. Então se meu pai se importa ou não, se vai me procurar ou não, realmente não faz diferença, não posso voltar.

    — Acha que Eva e os outros vão ficar bem?

    — Segundo ela, estão bem há décadas.

    — Mas você não achou que era suficiente para ficar lá.

    — John, de repente ela pode estar certa, se esconder bem debaixo do nariz do inimigo pode ser o mais seguro. Mas não consigo me convencer de que as autoridades não sabem sobre eles... Que os deixam ali como uma despensa de emergência. Não faz sentido! Se eu tive acesso aos mapas que nos levaram até lá, qualquer vampiro pode ter também. E por mais que os vampiros até possam ser capazes de amar... Não acredito que colocariam esse sentimento acima de sua raça.20

    — As pessoas podem surpreender quando amam PW.

    — Humanos e mestiços talvez, mas não vampiros.

    — Como pode ter certeza?6

    — Me diga você, pense sobre tudo que aprendemos, lemos, vivenciamos e observamos por duas décadas no complexo. Quando um vampiro foi bondoso com você, ou com qualquer um de nós John? E nem venha com a desculpa das câmeras, elas só passaram a cobrir todos os ambientes depois que meu querido pai esteve lá. Se o amor é algo tão aleatório como Eva nos deu a entender, porque nunca aconteceu com nenhum vampiro no complexo com qualquer mestiço entre nós?2

    — Mas se eles são predadores...

    — Quer dizer que, em mais de duas centenas de mestiços, não haveria um único com cheiro atraente para nenhum vampiro do local? Improvável. Não estou dizendo que vampiros não sejam capazes de amar John, estou tentando fazê-lo entender que mesmo o amor deles é diferente do que conhecemos... Não sei explicar, só... É estranho! – suspirei – Eles têm toda uma estrutura mental cultuada há milênios que os impede de ser tão impulsivos quanto nós. Parece que tudo que fazem é meticulosamente calculado, matematicamente planejado...3

    — O que seu pai te perguntou quando esteve em seu alojamento?

    — Por que quer saber?

    — Você fica mais agressiva quando o assunto o envolve.

    — Bem, o fato de ter redobrado a segurança e atrasado minha fuga em um ano é suficiente para isso.

    — Não, tem mais alguma coisa. Ou você teria me respondido de cara.2

    — Ele me perguntou se eu sabia quem ele era. – bufei.

    — E você disse o quê?

    — Não se pode mentir para o general vampiro John. Ele pode sentir o cheiro. Então eu disse que sim, que ele era o general WrathUtter. E já que sei que vai perguntar, vamos lá, ele me perguntou em seguida se eu sabia o que minhas iniciais significavam e eu respondi que sim, mas que não ia dizer isso em voz alta. Não importava. Ele me perguntou quem me contou e eu disse que não era da conta dele.1

    — Ele deve ter ficado bravo.

    — Não. Ele simplesmente se virou e saiu. Essa foi a grande interação que tive com meu pai. Fim.

    — Simples assim?

    — Simples assim. Eu não fico mais agressiva quando o assunto o envolve, fico assim quando não faz sentido. Por que mentir para mim? Não ia procurar meu pai de qualquer forma, todos sabem que não devem fazer isso. Mas porque se dar ao trabalho de inventar uma história? Podiam apenas me dizer meu nome e fim. As pesquisas que fiz sobre ele já seriam mais do que suficientes para desencorajar qualquer estupidez.

    E então encontramos o lugar onde minha mãe supostamente viveu e eu nasci. Assim, fácil, do nada. Há alguns quilômetros do complexo. Se nós chegamos até lá fugindo, certamente não fomos os únicos, não acho que seja tão inteligente assim. O que torna o fato dos vampiros que caçam fugitivos, não ter encontrado esse lugar ainda, total e completamente surreal, inacreditável e muito improvável.5

    — Eu não tinha analisado por esse ângulo.

    — Vê agora, como sou estranha? Eu analiso tudo! A história que Eva nos contou sobre meu pai e toda sua preocupação, além de já ter arranjado minha formatura, não bate. É romântica demais para a pessoa que conheci pessoalmente, para o guerreiro cruel e letal que as histórias contam.2

    — Mas se ele amava sua mãe...

    — Parou para pensar que estamos falando de um guerreiro extremamente inteligente? Temido? Famoso? Se ele amasse tanto uma mestiça, primeiro teria simplesmente reclamado ela ao complexo. Não tinha que a esconder, o general tem distinção e por gratidão o próprio rei teria lhe dado seu aval. Segundo, teria trazido um médico vampiro para fazer o parto em um local esterilizado, nem precisaria ameaçar o médico, sua reputação faria isso. Poderia até mesmo ter levado ela para o centro cirúrgico do complexo, ele podia ter uma mestiça para servi-lo, obviamente dar luz a um filho seu não era nada extraordinário. Eu teria nascido lá e ela estaria viva.10

    — E o que você pensa dele?

    — Nada.

    — Sem essa! Claro que pensa algo, a maioria de nós pensa e nem sabemos quem são nossos pais.

    — Se fosse para pensar que ele se preocupa, pensaria que foi ele que promoveu as inúmeras oportunidades que tive. As designações para trabalhar nas várias áreas de manutenção e reciclagem do complexo. Que me possibilitaram conseguir materiais, aprender tanto sobre tecnologia, descobrir códigos e acessos.

    Entre outras tantas oportunidades que fiz meu melhor para aproveitar. Portanto se fosse para achar que ele me observa, acharia que ele está me testando, vendo até onde vou... Qual minha capacidade. Não que esperasse como uma covarde pelo que o destino me reservou. Portanto não teria uma formatura arranjada de qualquer forma. O reforço na segurança seria um desafio.2

    — Mas isso seria cruel, não acha?

    — Não. Seria exatamente o que eu faria no lugar dele se me preocupasse com um filho mestiço.

    — Por quê?

    — Porque seria o único meio de ter certeza de que meu filho, caçado e indesejado pela sociedade, tinha condições de se virar e sobreviver. Seria a única forma de lhe dar uma chance de ser livre de verdade. Portanto, se, como Eva pensa, ele me conhece, sabe que vou até o fim. Se tudo que ela contou for, pelo menos, parcialmente verdade, ele espera que eu faça exatamente isso.

    — Você ama seu pai PW.

    — Não seja ridículo John! Eu praticamente nem conheço meu pai.

    — E mesmo assim está fazendo o que acha que ele espera de você.10

    — John. – exalei – acabei de saber de toda essa história e formulei hipóteses conforme você me perguntava. Não se esqueça que já estava fugindo quando nos contaram esses absurdos. Portanto não tem como estar fazendo nada porque acho que ele queira que eu faça. Quero desaparecer, só. – menti.

    Capítulo 4 - Complicações

    Quando retomamos o caminho de manhã o sol estava tão forte que mesmo há quase meio quilômetro da saída do túnel era possível ver a claridade na borda. Comecei a me preocupar com nossos suprimentos. Os cantis de água estavam cheios, os vampiros acreditavam em uma infinidade de deuses e se eles estivessem certos, esses deuses estavam do meu lado, porque a torneira ao lado de fora da porta da sala de manutenção funcionava e deixando escoar o primeiro jorro cheio de ferrugem, a água era potável.

    Mas eu só tinha dois cantis, não contava com John me seguindo, sabia que teria longos trechos provavelmente sem água, então me preparei para não passar sede, agora isso seria impossível.8

    A comida então, já era um problema. Meu parco estoque acabara esta manhã com John. Sozinha, calculara que chegaria ao final do território desolado antes de ter de me preocupar com comida. Agora teria que vasculhar os escombros da cidade abandonada atrás de qualquer coisa que ainda restasse, o que era improvável. Caçar animais estava fora de cogitação, demandava tempo na área desolada e isso era arriscado demais sequer para considerar.

    — Ferrou! Como vamos andar debaixo desse sol? Não enxergo um palmo diante do nariz. – reclamou John, quando nos aproximamos da saída.3

    — Ainda quer fazer isso?

    — Por que a dúvida?

    — Ainda sou um risco imenso, John. – lembrei a ele.2

    — Esquece! Boa tentativa, mas não vou deixá-la.9

    Bufei e tirei dois óculos de mergulho remendados da bolsa, com lentes escuras e lhe estendi um. Quando ele pegou, coloquei o meu no rosto e comecei a andar margeando qualquer escombro grande o bastante para esconder uma pessoa.1

    — Você sabia que eu viria com você, não sabia? – John apontou os óculos que agora o ajudavam a enxergar ao sol.

    — Não. Fiz um reserva, caso o outro quebrasse em algum momento. Se soubesse que viria comigo, teria preparado uma bolsa para você com comida até a borda.1

    Ele riu.

    Andamos o mais rápido que pudemos, nos esquivando de espaços abertos pelo dia todo, o que não era tão difícil, eram os escombros abandonados de uma grande metrópole humana com a vegetação tomando

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