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O Imortal
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E-book346 páginas5 horas

O Imortal

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Sobre este e-book

James é um imortal de 113 anos de idade que está começando uma nova vida em Seattle, Washington. Logo que chega na cidade conhece Sara, filha de uma amiga dele de anos antes, pela qual ele se apaixona. Mas James é um imortal e imortais tem inimigos. Inimigos que vão fazer de tudo para destruí-lo. Com Sara pega no fogo cruzado de uma guerra secular, James terá que ser implacável para garantir que nenhum mal lhe aconteça.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de fev. de 2017
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    O Imortal - Gabriel Souto Fischer

    CAPA

    O IMORTAL

    - Os Guardiões -

    Gabriel Souto Fischer

    O IMORTAL

    - Os Guardiões -

    O último inimigo a ser vencido é a morte.

    1 Coríntios 15:26

    Ficha Catalográfica

    Arte da Capa: Gabriel Souto Fischer

    Imagem: Pixabay (pixabay.com)

    © Direitos da obra reservados ao autor

    e publicada sobre sua responsabilidade

    Gravataí, Março de 2017

    Dedico este livro a diversas pessoas:

    A Profª Lídia e a Profª Karine que deram apoio a criação de minha primeira história, ainda no tempo de escola,

    Ao meu pai, Carlos, que sempre apoiou meus estudos e que sempre acreditou em mim e me incentivou a usar todo o meu potencial, além de ser um grande exemplo para mim,

    A minha mãe, Ireni, que é responsável por boa parte do que sou e sempre me ensinou as melhores lições sobre a vida,

    A meu irmão, Gustavo, que ilumina nossa casa e que torna nossa vida muito mais agitada, e ao mesmo tempo muito mais divertida,

    E a você, que está lendo está história.

    PRÓLOGO

    A floresta densa fechava-se ao meu redor. A cada passo que eu dava, eu me embrenhava cada vez mais fundo naquela imensidão de árvores e folhas, cada vez mais distante da civilização.

    Ou pelo menos da civilização humana.

    No século XVIII, começou-se a ouvir histórias de criaturas que pareciam com seres humanos que eram dotadas de força e velocidade incríveis, que andavam pela noite e não eram vistas de dia, que viviam se alimentando do sangue de outros humanos. Imortais por natureza e quase impossíveis de serem mortos por humanos, a não ser sobre efeito de alho, estacas de madeiras, balas de prata, e de cruzes.

    É a famosa lenda dos vampiros.

    Apesar de muita gente acreditar que eles não passam de uma mera lenda, outros dizem que todas as lendas se originam de fatos reais, e de certa forma, estão certos.

    Mas vampiros não existem. É um mito criado para explicar fatos reais. Para explicar coisas estranhas, como homens andando de capas negras à noite, assassinatos onde a vitima perdeu grande parte do seu sangue, e até em alguns casos com mordidas aparentes. Em outros casos, testemunhas oculares viram homens de capa aparecer em alta velocidade, se jogarem sobre uma pessoa que estava na rua, morderem-na e ficar ali parados, agarrados a ela, até que ela morresse. Metade da lenda se originou aí, outra parte veio de lendas mais antigas sobre espíritos. Coisas como morrer ao se expor a luz do sol e ter medo de alhos e cruzes foram formas de explicar como, por exemplo, nenhuma dessas criaturas foi vista durante o dia, ou para explicar a coincidência de uma testemunha não ter sido atacada por uma dessas criaturas quando estava portando uma cruz ou alho.

    Agora a história da estaca no peito era bem verdadeira, ou melhor, quase verdadeira. Uma estaca não era capaz de matar uma dessas criaturas, mas era o suficiente para deixá-las completamente paralisadas de tanta dor.

    E como doía.

    Ouvi um barulho a minha frente. Havia alguma coisa se esgueirando pelas árvores a algumas centenas de metros. Dentro de segundos eu teria contato visual da coisa se eu me mantivesse na velocidade em que estava correndo. Não precisei pensar muito para chegar à conclusão de que não seria uma boa ideia ir direto contra algo que eu não sabia o que podia ser. Então pulei...

    Graças a minha grande força, e a experiências anteriores em pulos como este, consegui pousar nos galhos mais altos de uma árvore e a partir daí continuei meu caminho literalmente pulando de galho em galho.

    Meu celular tocou.

    Eu programara a minha agenda com toques diferentes para certas pessoas, e esse era o toque característico de Carles. Suspirei profundamente e, ignorando a pontada pela falta de ar naquela correria, atendi ao telefone.

    - Alô – eu disse, sem muito entusiasmo.

    - Onde você está? – disse Carles, como sempre, indo direto ao ponto.

    - Indo para a mansão. Estou na floresta.

    - Está atrasado – ele disse sem delongas – Mas enfim, estamos com tudo pronto para o seu próximo disfarce. Os novos documentos já estão nos sistemas oficiais e seu novo nome já pode ser usado como verdadeiro.

    - James Efraim? – perguntei calmamente – Filho de John Efraim, que também fui eu?

    - Sim – disse ele impacientemente – Precisamos fazer as alterações permanentes em seu rosto, para não parecer demais com você quando estava disfarçado de John.

    - Ok – eu disse com menos entusiasmo ainda. Odiava ter meu rosto modificado, por isso evitava aparecer duas vezes no mesmo lugar.

    - Vamos trocar os lugares das suas pintas no seu rosto – disse Carles – e clarear um pouco a cor de seus cabelos. Faça o favor de manter o corte deles o mais diferente possível do que usava quando fingia ser John.

    - Claro... Claro... – eu disse um pouco irritado. Será que ele achava que eu era amador – Eu já voltei para o mesmo lugar outra vez se lembra?

    - Sim – ele disse satisfeito – Lembro-me muito bem. Na verdade, você nunca me deu trabalho no quesito dar na vista. Você sempre foi discreto e quando matou, cuidou de eliminar as provas de forma muito satisfatória. Após sua primeira mulher morrer, você nunca mais namorou e sempre saiu do lugar antes de dar muito na vista que você não estava envelhecendo.

    Porcaria.

    Odiava quando me lembravam de minha esposa Elisabeth. Ela morrera em 1939... Eu a matara. E como eu me odiava por isso. Sem contar as outras pessoas que eu tinha matado em todos esses anos... As famílias que eu destruí quando perdi o controle...

    Balancei a cabeça tentando afastar esses pensamentos. Tudo o que eu não precisava no momento era querer tentar me suicidar novamente, principalmente agora que já havíamos descoberto como fazer.

    - Eu sei disso – eu disse – Até breve.

    - Até. – e desligou.

    Como já havia passado por cima daquilo que me desviara de minha corrida, pulei novamente em direção ao chão e dobrei as pernas no momento e no ângulo exato para amortecer o impacto. Voltei a correr com toda a minha velocidade, visando chegar ao castelo que estava a alguns quilômetros a minha frente.

    Mais árvores. Mais arbustos. Mais grama. Mais mato. Mais terra. Mais verde. A paisagem estava horrivelmente igual para qualquer lugar que eu olhasse. Na verdade, se eu não soubesse exatamente para onde ir, provavelmente eu nunca acharia um caminho para a civilização. Bem... Na verdade eu acharia um caminho quando meus instintos tomassem o controle e me levassem diretamente para uma vítima humana...

    Argh.

    Não, eu não ia pensar nisso. As coisas mudaram. Nada mais de vítimas, nada mais de feridos, nada mais de infectados. Não agora que havia uma escolha.

    Ninguém mais iria morrer.

    Aquilo era uma promessa.

    E eu nunca quebro uma promessa.

    CAPÍTULO UM

    A minha nova vida

    Eu estava em um avião de Londres rumo a Seattle, em Washington nos Estados Unidos, onde eu pretendia morar pelos próximos dez anos se ninguém desconfiasse de mim. A minha nova vida já estava tracejada. Eu iria morar na casa abandonada de John Efraim e iria estudar na Universidade de Washington a poucos quilômetros de sua casa abandonada.

    Quando cheguei ao castelo naquele outro dia, recebi meus documentos e passei um mês treinando a minha nova identidade, decorando minha história de vida, os nomes de meus familiares, e outras coisas típicas do treinamento criado por Carles que garantia 95% de chances de sairmos dele preparados para ouvir alguém gritar nosso novo nome em uma multidão e nos virarmos para olhar. Quando se terminava o mês já estávamos apegados ao novo nome e quase esquecidos do antigo. No meu caso era mais fácil, pois eu iria voltar a utilizar meu nome verdadeiro: James.

    Muita gente deve estar se perguntando: Ora, mas porque ele muda de identidade tanto? Porque ele não envelhece?

    Ora, porque sou imortal.

    E o mais engraçado é que, quando somos mortais, o que mais queremos é ser imortais, mas quando somos imortais, queríamos nunca ter deixado de ser mortais.

    Ou seja, o ser humano nunca está contente com nada.

    Se bem que o termo ser humano não se aplica muito bem a mim. Acho que o termo mais correto seria semi-humano. E quando digo semi quero dizer quase.

    Éramos incompletos.

    A definição mais correta para um ser humano seria a união entre um corpo e uma alma. Aí residia o problema, para todos os efeitos, eu era apenas um corpo transitando por ai. Eu não tinha mais a minha alma.

    Tá bom, na verdade eu não sei se não tenho mais uma alma. Na verdade, tudo é muito teórico. Ninguém sabe ao certo o que há de errado, mas sabemos que algo está errado. Existe algo dentro das pessoas. Algo que podemos sentir dos humanos. Algo que não podemos sentir em outros como nós. Alguns acreditam que sejam as almas. Que sentimos nas pessoas porque elas ainda têm suas almas e não podemos sentir as dos imortais porque elas partiram quando nos transformamos. Eu particularmente não consigo acreditar que sou uma casca vazia. Não é crível que exista uma pessoa sem alma. Se eu não tivesse alma, não poderia ter sentimentos humanos.

    Mas vamos dizer que uns 30% de nós acham que não tem mais alma. E os outros 70%? Bem, esses acreditam que ela ainda está lá, mas que elas não estão funcionando do mesmo jeito. Em outras palavras, teoricamente eu ainda tinha uma alma, mas ela não funcionava como a alma de uma pessoa comum.

    Bom, para explicar tudo isso, precisamos rever algumas noções de como o universo funciona. Tudo que existe nesse universo é feito de moléculas que são feitas de átomos, que são feitos de nêutrons, prótons e elétrons, que são feitos de quarks que são feitos de partículas ainda menores que são feitas de pura energia.

    Tudo é energia, e quem nunca ouviu essa frase está muito mal informado. Quase 100% de tudo o que existe é energia. Vivemos em um universo vibratório, a matéria sólida na verdade é energia em constante vibração. Você e seu carro são feitos da mesma coisa, a única diferença é a frequência de vibração da energia. Isso é física quântica. Não é invenção minha, é a mais pura realidade. Teorizada e testada pela ciência. Procure na internet.

    Bom, a partir desse ponto entrarei em uma teoria sem provas, mas que acredito que seja a realidade. A matéria tal como conhecemos é energia vibrando dentro de uma faixa de frequências. No plano quântico podem existir energias vibrando com frequências diferentes das da matéria tal qual conhecemos. Não vou entrar em detalhes, mas fazendo uma comparação mais simples, nós escutamos sons numa frequência entre 20 Hz e 20000 Hz, o que é diferente disso, nós não podemos escutar, mas isso não quer dizer que não existam sons em outras frequências.

    Segundo essa teoria, nossas almas coexistem com nossos corpos, elas não podem ser vistas porque estão em outra frequência. A energia do que nós chamamos de matéria não consegue manipular a energia da alma, e quando morremos o que acontece é que a conexão entre corpo e alma é perdida e a energia que forma nossa alma não mais acompanha o corpo.

    Alguns de nós acreditamos que no caso dos imortais, a situação é um pouco mais delicada. Houve alguma alteração com a energia da alma, justamente por ela não poder se desvincular tão facilmente de nossos corpos. Como nossos corpos estavam tão intrinsecamente conectados a essa forma de energia, quando ela mudou, podemos sentir que algo está estranho e podemos sentir a energia correta irradiando de outras pessoas.

    Mas enfim, teorias e física quântica a parte, para todos os efeitos podemos dizer que eu não sou uma pessoa comum. Mas como isso? Puxa, quero dizer, como assim não tenho uma alma como uma pessoa normal?

    Simples, eu morri.

    Você deve estar se perguntado como se eu morri, ainda estou transitando por aí. Bem vamos lá... Em 1919, eu estava morrendo de gripe espanhola. Os médicos tentaram tudo o que puderam, mas eu não melhorei. No meu ultimo dia como humano, eles comentaram no corredor, e eu pude ouvir, que eu não passaria daquela noite. E sinceramente, eu já sabia disso. Eu sentia a doença se tornando forte, a morte me dominando. Aquela noite, deitado no meu leito improvisado, sabendo que ia morrer, ele apareceu.

    Eu não tinha visto de onde ele viera, mas ele estava lá. De em pé do meu lado, me observando. Ele pegou a prancheta colocada nos pés do meu leito e observou-a tristemente. Ele sabia que eu iria morrer naquela noite. Ele se aproximou mais e eu o focalizei melhor com a minha visão enfraquecida. Ele era alto e magro. Usava uma longa capa negra que tampava o seu corpo por inteiro, seu rosto estava vazio de expressão. Eu conhecia as lendas o suficiente para adivinhar o que ele era. Um vampiro. Na época não soube exatamente o que senti. Eu sei que sorri para mim mesmo, pois percebi que a dor acabaria antes do que eu esperava.

    - Como você está? – ele perguntou.

    - Morrendo – eu disse.

    Ele ficou muito quieto me observando por alguns instantes. Ele parecia extremamente incomodado com o que estava acontecendo. Na verdade, parecia que ele estava mais triste do que eu com a minha morte. Foi quando uma lagrima desceu por seu olho esquerdo.

    Aquilo era tudo o que eu não podia esperar da situação.

    - Que pena – ele disse.

    - Você é o que penso que você é? – eu perguntei.

    - Algo parecido – ele disse após alguns segundos de silêncio.

    - Veio me matar? – eu perguntei.

    - Não exatamente – ele disse – Não farei nada que você não queira. Na verdade, eu vim perguntar se eu posso te matar.

    - Me perguntar? – questionei.

    - Infelizmente preciso tirar vidas – ele informou – E prefiro tirar vidas daqueles que não têm mais chances de viver. Mas jamais sem sua permissão. O que estou te propondo é uma saída rápida e indolor.

    - Eu queria tanto poder ter um futuro – eu suspirei – Mas não há nada que eu possa fazer. Pode me matar se quiser. Uma saída rápida e indolor parece ser muito melhor do que pelo o que eu estou passando.

    Ele concordou com a cabeça e veio calmamente em minha direção. Ele abaixou a cabeça em direção de meu pescoço e parou. Ergueu-se e ficou com a postura reta novamente. Mordeu o lábio e pareceu pensar por uns instantes.

    - E se você pudesse ter outra chance – ele questionou – Mesmo que houvesse um preço... Você a aceitaria?

    - Com certeza aceitaria.

    Então ele mordeu o próprio pulso e encheu sua boca com seu sangue. Depois ele se aproximou de mim e me mordeu. Todas as sensações desapareceram instantaneamente. Havia alguma substância anestésica em seu sangue, ou em sua saliva. Fiquei completamente imóvel escutando meu sangue escorrer para a boca dele por alguns momentos e então o ouvir empurrar de volta. Não estava muito concentrado em nada, mas uma parte distante de meu cérebro me dizia que um vampiro bebia sangue e não apenas segurava na boca por uns instantes e devolvia. Algo estava escorrendo por todo o meu corpo, pela parte de dentro, se projetando da mordida e dominando minhas veias.

    Então uma terrível dor de cabeça começou, como se o meu cérebro inteiro estivesse se solidificando. Senti meu coração parar, e a falta de oxigênio fazer queimar todo o meu corpo e então uma sensação de paz e liberdade simplesmente me engolfou. Senti que estava morrendo e tudo ficou escuro. Depois do que aparentava apenas um segundo, eu acordei. Mas eu não estava mais no meu leito. Na verdade estava em uma grande cama e o homem me observava. Não estava mais usando a capa, e pude ver seu rosto com clareza. Ele estava horrorizado com a decisão que tomara.

    Percebi que eu não estava mais doente. Percebi que eu podia ver cada detalhe da fisionomia dele e cada detalhe ao seu redor de uma forma que eu nunca tinha visto antes. Era como se antes eu estivesse vendo o mundo através de uma tela de um celular antigo e agora estivesse vendo ele através de uma TV 8K de 60 polegadas. Eu também ouvia tudo. Cada pequeno som a minha volta era perfeitamente audível. Eu podia escutar com clareza o simples bater das patas de uma formiga na cabeceira da cama onde eu estava. Mas havia algo me incomodando muito. Minha cabeça. Parecia que ela estava sendo aberta, de tanta dor que eu estava sentindo nela. Parecia que a minha mente estava sendo chocalhada. Era como se os meus pensamentos não estivessem no mesmo lugar de antes. Era como se minhas lembranças e pensamentos estivessem se bagunçando e trocando de lugar.

    Olhei para o rosto dele que estava mudando de expressão.

    - Oi.

    Eu ouvi cada detalhe daquelas duas letras que ele dissera. Ouvi o barulho do som correndo o ar, ouvi o próprio som e ouvi cada detalhe do timbre de sua voz.

    Eu ouvia tudo.

    - Como está se sentindo? – ele tentou novamente.

    Eu estava perfeitamente bem, se não contasse aquela terrível dor de cabeça. Olhei para ele e estava prestes a dizer isso quando vi que faltava algo nos seus olhos. Eles pareciam sem vida. E vi a mim mesmo refletido neles. Vi meus próprios olhos que também pareciam sem vida.

    - EU VIREI UM VAMPIRO!

    Eu gritei e dei um pulo para levantar da cama.

    Descobri que eu era mais rápido e mais forte.

    Em um instante eu estava de pé, com a cama toda arrebentada atrás de mim. Eu pus muita força no impulso e arrebentei a cama para baixo e ao pousar no chão, arrebentei com o piso de pedra também. Imediatamente bambeei com a mudança súbita de posição.

    - Não. – ele disse calmamente – Você não é um vampiro. Eu não sou um vampiro. Os vampiros são uma lenda boba do seu povo.

    Fiquei quieto deixando meus pensamentos fluírem. Eles estavam muito mais lentos que o normal. E decididamente mais lentos que meu corpo. Mas mesmo assim eu conseguia me lembrar de cada pequeno detalhe dos últimos instantes. Revi em minhas lembranças a trajetória de uma mosca voando pelo quarto até sair pela janela aberta umas três vezes, não só vendo-a, mas lembrando com clareza do som de seu bater de asas. Mas a minha cabeça continuava doendo como se estivesse a ponto de explodir. Nunca tinha tido uma enxaqueca tão forte em toda a minha vida. Percebi que lembrar fazia a dor se elevar ainda mais, então deixei pra rever os detalhes novamente mais tarde. Eu tinha coisas mais importantes para pensar naquela hora.

    - O que você é? – eu perguntei, ouvindo o som de minha voz, as nossas respirações e duas espécies de batidas abafadas que se repetiam a intervalos regulares, que eu não sabia o que eram.

    - Sou um imortal – ele disse. Sobressaltei-me ao perceber que aqueles sons regulares eram dos nossos batimentos cardíacos.

    - Imortal? – perguntei cada vez mais confuso. Inspirei profundamente tentando me concentrar apesar da dor de cabeça e senti muitos cheiros que eu não conhecia, e outros que eu tinha certeza que teria de estar mais perto da origem para sentir.

    - Sim, você jamais poderá morrer.

    "Atenção a todos os passageiros, o comandante informa que iremos pousar no aeroporto de Seattle em alguns minutos. Assim, nós pedimos a todos os passageiros que apertem os seus cintos e se preparem para o pouso".

    A voz da aeromoça me acordou de minhas lembranças daquele dia distante em meu passado. Coloquei o cinto devagar e ligeiramente contrariado. Não gostava de nada que me prendesse, era estranho saber que eu rasgaria o cinto em meio segundo se quisesse. Não me inspirava nenhuma segurança.

    Peguei meu celular e observei a tela espelhada. Eu tinha quase o mesmo rosto daquele primeiro dia. Algumas pintas diferentes (alias quero deixar claro que não gosto de tatuar pintas falsas), o corte de cabelo e a cor também eram outras (eu ainda prefiro meu cabelo natural), mas afora isso era a mesma pessoa. Por sorte meus olhos eram os mesmos dessa vez. Eu odiava usar lentes de contato, pois eu podia ver a lente e isso me irritava de mais. Era como ver através de uma janela que não estava completamente limpa.

    Suspirei com o retorno das lembranças para minha mente. Logo após ele ter me dito que eu jamais poderia morrer, ele me explicou os detalhes dessa nova vida, as leis que nós tínhamos que seguir e o preço que eu teria de pagar.

    Eu viraria um assassino.

    E infelizmente não era algo que eu tivesse escolha, ou eu matava, ou eu era forçado a matar. Por muitos anos fui um assassino e isso não é uma coisa que um bom cristão gostaria de ser. Sempre tentei escolher minhas vítimas entre as pessoas que já estavam quase mortas como fizeram comigo. Estive nos campos de batalha da segunda guerra mundial, e sempre me mudei para onde havia algum conflito do gênero. Quando a paz se instaurou comecei a escolher minhas vitimas entre pessoas baleadas em becos escuros.

    Eu não queria ser um monstro.

    Mas sempre ficava com aquela dúvida que se talvez eu tivesse dado a chance, a minha vítima poderia ter sobrevivido. Por causa disso, por três vezes eu tentei dar um fim ao meu sofrimento. E posso dizer que o suicídio nos dias de hoje é praticamente impossível para nós. E naquela época era inimaginável.

    A minha primeira tentativa foi quando matei minha esposa. Eu não queria mais viver após ter destruído a pessoa que eu mais amava. Mesmo tendo sido um acidente, eu me sentia culpado e queria dar um fim a tudo de uma vez por todas. Voltei para os campos de batalha e deixei atirarem em mim até não poder mais. Fora a dor constante e o terror estampado nos rostos de meus inimigos, eu virar uma peneira ambulante não foi o suficiente para me matar, é claro. Então consegui surrupiar a arma mais forte que achei com os soldados e atirei na minha própria cabeça a queima roupa.

    Dor.

    Dor.

    E mais dor.

    E muito mais dor.

    Não tenho a menor ideia de quanto tempo passou, mas em determinado momento senti o projétil caindo para fora de meu crânio e acordei jogado no meio do chão entre diversos corpos.

    Tinha falhado.

    A bala de alguma forma tinha conseguido arrebentar minha caixa craniana quase indestrutível e se alojara dentro do meu cérebro. Não muito fundo, apenas o suficiente para ela desaparecer. E doía aquilo. Lentamente meu corpo foi restaurando os neurônios almejados e empurrando a bala para fora. Quando ela finalmente saiu e meu crânio já estava se reformando eu acordei.

    Descobri que já haviam se passado quase três meses desde minha pseudo-morte. Se a bala tivesse sido retirada o processo seria mais rápido, mas ninguém ia se importar em tirar uma bala da cabeça de um soldado morto em guerra. Senti-me ainda mais vazio de uma forma que nunca sentira antes fui forçado matar alguém. Quando acabou, enlouqueci ao ver outro corpo em minhas mãos e coloquei minha segunda tentativa de suicídio em pratica.

    Eu me joguei de um penhasco.

    Na verdade, eu me joguei de cabeça de um penhasco.

    Se eu me jogasse de em pé, quebraria as pernas no máximo, mas se eu caísse de cabeça era bem provável que arrebentasse minha caixa craniana e com sorte destruir meu cérebro.

    Dor.

    Dor.

    E mais dor.

    E muito mais dor.

    Quando acordei estava dentro de um caixão e havia pedaços de mim espalhados por dentro dele. Minha cabeça estava ligada a metade do meu tronco que estava ligado a um braço. Com esse braço juntei os pedaços e esperei o processo de cura. Sai do caixão cerca de onze meses após a tentativa de suicídio e tive de matar novamente.

    Eu me desesperei.

    Eu não conseguia descobrir uma forma de me matar, não importava o quanto eu tentasse. Já havia ouvido falar que um de nós tentara se matar com uma granada, mas o instinto de sobrevivência dele o fez saltar o mais distante possível da bomba no ultimo segundo e o poder de destruição dela não estourou seu cérebro, ou seja, ele se regenerou. O instinto de sobrevivência era outro inimigo na hora do suicídio. Eu não podia, por exemplo, tacar fogo em mim mesmo ou deixar minha cabeça debaixo de uma prensa hidráulica. Quando chegava ao instante de morrer, eu perdia o controle de meu corpo e fugia instintivamente. Não havia como não fugir.

    Pensei um pouco, era claro que a prensa hidráulica com certeza acabaria com minha cabeça, mas não iria me matar. Yohann conseguira com a ajuda de outros dois imortais ter sua cabeça esmagada, mas o processo de cura a restaurou e depois ele virou uma concha vazia. Não falava, não pensava, não amava, não tinha sentimentos. Era apenas um corpo guiado por seus instintos como um animal. Seu cérebro havia sido destruído, então tudo o que estava nele foi perdido quando ele se regenerou. Ele teve de ficar preso até o dia de sua morte. Mas o fogo, esse sim tinha poderes interessantes sobre nós. Ele podia nos queimar de verdade. Era um processo muito mais lento do que queimar um ser humano. O problema é que ninguém conseguia ficar no fogo tempo o suficiente para saber se ele seria capaz de nos queimar por completo.

    Então eu tive uma brilhante ideia.

    Ou muito idiota. Depende do ponto de vista.

    Tomei um banho de gasolina e depois me acorrentei a um poste de ferro encravado no chão. Enchi o chão a minha volta de madeira banhada em álcool e em gasolina. Risquei um fósforo e toquei.

    Dor.

    Muita

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